Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
34/12.2TBTVD-E.L1-1
Relator: RENATA LINHARES DE CASTRO
Descritores: INSOLVÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
CESSÃO DE EXPLORAÇÃO
CESSÃO DE TRABALHADORES
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
TRATAMENTO MAIS FAVORÁVEL
PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO ESPECIAL
PRIVILÉGIO MOBILIÁRIO GERAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/28/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: Sumário (da relatora) – artigo 663.º, n.º 7, do CPC Por opção da relatora, o presente acórdão não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem.
I. Tendo a sociedade devedora/insolvente:
a) Celebrado um contrato de cessão de exploração da sua unidade fabril com uma outra sociedade (da qual é co-accionista), para a qual foram também transmitidos os seus trabalhadores;
b) E, simultaneamente celebrado um acordo tripartido de cedência de pessoal (entre as duas sociedades e os trabalhadores em causa);
c) Responsabilizando-se a sociedade devedora, a título exclusivo, pelo pagamento de “qualquer indemnização ou compensação” que viesse a ser devida em virtude da cessação dos referidos contratos de trabalho, devendo, nessa medida, “reembolsar a CESSIONÁRIA de eventuais montantes que a mesma tenha tido que desembolsar.”;
d) Tendo os vínculos laborais cessado no âmbito do processo de insolvência referente à sociedade cessionária,
Nada obstava a que os trabalhadores em causa reclamassem os créditos detidos a esse título no processo de insolvência da devedora/cedente (apenas não podendo ser ressarcidos a esse título em ambos os processos de insolvência).
II. O acordo firmado entre as duas sociedades, ao abrigo do princípio da liberdade contratual, é válido e, em face do citado acordo tripartido, eficaz perante os trabalhadores reclamantes, nenhuma nulidade daí resultando, tanto mais que:
a) O clausulado não exclui a responsabilidade da sociedade cessionária perante os trabalhadores;
b) Estes últimos passaram a beneficiar de um tratamento mais favorável já que, enquanto nos moldes previstos pelo artigo 285.º do CT/2009 (redacção original) apenas lhes seria possível exigir da cedente/insolvente os créditos que se tivessem vencido até à data da transmissão dos seus contratos de trabalho e durante o ano subsequente, em face do clausulado, passou a ser possível fazê-lo para além desse período e mesmo com relação aos créditos indemnizatórios/compensatórios decorrentes da cessação dos respectivos vínculos.
III. Da lista de credores reconhecidos que seja apresentada pelo Administrador da Insolvência para efeitos do disposto no artigo 129.º, n.º 1, do CIRE, deverão constar, não apenas os credores que tenham deduzido reclamação, mas também aqueles “que sejam por outra forma do seu conhecimento”.
IV. Estando os imóveis apreendidos para a massa insolvente integrados na estrutura estável de organização empresarial/industrial da devedora, os quais serviam de suporte físico à sua actividade, não obstante a mesma tenha cedido a exploração da unidade fabril, uma vez que não ficou isenta de responsabilidade pelos créditos laborais, estes últimos gozarão de privilégio imobiliário especial sobre tais bens – artigo 333.º, n.º 1, al. b), do CT.
V. Em face do disposto no ponto anterior, terão os credores laborais preferência no pagamento pelo produto da venda dos imóveis, devendo ser graduados com prioridade sobre o credor hipotecário.
VI. Os créditos não subordinados reclamados pela requerente da insolvência gozam de privilégio creditório geral, a graduar em último lugar entre os créditos privilegiados, sobre todos os bens móveis integrantes da massa insolvente, relativamente a um quarto do seu montante, num máximo correspondente a 500 unidades de conta.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as juízas na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa.

I - RELATÓRIO
Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Torres Vedras, CRL (CCAMTV) intentou acção de insolvência contra a sociedade Cerâmica Avelar, SA, a qual foi declarada por sentença proferida em 29/06/2012,  já transitada em Julgado.
Em 04/09/2012, pelo Administrador da Insolvência (AI) foi apresentado o relatório a que alude o artigo 155.º do CIRE[1].
Para a massa insolvente foram apreendidos: bens imóveis e bens móveis, tendo o processo prosseguido para liquidação.

Em 28/11/2014, pelo administrador de insolvência[2] foi apresentada a lista de créditos reconhecidos, nos moldes previstos pelo artigo 129.º, n.º 1 (inexistindo créditos não reconhecidos).[3]
Entre os credores reconhecidos encontram-se quatro trabalhadores, os quais surgem identificados enquanto credores privilegiados e garantidos (“Privilégio Mobiliário Geral e Imobiliário Especial”), todos eles com o seguinte fundamento: “Trabalhador (Acordo Tripartido de cedência do pessoal celebrado entre sociedade comercial Uniceram, SA e a insolvente), com menção dos concretos montantes devidos (todos a título de capital), mais se indicando terem os créditos sido reclamados.
Trata-se dos credores RA, JF, HC e MV, ascendendo os créditos reclamados e reconhecidos pelo AI aos montantes de 42.724,97€, 36.409,71€, 21.599,42€ e 22.057,18€, respectivamente.
Igualmente, entre outros, foi reconhecido o crédito reclamado pela CCAMTV, no montante de 4.097.562,69€, crédito esse garantido por hipoteca sobre os seguintes imóveis apreendidos – a) Prédio Rústico, denominado “Camameiras de Baixo” ou Calçada e “ Sítio dos Apupos”, sito na freguesia de Ramalhal, concelho de Torres Vedras, descrito na CRP de Torres Vedras sob o n.º 2003, da dita freguesia, e inscrito na matriz predial rústica sob parte dos artigos 20 e 21 da Secção J; b) cinco Prédios rústicos, denominados “…”, da freguesia do Ramalhal, concelho de Torres Vedras, descritos na CRP de Torres Vedras, respectivamente, sob os n.ºs 2428, 2429, 1489, 2235 e 1553, todas da referida freguesia, e inscritos na matriz predial rústica sob os art.º 5- Secção J, 6 Secção J, 12 Secção J, 13 Secção J e 11 Secção J.

A lista foi impugnada apenas pela credora CCAMTV e com relação aos créditos reconhecidos aos credores/trabalhadores RA (Ref.ª/Citius 416726); JF (Ref.ª/Citius 416729); HC  (Ref.ª/Citius 416733) e  MV  (Ref.ª/Citius 416736).[4]
Por articulado por mão comum, os quatro credores visados responderam às impugnações deduzidas aos respectivos créditos, tendo juntado cópias das respectivas reclamações de créditos que apresentaram no âmbito deste processo de insolvência, bem como das que apresentaram no processo em que é insolvente a sociedade Uniceram – Cerâmicas Associadas, SA (Proc. n.º 1289/12.8TBTVD), sendo o AI comum a ambos os processos (Ref.ªs/Citius 492791 e 492797).

Após ter sido notificado para tanto, em 12/04/2019 veio o AI esclarecer, para além do mais: “(…) II – Do Privilégio Imobiliário Especial dos Trabalhadores // 3. O elenco dos bens imóveis apreendidos para a massa insolvente compunha a unidade fabril da insolvente, sendo que um deles constitui o lugar do escritório e os outros os barreiros de onde era extraído o barro. // 4. Ora, in casu, se tais locais eram utilizados pela insolvente para prossecução da sua atividade de produção de tijolo tem de entender-se que, nessa circunstância, existe uma ligação funcional estável entre todos estes locais e os trabalhadores, todos afetos à atividade da empresa, no sentido de constituírem uma estritura organizacional, que os leva a considerar como local de trabalho dos trabalhadores no sentido referido pelo art.º 333 n.º 1 al. b) do Código do Trabalho. // 5. Razão pela qual deverá ser reconhecido aos trabalhadores da insolvente o Privilégio Imobiliário Especial sobre todos os imóveis apreendidos para a massa insolvente. (…)”.

Em 15/01/2025 foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos pela qual se julgaram improcedentes as impugnações apresentadas pela credora CCAMTV e se decidiu:
“Em face do exposto decido: // Homologar a lista de credores reconhecidos atualizada a 7/2/2024; // e // Graduar os créditos reconhecidos, para pagamento após as dívidas da massa, nos seguintes termos:
Pelo produto da venda de imóveis:
1.º - Serão pagos os créditos laborais; // 2.º- Será pago o crédito por IMI quanto ao valor de venda do imóvel sobre o qual o imposto incida; // 3.º- Serão pagos os créditos garantidos por hipoteca que incidam sobre o respetivo imóvel, atendendo-se à prioridade de registo; // 4.º - Será pago o crédito privilegiado da AT; // 5.º- Do remanescente, dar-se-á pagamento aos credores comuns, na respetiva proporção; // 6.º- Os créditos subordinados. // Atender-se-á ao regime específico dos créditos sob condição.
Pelo produto da venda de móveis e outros direitos ou rendimentos:
1.º Serão pagos os créditos laborais com privilégio geral; // 2.º Os créditos privilegiados da AT; // 3.º Os créditos comuns, rateadamente; // 4.º Os créditos subordinados. // Atender-se-á ao regime específico dos créditos sob condição.”

Inconformada com tal decisão, dela interpôs RECURSO a credora CCAMTV, tendo formulado as CONCLUSÕES que aqui se transcrevem:
“1. Mal andou o Tribunal a quo quando julgou verificados os créditos reclamados pelos Credores RA, JF, HC e MV, respetivamente, nos montantes de € 42.724,97 (…), € 36.409,71 (…), € 21.599,42 (…) e de € 22.057,18 (…), como créditos privilegiados – com Privilégio Mobiliário Geral e Privilégio Imobiliário Especial sobre todos os imóveis integrantes da estrutura produtiva da Insolvente, graduando-os à frente dos créditos garantidos por hipoteca da ora Recorrente.
2. Os Credores RA, JF, HC e MV fundamentaram a sua Reclamação de Créditos na existência de créditos laborais decorrentes da cessação do seu contrato de trabalho com a Insolvente Uniceram – Cerâmicas Associadas, S.A., pelos quais, no seu entender, seria solidariamente responsável, a Insolvente Cerâmica Avelar, S.A.,
3. Contrariamente ao entendimento dos referidos Credores, sufragado erradamente pelo Senhor Administrador da Insolvência e pelo Tribunal a quo na Sentença recorrida, a Insolvente Cerâmica Avelar, S.A. não é solidariamente responsável pelos alegados créditos, conforme demonstrado pela ora Recorrente em sede de impugnação dos mesmos, pelo que tais créditos não deveriam ter sido reconhecidos.
4. Em 15.10.2009, a Insolvente Cerâmica Avelar, S.A., juntamente com outras empresas que igualmente exerciam a atividade de cerâmica, decidiram associar-se e constituir uma nova empresa denominada Uniceram – Cerâmicas Associadas, S.A.
5. Na sequência da constituição desta Sociedade, foi celebrado, em 09.06.2010, pelas respetivas Acionistas, nas quais se inclui a Insolvente Cerâmica Avelar, S.A., um Acordo Parassocial – cfr. Acordo junto aos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.
6. Em simultâneo com a celebração do referido Acordo Parassocial, foi celebrado entre a Sociedade Uniceram – Cerâmicas Associadas, S.A. e cada uma das respetivas Acionistas um Contrato de Cessão de Exploração de Unidade Fabril.
7. Pelo qual as Acionistas cederam à sociedade Uniceram – Cerâmicas Associadas, S.A. a gestão e exploração das suas Unidades Fabris pelo prazo de 10 anos, renovável automaticamente por períodos iguais e sucessivos de 5 anos - cfr. Contrato junto aos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.
8. Assim, por força deste Contrato, a Insolvente Cerâmica Avelar, S.A. cedeu à Sociedade Uniceram – Cerâmicas Associadas, S.A. a exploração da sua unidade fabril sita no Ramalhal, concelho de Torres Vedras.
9. Ora, nos termos do artigo 285º do Código do Trabalho e da Cláusula 8.1 do Acordo Parassocial, com a celebração deste Contrato de Cessão de Exploração, transmitiu-se para a Sociedade Uniceram – Cerâmicas Associadas, S.A. a posição de empregador nos contratos de trabalho que vigoravam entre os trabalhadores e a Insolvente Cerâmica Avelar, S.A.
10. Pelo que forçoso é concluir que RA, JF, HC e MV deixaram de ser trabalhadores da Insolvente Cerâmica Avelar, S.A. a partir de 09.06.2010, ou seja, a partir da data da celebração do referido Contrato de Cessão de Exploração do Estabelecimento Industrial da Insolvente.
11. Na verdade, nos termos do artigo 285º do Código do Trabalho, a transmissão da posição do empregador opera automaticamente (ope legis) com a cessão da exploração do estabelecimento, não sendo necessário o consentimento do trabalhador.
12. Pelo que a posição do empregador transmitiu-se para a Sociedade Uniceram – Cerâmicas Associadas, S.A. na referida data, com a cessão da exploração do estabelecimento industrial, e não em 01.10.2010, por força do Acordo Tripartido celebrado entre os trabalhadores, a Insolvente Cerâmica Avelar, S.A. e a referida Sociedade Uniceram em 30.09.2010.
13. Por outro lado, do artigo 285º do Código do Trabalho resulta que o cedente apenas é solidariamente responsável pelas obrigações vencidas até à data da cessão da exploração, durante o ano seguinte a esta.
14. No caso concreto, a cessão da exploração do estabelecimento da Insolvente Cerâmica Avelar, S.A. ocorreu com a celebração do respetivo contrato em 09.06.2010.
15. Pelo que a responsabilidade solidária da Insolvente Cerâmica Avelar, S.A. pelos eventuais créditos laborais vencidos até àquela data cessou em 09.06.2011, ou seja, em momento anterior ao presente processo de Insolvência.
16. É certo que as partes estipularam na Cláusula 8.9 do Acordo Parassocial supra junto que, e cita-se: “Em relação aos trabalhadores transferidos para a Sociedade nos termos dos números 1 a 7 desta Cláusula, bem como relativamente aos novos trabalhadores que venham a ser contratados para a Sociedade, nos termos do número anterior, fica desde já acordado entre as Partes que os Acionistas Industriais serão os únicos responsáveis, em regime de solidariedade entre si, pelo pagamento de qualquer indemnização ou compensação que venha a ser eventualmente devida em virtude da cessação dos respetivos contratos de trabalho, devendo inclusivamente os Acionistas Industriais, nessa medida, reembolsar a Sociedade de eventuais montantes que a mesma tenha tido que desembolsar.”
17. Porém, o artigo 285º do Código do Trabalho é uma norma de natureza imperativa, e como tal, ao contrário do referido na Sentença recorrida, não pode ser derrogada por acordo das partes.
18. Acresce que, ao invés do sustentado na Sentença recorrida, o regime resultante da Cláusula 8.9 do Acordo Parassocial não é mais favorável aos trabalhadores do que o regime decorrente do citado artigo 285º do Código do Trabalho, dado que aquela Cláusula não estabelece uma responsabilidade solidária da ora Insolvente Cerâmica Avelar, S.A. e da Sociedade Uniceram – Cerâmicas Associadas, S.A. mas antes uma responsabilidade exclusiva da ora Insolvente Cerâmica Avelar, S.A., em solidariedade com os demais Acionistas Industriais, pelo pagamento de qualquer indemnização ou compensação que venha a ser devida em virtude da cessação dos contratos de trabalho dos trabalhadores cedidos.
19. Assim, estabelecendo a citada cláusula do Acordo Parassocial um regime de responsabilidade solidária que contraria claramente o disposto no artigo 285º do Código do Trabalho, forçoso é concluir que esta cláusula é nula, por violação da referida norma legal imperativa.
20. Por tudo quanto exposto, não podiam os alegados créditos laborais reclamados ser reconhecidos, dado que, nos termos do artigo 285º do Código do Trabalho, a responsabilidade solidária da Insolvente Cerâmica Avelar, S.A. pelas obrigações vencidas até à data da cessão da exploração do seu estabelecimento cessou em 09.06.2011, ou seja, em momento anterior ao presente processo de Insolvência. Pelo que mal andou a Sentença recorrida quando reconheceu tais créditos.
21. Porém ainda que assim não se entenda, o que não se concede, sempre se dirá que na Reclamação de Créditos junta aos autos, os Credores RA, JF, HC e MV não fazem prova da quantia em dívida, nem indicam a que créditos laborais se refere tal quantia, nomeadamente se respeita a remunerações em atraso, proporcionais de férias, subsídio de férias, subsídio de Natal ou a indemnização decorrente da cessação do respetivo Contrato de Trabalho.
22. Ao invés, limitam-se tão-só a alegar que são titulares de “créditos laborais” decorrentes da cessação do seu Contrato de Trabalho, os quais já foram reclamados no processo de Insolvência da sociedade Uniceram – Cerâmicas Associadas, S.A.
23. Ora, estabelece o n.º 1 do artigo 128º do CIRE que devem os Credores da Insolvência reclamar os seus créditos por meio de requerimento, acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham, no qual indiquem, nomeadamente a proveniência, data de vencimento, montante de capital e juros e a taxa de juros do crédito reclamado.
24. E dispõe o n.º 3 do mesmo preceito legal que: “A verificação tem por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de Insolvência, se nele quiser obter o pagamento.”
25. Assim, ainda que os créditos de que os Credores Reclamantes se arrogam titulares tivessem sido reconhecidos no processo de Insolvência da Uniceram – Cerâmicas Associadas, S.A, – o que a Recorrente desconhece e não tem que conhecer – competia-lhes sempre alegar e provar no presente processo de Insolvência a existência desse crédito, indicando nomeadamente a proveniência, a data de vencimento, o montante de capital e juros em dívida e a taxa de juros, acompanhado dos respetivos documentos probatórios – o que os mesmos não fizeram!
26. Pelo que mal andou a Sentença recorrida quando considerou o contrário, dado que não se mostram preenchidos os requisitos previstos no n.º 1 do artigo 128º do CIRE e, por isso, não estando demonstrados os alegados créditos, não podiam estes ser reconhecidos.
27. Quando assim não se entenda, o que não se concede, sempre se dirá que a Sentença recorrida qualificou os créditos reclamados pelos Credores RA, JF, HC e MV como créditos com Privilégio Imobiliário Especial.
28. Porém, salvo o devido respeito, a Recorrente não pode concordar com tal qualificação, dado que aos trabalhadores, in casu aos Credores Reclamantes, competia alegar e provar que exerceram a sua atividade nos imóveis da Insolvente, o que estes não fizeram.
29. Pelo que forçoso é concluir que os Credores Reclamantes não beneficiam, nem podem beneficiar do Privilégio Imobiliário Especial previsto no artigo 333º do Código do Trabalho.
30. Motivo pelo qual mal andou a Sentença recorrida quando lhes reconheceu tal Privilégio, dado que não se mostra preenchido o requisito cumulativo previsto na alínea b) do n.º 1 do citado artigo 333º do Código do Trabalho e, por consequência, os alegados créditos em causa não podem beneficiar de Privilégio Imobiliário Especial sobre os imóveis da Insolvente.
31. Mal andou igualmente o Tribunal a quo quando graduou os créditos da Credora Caixa Agrícola ora Recorrente, sobre os bens móveis, como créditos comuns, apesar desta beneficiar de privilegio Creditório Mobiliário, até ao montante de 500UC, nos termos do art.º 98 do CIRE.
32. Em 03.01.2012 a ora Recorrente requereu a Declaração da Insolvência da ora Insolvente pelo que o seu crédito beneficia de Privilégio Creditório Geral, nos termos do disposto no artigo 98.º do CIRE.
33. O Privilégio Creditório Mobiliário previsto no art.º 98 do CIRE opera ope legis, não estando sujeito a qualquer requisito, que não seja a qualidade de Requerente da Insolvência.
34. Pelo que apenas por erro ou lapso material manifesto poderia a Sentença do douto Tribunal a quo graduar os créditos da ora Recorrente como Comum.
35. Ao assim decidir, incorrendo em erro ou lapso manifesto, o Tribunal a quo, violou o disposto no n.º 1 do artigo 98.º CIRE e na al. b) do n.º 2 do art. 616.º do CPC.
36. Violou ainda o Tribunal a quo o disposto nos artigos 285º e 333º do Código do Trabalho e 128º do CIRE.
Nestes termos e nos mais de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que não reconheça os créditos reclamados pelos Credores RA, JF, HC e MV e no que respeita à alínea V) da Decisão, onde consta a graduação dos Créditos da ora Recorrente sobre os bens móveis como créditos comuns, os gradue como Créditos Privilegiados até ao limite de 500UC, nos termos e com os limites do artigo 98.º do CIRE, alterando assim a ordem de graduação, (…)”.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido pelo tribunal a quo como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

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II – DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, ressalvadas as questões que forem de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, sem prejuízo de o tribunal ad quem não estar limitado pela iniciativa das partes - artigos 5.º, n.º 3, 608.º, n.º 2, ex vi artigo 663.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC.
Assim, as questões a decidir serão:
1. Verificação dos créditos laborais reconhecidos pelo AI, qualificação dos mesmos e respectiva graduação – aferir da existência/reconhecimento dos mesmos sobre a insolvente e, na afirmativa, se beneficiam de privilégio imobiliário especial;
2. Qualificação e graduação do crédito da requerente da insolvência pelo produto dos bens móveis.

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III – FUNDAMENTAÇÃO

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Para além dos factos e ocorrências processuais supra enunciados, resulta do processo (em face da documentação junta e não impugnada e das informações prestadas pelo AI):
1. A devedora insolvente foi constituída em 24/03/1980, com sede na localidade e freguesia do Ramalhal, concelho de Torres Vedras, tendo por objecto social a indústria de produtos cerâmicos.
2. A sua actividade centrou-se, ab initio, na produção da denominada “cerâmica de barro vermelho” para a construção civil (tijolo e abobadilha).
3. Em 15/10/2009 foi constituída a sociedade UNICERAM – Cerâmicas Associadas, S.A., com sede nas instalações da ora insolvente, da qual é accionista esta última.
4. Em 09/06/2010 foi outorgado um acordo parassocial, celebrado entre as sociedades accionistas da Uniceram, no qual a aqui devedora se incluía (accionistas industriais) e PME – Investimentos – Sociedade de Investimento, SA e Fundo de capital de risco BES PME Capital Growth (enquanto investidores), o qual, para além do mais, teve por objectivo “estabelecer os princípios aplicáveis às relações das Partes enquanto accionistas da Sociedade – Sociedade Uniceram – Cerâmicas Associadas, SA - e, bem assim, estabelecer as regras a observar na transmissão das respectivas Acções, bem como no cumprimento das obrigações de compra e venda das mesmas” – Considerando F).
5.  Na sua Cláus. 8.ª (Transferência de pessoal), consignou-se: “8. 1. Com a celebração dos Contratos de Cessão de Exploração e nos termos dos mesmos, os Accionistas Industriais transferirão para a Sociedade o pessoal estritamente necessário à actividade do conjunto das Unidades Fabris, encontrando-se o pessoal em causa, bem como as respectivas condições de remuneração, regalias e antiguidade discriminadamente identificadas no quadro que constitui o Anexo 9 ao presente Acordo Parassocial. // 8.2. Para efeitos laborais, à cessão de exploração das Unidades Fabris, e à respectiva reversão da exploração das mesmas, é aplicável o regime legal estabelecido para a transmissão de estabelecimento, pelo que os trabalhadores transferidos manterão as mesmas categorias, antiguidade e demais direitos adquiridos em virtude dos respectivos contratos de trabalho. // 8.3. A Sociedade assumirá, para os devidos efeitos legais e contratuais, sem limitação e ou exclusão, a partir da data da  celebração dos Contratos de Cessão de Exploração, todos os direitos, obrigações e responsabilidades, advenientes da sua adquirida posição de empregador do pessoal afecto à Unidade Fabril de cada Accionista Industrial, desde que posteriores à data de celebração dos Contratos de Cessão de Exploração e sem prejuízo do disposto no número anterior. // 8.4. Cada um dos Accionistas Industriais assumirá todas as responsabilidades que decorrerem dos contratos de trabalho celebrado com os trabalhadores transferidos para a Sociedade nos termos dos números anteriores desta Cláusula (nomeadamente a título de remunerações, indemnizações ou qualquer outro título) originadas até à data da celebração dos Contratos de Cessão de Exploração. // 8.5. Para efeitos do disposto nos números anteriores da presente Cláusula, serão celebrados contratos de trabalho tripartidos, entre a Sociedade, o Accionista Industrial cedente e o trabalhador cedido, nos termos da minuta que consta como Anexo 10 ao presente Contrato. // 8.6. Sem prejuízo da declaração feita pelo trabalhador cedido constante da Cláusula Terceira da minuta junta como Anexo 10 a este Acordo, caso a venha a ser apresentada qualquer reclamação de créditos laborais devidos por factos ocorridos até à data da celebração dos Contratos de Cessão de Exploração, e à inerente  transmissão dos contratos de trabalho em causa para a Sociedade, a responsabilidade será sempre do respectivo Accionista Industrial cedente, tal como se encontra especificado no número 8.4 supra. // 8.7. Com a cessação de cada um dos Contratos de Cessão de Exploração, no final do seu período de vigência inicial ou da(s) sua(s) renovação(ões), e com a consequente reversão para a cada um dos Accionistas Industriais das respectivas Unidades Fabris, transmite-se para cada um dos Accionistas Industriais a posição de empregador da Sociedade nos contratos de trabalho celebrados com todos os trabalhadores da Unidade Fabril, pelo que cada um dos Accionistas Industriais assumirá, para os devidos efeitos legais e contratuais, sem limitação e ou exclusão, a partir da data da cessação do respectivo Contrato de Cessão de Exploração, perante os referidos trabalhadores, todos os direitos, obrigações e responsabilidades, actuais e futuras, vencidas e vincendas, advenientes da sua reaquirida posição de empregador. (…) 8.9. Em relação aos trabalhadores transferidos para a Sociedade nos termos dos números 1 a 7 desta Cláusula (…), fica desde já acordado entre as Partes que os Accionistas Industriais serão os únicos responsáveis, em regime de solidariedade entre si, pelo pagamento de qualquer indemnização ou compensação que venha a ser eventualmente devida em virtude da cessação dos respectivos contratos de trabalho, devendo inclusivamente os Accionistas Industriais, nessa medida, reembolsar a Sociedade de eventuais montantes que a mesma tenha tido que desembolsar.”
6. Em simultâneo com o denominado acordo parassocial (e como expressamente previsto no seu Considerando G)), no mesmo dia 09/06/2010, e para o que aqui releva, foi celebrado o acordo denominado contrato de cessão de exploração de unidade fabril, pelo qual a devedora insolvente declarou ceder à UNICERAM “a gestão e a exploração” da respectiva unidade fabril, sita na localidade e freguesia do Ramalhal, Torres Vedras.
7. Dos Considerandos do acordo referido no facto anterior consignou-se: “(…) F) A CEDENTE é acionista da CESSIONÁRIA e, nessa qualidade, irá aderir, na presente data, a um Acordo Parassocial relativo à sua participação no capital social de CESSIONÁRIA (…) // J) As Partes pretendem regular os termos e condições inerentes à cessão de exploração da UNIDADE FABRIL a favor da CESSIONÁRIA.”
8. Mais se tendo clausulado:
a) Cláus. 2.ª, n.º 1: que o prazo da cessão de exploração seria de 10 anos e automaticamente renovável por períodos iguais e sucessivos de 5 anos, salvo oposição à renovação por qualquer das partes com a antecedência mínima de 12 meses;
b) Cláus. 6.ª (Pessoal): “ 1. Com a celebração do presente Contrato, a CEDENTE transferirá para a CESSIONÁRIA o pessoal estritamente necessário à actividade da UNIDADE FABRIL ou de outra(s) unidade(s) fabril(s) que sejam exploradas pela CESSIONÁRIA ao abrigo de outros contratos de cessão de exploração celebrados por esta com outra(s) sua(s) accionista(s) que se dediquem a actividade idêntica à da CEDENTE, na sequência do Plano de Reestruturação desenvolvido pela CEDENTE, encontrando-se o pessoal em causa, bem como as respectivas condições de remuneração, regalias e antiguidade discriminadamente identificadas no quadro que constitui o Anexo 7 ao presente Contrato. // 2. Para efeitos laborais, à cessão de exploração da UNIDADE FABRIL, e à respectiva reversão da exploração da mesma, é aplicável o regime legal estabelecido para a transmissão de estabelecimento, pelo que os trabalhadores transferidos manterão as mesmas categorias, antiguidade e demais direitos adquiridos em virtude dos respectivos contratos de trabalho. // 3. A CESSIONÁRIA assumirá, para os devidos efeitos legais e contratuais, sem limitação e ou exclusão, a partir da data da  verificação de todas as condições suspensivas previstas na Cláusula Vigésima Segunda do presente Contrato, todos os direitos, obrigações e responsabilidades, advenientes da sua adquirida posição de empregador do pessoal afecto à UNIDADE FABRIL, desde que posteriores à data da verificação de todas as condições suspensivas previstas na Cláusula Vigésima Segunda do presente Contrato. // 4. A CEDENTE assumirá todas as responsabilidades que decorrerem dos contratos de trabalho celebrado com os trabalhadores transferidos para a CESSIONÁRIA nos termos dos números anteriores desta Cláusula (nomeadamente a título de remunerações, indemnizações ou qualquer outro título) originadas até à data da verificação de todas as condições suspensivas previstas na Cláusula Vigésima Segunda do presente Contrato. // 5. Para efeitos do disposto nos números anteriores da presente Cláusula, serão celebrados contratos de trabalho tripartidos, entre a CEDENTE, a CESSIONÁRIA, e cada trabalhador cedido, nos termos da minuta que consta como Anexo 8 ao presente Contrato. // 6. Sem prejuízo da declaração feita pelo trabalhador cedido constante da Cláusula Terceira da minuta junta como Anexo 8 a este Acordo, caso a venha a ser apresentada qualquer reclamação de créditos laborais devidos por factos ocorridos até à data da verificação de todas as condições suspensivas previstas na Cláusula Vigésima Segunda deste Contrato, e à inerente transmissão dos contratos de trabalho em causa para a CESSIONÁRIA, a responsabilidade será sempre da CEDENTE, tal como se encontra especificado no número 4 desta Cláusula. // 7. Com a cessação do presente Contrato, independentemente da respectiva causa, e com a consequente reversão para a CEDENTE da UNIDADE FABRIL, transmite-se para a CEDENTE a posição de empregador da CESSIONÁRIA nos contratos de trabalho celebrados com todos os trabalhadores da UNIDADE FABRIL, pelo que a CEDENTE assume, para os devidos efeitos legais e contratuais, sem limitação e ou exclusão, a partir da data da cessação deste Contrato, perante os referidos trabalhadores, todos os direitos, obrigações e responsabilidades, actuais e futuras, vencidas e vincendas, advenientes da sua reaquirida posição de empregador. (…) // 9. Em relação aos trabalhadores transferidos para a CESSIONÁRIA nos termos dos números 1 a 7 desta Cláusula (…), fica desde já acordado entre as Partes que a CEDENTE será a única responsável pelo pagamento de qualquer indemnização ou compensação que venha a ser eventualmente devida em virtude da cessação dos respectivos contratos de trabalho, devendo inclusivamente a CEDENTE, nessa medida, reembolsar a CESSIONÁRIA de eventuais montantes que a mesma tenha tido que desembolsar.”
9. Em 30/09/2010, entre a sociedade insolvente (cedente), a sociedade Uniceram – Cerâmicas Associadas, SA (cessionária) e os trabalhadores aqui credores reclamantes, foi assinado um acordo tripartido de cedência de pessoal, no qual foram fixados os termos dessa cedência.
10. Os imóveis apreendidos para a massa insolvente compunham a unidade fabril da devedora, sendo um deles o escritório e os demais os barreiros de onde era extraído o barro.
11.  A sociedade Uniceram – Cerâmicas Associadas, SA foi declarada insolvente por sentença proferida em 10/05/2012, já transitada em julgado (Proc. n.º 1289/12.8TBTVD, do então 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Torres Vedras, actual Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo de Comércio de Vila Franca de Xira, Juiz 3[5]), no qual é AI o mesmo do presente processo.
12. Na reclamação de créditos que apresentou, HC referiu ter sido admitido ao serviço da sociedade insolvente em 01/01/2001, para exercer funções inerentes à categoria profissional de serralheiro (MET), na unidade fabril do Ramalhal, auferindo um vencimento base ilíquido de 1.470€, acrescido do prémio regular 1 no montante de 60€.
13. Na reclamação de créditos que apresentou, JF referiu ter sido admitido ao serviço da sociedade insolvente em 01/01/2001, para exercer funções inerentes à categoria profissional de director de serviços, na unidade fabril do Ramalhal, auferindo um vencimento base ilíquido de 2.500€.
14. Na reclamação de créditos que apresentou, MV referiu ter sido admitida ao serviço da sociedade insolvente 08/05/1990, para exercer funções inerentes à categoria profissional de escriturária de 1.ª, na unidade fabril do Ramalhal, auferindo um vencimento base ilíquido de 825€, acrescido de uma diuturnidade no montante de 49,90€.
15. Na reclamação de créditos que apresentou, RA referiu ter sido admitido ao serviço da sociedade insolvente 01/07/1991, para exercer funções inerentes à categoria profissional de encarregado de secção, na unidade fabril do Ramalhal, auferindo um vencimento base ilíquido de 1.765€, acrescido de uma diuturnidade no montante de 10,48€.
16. Os quatro trabalhadores reclamaram créditos laborais nos montantes globais de 21.599,43€ (HC), 36.409,71€ (JF), 22.057,18€ (MV) e 42.724,97€ (RA), mais tendo declarado que tais créditos correspondiam aos que tinham sido reclamados ao mesmo AI, no âmbito do processo de insolvência referido no facto 11.
17. Nas reclamações que apresentaram no processo referido no facto 11, os citados trabalhadores discriminaram os seus créditos da seguinte forma:
a) HC: 3.060€ a título de férias vencidas em 01/01/2012 e respectivo subsídio; 1.198,50€ a título de proporcionais de férias do ano de 2012 (até 21/05) e respectivo subsídio; 599,25€ a título de proporcionais de subsídio de Natal de 2012 (até 21/05); e 16.741,67€ a título de compensação por despedimento colectivo ocorrido em 21/05/2012;
b) JF: 5.000€ a título de férias vencidas em 01/01/2012 e respectivo subsídio; 1.958,33€ a título de proporcionais de férias do ano de 2012 (até 21/05) e respectivo subsídio; 979,16€ a título de proporcionais de subsídio de Natal de 2012 (até 21/05); e 28.472,22€ a título de compensação por despedimento colectivo ocorrido em 21/05/2012;
c) MV: 1.749,80€ a título de férias vencidas em 01/01/2012 e respectivo subsídio; 685,33€ a título de proporcionais de férias do ano de 2012 (até 21/05) e respectivo subsídio; 342,66€ a título de proporcionais de subsídio de Natal de 2012 (até 21/05); e 19.279,39€ a título de compensação por despedimento colectivo ocorrido em 21/05/2012;
d) RA: 3.550,96€ a título de férias vencidas em 01/01/2012 e respectivo subsídio; 1.390,80€ a título de proporcionais de férias do ano de 2012 (até 21/05) e respectivo subsídio; 695,40€ a título de proporcionais de subsídio de Natal de 2012 (até 21/05); e 37.087,81€ a título de compensação por despedimento colectivo ocorrido em 21/05/2012.
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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Sendo o processo insolvencial um processo de execução universal (abrangendo todo o património do devedor) e concursal, ao mesmo são chamados a intervir todos os credores, os quais apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do CIRE, durante a pendência do processo de insolvência – cfr. artigos 1.º, 46.º, n.º 1 e 90.º[6].
Do artigo 128.º, n.ºs 1 e 2 resulta que, dentro do prazo fixado para o efeito na sentença declaratória de insolvência – artigo 36.º, n.º 1, al. j) -, devem os credores da insolvência reclamar a verificação dos seus créditos por requerimento endereçado ao AI.
Sobre cada um dos credores incide um ónus de reclamação cujo incumprimento poderá constituir impedimento a que os seus interesses/créditos sejam satisfeitos (por não lhes ser viabilizado que beneficiem do produto da liquidação do activo – cfr. artigo 173.º).
Para além dos créditos que tenham sido reclamados, o AI deverá igualmente reconhecer aqueles que, apesar de o não terem sido, constem da contabilidade do devedor ou cheguem ao seu conhecimento por qualquer outro meio.
Sendo o AI a entidade competente para recepcionar as reclamações, deverá o mesmo apresentar na secretaria - nos 15 dias subsequentes ao termo do prazo fixado para o efeito -, uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos – artigo 129.º, n.º 1, acrescentando o seu n.º 2 que da mesma deverá constar “a identificação de cada credor, a natureza do crédito, o montante de capital e juros à data do termo do prazo das reclamações, as garantias pessoais e reais, os privilégios, a taxa de juros moratórios aplicável, as eventuais condições suspensivas ou resolutivas e o valor dos bens integrantes da massa insolvente sobre os quais incidem garantias reais de créditos pelos quais o devedor não responda pessoalmente.
E, não obstante não vigorar no apenso de verificação e graduação de créditos o princípio do inquisitório (artigo 11.º), não deverá o juiz adoptar um papel puramente formalista, de passividade, face ao modo com o AI e os credores reclamantes observam os respectivos deveres e ónus processuais[7]. Mesmo na ausência de impugnações[8], não se poderá limitar a homologar a lista de créditos, assim não devendo suceder caso a mesma padeça de erro manifesto - devendo este último ser interpretada em termos amplos, isto é, não se limitando ao simples lapso material ou ao erro formal (decorrente de qualquer incongruência que a lista apresente), mas também abrangendo o erro de natureza substancial (respeitante à indevida inclusão/exclusão do crédito nessa lista, ao seu montante ou às suas qualidades)[9].
O juiz deverá, pois, diligenciar pela obtenção dos esclarecimentos que julgue serem imprescindíveis para suprir/esclarecer a lista apresentada (promovendo as diligências necessárias e adequadas à verificação dos créditos listados e à graduação dos mesmos face às invocadas garantias de que gozam), o que, no presente caso, sucedeu[10].
Posteriormente, será em sede de graduação que irá aferir se as garantias e privilégios indicados pelo AI estão ou não correctos, procedendo à respectiva qualificação jurídica[11].

O CIRE classifica os créditos sobre a insolvência como sendo garantidos e privilegiados (sendo os primeiros os que beneficiam de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais, e os segundos os que beneficiam de privilégios creditórios gerais sobre bens integrantes da massa insolvente, até ao montante correspondente ao valor dos bens objecto das garantias ou dos privilégios gerais, tendo em conta as eventuais onerações prevalecentes), subordinados (os créditos enumerados no artigo 48.º, excepto quando beneficiem de privilégios creditórios, gerais ou especiais, ou de hipotecas legais, que não se extingam por efeito da declaração de insolvência) ou comuns (os demais créditos) – artigo 47.º, n.º 4, als. a), b) e c).
Já no que concerne à graduação dos créditos reclamados, prescreve no n.º 2 do artigo 140.º que a mesma é geral para os bens da massa insolvente e especial para os bens associados a direitos reais de garantia e privilégios creditórios. Enquanto a graduação geral respeita aos créditos cuja garantia se reporta à generalidade dos bens da massa insolvente, a graduação especial reporta-se aos créditos garantidos por direito real de garantia ou privilégio creditório que onerem alguns dos bens existentes na massa insolvente. Após terem sido pagas as dívidas da massa insolvente, dar-se-á pagamento aos créditos garantidos pelo produto da venda dos bens onerados com a garantia real e, após estes, aos créditos privilegiados, sendo estes últimos pagos “à custa dos bens não afectos a garantias reais prevalecentes” – cfr. artigos 172.º, 174.º e 175.º.
Contudo, pese embora os créditos garantidos por direitos reais de garantia (como é o caso do crédito hipotecário) beneficiem de preferência de pagamento sobre os bens integrantes da massa insolvente, tal regra comporta a excepção atinente aos créditos laborais que gozem de privilégio imobiliário especial.

O crédito da apelante encontra-se garantido por hipoteca sobre determinados bens imóveis[12]. Direito real de garantia, legalmente previsto, e que se justifica pela especial relação existente entre o crédito a que respeita e o bem sobre o qual recai a garantia (ficando o bem especificamente afecto ao cumprimento da obrigação por ele garantida).
Já no que respeita aos créditos dos trabalhadores, prevê o nosso ordenamento jurídico que os mesmos beneficiam de privilégio mobiliário geral – artigo 333.º n.º 1, al. a), do CT e artigo 737.º, n.º 1, al. d), do CC -, e de privilégio imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua actividade – artigo 333.º n.º 1, al. b), do CT. [13]
O facto de a hipoteca e os privilégios conferirem aos credores que deles beneficiem o direito a serem pagos com preferência aos demais credores, representa uma derrogação do princípio da igualdade plasmado no artigo 604.º, n.º 1, do CC[14].
No caso, o AI reconheceu créditos laborais que foram oportunamente impugnados pela recorrente, impugnação essa que veio a ser julgada improcedente.
E esses créditos foram depois verificados e graduados como beneficiando de privilégio imobiliário especial (sobre todos os imóveis apreendidos) e de privilégio mobiliário geral (sobre os bens móveis igualmente apreendidos).
A apelante insurge-se contra a decisão proferida, com três fundamentos: a) não serem os credores reclamantes trabalhadores da sociedade insolvente, pelo que esta não terá que responder pelos créditos pelos mesmos reclamados; b) não terem os mesmos dado cumprimento ao ónus de prova exigido pelo artigo 128.º; e c) não beneficiarem esses créditos de privilégio imobiliário especial (uma vez que não foi alegado nem provado que tenham trabalhado nos imóveis apreendidos), apenas podendo ser qualificados como comuns, com excepção dos montantes devidos a título de juros, que deverão ser qualificados como créditos subordinados.
Analisemos cada um desses fundamentos.
           
Da qualidade de trabalhadores dos credores e da responsabilidade solidária da insolvente pelo pagamento dos créditos pelos mesmos reclamados:
Na sentença recorrida, pronunciando-se para efeitos de verificação dos créditos laborais, consignou-se: “O regime decorrente do artigo 285.º do CT sobre a responsabilidade do empregador cedente e cessionário visa proteger os trabalhadores abrangidos pela cessão, conferindo-lhes direitos mínimos que não podem ser afastados. Porém, o mínimo imperativo consagrado na lei pode ser afastado por norma mais favorável, com o acordo dos trabalhadores. A cláusula 8.9 do Acordo Parassocial, ao consagrar responsabilidade solidária da ora Insolvente e da sociedade sua participada que se tornou empregadora dos trabalhadores ora reclamantes, sem limite de prazo, é norma mais favorável aos trabalhadores que o regime mínimo decorrente do art. 285.º do CT. A cláusula do Acordo não afasta o regime imperativo do art. 285.º mas amplia-o num sentido mais benéfico à parte mais desfavorecida da relação jurídica, o trabalhador. Assim, a cláusula é válida e a ora Insolvente deve responder pelos créditos laborais, visto que a sociedade participada foi declarada insolvente.”
Contrapõe a apelante que os créditos reclamados decorrem da cessação de contratos de trabalho que existiram, não com a aqui devedora/insolvente, mas antes com a sociedade Uniceram – Cerâmicas Associadas, SA (também ela já declarada insolvente), não podendo a primeira ser solidariamente responsabilizada (uma vez que se mostra ultrapassado o prazo previsto no n.º 2 do artigo 285.º do CT). Assim, defende, nunca esses créditos deveriam ter sido reconhecidos.
No seu entender, ao ceder à Uniceram a exploração da sua unidade fabril (sita em Ramalhal, Torres Vedras) – nos moldes já descritos na factualidade provada -, a insolvente transmitiu para aquela a sua posição de empregadora nos contratos de trabalho que mantinha com os aqui credores reclamantes, pelo que estes deixaram de ser seus trabalhadores a partir de 09/06/2010 – Cláus. 8.1. do acordo parassocial e artigo 285.º do CT.
Mais acrescenta que tal transmissão opera automaticamente, sem necessidade do consentimento dos trabalhadores, razão pela qual se mostra irrelevante a data na qual foi assinado o acordo tripartido – 30/09/2010 (acordo igualmente referido na factualidade provada).
E, mesmo que existisse responsabilidade solidária, a mesma apenas abrangeria as obrigações vencidas até 09/06/2011 (período de um ano subsequente ao da celebração do acordo de cessão de exploração), ou seja, até momento anterior ao qual se iniciou o presente processo de insolvência (a qual foi por si requerida em 03/01/2012).
Por fim, refere que a Cláus. 8.9. do acordo parassocial é nula, seja por violar o disposto no artigo 285.º do CT (norma de cariz imperativo que não pode ser derrogada por vontade das partes), seja por não conter um regime mais favorável para os trabalhadores (porquanto a mesma não estipula uma responsabilidade solidária entre as duas sociedades, mas antes uma responsabilidade exclusiva da insolvente, em solidariedade com as demais accionistas industriais).
Isto posto,
O artigo 285.º do CT (na redacção que vigorava à data) prescrevia: “1. Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral. 2. O transmitente responde solidariamente pelas obrigações vencidas até à data da transmissão, durante o ano subsequente a esta. 3. O disposto nos números anteriores é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração. (…)”.[15]
Pronunciando-se quanto ao regime jurídico da transmissão do estabelecimento ou da empresa, Maria do Rosário Palma Ramalho[16] defende serem quatro os seus aspectos essenciais: “Em primeiro lugar, verifica-se a assunção, por parte do adquirente da unidade empresarial, da posição jurídica de empregador relativamente aos contratos de trabalho vigentes ao tempo da transmissão, independentemente da anuência do trabalhador (…). Em segundo lugar, transmite-se também para o adquirente da empresa ou do estabelecimento, de forma automática, a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada ao transmitente pela prática de contraordenação laboral (…). Em terceiro lugar, o transmitente e o transmissário responsabilizam-se solidariamente por eventuais créditos dos trabalhadores contra o primitivo empregador (art. 285º nº 2). Por fim, o negócio transmissivo investe o transmissário no conjunto das obrigações que advinham para o transmitente de instrumento de regulamentação colectiva do trabalho vigente na empresa ou no estabelecimento transmitido (…).” Mais acrescentando que “Quanto ao âmbito do fenómeno transmissivo, é qualificada como transmissão para efeitos da sujeição a este regime legal, não apenas a mudança da titularidade da empresa ou do estabelecimento, por qualquer titulo (i.e. uma transmissão definitiva, por efeito do trespasse, fusão, crise ou venda judicial), mas também a transmissão, a cessão ou reversão da exploração da empresa ou do estabelecimento sem alteração da respectiva titularidade (i.e. uma transmissão das responsabilidades de gestão a título temporário, embora estável) – art. 285º n.ºs 1 e 3.”.
Daqui decorre que, não obstante a transmissão dos contratos de trabalho seja automática, os mesmos mantêm-se incólumes (com todos os direitos e obrigações já existentes), assumindo o transmissário a posição de empregador, sem que para tanto o trabalhador tenha que dar a sua anuência[17]. A esta última afirmação não obstando a inobservância de cumprimento dos deveres previstos nos n.º 1, 2 e 3 do artigo 286.º do CT (igualmente na redacção vigente à data), porquanto a lei se limita a estipular que a mesma apenas constituirá contra-ordenação leve (n.º 5 do mesmo artigo). [18]
E cessando o contrato de trabalho nessas circunstâncias - como aqui sucedeu, em consequência da insolvência da sociedade Uniceram -, tal cessação ocorre já no âmbito do vínculo laboral que passou a existir entre a transmissária/empregadora e os trabalhadores (pelo que será na esfera jurídica da mesma que se reflectirão os efeitos legais emergentes dessa cessação).
Em face de assim ser, numa primeira leitura, poder-se-ia reconhecer razão à posição defendida pela apelante (já que os créditos reclamados têm origem em momento posterior ao da cessão da exploração e o n.º 2 do artigo 285.º do CT alude apenas às “obrigações vencidas até à data da transmissão”).
Sucede que, no caso, mostra-se demonstrado que:
No acordo parassocial[19], designadamente na sua cláusula 8.9, estipulou-se: “Em relação aos trabalhadores transferidos para a Sociedade nos termos dos números 1 a 7 desta Cláusula (…), fica desde já acordado entre as Partes que os Accionistas Industriais serão os únicos responsáveis, em regime de solidariedade entre si, pelo pagamento de qualquer indemnização ou compensação que venha a ser eventualmente devida em virtude da cessação dos respectivos contratos de trabalho, devendo inclusivamente os Accionistas Industriais, nessa medida, reembolsar a Sociedade de eventuais montantes que a mesma tenha tido que desembolsar.”
E, na cláusula 6.ª do acordo de cessão de exploração, igualmente se estipulou: “Em relação aos trabalhadores transferidos para a CESSIONÁRIA nos termos dos números 1 a 7 desta Cláusula (…), fica desde já acordado entre as Partes que a CEDENTE será a única responsável pelo pagamento de qualquer indemnização ou compensação que venha a ser eventualmente devida em virtude da cessação dos respectivos contratos de trabalho, devendo inclusivamente a CEDENTE, nessa medida, reembolsar a CESSIONÁRIA de eventuais montantes que a mesma tenha tido que desembolsar.”
Destas duas cláusulas, como bem refere a apelante, não resulta qualquer responsabilidade solidária entre a devedora e a Uniceram, mas já resulta que a primeira se responsabilizou exclusivamente pelo pagamento de indemnizações ou compensações que, na sequência da cessação dos vínculos laborais, viessem a ser devidas aos trabalhadores.
Ou seja, foi acordado que, não obstante a entidade empregadora passasse a ser a sociedade Uniceram, a aqui devedora assumiria, a título exclusivo, o pagamento que fosse devido pela cessação dos contratos de trabalho.
Tal acordo é válido e vincula juridicamente ambas as sociedades (no âmbito das relações entre as mesmas), como permitido pelo princípio da liberdade contratual a que alude o artigo 405.º, n.º 1, do CC.
Mas assumirá o mesmo eficácia com relação aos trabalhadores?
Não obstante o clausulado no acordo de cessão de exploração vincular apenas as sociedades outorgantes, no caso, foi também celebrado, em 30/09/2010, um acordo tripartido de cedência de pessoal, desta feita entre devedora insolvente (cedente), a sociedade Uniceram – Cerâmicas Associadas, SA (cessionária) e os trabalhadores aqui credores reclamantes, acordo esse pelo qual foram fixados os termos dessa cedência (o qual não foi posto em causa através do presente recurso).
Nessa medida, não obstante o carácter imperativo do artigo 285.º do CT, nada obstava a que tal cláusula tivesse sido acordada e que a mesma produza efeitos também com relação aos trabalhadores, nenhuma nulidade daí decorrendo.
Por um lado, do clausulado não resulta qualquer exclusão de responsabilidade da Uniceram perante os trabalhadores (nada tendo sido previsto no sentido de não poderem os mesmos exigir-lhe o pagamento das indemnizações/compensações a que tivessem direito), hipótese na qual, aí sim, a cláusula seria nula por violação da imperatividade do regime do artigo 285.º do CT, enquanto restritiva dos direitos dos trabalhadores. Só assim poderá ser interpretado o segmento “nessa medida, reembolsar a Cessionária de eventuais montantes que a mesma tenha tido que desembolsar”, para além do que consta da cláusula 8.3 do acordo parassocial e da cláusula 6.3 do acordo de cessão de exploração. Ou seja, os trabalhadores continuaram a poder exigir à Uniceram os seus direitos (como, aliás, não deixaram de o fazer, já que também reclamaram os seus créditos no processo insolvencial à mesma referente, não tendo sido alegado que tais reclamações tenham sido rejeitadas).
Por outro lado, em face das citadas cláusulas, os trabalhadores passaram a beneficiar de um regime de tratamento mais favorável (ficaram mais protegidos), já que, enquanto nos moldes previstos pelo artigo 285.º do CT apenas lhes seria possível exigir da cedente/insolvente os créditos que se tivessem vencido até à data da transmissão dos seus contratos de trabalho e durante o ano subsequente, em face do clausulado, passou a ser possível fazê-lo para além desse período e mesmo com relação aos créditos indemnizatórios/compensatórios decorrentes da cessação do vínculo.
Acresce que o património imobiliário pertence à sociedade devedora (que apenas cedeu a exploração da unidade fabril à Uniceram), o que reforça a conclusão de o clausulado melhor proteger os trabalhadores.  
Em face de assim ser, nada obstava a que os mesmos reclamassem o crédito compensatório decorrente da cessação dos respectivos contratos de trabalho nos moldes em que o fizeram.
O facto de também o terem reclamado no âmbito do processo de insolvência da sociedade Uniceram apenas interferirá na medida em que aí tenham recebido algum montante, o que poderá relevar para efeitos de pagamentos a efectuar – já que não poderão receber duas vezes -, mas já não para efeitos de verificação e graduação dos seus créditos.
            Não obstante assim ser, o acabado de defender vale apenas para os montantes devidos a título compensatório, e já não para quaisquer outros (designadamente, créditos resultantes de férias e subsídios de férias e de natal, os quais sempre teriam que ser pagos, independentemente da causa pela qual o vínculo tenha cessado e de haver ou não lugar ao pagamento de indemnização/compensação).
            Quanto aos demais créditos reclamados (a título de férias e subsídios de férias e de Natal), considerando que os mesmos se venceram já após o período previsto no n.º 2 do artigo 285.º do CT, e não se encontram abrangidos pelas citadas cláusulas, serão os mesmos da exclusiva responsabilidade da sociedade cessionária (Uniceram).
Consequentemente, os referidos credores apenas poderiam ter reclamado neste processo os montantes de 16.741,67€ (HC), 28.472,22€ (JF), 19.279,39€ (MV) e 37.087,81€ (RA), só estes podendo ser verificados.
Dessa verificação ficam excluídos os demais créditos reclamados e que se mostram descriminados no facto n.º 17 (isto é, créditos que não os montantes compensatórios).
A sentença tem pois que ser revogada na parte em que verificou estes últimos, só os primeiros o podendo ser e, como tal, só estes podendo ser graduados.

Do ónus de alegação e prova dos credores laborais:
Na sentença recorrida pode ler-se: “Quanto ao ónus de alegação e prova dos factos constitutivos dos créditos laborais, importa ter em conta que as exigências formais são menos intensas no Direito Comercial, particularmente no âmbito da insolvência, processo urgente, que no Direito e Processo Civil puros. É obrigação do Administrador da Insolvência analisar a documentação societária e tomar conhecimento de quem são os trabalhadores da sociedade e de sociedades participadas, em relação a cujas dívidas a Insolvente responde solidariamente, bem como os processos de insolvência de sociedades participadas. // No caso concreto, após análise da documentação da sociedade Insolvente e do processo de insolvência da sua participada, recebidas as reclamações de créditos laborais não pagos no âmbito de prévio processo de insolvência de sociedade participada, o Administrador decidiu reconhecer os créditos reclamados. Por seu turno, a Insolvente, perfeitamente conhecedora dos seus trabalhadores, contratos de trabalho e montantes acordados, também não impugnou os créditos. // Assim, uma vez que estão em causa créditos já peticionados e reconhecidos em outro processo de insolvência, que houve aceitação dos créditos laborais por AI e Insolvente e que a Impugnante se limita a impugnar genericamente a existência dos créditos e montantes sem suscitar divergências concretas e fundamentadas quanto aos valores peticionados, ponderando-se que o ónus de alegação e prova em processo de insolvência não exige o nível de pormenor de processo civil puro, considero inexistir insuficiência de alegação e prova dos créditos laborais impugnados.”
Já a apelante contrapõe que os trabalhadores se limitaram a alegar serem titulares de créditos laborais, não tendo feito prova da quantia em dívida, nem indicado a que créditos laborais se referem os montantes reclamados (“nomeadamente se respeita a remunerações em atraso, proporcionais de férias, subsídio de férias, subsídio de Natal ou a indemnização decorrente da cessação do respetivo Contrato de Trabalho”), nessa medida não tendo sido cumprido o disposto no artigo 128.º, n.ºs 1 e 3 (a tal não obstando o facto de tais créditos terem sido  alegadamente reconhecidos no processo de insolvência da Uniceram, facto que desconhece).
Porém, não lhe assiste razão, desde logo em face do que consta da factualidade provada que se elencou e que resulta da prova documental junta aos autos.
É que, da lista de credores reconhecidos deverão constar, não apenas os credores que tenham deduzido reclamação, mas também aqueles “que sejam por outra forma do seu conhecimento” – n.º 1 do artigo 129.º.
Ora, os quatro trabalhadores tinham já dirigido ao mesmo AI as suas reclamações de créditos no âmbito da insolvência da Uniceram (para as quais expressamente remeteram nas que aqui apresentaram), pelo que tais créditos eram efectivamente daquele conhecidos.
E nessas reclamações os mesmos discriminaram os respectivos créditos (proveniência, vencimento e montante).
Como tal, não lhe assiste razão, não se verificando incumprimento do previsto no artigo 128.º.

Da qualificação dos créditos laborais (privilégio imobiliário especial):
Na sentença recorrida consignou-se que os créditos laborais beneficiavam “dos privilégios decorrentes da lei, incluindo privilégio especial sobre todos os imóveis integrantes da estrutura produtiva da Insolvente.
A apelante insurge-se quanto ao decidido, na parte em que qualifica os créditos como beneficiando de privilégio imobiliário especial, sustentando-se num único argumento, a saber: não terem os credores reclamantes alegado e provado que “que exerceram a sua atividade nos imóveis da Insolvente”.
Tendo-se discutido o âmbito deste privilégio imobiliário especial - se o legislador pretendia restringir o mesmo ao imóvel onde, fisicamente, o trabalhador prestava o seu trabalho ou se pretendia abranger todos os imóveis do empregador afectos à sua actividade empresarial - surgiram, então, como refere Miguel Pestana de Vasconcelos[20], duas correntes de interpretação.
Uma, mais restrita, entende que o privilégio incide no imóvel onde o trabalhador exerce ou exerceu funções. Outra, mais ampla, defende que tal privilégio abarca todos os imóveis que compõem o património do empregador, desde que ligados à actividade empresarial a que os trabalhadores estão funcionalmente ligados, independentemente de aí desempenharem ou não a sua actividade laboral (a ligação crédito/imóvel seria, pois, funcional e não naturalística).
A decisão recorrida foi no sentido defendido pela segunda corrente, a qual também nós subscrevemos e que, na verdade, corresponde ao entendimento dominante na jurisprudência e à que foi adoptada na fundamentação do acórdão uniformizador de jurisprudência de 23/02/2016 (AUJ n.º 8/2016)[21], no qual se discutiu se o privilégio imobiliário especial de que gozavam os créditos dos trabalhadores (então regulado no artigo 377.º, nº 1, al. b) e n.º 2, al. b) do CT/2003), poderia recair sobre imóveis construídos por empresas de construção civil, no desenvolvimento da sua actividade, mas destinados à comercialização. No mesmo considerou-se que a concepção mais ampla é a “mais consentânea com a razão de ser da atribuição do privilégio creditório aos créditos laborais, que é, como se referiu, a especial protecção que devem merecer esses créditos, em atenção à sua relevância económica e social, que não se concilia com um injustificado tratamento diferenciado dos trabalhadores de uma mesma empresa, em função da actividade profissional de cada um e do local onde a exercem.”
Como aí se argumenta, o local específico onde cada trabalhador presta funções constitui mero elemento acidental da relação laboral (não sendo elemento diferenciador dos direitos dos mesmos), sendo que todos contribuem para a prossecução da actividade global da empresa, integrando a organização empresarial, estando por isso, todos eles, funcionalmente ligados aos imóveis que, constituindo património da empresa, servem de suporte físico a essa actividade.[22] Essencial é que exista conexão entre a actividade do trabalhador (fonte do crédito) e os imóveis do empregador afectos à actividade económica pelo mesmo prosseguida (que constituem o suporte físico de tal actividade e integram de forma estável o património e a organização da empresa).[23] Tal entendimento é, sem dúvida, o que melhor concilia os dois interesses em tensão: o princípio da igualdade de tratamento entre trabalhadores e o princípio da tutela da confiança.[24]
Haverá pois que apurar se a factualidade provada permite extrair a conclusão de estarem os imóveis em causa afectos, de forma estável e permanente, à actividade e organização da empresa.
Não obstante, como já se referiu, o princípio do inquisitório consagrado no artigo 11.º não abranger o apenso de verificação de créditos, competindo ao reclamante a alegação e prova dos factos constitutivos do seu direito (artigo 342.º, n.º 1 do CC), sempre se terá que valorar tal ónus em conformidade com o que resulta do disposto no artigo 413.º do CPC ex vi do artigo 17.º do CIRE. Como tal, na aferição da verificação dos pressupostos que integram o preenchimento do privilégio imobiliário especial aqui em causa, deverá o juiz socorrer-se dos elementos constantes dos autos (mesmo que não tenham sido expressamente alegados pelos credores reclamantes).[25]
Conforme resulta da certidão da Conservatória do Registo Comercial junta aos autos principais em 12/01/2012, a insolvente tinha como objecto social a indústria de produtos cerâmicos, tendo sede em Ramalhal, Torres Vedras. Tal sede corresponde igualmente à da sociedade Uniceram.
Das reclamações de créditos resulta que todos os trabalhadores exerciam funções na unidade fabril de Ramalhal e, como esclarecido pelo AI no seu requerimento de 12/04/2019, “O elenco dos bens imóveis apreendidos para a massa insolvente compunha a unidade fabril da insolvente, sendo que um deles constitui o lugar do escritório e os outros os barreiros de onde era extraído o barro. (…) tais locais eram utilizados pela insolvente para prossecução da sua atividade de produção de tijolo”.
Em face de tais elementos, impõe-se concluir estarmos perante bens que faziam parte da estrutura estável da organização empresarial/industrial da insolvente, ou seja, perante imóveis afectos à actividade (laboral) daquela e que serviam de suporte físico a essa actividade. Existia, assim, conexão entre tais bens (os quais não deixaram de lhe pertencer) e o funcionamento/prosseguimento da actividade da insolvente que, não obstante tenha cedido a exploração da unidade fabril, não ficou isenta de responsabilidade pelos créditos laborais, nos moldes supra defendidos.
Nessa medida, os referidos créditos (na parte em que se consideraram verificados) gozarão de privilégio imobiliário especial.
No que concerne ao produto da venda dos imóveis apreendidos, a sentença recorrida graduou os créditos dos trabalhadores como tendo prioridade sobre o crédito da recorrente (garantido por hipoteca incidente sobre apenas alguns desses imóveis), sustentando-se no previstos pelos artigos 686.º, n.º 1, do CC e 333, n.º 1, al. a), e n.º 2, al. b), do CT, constando desta última alínea que ”O crédito com privilégio imobiliário especial é graduado antes de crédito referido no artigo 748º do Código Civil e de crédito relativo a contribuição para a segurança social”.
Considerando que tal graduação apenas foi questionada no recurso sob o fundamento de os créditos laborais não beneficiarem de privilégio imobiliário especial (o que não mereceu provimento), em nada ficou afectada a graduação em causa.
             
Da qualificação e graduação dos créditos da apelante pelo produto da venda dos bens móveis:
A sentença graduou tais créditos como comuns – “Pelo produto da venda de móveis e outros direitos ou rendimentos: // 1.º Serão pagos os créditos laborais com privilégio geral; // 2.º Os créditos privilegiados da AT; // 3.º Os créditos comuns, rateadamente; // 4.º Os créditos subordinados.”
Defende a apelante que, por força do disposto no artigo 98.º, os seus créditos beneficiam de privilégio creditório mobiliário geral (o qual opera ope legis), até ao montante de 500UCs, já que foi a mesma quem, em 03/01/2012, requereu a insolvência.
Considera que, nessa parte, terá a 1.ª instância incorrido num lapso. E, na verdade, assim terá sucedido, porquanto na sentença não deixou de se referir que “Os créditos não subordinados do requerente da insolvência passam a beneficiar de privilégio creditório geral, graduado em último lugar, sobre todos os bens móveis integrantes da massa insolvente, relativamente a ¼ do seu montante, num máximo correspondente a 500 unidades de conta (art. 98.º, n.º 1, do CIRE).”
Procede, pois, a pretensão da recorrente, quanto à alteração da qualificação e graduação do seu crédito, com relação ao produto da venda dos bens móveis (no sentido de ser reconhecido que o crédito pela mesma titulado beneficia de privilégio creditório geral nos termos do citado artigo 98.º, n.º 1).
Assim sendo, os créditos não subordinados reclamados pela requerente da insolvência, aqui recorrente, gozam de privilégio creditório geral, a graduar em último lugar entre os créditos privilegiados, sobre todos os bens móveis integrantes da massa insolvente, relativamente a um quarto do seu montante, num máximo correspondente a 500 unidades de conta.
Concretamente, tendo a requerente da insolvência reclamado um crédito não subordinado de 4.097.562,69€, porque ¼ de tal quantia excede o valor de 51.000€ (500 UCs x 102€), apenas o correspondente a este montante (51.000€) será tido por crédito privilegiado, sendo já comum o demais crédito (que não logre satisfação enquanto crédito garantido e privilegiado).
Quanto aos bens móveis, a graduação passará assim a ser a seguinte:
“Pelo produto da venda de móveis e outros direitos ou rendimentos: // 1.º Serão pagos os créditos laborais com privilégio geral; // 2.º Os créditos privilegiados da AT; // 3.º Os créditos privilegiados da credora Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Torres Vedras, CRL, até ao montante de 51.000€; // 4.º Os créditos comuns, rateadamente; // 5.º Os créditos subordinados.”

O processo de verificação e graduação de créditos não é alvo de tributação autónoma, sendo as custas a cargo da massa – artigos 303.º e 304.º do CIRE.
Considerando, no entanto, que o recurso obteve parcial vencimento e mais nenhum credor ou o AI (em representação da massa insolvente) acompanhou a sentença recorrida (não tendo sido apresentadas contra-alegações), não há lugar a custas nesta instância recursiva.

***
IV - DECISÃO
Perante o exposto, acordam as Juízas desta Secção do Comércio em julgar parcialmente procedente a apelação e, nessa sequência, decide-se:
1. Revogar parcialmente a decisão de verificação dos créditos laborais e, em consequência:
1.1. Julgar verificados os seguintes créditos:
a) Ao credor HC, um crédito no montante de 16.741,67€;
b) Ao credor JF, um crédito no montante de 28.472,22€;
c) À credora MV, um crédito no montante de 19.279,39€;
d) Ao credor RA, um crédito no montante de 37.087,81€;
1.2. Julgar não verificados os demais créditos reclamados pelos mesmos credores.
2. Alterar a qualificação e graduação do crédito da recorrente Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Torres Vedras, CRL, com relação ao produto da venda dos bens móveis apreendidos, o qual passará a ser tido por privilegiado e, em consequência, graduado nos moldes previstos no artigo 98.º do CIRE, ficando tal graduação a ter o seguinte teor:
 “1.º Serão pagos os créditos laborais com privilégio geral; // 2.º Os créditos privilegiados da AT; // 3.º Os créditos privilegiados da credora Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Torres Vedras, CRL, até ao montante de 51.000€; // 4.º Os créditos comuns, rateadamente; // 5.º Os créditos subordinados.”
3. Manter, quanto ao mais, a sentença recorrida.
Sem custas nesta instância.

Lisboa, 28 de Outubro de 2025
Renata Linhares de Castro
Susana Santos Silva
Fátima Reis Silva
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[1] Diploma ao qual nos estaremos a referir sempre que for invocado um preceito sem menção à respectiva fonte.
[2] O qual foi substituído por despacho proferido em 08/09/2023.
[3] Lista essa que, na sequência do despacho proferido em 04/05/2023, veio a ser alvo de correcção, dando origem à que veio a ser apresentada em 16/10/2023 (Ref.ª/Citius 14331005). Posteriormente, na sequência do despacho proferido em 29/11/2023, a lista voltou a ser actualizada, sendo então junta nova versão em 07/02/2024 (Ref.ª/Citius 14807213). Com relação a ambas foi cumprido o contraditório.
[4] A credora impugnante manteve a sua posição por requerimento apresentado em 03/11/2023 (Ref.ª/Citius 14416391).
[5] Cfr. Portal Citius.
[6] Ainda segundo o n.º 1 do artigo 91.º, “A declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva”.
[7] Nesse sentido, veja-se o acórdão do STJ de 01/10/2019 (Proc. n.º 140/09.0TYVNG.C.P1.S1, relatora Maria Olinda Garcia), disponível in www.dgsi.pt, como os demais que vierem a ser citados sem menção à fonte.
[8] A impugnação da lista dos credores reconhecidos pode ter por fundamento os mencionado no n.º 1 do artigo 130.º do CIRE (indevida inclusão ou exclusão de créditos; incorrecção do montante dos créditos reconhecidos; ou incorrecção da qualificação dada aos créditos pelo administrador da insolvência) e, como tem vindo a ser entendido, pode ser apresentada pelo insolvente ou por qualquer credor em relação ao qual exista a possibilidade de conflito com o titular do crédito reconhecido, segundo os termos concretos em que o reconhecimento se verificou – nesse sentido, veja-se CARVALHO FERNANDES/ JOÃO LABAREDA, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris 2005, Vol. I, pág. 459, e MARIANA FRANÇA GOUVEIA, in “Verificação do Passivo”, Revista Themis da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, 2005, ed. especial, Almedina, pág. 155.
[9] Como refere CATARINA SERRA, Lições de Direito da Insolvência, Almedina, 2021, 2.ª Edição, pág. 272, “só com a sentença de verificação e graduação de créditos se individualiza definitivamente e se torna legítima a pretensão executiva do credor. O título que habilita o credor ao pagamento forma-se, assim, durante o processo, através do procedimento de verificação de créditos, ficando concluído no momento em que o crédito obtém reconhecimento judicial”. Veja-se, ainda, o acórdão do STJ de 23/10/2018 (Proc. n.º 650/12.2TBCLD-B.C1.S1, relatado pela mesma conselheira).
[10] Tendo sido proferido despacho em 21/11/2018 pelo qual foram pedidos ao AI esclarecimentos, para além do mais, acerca dos prédios com relação aos quais os trabalhadores beneficiam do privilégio imobiliário especial.
[11] Como sumariado no acórdão proferido por esta Relação de Lisboa em 10/01/2012 (Proc. n.º 1239/10.6TBSCR-A.L1-7, relatora Maria João Areias): “(…) III- Quanto às garantias e privilégios de que gozem, para que o efeito cominatório funcione relativamente a estas, será necessário que os elementos de facto dos quais emergem constem da lista, sendo que, no caso de a respectiva constituição se encontrar dependente da verificação de requisitos ad substantiam, se não constarem do processo os elementos que permitam constatá-los deverá o tribunal determinar a sua junção aos autos. IV - A decisão de graduação dos créditos é da exclusiva competência do juiz, no âmbito da qual lhe incumbirá proceder à qualificação jurídica dos direitos de crédito reconhecidos e aferir se as garantias referidas pelo administrador se mostram correctas.”
[12] Resulta dos artigos 686.º, n.º 1 e 687.º, ambos do Civil que a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago com preferência sobre os demais credores, que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo, pelo valor de certas coisas imóveis ou a estas equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiros, sendo que a sua eficácia depende do registo, mesmo entre as partes. E, segundo o artigo 693.º, n.ºs 2 e 3 do mesmo código, a hipoteca assegura os acessórios do crédito que constem do registo, sendo que, tratando-se de juros, apenas são abrangidos os referentes aos últimos três anos. No caso, estamos perante uma hipoteca voluntária, estabelecida através de contrato, conforme o disposto no artigo 712.º do CC, devendo o seu crédito ser graduado de acordo com a posição de prioridade proveniente da antiguidade do registo, revestindo a natureza de crédito garantido – artigo 47.º, n.º 4, al. a) do CIRE.
[13] Constando a noção de privilégio creditório do artigo 733.º do CC - “faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente do registo, de serem pagos com preferência a outros” –, podem os mesmos ser mobiliários ou imobiliários. Os primeiros subdividem-se, ainda, em gerais ou especiais, consoante abranjam o valor de todos os bens móveis existentes no património do devedor, à data da penhora ou de acto equivalente (sendo com o referido acto que adquirem eficácia e se determinam quais os bens abrangidos), ou só o valor de determinados bens móveis – artigo 735.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo código. Já os privilégios imobiliários são sempre especiais – n.º 3 do mesmo artigo 735.º.
[14] Dispõe o artigo 604.º do CC: “1. Não existindo causas legítimas de preferência, os credores têm direito de ser pagos proporcionalmente pelo preço dos bens do devedor, quando ele não chegue para integral satisfação dos débitos. 2. São causas legítimas de preferência, além de outras admitidas na lei, a consignação de rendimentos, o penhor, a hipoteca, o privilégio e o direito de retenção.
[15] Actualmente, o artigo 285.º do CT apresenta a seguinte redacção: “1 – (…). 2 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração. 3 - Com a transmissão constante dos n.os 1 ou 2, os trabalhadores transmitidos ao adquirente mantêm todos os direitos contratuais e adquiridos, nomeadamente retribuição, antiguidade, categoria profissional e conteúdo funcional e benefícios sociais adquiridos. 4 – (…) 5 - Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa e que mantenha identidade própria, com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória. 6 - O transmitente responde solidariamente pelos créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, bem como pelos encargos sociais correspondentes, vencidos até à data da transmissão, cessão ou reversão, durante os dois anos subsequentes a esta. (….).”
[16] Tratado de Direito do trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina, 6.ª edição, 2016, pág. 642 e ss.
[17] Actualmente, o direito de oposição passou a ser consagrado no artigo 286.º-A, aditado pela Lei n.º 14/2018, de 19/03.
[18] Defendendo que, apesar de não poder obstar à transmissão do contrato de trabalho, o trabalhador poder fazer o mesmo cessar por resolução com justa causa (desde que se verifiquem os legais pressupostos/fundamentos para tanto), para além de o denunciar, vide, entre outros, MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, obra citada, págs. 650-651.
[19] Quanto ao conceito de acordos parassociais (os quais estão previstos no artigo 17.º do CSC), vide COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, Vol. II - Das Sociedades, Almedina, 7.ª edição, págs. 156-157 - “contratos celebrados entre todos ou alguns sócios (ou entre sócios e terceiros), produtores de efeitos atinentes à posição jurídica dos pactuantes sócios (enquanto tais) e, eventualmente, atinentes também a outros pactuantes (terceiros) e à vida societária, mas que não vinculam a própria sociedade.” – e CAROLINA CUNHA, Código das Sociedades Comerciais em Comentário (Coord. COUTINHO DE ABREU), Vol. I, Almedina, 2.ª edição, 2021, pág. 305-306 - “negócios jurídicos celebrados entre sócios (todos ou alguns) nessa mesma qualidade, o que equivale a dizer que os efeitos pretendidos por tais acordos se hão-de repercutir na esfera da sociedade, afetando a posição jurídica dos sócios intervenientes ou, em certa medida, a própria dinâmica da sociedade a que respeitam.”
[20] Direito das Garantias, Almedina, 3.ª edição, 2019, pág. 429.
[21] Proferido no âmbito do Proc. n.º 1444/08.5TBAMT-A.P1.S1-A, relatado por Pinto de Almeida e publicado no Diário da República n.º 74/2016, Série I, de 15/04/2016, págs. 1284-1306. Não obstante este aresto se reportar à concreta situação de imóveis construídos por empresas de construção civil e que se destinavam a ser comercializados, os princípios que ao mesmo estiveram subjacentes têm plena validade para o presente caso. 
[22] Contudo, no que concerne à extensão do privilégio aos prédios construídos pelas empresas de construção civil no exercício da sua actividade, e que se destinam a ser comercializados, o STJ decidiu (embora de forma não unânime) estarem já tais bens excluídos de tal garantia, tendo-se consignado no seu sumário: “Os imóveis construídos por empresa de construção civil, destinados a comercialização, estão excluídos da garantia do privilégio imobiliário especial previsto no art. 377.º, n.º 1, al. b), do CT de 2003”.
[23] Vide MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, obra citada, págs. 541-542: “Assinala-se, ainda assim, a tendência jurisprudencial mais recente de interpretar o art. 333º n.º 1 b) do CT em moldes amplo, através da extensão do privilégio imobiliário a todo e qualquer imóvel do empregador que esteja afecto à actividade empresarial, ainda que o trabalhador não tenha aí prestado efectivamente serviço. É uma interpretação acompanhamos, não apenas por um imperativo de igualdade de tratamento entre trabalhadores mas também porque atende mais à teleologia do preceito, que parece, sobretudo, querer excluir do privilégio os imóveis de uso pessoal do empregador”. E, ainda, entre outros, o acórdão do STJ de 30/05/2017 (Proc. n.º 4118/15.7T8CBR-B.C1.S1, relatora Ana Paula Boularot) - “Em sentido lato, o privilégio imobiliário especial a que alude o artigo 333º, n.º 1, alínea b) do CTrabalho, irá abranger todos os imóveis da entidade patronal que estejam afetos à actividade empresarial da mesma, à qual os trabalhadores estão funcionalmente ligados, independentemente da localização dos seu posto de trabalho, o que afasta, a se, qualquer ligação naturalística, atendendo-se apenas e tão só à relação laboral existente, fonte do crédito e os bens imóveis afetos à actividade prosseguida, que constituem a garantia daquele, ficando excluídos todos aqueles imóveis embora pertencentes ao empregador, mas que estejam arrendados e/ou tenham sido afetados a quaisquer outros fins diversos da específica atividade económico/empresarial” (sublinhado nosso).
[24] Vide, também, DANIELA ROMEIRO,  O objeto do privilégio creditório imobiliário especial sobre o bem imóvel do empregador no qual o trabalhador preste a sua actividade - Proposta de interpretação conforme à Constituição da República Portuguesa, https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/17890/1/TESE_%20DANIELA%20ROMEIRO.pdf, defende: “não é pelo facto de o privilégio abranger todos os imóveis do empregador ligados à atividade empresarial que o privilégio é formalmente geral já que o seu objeto é sempre limitado e suficientemente conectado com os beneficiários do privilégio em causa” (fls. 44).
[25] Dispõe o artigo 413.º do CPC que “O tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las (…)”. Em anotação a esta norma, ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA/PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, Almedina, 2.ª edição, 2020, pág. 505, escrevem: “(…) as regras sobre o ónus da prova dos factos contidos no art. 342º do CC têm uma feição marcadamente objectiva, significando que ao exercício da atividade jurisdicional interessa acima de tudo saber se determinado facto, está ou não demonstrado, uma vez concluída a instrução, e não tanto averiguar qual das partes estava onerada com o respectivo ónus da prova. (…). Consequentemente, no julgamento da matéria de facto o tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, independentemente da parte que alegou o facto ou da que apresentou o meio de prova: nisto consiste o princípio da aquisição processual.”.