Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1313/08.9YXLSB.L1-6
Relator: MARIA DE DEUS CORREIA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
LOCATÁRIO
PLURALIDADE DE TITULARES DO DIREITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/11/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I - Contrato de arrendamento plural ou co-arrendamento é caracterizado pelo facto de todos os arrendatários serem simultânea e compativelmente arrendatários do mesmo objecto.
II - Ao co-arrendatário é lícito desvincular-se da relação de arrendamento plural através dos mesmos meios que ao arrendatário singular são facultados (resolução, revogação ou denúncia)
III - O direito do co-arrendatário encerra uma potencialidade de ampliação automática do seu conteúdo, expandindo-se até aos limites do direito do arrendatário singular, na medida em que, por redução do número consortes, venha a desaparecer a situação plurisubjectiva, assim se transformando o arrendamento plural em arrendamento singular.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO

Fernando intentou a presente acção, inicialmente sob a forma sumária, actualmente ordinária por força da alteração do valor, contra Maria, Raúl, Pedro, Jorge, pedindo a condenação da Ré a restituir ao A. o locado na sua totalidade e a proceder a obras de reparação e conservação, bem como a condenação dos Réus a absterem-se de quaisquer actos que possam perturbar o direito do A., e a pagarem ao A. o valor de 5.000€ pelos danos patrimoniais e ainda ao pagamento do valor de 15.000€ pelos danos não patrimoniais.

Para tanto alega que é arrendatário da fracção identificada nos autos na sua totalidade, sendo que o contrato foi inicialmente celebrado com dois arrendatários, sem determinação da parte pertencente a cada um deles, utilizando o locado indistintamente juntamente com o outro co-arrendatário. Sucede que o outro arrendatário veio a falecer, tendo sempre o Autor pago a totalidade da renda, quer antes quer após o falecimento daquele, utilizando ainda o logradouro, sendo que o locado se destinava a ser utilizado na sua actividade profissional de arquitecto. Alega, porém, que os RR., sem autorização do A. arrombaram a porta do locado várias vezes, mudando a fechadura do mesmo e retirando objectos do A., obrigando este a colocar alarme e nova fechadura.

Refere que, apesar de instada para o efeito, a 1ª ré senhoria nunca fez obras no locado, sendo que neste momento o mesmo não pode ser utilizado, pelo que deve ser condenada a proceder a tais obras.

Citados os Réus, vieram os três primeiros arguir a ilegitimidade do terceiro, por ter actuado apenas como mandatário dos dois primeiros RR. e não em nome próprio. Mais referem que nunca o A. utilizou o logradouro e que o locado não era apenas utilizado pelo A., mas sim pelo A. e pelo outro co-arrendatário ocupando cada um deles uma das salas do locado, sendo que após o falecimento do último os herdeiros entregaram a chave à senhoria. Além disso, referem que o A. nunca solicitou quaisquer obras, pois sempre recusou a entrada à Ré e o estado de degradação do locado deve-se ao uso feito pelo A. do mesmo, dado existir entulho e material degradado. Mais referem que após a entrega da chave pelos herdeiros do co-arrendatário, a Ré tentou arrendar esse espaço ao 4º réu, porém, o acesso sempre lhe foi vedado e o A. alterava a fechadura. Por outro lado, ainda que a Ré tentasse mudar a fechadura e deixasse a nova ao Autor, este sempre se recusou a ir buscar a mesma à porteira, alterando sim e por sua vez, a fechadura sem que permitisse o acesso à senhoria, nomeadamente da sala ocupada pelo anterior arrendatário.

Concluem pela improcedência da acção.

O 4º Réu também contestou limitando-se a afirmar que celebrou com a 1ª Ré um contrato de arrendamento de uma das salas do locado, desconhecendo o demais e concluindo também pela improcedência.

O A. respondeu mantendo o alegado em sede de petição inicial.

Decorridos todos os trâmites legais, foi realizado o julgamento e proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu os Réus do pedido formulado pelo Autor.

Inconformado com a decisão, veio o Autor interpor recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

I-Por contrato outorgado em 14 de Outubro de 1963, o Autor, ora Recorrente, e Carlos tomaram de arrendamento (para fins não habitacionais) à 1ª Ré Maria, o imóvel sito no rés-do-chão esquerdo do prédio da Rua (…) em Lisboa;

II. Após a morte do segundo arrendatário em 25 de Março de 1998, o direito de arrendamento transmitiu-se, nos termos do artigo 112º nº2 da RAU, para a herdeira;

III. Em 24 de Janeiro de 2005 a herdeira renunciou ao direito de arrendamento através de comunicação à senhoria sendo que, nos termos da lei vigente à data dos factos, a única pessoa a quem a viúva podia ter transmitido o seu direito ao arrendamento do locado seria ao ora Recorrente pois, este era o único que exercia a mesma profissão no referido locado;

IV. Os segundo, terceiro e quarto Réus, por diversas vezes, juntos ou separados, violaram ilicitamente o direito de arrendamento do ora Recorrente, com entradas forçadas no locado, por 7 (sete) ocasiões no período decorrido entre Julho de 2006 e Agosto de 2007, devassando, destruindo e furtando objectos de propriedade do Recorrente e colocação de novas fechaduras não só na entrada do locado como num dos seus gabinetes;

V. A Exma. Sra. Juíza a quo teve sérias dificuldades em enquadrar a situação que lhe foi colocada no normativo legal adequado, acabando por errar na decisão que tomou, ao considerar que, no caso concreto, se estaria perante dois arrendamentos parciais (de uma “quota” de 50% para cada arrendatário) e não, num único arrendamento sem definição e divisão de partes;

VI. A Exma. Sra. Juíza, ao mesmo tempo que entende que se trata de um contrato de “arrendamento plural” contradiz-se depois, quando diz que se trata de “dois arrendamentos parciais”

VII. Erradamente, a Sra. Juíza quer fazer depender o direito do ora Recorrente ao arrendamento da totalidade do locado ao facto de ele ter alegado e não ter provado que sempre pagou a totalidade da renda, quer em vida do seu falecido colega, quer após a sua morte sendo que, uma coisa nada tem a ver com a outra porque, o direito do Recorrente não se alicerça aí, mas sim no facto de ele ser o único titular sobrevivo do arrendamento tomado à senhoria e, como tal, único arrendatário do direito à utilização exclusiva do imóvel.

VIII. O contrato de arrendamento celebrado pelos dois arrendatários deu-lhes o gozo total do imóvel, podendo eles estabelecer, entre si, a forma de utilização do espaço e a forma de pagamento à senhoria do valor de renda estipulada;

IX. A questão de se saber quem pagava ou não pagava a renda (ou o montante que estipulavam entre si que cada um pagava) é irrelevante para a questão de saber se estamos ou não perante um caso de um arrendamento plural ou dois arrendamentos singulares;

X. Mais uma vez a Exma. Sra. Juíza erra quando considera que, ao Recorrente, não é atribuído nenhum direito de preferência sobre o direito de arrendamento do ex-arrendatário; pois, não há, nem tem de haver, nenhum direito de preferência, nem o Recorrente alguma vez o alegou, simplesmente, porque ele não pode ter direito de preferência sobre algo que já é seu;

XI. Havendo dois arrendatários de um único contrato de arrendamento sem que ali seja determinada qualquer divisão do imóvel ou atribuição de partes entre aqueles arrendatários, estamos perante um arrendamento plural com dois co-arrendatários, com iguais direitos e deveres perante o senhorio e, no caso concreto, não estamos perante dois contratos de arrendamento mas, apenas de um, que incide sobre a totalidade do imóvel e que é tomado de arrendamento por ambos os arrendatários;

XII. É entendimento da doutrina que, a extinção do vínculo de um dos coarrendatários não afecta forçosamente a subsistência da relação de arrendamento, embora possa fazer desaparecer a situação de coarrendamento (quando o arrendamento plural tenha apenas dois sujeitos); O arrendamento plural transforma-se num arrendamento singular; a relação que era estabelecida entre o locador e vários locatários transforma-se numa relação de um locador para um locatário apenas;

XIII. A mesma doutrina entende que a contracção ou a redução à unidade por parte de quem toma de arrendamento não se traduz numa alteração descaracterizadora ou desequilibradora da relação previamente existente; a admissibilidade da desvinculação individual (com a consequente redução do número de co-arrendatários) é, não só na hipótese incontornável de morte do co-arrendatário, mas também nas demais hipóteses em que ao arrendatário singular é admitido desvincular-se voluntariamente (com a consequente extinção da relação), expressão da ideia de que nenhum arrendatário pode permanecer indefinidamente vinculado contra a sua vontade);

XIV. Entre os diversos arrendatários parciais de determinado imóvel não existe qualquer relação jurídica. Cada um deles é, perante o locador, responsável exclusivo pelo cumprimento integral dos deveres de arrendatário, relativamente à parte do imóvel da qual tem o gozo exclusivo e também apenas cada um deles têm legitimidade para exigir ao locador o cumprimento das suas obrigações, relativamente à respectiva parte do imóvel;

XV. Os co-arrendatários podem, a todo o tempo, proceder à operação de delimitação fáctica do gozo do imóvel, ao abrigo da liberdade que lhes assiste de gerirem o gozo desse bem dentro dos limites do contrato;

XVI. O desaparecimento da configuração plurisubjectiva da parte que toma de arrendamento não constitui um factor de dissolução da relação de arrendamento, dado que esta pode subsistir em versão singular, desde que subsista, pelo menos, o interesse de um dos consortes que, assim, assumirá a qualidade de arrendatário singular;

XVII. Cada um dos arrendatários tem um direito não só qualitativamente idêntico mas também quantitativamente idêntico, cuja incidência objectiva se estende à totalidade do local arrendado; a necessidade de ordenar compativelmente a dinâmica dessa incidência pode levar os consortes a delimitarem (com ou sem variações temporais) partes do imóvel arrendado para efeitos de gozo individual de cada um deles (como por exemplo no arrendamento a vários profissionais liberais); tal não significa porém, que em abstracto, a incidência objectiva do direito de cada um se estenda apenas ao local do qual faz um uso total ou predominantemente individualizado; essa incidência estende-se potencialmente a todo o local arrendado, justificando-se, assim, que a todo o tempo, os co-arrendatários possam reordenar ou reorganizar o modo de, em concreto, exercerem os respectivos direitos de gozo sobre o imóvel;

XVIII. A Exma. Sra. Juíza considerou como provado que ambos os coarrendatários usavam de forma livre e sem qualquer divisão “todas as ditas partes comuns do locado” e que cada um deles usava uma das salas do locado como gabinete próprio;

XIX. Onde a Exma. Sra. Juíza erra é quando não responde à questão de saber se havia ou não alguma divisão no locado (mormente, relativamente a cada um das salas utilizadas como gabinetes de cada um dos arrendatários) que impedisse o outro de utilizar ou de circular livremente ou, mais dito de outra forma: de usar;

XX. Deveria ter sido dado como provado que, embora cada um dos arrendatários utilizasse o seu próprio gabinete, qualquer um deles (e outras pessoas que ali trabalhavam) podiam circular livremente e usar qualquer um dos gabinetes de uma forma absolutamente aberta e sem qualquer divisão; isto é, não havia qualquer divisão de partes do locado que estivessem atribuídas em exclusivo a qualquer um dos condóminos, pelo que não se pode dizer que cada um dos arrendatários tinha o uso exclusivo do seu gabinete e, mais ainda, que o contrato de arrendamento dava a cada um dos locatários um gabinete exclusivo;

XXI. O direito de arrendamento que era, anteriormente à renúncia da viúva do ex-arrendatário, atribuído aos dois primitivos arrendatários, com a extinção do direito por parte daquela, passou a mesmo a pertencer em exclusivo ao Recorrente;

XXII. Na presença de uma lacuna da lei na previsão do regime dos arrendamentos plurais, deve recorrer-se à analogia com outras figuras jurídicas muito próximas, devendo ser aplicado o art. 1442º do CC que estabelece a regra de que “o usufruto constituído por contrato ou testamento em favor de várias pessoas, conjuntamente, só se consolida com a propriedade por morte da vítima que sobrevier”;

XXIII. Tal como na compropriedade, também no coarrendamento cada um dos consortes é titular de um direito individual; porém, o direito de cada um dos co-arrendatários não pode ser considerado como um direito que se projecta sobre uma quota ideal de gozo do imóvel; sendo o direito de cada coarrendatário um direito de gozo não alienável (por si só) nem onerável, a problemática da incidência objectiva desse direito (diferentemente do que se verifica na compropriedade) não releva para efeitos de alienação da “quota”, nem sequer para efeitos de gestão do gozo colectivo do imóvel;

XXIV. No caso concreto, deve aplicar-se o ensinamento de Antunes Varela: tendo o contrato caducado quanto ao inquilino falecido, por força do disposto no artigo 1051º nº1 alínea d) do Código Civil, o outro arrendatário continua a ser titular de um arrendamento que incide sobre toda a fracção;

XXV. Nunca houve da parte dos arrendatários ou herdeira (em vida ou após a morte do arrendatário Carlos) qualquer comportamento que possa ter induzido o julgador a crer que, embora o arrendamento não tenha conferido a cada um dos dois arquitectos o gozo de gabinetes, eles quisessem atribuir a cada um dos co-locatários, nas suas relações com o locador, uma quota ou fracção ideal do direito global do arrendamento;

XXVI. O direito que os co-arrendatários têm de entre si estipular a organização do espaço do locado é um direito pessoal de gozo, próprios dos locatários, que beneficiam do princípio da liberdade contratual;

XXVII. Nenhuma consideração de razoabilidade, inspirada no princípio da boa-fé contratual, justificaria a possibilidade de o senhorio impor ao Recorrente a divisão da fracção com um terceiro – ainda que de colega se tratasse – que ele não quisesse aceitar;

XXVIII. No que respeita aos 2º e 33º Quesitos deve ser dado como provado que não havia divisões, nem delimitações ou impedimentos de passagem ou circulação de qualquer ordem para que qualquer dos arrendatários utilizasse qualquer espaço do locado como seu, muito menos se pode dizer que a cada um dos arrendatários estava atribuída uma quota ideal de 50% no gozo que tinham do espaço tomado, por ambos, de arrendamento;

XXIX. Relativamente à questão dos 50%, a Exma. Sra. Juíza não se pronunciou na sua Resposta à Matéria de Facto, não dando como provado o que foi alegado pelos Réus mas, já no que toca à sentença, a Exma. Sra. Juíza acabou por dar tal facto como provado, sem que tivesse declarado essa sua decisão no despacho saneador ou Resposta/motivação à Matéria de Facto;

XXX. Não bastava à Exma. Sra. Juíza decidir (erradamente) que se tratava de uma ocupação de 50% por cada um dos arrendatários mas, teria de ir mais além e concretizar essa mesma divisão, o que não aconteceu;

XXXI. Fica demonstrado que a Exma. Sra. Juíza, embora não tenha dado como assente (no Despacho Saneador e na Resposta à Matéria de Facto) um facto que foi alegado pelos Réus e que não foi provado em sede de audiência de julgamento, acaba por dá-lo, ilegalmente, como provado na sua douta sentença.

XXXII. Com uma argumentação, baseada na sua própria interpretação dos factos e não sustentada em qualquer prova, a Exma. Sra. Juíza decidiu que a senhoria tem o direito a gozar 50% do imóvel, concluindo depois que as entradas forçadas que os Réus fizeram ao locado, entre Julho de 2006 e Agosto de 2007, foram legitimas o que fez com que outros dois pedidos formulados pelo ora Recorrente - e que estavam dependentes da resposta ao primeiro - fossem indeferidos por essa mesma razão;

XXXIII. A prova produzida em audiência de julgamento foi no sentido de que todo o locado, não obstante cada um dos arrendatários trabalhar numa sala, era livremente utilizado por qualquer um deles e pelas pessoas que aí se deslocavam para coadjuvar aqueles nos seus trabalhos e projectos;

XXXIV. Embora cada um dos co-arrendatários utilizasse mais frequentemente cada uma das salas, isso não significava que qualquer um deles não pudesse utilizar qualquer das salas quando quisesse e precisasse;

XXXV. A Exma. Sra. Juíza considerou que “a ocupação era de 50% para cada um” mas, de facto e de direito, tal divisão em duas quotas não existia, não só porque um dos gabinetes é o dobro do outro mas também porque ambos os arrendatários sempre entenderam que tinham o direito de gozo sobre todo o espaço do locado, circulando livremente e com as portas de ambos os gabinetes sempre abertas;

XXXVI. Relativamente ao 1º Quesito, ao mesmo tempo que a Exma. Sra. Juíza dá como provado que o Autor, ora Recorrente tinha a possibilidade de utilizar o logradouro (a que designa de “quintal dos inquilinos”) logo a seguir diz que “não se vislumbra tal, pois nem sequer existe acesso directo do imóvel” ao mesmo; neste ponto, deve ser considerado como provado que faz parte do locado a utilização do logradouro e que o acesso ao mesmo era feito pelo hall das escadas do prédio, acesso esse que foi entaipado;

XXXVII. No que concerne ao 16º Quesito, a Exma. Sra. Juíza errou ao dar como provado que os factos terão ocorrido no dia 29 de Janeiro quando, de facto, os mesmos aconteceram três dias antes, ou seja, no dia 26, conforme pode verificar a fls. 361 dos autos;

XXXVIII. Relativamente ao 18º Quesito, a Exma. Sra. Juíza errou por duas vezes: a primeira porque se enganou no dia (não foi dia 8, mas sim dia 9) e a segunda porque, as pessoas que ali entraram, arrombando a porta e substituindo as fechaduras das portas foram, não apenas “os mesmos RR.” referidos na resposta ao 16º Quesito mas, também, o Réu Jorge Tavares, conforme este próprio referiu na sua contestação (artigo 10º);

XXXIX. Relativamente ao 21º Quesito, a Exma. Sra. Juíza errou ao não dar como provado que o Autor, ora Recorrente, tenha despendido o valor de €625 na compra da nova fechadura, conforme doc.12 que foi junto aos autos com o Requerimento Probatório e que não foi contestado pelos Réus; tal facto deve, assim, ser considerado como provado pelo Doc.12 junto com o Requerimento Probatório;

XL. A Exma. Sra. Juíza errou novamente quando deu como provado que o Autor, ora Recorrente, tenha pago à Securitas “o valor de 574,75€ pelo serviço mensal” pois, o que aconteceu foi que o Recorrente pagou esse valor pela instalação do alarme e não pelo serviço mensal;

XLI. Relativamente ao 23º Quesito, a Exma. Sra. Juíza entendeu não dar como provado um facto (pagamento mensal à empresa de vigilância) apenas porque o valor era caro comparativamente ao valor de renda do imóvel; deve tal facto ser dado como provado;

XLII. Relativamente ao 26º Quesito, foram juntos documentos aos autos – que não tiveram da parte da senhoria qualquer oposição -, demonstrativos que foi o Recorrente quem pagou na integra, pelo menos desde o falecimento do coarrendatário, as rendas, pois não há dúvida nenhuma que os cheques estão assinados unicamente por ele, foram sacados duma conta bancária sua, que o valor pago é o valor da renda e que estão passados à ordem da senhoria;

Termos em que a decisão em causa deve ser anulada relativamente aos 1º, 3º, 4º e 5º pedidos e substituída por outra que seja conforme à lei e se pronuncie pela condenação dos réus a restituírem a posse na sua totalidade ao recorrente, abstendo-se de quaisquer actos que possam perturbar o exercicio do direito do recorrente, indemnizarem o recorrente pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados, assim se fazendo a acostumada justiça.

Nas suas contra alegações, os Recorridos pugnaram pela confirmação da sentença recorrida.

Cumpre apreciar e decidir:

II-OS FACTOS

Na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos:

1.Por documento particular, datado de 14 de Dezembro de 1963, cuja cópia se encontra junta a fls. 33 e 33vº e se dá por integralmente reproduzido, Augusto e Maria, na qualidade de senhorios, deram de arrendamento ao ora A. Fernando e Carlos, o rés do chão esquerdo do prédio sito na Rua (…) em Lisboa, por seis meses, com começo no dia 1 de Janeiro de 1964, automaticamente renovável por iguais períodos, pela renda mensal de mil escudos, destinando-se a casa arrendada para estúdio particular de desenho (cfr. doc. aludido );

2. Por carta datada de 28 de Abril de 2008, o A. solicitou á ré Maria, além do mais, «(...) A realização de obras urgentes no locado, em virtude do estado de degradação em que o mesmo se encontra» ( cf. Doc. de fls. 42 cujo teor se reproduz );

3. A ré respondeu à referida carta, por carta datada de 15 de Maio de 2008, junta a fls. 43 e que se reproduz, na qual se refere além do mais, que «A solicitação que me faz para a realização de obras urgentes no locado não tem sentido (...) porque V.Exa tinha e tem obrigação, (...) a manutenção e limpeza do espaço locado (...). Tendo utilizado o espaço para armazenar os despojos e lixos (...) pelo que considero que o actual estado de degradação do locado deve-se a sua única e exclusiva responsabilidade. (...) estou a estudar juntamente com o meu advogado uma acção em que responsabilize o inquilino pela sua actuação (... ), informo-o que enquanto se mantiver esta situação de litigio em Tribunal não farei obras no locado (...)» ( cf. Doc. de fls. 43 );

4. A ré intentou contra o ora A. e Maria dos Anjos, uma acção sob a forma sumária, que correu termos no 4º Juízo, 1ª secção sob o nº 5984/04.7TJLSB, na qual se pedia a condenação dos RR. a entregar o locado livre e desonerado, acção que por sentença datada de 22 de Janeiro de 2009, foi declarada improcedente e absolvido o R. do pedido e admitida a desistência quanto à ré – cf. Doc. de fls. 159 a 163 cujo teor se reproduz;

5. Por apenso à acção referida, correu termos uma providencia cautelar intentada pelo ora A. contra a Ré, não especificada para defesa da posse, pedindo a restituição da posse da totalidade do locado, bem como seja ordenado que os requeridos se abstenham de qualquer acto que perturbe a posse do arrendado até decisão judicial no âmbito do processo principal, a qual foi declarada improcedente, nos termos da decisão junta a fls. 109 a 115 cujo teor se reproduz;

6. Na sequência da carta referida em 2. o A. formulou um pedido junto da Comissão Arbitral da CML para ser determinado o coeficiente de conservação do locado, o qual foi indeferido pelo facto de o prédio do locado não se encontrar constituído em regime de propriedade horizontal;

7. Em carta datada de 12 de Maio de 2008, o A. solicitou à mesma comissão junto da CML, que fosse determinado o coeficiente de conservação do locado, ou a declaração de impossibilidade – cf. Carta de fls. 44 a 46 cujo teor se reproduz;

8. Com data de 30 de Abril de 1998, a esposa do falecido Carlos, Maria dos Anjos, comunicou à ré o óbito daquele, ocorrido em 25/03/98, e ainda que pretendia que fosse considerada a transmissão do arrendamento, devendo os recibos serem também emitidos em seu nome;

9. A herdeira do falecido Carlos, sua esposa Maria dos Anjos, a 24 de Janeiro de 2005, declarou que relativamente ao locado «(...) que nada pretendo quanto a tal arrendamento e que, na medida do possível, entrego a parte respectiva à senhoria, desejando apenas retirar os bens quer pertencem ao meu marido» ( cfr. doc. de fls. 102 );

10. A ré Maria celebrou com o réu Jorge, por documento particular junto a fls. 103 a 105 e cujo teor se reproduz, datado de 18 de Dezembro de 2006, um contrato denominado “de arrendamento para habitação”, tendo por objecto 50% da fracção sita no R/c esquerdo, com entrada pelo nº 2 da Rua (…) em Lisboa, destinando-se essa parte exclusivamente para o exercício da profissão do réu, com início em 1 de Janeiro de 2007, renovável por iguais períodos – cf. Doc. de fls. 103 a 105;

11. Com data de 9 de Agosto de 2007, foi relativamente ao locado feita a participação da Polícia de Segurança Pública junta a fls. 62 e 63 cujo teor se reproduz;

12. O locado em causa é composto por um hall de entrada, duas salas, uma cozinha utilizada como arrecadação, uma casa de banho e ainda a possibilidade de utilizar o logradouro do prédio com acesso pelo r/c;

13. Ambos os inquilinos usavam de forma livre e sem qualquer divisão, desde o início do contrato e até ao falecimento de Carlos, todas as partes ditas comuns do locado, como sendo a cozinha, a arrecadação, hall de entrada e casa de banho, utilizando cada um cada uma das salas como gabinete próprio;

14. E o locado servia a ambos os inquilinos como local secundário nas actividades que desenvolviam;

15. O A. utiliza o locado na feitura de desenhos, projectos de obras e relatórios de peritagem, no estudo e preparação das aulas que leccionava, todas elas decorrentes da actividade liberal que desenvolve como técnico civil e arquitecto;

16. O locado servia ainda para a realização de alguns trabalhos de índole técnica da actividade principal do A. na CML, sendo que essas actividades desenvolvidas exigem material de apoio diversificado e documentação multidisciplinar e de dimensões especiais;

17. O locado apresenta as suas componentes em madeira atacados com formiga branca, a laje de betão armado do tecto utilizado como gabinete pelo A. encontra-se sem ferro, apresenta várias paredes sem reboco e estuque aluídos e algumas com tijolo à vista;

18. O A. solicitou aos serviços da CML uma vistoria técnica ao locado, a qual foi agendada para finais de Maio de 2008, tendo o A. pago pela mesma 87,06€;

19. O estado do locado supra referido determina que o mesmo não possa ser utilizado na sua totalidade pelo A.;

20. No dia 14 de Julho de 2006, sem autorização do A., os réus Raúl e Pedro, entraram no locado e procederam à mudança da fechadura do mesmo;

21. No dia 29/01/2007, o R. Raúl, acompanhado pelo R. Pedro na qualidade de mandatário daquele, procederam à alteração da fechadura da porta;

22. O A. procedeu à mudança da fechadura;

23. No dia 8 de Fevereiro, os mesmos RR. voltaram a aceder ao locado e alteraram de novo a fechadura;

24. O A. procedeu à colocação de um alarme ligado à Securitas, tendo despendido o valor de 574,75€ pelo serviço mensal, sendo o valor mensal desde Fevereiro de 32,67€;

25. No dia 21/02/2007, os RR. Raúl, Pedro e Jorge voltaram a aceder ao locado alterando a fechadura;

26. Todos os factos referidos causaram angustia, nervosismo, desgosto e ansiedade ao A.;

27. Os RR. deslocaram-se ao locado após o falecimento do co-arrendatário e na sequência da declaração referida em 9.;

28. Todas as vezes que os RR. procederam á alteração da fechadura deixaram ao dispor do A., junto da porteira, as novas chaves do locado.

III-O DIREITO

Tendo em conta as conclusões de recurso formuladas que delimitam o respectivo âmbito de cognição, as questões que importa apreciar são as seguintes:

1-Reapreciação da matéria de facto;

2-Saber se após a morte do coarrendatário, o direito do Autor se estendeu à totalidade do imóvel arrendado ou se esse direito se circunscreve a uma parte do mesmo, tendo o senhorio direito a dispor da parte restante.

3-Indemnização por danos patrimoniais e morais.

1-O Apelante impugna a decisão quanto ao ponto 21.º da base instrutória que é do seguinte teor:

O A. teve de mudar de novo a fechadura tendo pago 625,00€ e teve ainda necessidade de colocar um alarme ligado à Securitas, tendo despendido o valor de 574,75€ e ainda o valor mensal desde Fevereiro de 2007 de 32, 67€”.

O Tribunal decidiu como “provado que o A. procedeu à colocação de um alarme ligado à Securitas, tendo despendido o valor de 574,75€ pelo serviço mensal, sendo o valor mensal desde Fevereiro de € 32,67.”

O Autor/ Apelante considera que o documento n.º 12 que juntou aos autos com o requerimento probatório demonstra a mudança de fechadura e o respectivo custo. Ora, analisado o documento, do mesmo resulta que ele constitui um pedido de cópia de cheque no valor de €625,32, solicitado ao Banco Comercial Português, cópia que não está junta aos autos e portanto não se sabe se foi emitido, a quem e para que efeito. O documento em causa não é, pois, idóneo para produzir a prova do facto em causa. Assim, não se verifica qualquer razão para alterar a decisão proferida pelo Tribunal a quo, sobre esta questão.

O Apelante refere ainda que o valor de € 574,75 não se refere ao serviço mensal prestado pela Securitas, mas ao custo da instalação de um alarme. Ora, a verdade é que do documento junto pelo Apelante e referido pelo mesmo que constitui um extracto de conta emitido pela Securitas, resulta que o valor de € 574,75, se refere á primeira factura emitida, em 22-2-2007, e após tal data, o valor mensal facturado é na ordem dos € 30,00.

Pode, portanto, concluir-se que, efectivamente, o valor de 574,75€ se refere à instalação do alarme, pois só após tal data é que são facturados os valores mensais pelo serviço mensal de acompanhamento do local onde é instalado o alarme.

Assim, decide-se alterar a decisão quanto ao ponto 21.º nos seguintes termos:

provado apenas que o A. procedeu à colocação de um alarme ligado à Securitas, tendo despendido o valor de 574,75€, sendo o valor mensal pago àquela entidade, desde Fevereiro de 2007,   32,67€.

Quanto ao ponto 23.º da base instrutória tem o seguinte teor:

Face á decisão proferida na providência cautelar supra aludida o A. retirou o alarme e colocou um outro no gabinete maior do locado onde se encontram a maioria dos seus pertences, tendo gasto o valor de 119,79€ e pagando mensalmente à sociedade Securitas de Setembro de 2007 a Maio de 2008, o valor de 308,67€”.

A esta questão o tribunal respondeu “não provado.”

Ora, analisando o documento n.º12 já referido, verifica-se que, efectivamente, em 22-08-2007, foi facturada a quantia de 119,79€, mas não resulta do documento a que se refere tal quantia, pelo que não é possível concluir que se deve à instalação de um alarme. Contudo, do mesmo extracto de conta, consta a facturação mensal que totaliza o valor de € 308,67, em termos que não merecem dúvidas sobre a credibilidade dessa facturação.

Assim, tendo em conta a aprova produzida, altera-se a decisão do ponto 23.º da base instrutória, nos seguintes termos:

provado apenas que entre Setembro de 2007 e Maio de 2008, o Autor pagou à Securitas o valor de 308,67€.”    

O Apelante impugna ainda a decisão quanto aos pontos 26.º e 27.º da matéria de facto, com o seguinte teor:

(26.º) “desde o falecimento de Carlos que o A. passou a pagar sozinho o valor da renda do locado, até Novembro de 2006, data em que a senhoria apenas aceitou o valor de metade da renda?

(27.º) A partir de Novembro de 2006 e face ao referido o A. passou a depositar o valor total da renda?”

O Tribunal decidiu em conjunto quanto a estes dois pontos do seguinte modo: “provado que após o falecimento de Carlos, a ré emitiu recibos do pagamento da renda devida pelo locado em nome do A. e herdeira do falecido e a partir de Novembro de 2006, o A. passou a depositar o valor da renda na CGD.”

O Autor pretende que seja dado como provado que, após o falecimento de Carlos, o Autor passou a suportar sozinho a renda do locado. Ora, tal como foi entendido pelo Tribunal a quo, o facto de nos autos se encontrarem cheques do Autor, relativos ao pagamento da renda, tal não prova que apenas o Autor suportasse o pagamento da renda, pois poderia vir a receber da outra locatária, parte da renda. Não se vê que haja qualquer erro de julgamento que importe corrigir.                  

2-Cumpre apreciar agora a questão de saber se o ora Autor tem direito a ocupar na qualidade de arrendatário único a totalidade do imóvel locado ou se, ao invés, a senhoria tem direito a tomar posse de uma parte desse locado eventualmente correspondente à parte que pertencia ao arrendatário falecido.

Vejamos a factualidade pertinente à análise da questão:

No dia 14 de Dezembro de 1963 foi celebrado um contrato entre Augusto e Maria, na qualidade de senhorios e Carlos e Fernando, ambos arquitectos, como inquilinos, tendo ajustado entre si o arrendamento do r/chão esquerdo do prédio da Rua (…), freguesia do Campo Grande em Lisboa. Nos termos da cláusula 2.ª do dito contrato “ a renda será da quantia mensal de (1.000$00) mil escudos”. Na cláusula 3.ª lê-se “ A casa arrendada é para estúdio particular de desenho exclusiva do inquilino, não podendo este dar-lhe outro uso, sem subloca-la (…)”

Como se verifica da leitura do contrato, foi celebrado um contrato de arrendamento com uma pluralidade de sujeitos com destaque para a pluralidade de arrendatários, mas com um único objecto: uma casa que constitui um rés-do-chão de um prédio sito na Rua (…) em Lisboa. Estamos portanto, perante um arrendamento plural ou co-arrendamento caracterizado pelo facto de todos os arrendatários “serem simultaneamente e compativelmente arrendatários do mesmo objecto”[1].

Este tipo de contrato distingue-se de figuras próximas como os arrendamentos parciais[2] ou os arrendamentos paralelos[3].

A diferença em relação aos arrendamentos parciais reside fundamentalmente no facto de estes terem por objecto apenas uma parte determinada de um imóvel ou fracção. Em relação aos arrendamentos paralelos os contratos são celebrados individualmente com diferentes arrendatários. Ora, no caso em apreço, o contrato é celebrado em conjunto com dois arrendatários e o objecto do contrato é a totalidade da fracção. Este é um ponto fundamental para caracterizar o contrato que foi celebrado. Cada um dos arrendatários é titular de um arrendamento cujo objecto é a totalidade da fracção locada. Como os Apelados referem e bem no artigo 18.º das suas contra alegações, “ a organização do espaço interior foi deixada de boa fé, pelos senhorios ao critério dos arrendatários”. Precisamente. Os senhorios arrendaram a totalidade do andar a dois inquilinos, cabendo a estes distribuir ou não, conforme entendessem, o espaço arrendado. Provou-se que o locado em causa é composto por um hall de entrada, duas salas uma cozinha utilizada como arrecadação, uma casa de banho e ainda a possibilidade de utilizar o logradouro do prédio com acesso pelo r/c. Provou-se ainda que “ambos os inquilinos usavam de forma livre e sem qualquer divisão, desde o início do contrato e até ao falecimento de Carlos, todas as partes ditas comuns do locado, como sendo a cozinha, a arrecadação, hall de entrada e casa de banho, utilizando cada um, cada uma das salas como gabinete próprio.” Como se vê dos factos provados, os locatários optaram por utilizar cada um deles uma das salas, como gabinete próprio, mas poderiam não o ter feito. Aquela foi uma opção que tomaram, no âmbito do seu direito de gozo sobre a totalidade do espaço arrendado. Tal opção foi totalmente livre, podia ser livremente alterada, os arrendatários poderiam trocar de sala se o entendessem, podiam passar a trabalhar ambos na mesma sala, caso o preferissem. O que releva é que a distribuição do espaço arrendado por ambos os locatários ficou totalmente ao critério destes e era totalmente alheia aos senhorios a quem, obviamente, não tinham de ser comunicados os termos em que seria realizada tal organização do espaço.

Vem a propósito referir, igualmente, que aos arrendatários cabia não só estabelecer livremente a forma de utilização do espaço arrendado, como a forma de dividir ou não entre si o pagamento da renda. E portanto, a questão de saber quem pagava a renda é irrelevante para a caracterização do presente contrato. Ambos se obrigaram pelo pagamento da totalidade da renda perante a senhoria. A questão da eventual divisão de valores entre os co-arrendatários era questão alheia à senhoria.

Caracterizado o tipo contratual celebrado passemos agora à análise da alteração subjectiva operada.

Essa alteração subjectiva ocorreu em consequência do falecimento de um dos locatários - Carlos -, ocorrido em 25-03-1998, tendo a esposa do falecido comunicado o óbito à senhoria e declarando que pretendia que fosse considerada a transmissão do arrendamento, devendo os recibos serem também emitidos em seu nome[4]. O contrato de arrendamento passou, assim, a ter como locatários, além do ora Autor, a esposa do locatário falecido – Maria dos Anjos - por via da transmissão operada ao abrigo do disposto no art.º112.º do RAU, ao tempo aplicável.

Porém, nova alteração subjectiva viria a ocorrer em 24 de Janeiro de 2005, data em que a locatária Maria dos Anjos assinou a declaração com o seguinte teor: “Eu, abaixo assinada, (…) relativamente aos rés-do-chão esquerdo da Rua (…)  venho declarar que nada pretendo quanto a tal arrendamento e que, na medida do possível, entrego a parte respectiva à senhoria, desejando apenas retirar os bens que pertencem ao meu marido.[5]

Como configurar juridicamente esta declaração? A mesma representa uma desvinculação do contrato por parte da respectiva subscritora, como parece óbvio. A referida Maria dos Anjos prescindiu dos direitos que lhe advinham da sua qualidade de locatária e desvinculou-se também das obrigações que para si resultavam do contrato. Nada impedia a locatária de o fazer, já que, “em abstracto, ao co-arrendatário é lícito desvincular-se da relação de arrendamento plural através dos mesmos meios que ao arrendatário singular são facultados (revogação, […]), subsistindo, portanto, a relação com os demais consortes”[6].

Quais as consequências jurídicas de tal facto?

Neste ponto se situa a génese do conflito que deu origem ao presente processo.

O Autor considera que sendo agora, após a desvinculação da outra, o único locatário, consolida-se nele o direito ao gozo da totalidade do bem arrendado.

Por sua vez, a Ré senhoria entende que tendo a locatária “feito a entrega da sua parte no arrendamento”, tem direito a tomar posse dessa “parte” podendo, consequentemente arrendar essa mesma parte a terceiro. E, efectivamente, com data de 18 de Dezembro de 2006, a Ré Maria celebrou com o Réu Jorge um contrato, denominado de “arrendamento para habitação”, tendo por objecto 50% da fracção sita no r/c esquerdo, com entrada pelo n.º2 da Rua (…), em Lisboa[7], referindo na cláusula 3.ª que “ a parte do local arrendado destina-se exclusivamente para o exercício da profissão do segundo outorgante”.

Quid juris?

Cremos que as alterações que ocorreram no contrato foram ao nível dos respectivos sujeitos, não em relação ao objecto. As partes mudaram, mas o objecto do contrato manteve-se imutável. Logo, o que se transmitiu à viúva do locatário foi essa qualidade subjectiva de locatário, não foi qualquer “parte especificada do locado”. Por conseguinte, nunca a locatária poderia entregar à senhoria qualquer parte do locado. Essa expressão que a locatária utilizou na sua declaração, não tem qualquer relevância jurídica ao nível do objecto do contrato, tem apenas relevância ao nível da alteração dos sujeitos, como se referiu.

De resto, se a senhoria arrendou o andar, na totalidade, aos primitivos arrendatários, sem atribuição de qualquer parte definida, a nenhum deles, como poderia a senhoria arrendar agora, outra vez, 50 % desse mesmo andar a um terceiro? Como delimitar o espaço correspondente a esses 50%? Bem se vê que o entendimento defendido pelos Réus/ Apelados não tem suporte jurídico.

A desvinculação unisubjectiva de uma das co-arrendatárias – Maria dos Anjos - só pode ter como consequência, uma vez que só resta um locatário, a transformação do arrendamento plural, em arrendamento singular, extinguindo-se, portanto, a situação de co-arrendamento[8]. Com efeito, “o direito do co-arrendatário encerra uma potencialidade de ampliação automática do seu conteúdo, expandindo-se até aos limites do direito do arrendatário singular, na medida em que, por redução do número consortes, venha a desaparecer a situação plurisubjectiva[9]. Claro que a alteração do contrato na componente subjectiva nenhuma alteração produz no objecto do contrato, ou no montante da renda. Todos os elementos do contrato se mantêm, com excepção do número dos locatários.

Do exposto, conclui-se que a senhoria, na sequência da desvinculação da locatária não adquiriu qualquer direito a invadir o locado e muito menos a arrendar parte do locado a terceiro, dado que todo o andar se mantém arrendado ao outro locatário, o ora Apelante. De resto, se por mera hipótese de raciocínio se admitisse a possibilidade de a senhoria tomar posse de uma parte do andar, arrendando-a a terceiro, assim diminuindo o espaço arrendado ao Autor, sempre a renda teria de ser também diminuída, pois a renda que o Autor paga corresponde à contrapartida devida pela utilização de todo o andar, tal como consta do contrato por si assinado.        Mas não, a senhoria não tem o direito de dispor de qualquer parte do locado, pois que a totalidade está abrangida pelo contrato de arrendamento celebrado com o Autor e que agora se transformou em contrato singular.

Em suma, procedem as conclusões do Apelante, no sentido de deverem os Réus serem condenados a restituírem ao Autor a posse do andar arrendado, devendo abster-se de quaisquer actos que possam perturbar o exercício do direito do locatário, ora Apelante.

3-O ora Apelante havia formulado pedido de indemnização por danos patrimoniais e morais decorrentes das sucessivas entradas da senhoria e dos demais Réus no andar locado.

Com efeito, provou-se que “no dia 14 de Julho de 2006, sem autorização do A., os réus Raúl e Pedro, entraram no locado e procederam à mudança da fechadura do mesmo;

“No dia 29/01/2007 o R. Raúl, acompanhado pelo R. Pedro na qualidade de mandatário daquele, procederam à alteração da fechadura da porta;

 O A. procedeu à mudança da fechadura;

 No dia 8 de Fevereiro, os mesmos RR. voltaram a aceder ao locado e alteraram de novo a fechadura;

.O A. procedeu à colocação de um alarme ligado à Securitas, tendo despendido o valor de 574,75€, sendo o valor mensal pago àquela entidade, desde Fevereiro de 2007,   32,67.

 Entre Setembro de 2007 e Maio de 2008, o Autor pagou à Securitas o valor de 308,67€.

 No dia 21/02/2007 os RR. Raúl, Pedro e Jorge voltaram a aceder ao locado alterando a fechadura;

 Todos os factos referidos causaram angustia, nervosismo, desgosto e ansiedade ao A.;

 Os RR. deslocaram-se ao locado após o falecimento do co-arrendatário e na sequência da declaração referida em 9.;

 Todas as vezes que os RR. procederam á alteração da fechadura deixaram ao dispor do A., junto da porteira, as novas chaves do locado”.

A questão está, portanto em saber se estes factos constituem os Réus na obrigação de indemnizar o Autor. A obrigação de indemnizar pode decorrer da responsabilidade contratual ou da responsabilidade extra contratual. A responsabilidade contratual resulta da violação de um direito de crédito, enquanto a responsabilidade extracontratual ou aquiliana abrange os restantes casos, maxime a violação dos deveres ou vínculos jurídicos gerais.

Em relação à Ré Maria, os factos poderão configurar-se como violação do dever contratual de “assegurar o gozo da coisa locada para os fins a que se destina”, na medida em que, ao invadir o locado, impediu o gozo do mesmo, em toda a sua plenitude, por parte do locatário.

Faltando, culposamente, ao cumprimento da sua obrigação de assegurar ao arrendatário o gozo da coisa locada, tornam-se os senhorios responsáveis por todos os prejuízos que daí advierem[10]. Ora, para que haja dever de indemnizar necessário é que se prove a produção de danos. Contudo, a verdade é que não se provaram quaisquer prejuízos decorrentes dos factos em apreço. Por um lado, não se provou que tenham ficado danificados ou tenham desaparecido os bens do Autor. Por outro lado, as despesas relacionadas com alarmes e mudanças de fechadura invocadas pelo Autor não podem considerar-se danos imputáveis à Ré, pois esta, sempre que mudou a fechadura deixou ao dispor do A., junto da porteira, as novas chaves do locado.

Quanto aos restantes réus, uma vez que não têm qualquer relação contratual com o Autor, a eventual responsabilidade civil destes só poderá ser extracontratual ou aquiliana.

Pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos são: violação de um direito ou interesse alheio, ilicitude, vínculo de imputação do facto ao agente (dolo ou nera culpa), o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano[11]. No caso em apreço, a invasão do locado por parte dos Réus, efectivamente violou o direito do Autor ao gozo do espaço que lhes está validamente arrendado, aí residindo a respectiva ilicitude. Contudo, dificilmente se poderá imputar esses factos a título de dolo ou mesmo de mera culpa, pois dos elementos constantes dos autos resulta, claramente, que nenhum dos Réus teve intenção ou consciência de lesar o direito do Autor. Antes estavam os Réus convencidos de que agiam no exercício de um direito. Não seria razoável considerar que os Réus agiram com culpa, quando é certo que o próprio Tribunal a quo, ao analisar a situação, também entendeu que os Réus não lesaram qualquer direito do Autor. Os factos ocorridos têm na génese uma diferente e, entendemos nós, uma errónea interpretação jurídica, mas não uma consciência de lesar o direito de outrem. Por conseguinte, faltando pelo menos um dos requisitos dos quais depende a existência de responsabilidade civil, não podem os Réus ser condenados a este título. Improcede, nesta parte a pretensão do Autor/Apelante.

IV-DECISÃO

Face ao exposto, acordamos neste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente o recurso e, por consequência:

a)Ordenar a restituição do locado, na sua totalidade ao Autor;

b)Condenar os Réus a absterem-se de quaisquer actos que possam perturbar o gozo do locado por parte do Autor

c)Confirmar o mais decidido na sentença recorrida.

Custas pelo Apelante e Apelados na proporção de metade para cada uma das partes.

Lisboa, 11 de Julho de 2013

Maria de Deus Correia

Maria Teresa Pardal

Carlos Melo Marinho


[1] Maria Olinda Garcia, O arrendamento plural – quadro normativo e natureza jurídica, Coimbra Editora, 2009, p.25.
[2] Aqueles que têm por objecto apenas uma parte, em regra juridicamente não fraccionável, de determinado imóvel ou fracção. São exemplos desta categoria os arrendamentos de quartos de uma casa a estudantes ou os arrendamentos de salas de um andar a profissionais liberais, para instalação dos seus escritórios ou consultórios. Idem, p. 35.
[3] São arrendamentos paralelos o conjunto de arrendamentos, compatíveis entre si, celebrados individualmente com diferentes arrendatários, tendo por objecto o mesmo prédio.ou fracção dele. A compatibilidade entre tais arrendamentos pode resultar quer da alternatividade no uso do imóvel, quer do facto de o gozo que cada um deles retira não esgotar as possibilidades de uso desse bem, por outros sujeitos e desde que o fim convencionado comporte, pela sua natureza, a possibilidade de uso simultâneo por vários arrendatários. A primeira destas configurações dos arrendamentos paralelos pode exemplificar-se com a hipótese de arrendamento de uma sala para realização de reuniões, a diferentes sujeitos ou a diferentes empresas, mediante diferentes contratos com cada um deles, para uso alternado em diferentes dias da semana. O segundo caso pode exemplificar-se com a hipótese de arrendamento de uma garagem, individualmente a diferentes sujeitos, para parqueamento das viaturas de cada um deles, tendo a garagem capacidade para o parqueamento de todos esses veículos. O objecto desse arrendamento não será, portanto, uma parte delimitada e individualizada desse imóvel, mas sim potencialmente, todo o espaço, ocupando cada arrendatário apenas a parte correspondente à sua necessidade concreta.Idem, p.34.35.
[4] Vide ponto 8.º da matéria provada.
[5] Vide documento junto a fls. 102 dos autos.
[6] Maria Olinda Garcia, Ob. Cit., p.254.
[7] Vide ponto 10.º da matéria de facto provada
[8] Maria Olinda Garcia, ob. Cit., p.255-254.
[9] Idem, p.400.
[10] Acórdão do STJ de 30-01-1981, BMJ: 303-212.
[11] Antunes Varela, Obrigações, p. 356.