Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
19/08.3TVLSB.L1-8
Relator: FERREIRA DE ALMEIDA
Descritores: CONTRATO DESPORTIVO
EMPRESÁRIO DESPORTIVO
NULIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/25/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: Por via da aplicação da lei geral ou da específica regulamentação de tal actividade, deve concluir-se pela invalidade, e consequente inexistência das obrigações dele emergentes, de acordo tendo por objecto prestação de serviços relativos à negociação de contratos desportivos, celebrado por quem se não mostre habilitado a exercer a actividade de empresário desportivo
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa :

1. C, Lda, propôs, contra "…" - Sociedade Desportiva de Futebol, SAD, acção seguindo forma ordinária, distribuída… pedindo a sua condenação no pagamento das quantias de € 350.000 e € 4.969,87, acrescidas de juros, correspondentes à percentagem, alega- damente devida à A., pela cedência definitiva, por parte da R., dos direitos de representação desportiva de jogador profissional de futebol, e a despesas bancárias referentes ao desconto de letras pela mesma aceites, no âmbito de contrato celebrado entre ambas.
Contestou a R., excepcionando a nulidade do aludido contrato, bem como a preterição do tribunal arbitral, e sustentando a inexigibilidade das quantias peticionadas e dos reclamados juros - concluindo pela improcedência da acção.
Efectuado julgamento, foi proferida sentença, na qual se considerou a acção procedente, condenando-se a R. no pagamento das quantias peticionadas.
Inconformada, veio a R. interpor o presente recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões :
- Não se conforma a ora apelante com a sentença que a condenou no pagamento à empresa C, Lda, das quantias de 350.000 e 4.969,87, acrescidas dos correspondentes juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento, sendo diversos os vícios e erros de julgamento que entende aquela sentença padecerá.
- Desde logo, ao decidir julgar improcedente a excepção de preterição de tribunal arbitral, com o fundamento de a A. não se encontrar licenciada nem registada na Federação Portuguesa de Futebol, o Tribunal a quo cometeu a nulidade elencada no art. 668º-1 b), do C.P.Civil.
- Na verdade, aquele juízo não se encontra alicerçado por qualquer facto, de entre os julgados como provados, de forma a permitir sustentá-lo.
- E embora seja certo que ambas as partes reconhecem que a A. não disporia de tal licença, tal reconhecimento não dispensaria o Tribunal de fazer constar tal factualidade no rol dos factos provados e de especificar os funda- mentos de facto que justificariam a sua decisão quanto à referida questão.
- No mesmo sentido, porque se pronunciou sobre matéria de direito que, por ausência de matéria de facto provada que a sustentasse, não poderia ter tomado conhecimento, o Tribunal recorrido violou, igualmente, o disposto na al. d) do supra mencionado art. 668º-1.
- No entanto, para além da referida omissão quanto à matéria de facto, existem outras questões de facto incorrec- tamente decididas pelo Tribunal a quo, devendo, designadamente, serem aditados os seguintes dois novos pontos à matéria de facto considerada como provada:
a) À data do instrumento contratual referido o atleta E desenvolvia a actividade de jogador profissional de futebol.
b) À data do instrumento contratual referido nem a A. nem qualquer dos seus representantes se encontravam licenciados e registados junto da Federação Portuguesa de Futebol como empresários desportivos.
- Qualquer dos referidos factos encontra-se demonstrado pelos documentos juntos aos autos, designadamente pelos documentos referidos nos nºs 1, 2 e 8 dos factos provados, para além de serem consensualmente aceites por ambas as partes e reconhecidos pelo próprio Tribunal.
- Em sentido inverso, deverá ser eliminado o nº6 dos factos provados, i.e. que "a Autora era titular dos direitos desportivos do atleta E, à data do acordo referido em A)".
- Tal conclusão impõe-se não só tendo em conta o seu teor manifestamente conclusivo, mas essencialmente por se afigurar contrário ao disposto na lei, nomeadamente nos arts. 2º a) e 6º, nº1, da Lei 28/98, de 26/6.
- Efectivamente, ao contrário do ali expresso e face às aludidas disposições legais, apenas os clubes e sociedades desportivas poderão ser detentores de direitos desportivos de atletas, na área do futebol, não possuindo a A. capacidade jurídica para deter aqueles direitos.
- A este respeito haverá ainda que acrescentar que não foi produzido qualquer meio de prova documental, apto a demonstrar aquele facto, sendo que a titularidade de quaisquer direitos desportivos deverá estar sempre titulada por contrato escrito e registado junto da Federação desportiva competente, em obediência às supra referidas disposi- ções legais.
- No entanto, caso se entenda absolutamente imprescindível, deverá ser ordenada, ao abrigo do disposto no art. 721º-3 do CPC, a renovação dos meios de prova, de forma a decidir adequadamente a matéria de facto impugnada.
- Para além das razões atrás expostas, a sentença recorrida procede a uma errada interpretação e aplicação da lei ao litígio sub judice, com manifesta influência na boa decisão da causa que lhe foi submetida.
- Da análise da matéria de facto considerada provada nos presentes autos e atendendo à posição expressa pelas partes, afigura-se possível concluir que a A. C, interveio no "protocolo de acordo" firmado entre as partes em 7/1/2006 e referido no nº1 da matéria de facto assente, na dupla qualidade de representante do jogador E" e intermediária na sua contratação pela SAD aqui apelante, prestando-lhe serviços que culminaram com a celebração de contrato de trabalho desportivo entre ambos.
- Emergindo tal conclusão do teor dos documentos reproduzidos sob os nºs 1 e 8 dos factos provados e, designa- damente, da circunstância de naquele documento:
a) Se fazer prever, de forma expressa, que tal instrumento contratual seria"relativo aos serviços prestados pela segunda contraente (A. e recorrida) à primeira (R. e aqui apelante), relativos à contratação de E (...), profissionalmente conhecido por "D...'".
b) Nesse seguimento ficar estabelecido sob o nº1 da cláusula 1ª, que a remuneração ali acordada a favor da A. seria paga "como contrapartida pelos serviços prestados pela segunda contraente na negociação da contratação do jogador pela Primeira Contraente".
- Acresce que naquela data estava em vigor o contrato de representação outorgado entre aquele jogador e a A. - conforme resulta do nº8 dos factos provados - e resultou provado, sob o nº3 dos factos provados, que o seu objecto social consistia na "contratação e representação e gestão de atletas, management de atletas".
- Sendo os actos praticados pela A., actos próprios de empresário desportivo, enquadrando-se na definição expressa na al. d) do art. 2º da Lei 28/98, de 26/6, e no art. 37º- 1 da Lei de Bases de Actividade Física e do Desporto, assim como no "Players Agent's Regulation" da FIFA.
- Aliás, somente dessa forma será perceptível que a SAD apelante se tivesse obrigado a pagar à A. a quantia de € 92.500 acrescida de 10% do valor de uma futura transferência, que posteriormente a A. liquidou em 350.000.
- Face ao disposto nos arts. 22º-1 e 23º-1 da Lei 28/98, de 26/6, a A. deveria estar licenciada para o exercício da sua actividade de empresária desportiva - o que se verificou posteriormente não ocorria, na data dos factos.
- Face à ausência de licença e registo junto da Federação Portuguesa de Futebol, que habilitasse a A. a desenvolver a actividade de empresária desportiva, quer o contrato de representação celebrado com o jogador, quer o "protocolo de acordo" celebrado com a apelante, serão absolutamente nulos, não produzindo quaisquer efeitos, designadamente a nível das remunerações reclamadas pela recorrida nestes autos.
- Esclarecendo-se que a nulidade do referido "protocolo de acordo" e das suas cláusulas remuneratórias existe invariavelmente, quer por via do referido art. 23º-4 da Lei 28/98, face às consequências previstas nos arts. 285º, 286º e 289º do C.Civil, quer ainda pelo facto de versar sobre actividade legalmente vedada à A. e, por isso, legal- mente impossível de prosseguir pela mesma - arts. 280º-1 e 294º do C.Civil.
- Na verdade, já o contrato celebrado entre a A. e o jogador de futebol E, em 29/10/2005, seria absolutamente inexistente, do ponto de vista jurídico, atenta a falta de habilitação legal (licença) da A. para o exercício de actividade de empresário desportivo.
- Perante a nulidade daquele contrato, o mesmo não produziria quaisquer efeitos, abrangendo a declaração de nulidade não só o conteúdo do referido negócio jurídico, como também a realidade sobre a qual recairiam, mais tarde, os seus efeitos jurídicos, designadamente o "protocolo de acordo" outorgado entre as partes litigantes, no qual a A. para além de intermediária se apresentou, de forma indissociável, como representante do jogador E.
- Mas mais, ao contrário do defendido na sentença recorrida, forçoso será concluir que a cominação de inexis- tência jurídica prevista na norma do art. 23º-4 será aplicável a toda e qualquer situação em que haja a intervenção de uma entidade na qualidade de empresária desportiva, sem que se encontre registada para o exercício da sua actividade, inclusive nos casos de intermediação de contratos com clubes, como sucede no caso sub judice.
- Tal será o único entendimento possível, sob pena de se fomentar uma situação de desigualdade perante a lei, em que apenas os jogadores seriam tutelados e protegidos pela mesma, em manifesta violação do princípio da igualdade consagrado no art. 13º da Constituição da República Portuguesa.
- No entanto, tal como anteriormente já se referiu, o "protocolo de acordo" objecto do litígio entre as partes, seria em si mesmo nulo face, por um lado à inexistência de licença de empresária desportiva da parte da A. e, por outro, à impossibilidade legal desta desenvolver a actividade de intermediação contratada, bem como por tal contrato ter sido celebrado em contradição com os arts. 22º-1 e 23º-1 da Lei 28/98, de 26/6.
- Sendo que, nos termos dos arts. 280º-1 e 294º do C.Civil, "é nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível contrário à lei ou indeterminável" e, de igual modo, "os negócios celebrados contra dispo- sição legal de carácter imperativo são nulos".
- Face a tudo o exposto, resulta, invariavelmente, a nulidade do referido "protocolo de acordo" e todas as suas cláusulas, designadamente a remuneratória, o que se invoca para todos os devidos e legais efeitos.
- Mas mesmo que, por mero absurdo, nenhum dos supra aludidos argumentos lograsse proceder, nunca poderia a apelante ser condenada, como o foi, na sentença recorrida, uma vez que haveria sempre que deduzir ao valor da transferência o valor pago ao agente C a título de remuneração, pelos serviços prestados na intermediação da transferência do atleta E para o O - o que não foi apurado em sede de discussão e julgamento.
- Para além de que a A. nunca entregou à R., ora apelante, qualquer factura correspondente à remuneração que alega ser-lhe devida, nem tão pouco processou a quantia respeitante ao IVA, incluída na remuneração por si reclamada, conforme disposto nos arts. 4º, 28º, nº1 b), e 35º, nº1, todos do CIVA.
- E em virtude de a recorrente ser uma pessoa colectiva com contabilidade organizada, nunca poderia efectuar qualquer pagamento sem que tivesse na sua posse a respectiva factura.
- Face a tudo o anteriormente exposto, a sentença recorrida, na interpretação veiculada quanto ao art. 23º-4 da Lei 28/98, de 26/6, violou o principio de igualdade consagrado no art. 13º da CRP, desrespeitando ainda as normas expressas nos arts. 37º-1 da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto, 2º a) e d), 6º- 1, 22º e 23º da Lei 28/98, de 26/6, 280º-1, 285º, 286º, 289º, 294º e 364º, todos do C.Civil e 56º, nº1 d), do C.Soc.Comerciais, para além de ter cometido as nulidades previstas no art. 668º-1 b) e d), do C.P.Civil.
- Em consequência, deverá o presente recurso ser julgado procedente, decidindo-se em conformidade com o anteriormente exposto e revogando-se a sentença recorrida.
Em contra-alegações, pronunciou-se a apelada pela confirmação do julgado.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2. Em 1ª instância, foi dada como provada a seguinte matéria factual :
1. No dia 7/1/2006, "" - Sociedade Desportiva de Futebol, SAD, por um lado, e C, Lda, por outro, declararam por escrito que intitularam de "Protocolo de Acordo", nos termos do qual:
"" - Sociedade Desportiva de Futebol, S.A.D., , adiante designado por primeira contraente,
e por outro,
C Lda, - adiante designado por segunda contraente,
É celebrado o presente protocolo de acordo relativo aos serviços prestados pela segunda contraente à primeira, relativos à contratação de E, e adiante designado neste contrato simplesmente por Jogador, que se regerá pelas cláusulas seguintes:
PRIMEIRA
1. Como contrapartida pelos serviços prestados pela segunda contraente na negociação da contratação do Jogador pela Primeira Contraente, a primeira contraente compromete-se a pagar à segunda contraente a quantia global iliquida de € 92.500,00 (noventa e dois mil e quinhentos euros).
2. A quantia atrás referida inclui já IVA à taxa legal de 21% e será paga, mediante a prévia entrega da respectiva factura, nos seguintes prazos:
- € 42.500,00, em 28 de Fevereiro de 2006.
- € 50.000,00, em 31 de Julho de 2006.
3. Com a assinatura deste acordo a primeira contraente entregou à segunda duas letras de câmbio aceites por si destinadas a titular as duas prestações referidas no numero anterior, com as datas de vencimento atrás enunciadas - cujas cópias se anexam.
4. Os encargos bancários resultantes do desconto bancário da letra com vencimento em 28 de Fevereiro de 2006 correrão por conta da Primeira Contraente, ficando as despesas bancárias de letra com vencimento em 31 de Julho de 2006 da exclusiva conta e responsabilidade da Segunda Contraente.
5. Para além da quantia supracitada, a Primeira Contraente compromete-se a pagar à Segunda Contraente a quantia correspondente a 10% do valor líquido que venha a receber pela cedência definitiva dos direitos de repre- sentação desportiva do jogador a esse terceiro clube ou sociedade desportiva.
SEGUNDA
Toda e qualquer indemnização pela formação, valorização ou transacção dos direitos de representação desportiva do jogador que venha a ser reclamada por quaisquer terceiros Clubes ou quaisquer outras entidades individuais ou colectivas será da exclusiva conta e responsabilidade da Segunda Contraente, obrigando-se esta a suportar as mesmas, bem como a reembolsar a Primeira Contraente de todas as quantias que eventualmente esta venha a despender a esse título.
TERCEIRA
1. As partes acordam em sujeitar a validade do presente acordo à certificação por parte dos serviços médicos da "" - SAD, e do Centro de Medicina Desportiva de que o Jogador reúne todas as condições de saúde físicas indispensáveis para a prática do Futebol.
2. Caso o parecer dos serviços médicos supra citados for em sentido contrário, a primeira contraente poderá resolver unilateralmente este acordo, mediante declaração que fará por escrito à Segunda Contraente, sem que daí resulte a obrigação de a indemnizar seja a que título for, devendo esta devolver, imediatamente, todas as quantias entretanto já pagas e designadamente as letras de câmbio mencionadas sob o nº3 da cláusula primeira.
Lisboa 7 de Janeiro de 2006 (...)".
2. A R. vendeu os direitos desportivos do jogador E ao Clube O, pelo montante de € 3.500.000, que seriam e foram efectivamente pagos, nos seguintes termos:
· € 1.200.000, na data de assinatura do acordo celebrado em 16/8/2007;
· € 800.000, em 20/7/2007;
· € 750.000, em 31/12/2007;
· . € 750.000, em 1/7/2008.
3. A A. encontra-se registralmente inscrita na Conservatória de Registo Comercial, sendo o seu objecto contratação e representação e gestão de atletas, management de atletas, organização de eventos desportivos, comércio de artigos, equipamento e vestuário desportivo.
4. Com data de 20/8/2007, a A. enviou à R. uma carta, nos termos da qual:
"(...)
Assunto: Percentagem devida à sociedade "Cs, Lda, pela transferência do Jogador E
Exmos. Senhores, contacto V. Exªs na qualidade de representante lega! da sociedade "C, Lda" e no âmbito do assunto identificado em epígrafe.
Como é do conhecimento de V. Exªs, até porque existe um acordo escrito nesse sentido, a minha empresa é detentora de 10% do valor liquido totai da transferência do jogador E.
Ora, não obstante o referido jogador ter sido transferido para o clube O e V. Exªs. já terem recebido uma parte da quantia total, até à presente data a minha empresa não recebeu qualquer contacto por parte de V.Exªs. no sentido de regularizarem o pagmento devido.
Assim, e na expectativa da resolução célere e extrajudicia! desta questão, aguardarei por um contacto de V.Exªs. com o intuito de procederem ao pagamento da referida quantia percentual.
Sem outro assunto de momento, subscrevo-me
DC".
5. A R. entregou à A. a quantia de € 92.500, referida em A).
6. A A. suportou o montante de € 4.969,87, relativamente ao desconto bancário da letra no montante de € 42.500, referida em A).
7. A A. era titular dos direitos desportivos do atleta E, à data do acordo referido em A).
8. Em escrito datado de 29/10/2005, a A. e E identificados, respectivamente, como "Primeiro Outorgante", "e "Segundo Outorgante", declararam "(...) Cláusula Primeira (Duração) O presente contrato será válido pelo período de 24 (vinte e quatro) meses, com inicio na data da sua assinatura. Cláusula Segunda (Objecto) 1. Pelo presente contrato o Segundo Outorgante confere à Primeira Outorgante o direito único e exclusivo, para colaborar na gestação da sua carreira, nomeadamente em assuntos relacionados com a sua actividade profissional de Jogador de futebol (contratos de trabalho desportivos e eventuais transfe- rências de um Clube para outro), e assuntos relacionados com contratos comerciais de promoção e publicidade relacionados com o direito à imagem do jogador".
9. Na época 2005/2006, quando o futebolista E representava o P, não recebeu salários daquele clube.

3. Nos termos dos arts. 684º, nº3, e 690º, nº1, do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente.
A questão a decidir centra-se, assim, primacialmente, na apreciação das excepções invocadas pela R., ora apelante.
Convirá, antes de mais, dizer que, embora assente por acordo entre as partes, se tem de entender redundante, face à factualidade já dada como provada e documentos a que se reporta, a matéria que a apelante à mesma pretende ver aditada.
De todo o modo, aceite, pela própria apelante, que a A., ora apelada, se não achava inscrita como empresário desportivo na Federação Portuguesa de Futebol, desde logo se teria de concluir não se encontrar a presente acção abrangida pela norma dos respectivos estatutos que sujeita determinados litígios à jurisdição de tribunal arbitral - improcedendo, pois, a excepção a tal respeito invocada.
Para além daquela, argui ainda a apelante, fundada na circunstância de não deter a apelada a aludida quali- dade de empresário desportivo, a nulidade do acordo do qual emergem os pedidos contra si formulados.
Em tal matéria, rege a Lei 28/98, de 26/6 (regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo e do contrato de formação desportiva) - em cujo art. 2º d) se define, como empresário desportivo, a pessoa singular ou colectiva que, estando devidamente credenciada, exerça a actividade de representação ou intermediação, ocasional ou permanente, mediante remuneração, na celebração de contratos desportivos.
Sendo que, por força do art. 22º, nº1, do citado diploma, só podem exercer actividade de empresário desportivo as pessoas singulares ou colectivas devidamente autorizadas pelas entidades desportivas, nacionais ou interna- cionais, competentes.
Tendo-se por inexistentes, nos termos do nº4 do respectivo art. 23º, os contratos celebrados com empresários desportivos que se não encontrem inscritos no respectivo registo, bem como as cláusulas contratuais que prevejam remuneração pela prestação dos seus serviços.
Em conformidade, e como se decidiu em acórdão do STJ, de 23/4/2002 (in www.dgsi.pt - SJ200204230008441), deve ser considerado nulo “o contrato em que um jogador profissional confia a empresário desportivo, não inscrito no respectivo registo, com carácter de exclusividade, a gestão e a orientação da sua carreira”.
No caso, resulta do referido acordo (cl. 1ª) que a obrigação de pagamento das quantias aqui peticionadas e, nomeadamente, da correspondente a 10% do valor líquido que a apelante viesse a receber, pela cedência dos direitos de representação desportiva do jogador em causa, constitui contrapartida pelos serviços prestados na negociação da respectiva contratação pela apelada.
Nos termos em que se acha formulado (“A A. era titular dos direitos desportivos do atleta E, à data do acordo referido em A") , o art. 1º da base instrutória integra apenas matéria de direito - pelo que, dando-se o mesmo por não escrito, haveria que eliminar dos factos provados o ponto correspondente.
Ainda que assim se não entendesse, sempre seria, todavia, claro que a remuneração prevista na aludida cláu- sula se funda, não na titularidade dos invocados direitos, mas na prestação de serviços relativos à negociação de contratos desportivos - ou seja, de acordo com a supracitada definição legal, na actividade, para a qual aquela se não mostrava habilitada, de empresário desportivo.
Comina o art. 294º do C.Civil, de nulidade, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei, os negócios celebrados contra disposição legal de carácter imperativo.
Por via da aplicação da lei geral ou da específica regulamentação da referida actividade, se imporia, assim, concluir, ao invés do decidido, pela invalidade do clausulado em análise e consequente inexistência das obrigações do mesmo emergentes.


4. Pelo acima exposto, se acorda em, concedendo provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e, julgando a acção improcedente, absolver a R. apelante de qualquer dos pedidos.
Custas, em ambas as instâncias, pela apelada.

Lisboa, 25 de Novembro de 2010

Ferreira de Almeida - relator
Silva Santos - 1º adjunto
Bruto da Costa - 2º adjunto