Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
27739/09.2T2SNT.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: ALIMENTOS
DIVÓRCIO POR MÚTUO CONSENTIMENTO
OBRIGAÇÃO DE PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/17/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIAL PROCEDÊNCIA
Sumário: A circunstância de o cônjuge ter prescindido da prestação de alimentos aquando do divórcio por mútuo consentimento não obsta a que os reclame do ex-cônjuge no futuro.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO

Em 20.10.2009 A instaurou na Comarca de Grande Lisboa-Noroeste Sintra – Juízo de Família e Menores acção declarativa de condenação (alimentos definitivos) com processo sumário, contra J.
A A. alegou, em síntese, ter sido casada com o R., tendo o seu casamento cessado por divórcio com mútuo consentimento. A A. está aposentada por invalidez, auferindo mensalmente a quantia de € 271,40. Tal montante é insuficiente para o seu sustento, dependendo da ajuda de pessoas amigas. Por seu lado, o R. vive em casa própria e deve ganhar uma reforma de cerca de € 800,00, possuindo assim os meios adequados para prestar à A. uma pensão de alimentos.
A A. terminou pedindo que fosse fixada a prestação de alimentos, devida pelo R. à A., em montante não inferior a € 200,00 mensais.
Arrolou testemunhas e juntou documentos.
O R. não apresentou contestação.
Em 11.02.2011 foi proferido despacho convidando a A. a aperfeiçoar a petição inicial, indicando “de forma expressa e concretizada, os factos dos quais decorre a sua actual necessidade de alimentos, nomeadamente quais os factores que se alteraram desde 2004 (…)”.
A A. acedeu ao convite, alegando, no essencial, que quando se divorciou os seus dois irmãos ajudavam-na financeiramente e davam-lhe medicamentos, mas entretanto deixaram de ter condições económicas para continuarem a auxiliá-la, sendo certo que a A. viu agravar-se o custo com medicação e alimentos, o qual não foi acompanhado pelo aumento da sua pensão de reforma.
Em 15.4.2011 foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu o R. do pedido.
A Autora apelou da sentença, tendo apresentado motivação na qual formulou as seguintes conclusões:
1° - A douta sentença recorrida fez uma errada aplicação da Lei aos factos apresentados pela A., pois que afasta o direito a alimentos da A. pelo facto de pela Lei n° 61/2008, ter, por outras palavras, cessado a obrigação alimentar entre ex-cônjuges.
2° - Ora, conforme resulta do Acórdão da Relação de Lisboa com o n° 108915-1 in wvww.dgsi.pt, "O que resulta, em termos genéricos, das alterações efectuadas, no que respeita a alimentos dos ex-cônjuges, é que, em caso de divórcio, cada um dos ex-cônjuges deverá, em princípio, prover à sua subsistência, mas se a um deles tal não for possível, terá direito a receber alimentos do outro, embora sem poder exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio, e sempre de acordo com as reais possibilidades económicas do ex-cônjuge obrigado a prestá-los (cfr. a nova redacção dada aos n°s 1 a 3, do art.2016°, e o aditado art.2016°-A). Dir-se-á, por último, que a nova redacção dada ao art. 1676°, do C.Civil, pela citada Lei n°61/2008, nada tem a ver com o direito a alimentos do cônjuge necessitado depois da dissolução do casamento, já que tal artigo diz respeito ao dever de contribuição para os encargos da vida familiar que incumbe a ambos os cônjuges, nos termos aí previstos (cfr. o art.1675°, do C.Civil.
3° - Ou seja, as alterações decorrentes da entrada em vigor da Lei n° 61/2008, não determinaram a cessação do direito de serem pedidos alimentos a ex-cônjuge.
4° - Por outro lado, é indiferente para os autos saber qual o montante exacto da ajuda que era dada pelos irmãos da A..
5° - Em primeiro lugar, essa ajuda era dada em prestações materiais e não monetárias, dentro das possibilidades de cada um dos seus irmãos.
6° - Que providenciavam os alimentos em géneros alimentícios.
7° - Por outro lado, e como foi dito e demonstrado, a A. padece de doença incapacitante que não lhe permite prover ao seu sustento, pois que se é doente desde nova, a idade em nada ajuda a melhorar a sua incapacidade.
8° - Antes pelo contrário, a idade mais avançada agrava o seu estado de saúde.
9° - Sendo certo que o aumento, por exemplo do preço dos medicamentos diários, obrigam a uma maior despesa.
10° - Também os aumentos diminutos da pensão da A., o aumento dos preços da água, da electricidade, do gás, dos géneros alimentícios, tornam-se insustentável a sobrevivência da A., que com pouco mais de 240 €, tem de pagar a água, a luz, o gás, a alimentação, vestuário, medicamentos.
11° - Sendo certo que o R. ora recorrido, ganha mais de 900 €.
12° - A ora recorrente não pediu uma pensão de alimentos exorbitante, a qual aliás poderia ser fixada pelo douto tribunal, uma vez que fossem ouvidas as testemunhas por si arroladas e que são bem conhecedoras da realidade e do estado de quase pobreza em que vive a mesma.
13° - Não dispunha assim o douto tribunal de todos os elementos que lhe permitissem concluir do modo que o fez, negando à A. o direito a uma prestação de alimentos pelo ex-cônjuge, sendo certo que a Lei n° 61/2008, não afastou a possibilidade de prestação de alimentos por ex-cônjuge.
14° - Tendo a recorrente especificado todas as suas despesas e provado os seus fracos rendimentos.
15° - A douta decisão recorrida violou, designadamente o n.° 2 do artigo 2016° do C. Civil.
A apelante terminou pedindo que a decisão recorrida fosse revogada e substituída por outra que ordenasse a continuação dos autos para inquirição das testemunhas arroladas e fixação de uma pensão de alimentos, tendo em consideração os rendimentos do recorrido e as necessidades da recorrente.
O Réu contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. A ora recorrente intentou acção de alimentos para os efeitos do art.° 2016° A do C.C. contra o ora recorrido.
2. A ora recorrente alegou que ocorreram factos consubstanciadores da alteração das circunstâncias que a levaram a prescindir em 2004 da pensão de alimentos por deles não carecer.
3. A ora recorrente alegou que à data da dissolução do casamento por divórcio não carecia de alimentos, porque então tinha ajuda de dois irmãos que entretanto se reformaram e deixaram de a poder ajudar.
4. A ora recorrente não alegou em momento algum qual era o contributo dos dois irmãos que a estariam a ajudar a fim de apurar da efectiva existência de circunstâncias supervenientes que justificassem a alteração relativa à pensão de alimentos peticionada nos autos.
5. A ora recorrida não alegou nem apresentou prova de quando se reformaram os irmãos que a estariam a ajudar.
6. Entendeu, e bem, o Tribunal a quo que os autos continham todos os elementos que permitiam decidir do mérito da causa.
7. Entendeu o Tribunal a quo, e de forma correcta, que a única circunstância superveniente relevante para o processo consiste no facto de dos dois irmãos da recorrente terem deixado de auxiliá-la monetariamente por terem passado à reforma.
8. Entendeu o Tribunal a quo que a situação económica da recorrente e do recorrido, permanece idêntica em termos proporcionais, pois ambos sofreram uma diminuição do poder de compra e um aumento do custo de vida e, com o passar dos anos, ambos viram a sua capacidade laboral diminuída.
9. Entendeu o Tribunal a quo que a capacidade laboral da recorrente de 75% já ocorre desde 1996, muitos anos antes do decretamento do divórcio, pelo que não poderá ser encarada como uma situação superveniente.
10. Entendeu o Tribunal a quo que "desconhecendo-se qual o contributo concreto que os irmãos davam à data em que as partes prescindiram de pensão de alimentos e quais os rendimentos actuais (pensões de reforma) desses mesmos irmãos, não pode o Tribunal concluir que ocorreram circunstâncias suficientemente relevantes para que o acordo firmado entre as partes seja alterado, tanto mais que o legislador estabelece agora como regra geral o princípio da auto suficiência dos cônjuges quanto ao respectivo sustento."
11. Em momento algum o Tribunal a quo concluiu que ao abrigo da legislação actualmente em vigor, a obrigação alimentar entre ex-cônjuges cessou.
12. A presente acção foi decidida "à luz dos art.°s 2015° e ss. do C.C. na versão dada pela Lei n.° 61/2008, de 31 de Outubro e art.° 1411° do C.C. que estabelece que as resoluções nos processos de jurisdição voluntária podem ser alteradas com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração.”
13. A única circunstância entendível como superveniente será a reforma dos dois irmãos, sendo que se reitera que em momento algum foi alegado quais os valores dos contributos dos mesmos na ajuda à ora recorrente, nem mesmo foi alegado o momento em que ambos passaram à reforma e quais eram os montantes que recebiam a título de retribuição e os que passaram a receber a título de pensão.
14. Não pode a ora recorrente esperar que seja permitido ouvir testemunhas para fazer prova de factos que efectivamente não foram alegados.
15. Não assiste razão à recorrente quando alega que a douta sentença recorrida fez uma errada aplicação da Lei aos factos apresentados pela A., violando designadamente o n.° 2, do art.° 2016° do C.C..
16. O Tribunal a quo tinha a prova suficiente para tomar uma decisão, que só poderia ser a que foi tomada.
17. Deverá a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo ser mantida nos seus precisos termos, absolvendo-se o recorrido do pedido.
O apelado terminou pugnando pela improcedência do recurso e consequente manutenção da sentença recorrida.
Foram colhidos os vistos legais.

FUNDAMENTAÇÃO
As questões suscitadas neste recurso são as seguintes: se o tribunal recorrido não tinha elementos para decidir, devendo ter inquirido as testemunhas arroladas; se deve atribuir-se à A. a peticionada pensão de alimentos.
Primeira questão (dilação da decisão final)
Para além do que resulta do Relatório supra, consigna-se que o tribunal recorrido deu como provada a seguinte
Matéria de facto
1. A autora casou com o réu em 14 de Abril de 1968.
2. O casamento entre a A e o R foi dissolvido por divórcio por decisão da Conservatória do Registo Civil de Queluz de 20 de Maio de 2004, tendo a autora prescindido nessa data de pensão de alimentos do seu então marido.
3. A autora, nascida em 22 de Abril de 1949, está aposentada por invalidez, auferindo mensalmente € 271,40.
4. A autora tem uma incapacidade para o trabalho de 75% determinada desde 1996.
5. Quando a autora se divorciou do réu, eram os seus irmãos quem a ajudavam financeiramente e também lhe davam medicamentos.
6. O irmão teve de se reformar porque teve cancro e a irmã também ficou reformada.
7. Ambos os irmãos deixaram de ter condições para continuar a ajudar a autora.
8. A reforma da autora apenas aumentou € 10,00 desde que se reformou.
9. O preço da água, da luz, do gás, dos transportes subiram mais de € 10,00 no seu conjunto.
10. A autora sofre de doença crónica do estômago, tendo problemas cardíacos que a obrigam a tomar com regularidade medicamentos e que a fazem recorrer às urgências hospitalares regularmente.
11. Tendo as crises sido mais frequentes por não tomar os medicamentos e a alimentação adequada por falta de dinheiro.
12. Muitos medicamentos sofreram reduções na sua comparticipação.
13. O medicamento para o estômago – Ogasto - custava € 3,00 e agora custa € 30,00; o mesmo acontecendo com outros medicamentos como o Olser Plus que tem de tomar para controlar a tensão arterial.
14. O fornecimento da água e da luz já foi interrompido uma vez que a autora não tinha dinheiro para pagar as respectivas facturas.
15. Muitas vezes é atendida no Hospital Amadora Sintra sendo que tem de regressar para casa de madrugada, de táxi, pois não há transportes públicos nessa altura do dia.
16. A autora chega a passar fome por não ter dinheiro para comprar géneros alimentícios.
17. As despesas regulares da autora são as seguintes:
-€ 16,40 - água;
-€ 24,18 - luz;
-€ 20,00 - gás;
-€ 70,00 - medicamentos;
-€ 25,00 - passe para o transporte,
-€ 22,40 - condomínio.
18. E ainda tem de pagar os impostos relativos à casa em que habita, e suportar as suas despesas com alimentação , vestuário e calçado.
19. 0 réu está reformado e recebe de pensão de reforma o valor mensal de € 901,78.
O Direito
A presente acção segue a forma de processo comum, na forma sumária. Citado, o réu não contestou. Assim, cabia ao juiz proferir sentença, aplicando o direito aos factos dados como provados com base na admissão por acordo do alegado pela autora e nos documentos constantes nos autos (artigos 784.º, 463.º n.º 1 e 483.º a 485.º do CPC).
Não havia, pois, que realizar audiência de discussão e julgamento nem que ouvir testemunhas.
Nesta parte, assim, improcede a apelação.
Segunda questão (direito a alimentos por parte do ex-cônjuge)
Durante a vigência do matrimónio os cônjuges estão mutuamente obrigados, entre outros, ao dever de assistência (art.º 1672.º do Código Civil). Este, nos termos da lei, “compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir para os encargos da vida familiar” (n.º 1 do art.º 1675.º e 2015.º do Código Civil), contribuição que será prestada de harmonia com as possibilidades de cada um e pode ser cumprida “pela afectação dos recursos do cônjuge àqueles encargos e pelo trabalho despendido no lar ou na manutenção dos filhos” (n.º 1 do art.º 1676.º do Código Civil).
Com a dissolução do casamento pelo divórcio cessam as relações pessoais e patrimoniais dos cônjuges e, consequentemente, os deveres inerentes ao matrimónio, incluindo o de assistência (artigos 1688.º, 1788.º e 1789.º do Código Civil).
Porém, o ex-cônjuge deverá prestar alimentos àquele que deles careça, figurando até em primeiro lugar na lista dos legalmente obrigados à prestação de alimentos (art.º 2009.º do Código Civil).
Embora o legislador enuncie que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio” (nº 1 do art.º 2016.º do Código Civil, com a redacção introduzida pela Lei n.º 61/2008, de 31.10), logo acrescenta que “qualquer dos cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio” (n.º 2 do art.º 2016.º do Código Civil). Só excepcionalmente, “por razões manifestas de equidade”, o direito a alimentos poderá ser negado (a quem, à partida, deles careceria) – n.º 3 do art.º 2016º.
Prevaleceu o entendimento de que não pode escamotear-se a realidade de uma antecedente vida em comum, independentemente da responsabilidade individual de cada cônjuge na ruptura da relação matrimonial.
Se os cônjuges pretenderem divorciar-se por mútuo consentimento, deverão acordar, além do mais, acerca da prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça (art.º 1775.º n.º 1 alínea c) do Código Civil, na sua redacção actual, introduzida pela Lei n.º 61/2008, de 31.10; n.º 2 do art.º 1775.º do Código Civil, na redacção anterior).
No caso dos autos, aquando do divórcio as partes declararam, na Conservatória do Registo Civil de Queluz, em 20 de Maio de 2004, “que prescindem reciprocamente do direito à prestação de alimentos, por deles não carecerem” (cfr. certidão a fls 51 dos autos).
Significa tal declaração que os ex-cônjuges ficarão impedidos de, futuramente, reclamarem um do outro alimentos de que efectivamente careçam, a pretexto de que nada mudou em relação à situação existente aquando do divórcio?
O tribunal a quo assim o entendeu, chamando à colação o regime da alteração das decisões proferidas em processo de jurisdição voluntária. De facto, na sentença recorrida invocou-se o teor do n.º 1 do art.º 1411.º do CPC, no qual se estipula que “nos processos de jurisdição voluntária as resoluções podem ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração; dizem-se supervenientes tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão como as anteriores, que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso.
Antes de mais, não vislumbramos de onde resulta a aplicabilidade deste preceito ao presente processo. De facto, este não é um processo de jurisdição voluntária e nele não se pede a modificação de qualquer decisão proferida em processo dessa natureza. Na realidade, o que se pretende nesta acção não é a modificação de uma decisão, mas uma decisão ex novo, de reconhecimento de um direito e consequente condenação na respectiva prestação.
Acresce que o direito a alimentos é irrenunciável (art.º 2008.º n.º 1 do Código Civil). Assim, a renúncia a alimentos declarada em processo de divórcio por mútuo consentimento só produzirá efeitos em relação a prestações vencidas, ou seja, em relação ao período anterior à data do acordo respectivo (segunda parte do n.º 1 do art.º 2008.º do Código Civil; cfr., neste sentido, acórdãos da Relação do Porto, 07.6.2011, processo 668-C/1994.P1, 19.10.2010, processo 6792/09.4TBVNG.P1 e 11.11.2004, processo 0435565, todos na internet, dgsi-itij).
A comparação entre as circunstâncias da vida dos cônjuges existentes à data em que, no âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento, ambos prescindiram da prestação de alimentos e as existentes à data em que um deles os reclama judicialmente não tem, pois, a relevância que lhe aponta o tribunal recorrido. Terá, quando muito, um valor indicativo ou indiciário, a ponderar em conjunto com o factualismo que se provar, sendo certo que o tribunal deverá, no essencial, aferir as circunstâncias actuais de vida dos ex-cônjuges, à luz dos padrões legalmente estabelecidos sobre esta matéria.
Ora, dispõe o art.º 2003.º n.º 1 que “por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário.” Os alimentosserão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los”. Outrossim, acrescenta o n.º 2 do art.º 2004.º do CC, “na fixação de alimentos atender-se-á (…) à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.
Especificamente sobre os cônjuges, estipula-se no n.º 3 do art.º 2016.º-A do Código Civil que “o cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio.” Este texto, introduzido pela Lei n.º 61/2008, de 31.10, elimina algumas dúvidas que a este respeito se suscitavam anteriormente, colando o regime da prestação de alimentos a ex-cônjuges ao regime regra, de âmbito mais restritivo do que o dever de assistência matrimonial (cfr., v.g., acórdão da Relação de Lisboa, 01.4.2008, processo 6575/2005-7 e acórdão da Relação do Porto, 07.6.2011, processo 668-C/1994-P1, já citado supra).
Naquilo que constitui uma concretização porventura desnecessária do critério geral enunciado no art.º 2004.º do Código Civil, estabelece-se no n.º 1 do art.º 2016.º-A que “na fixação dos alimentos deve o tribunal tomar em conta a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta.”
No caso dos autos, provou-se que a A., actualmente com 62 anos de idade, está reformada por invalidez, padecendo de uma incapacidade de 0,75. Tem como único rendimento a pensão de reforma, no valor de € 271,40. Em água, luz, gás, medicamentos, passe para o transporte e condomínio despende por mês € 177,98. Ou seja, para tudo o resto, onde se inclui alimentação e vestuário, restam € 93,42, pouco mais de € 3,00 por dia. Provou-se ainda que a A., à data do divórcio, era auxiliada por dois irmãos. Porém, estes deixaram de ter condições para prestar essa ajuda. Sendo certo que, conforme também se provou, ao longo do tempo o preço da água, da luz, do gás e dos transportes subiu mais do que a reforma da A., a A. sofre de doença crónica do estômago e tem problemas cardíacos que a fazem recorrer às urgências hospitalares regularmente, tendo muitas vezes de regressar a casa de madrugada, de táxi, os medicamentos que tem de tomar subiram de preço e as comparticipações baixaram. Também se provou que as crises da A. têm sido mais frequentes por esta não tomar os medicamentos e a alimentação adequada por falta de dinheiro, o fornecimento da água e da luz já foi interrompido porque a A. não tinha dinheiro para pagar as respectivas facturas e a A. chega a passar fome por não ter dinheiro para comprar géneros alimentícios (n.º 16 da matéria de facto).
É evidente que a A. carece de auxílio para se sustentar, necessidade essa que se agravou após o divórcio. As pessoas que a ajudavam deixaram de o poder fazer. De resto, na escala dos legalmente obrigados à prestação de alimentos, os irmãos vêm três níveis depois do ex-cônjuge (art.º 2009.º do Código Civil).
O R. tem como rendimento uma pensão de € 901,78. Pela A. foi alegado na petição inicial e por este não foi negado que o R. vive em casa própria. Aliás, no requerimento de apoio judiciário que formulou e que se mostra documentado nos autos (fls 28 a 40) – requerimento esse que foi indeferido – o R. declarou ser proprietário da sua residênciafacto este que, assim, se dá como provado, nos termos do art.º 712.º n.º 1 alínea a) do CPC.
Também não consta que o R. tenha outras pessoas a seu cargo (no aludido requerimento de apoio judiciário não mencionou esses encargos).
Assim, afigura-se-nos que o R. tem possibilidades de prestar alimentos à A.. Na sua fixação atender-se-á a que a pensão do R. não é especialmente avultada e que este tem 68 anos de idade (nasceu em 24.01.1943, consoante consta na fotocópia do seu B.I., a fls 40 dos autos). Entendemos que uma pensão de € 100,00 por mês, representando um acréscimo anual de rendimento da A. de € 1 250,00 por ano (e igual acréscimo de despesa anual para o R.), é um valor equilibrado, tanto mais que será devido desde a data da propositura da acção (art.º 2006.º do Código Civil).


DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação parcialmente procedente e consequentemente revoga-se a sentença recorrida e em sua substituição condena-se o R. a pagar à A., a título de alimentos, a quantia mensal de € 100,00, até ao dia 8 do mês correspondente, a qual é devida desde Novembro de 2009 e será acrescida do valor mensal de € 25,00 até ser amortizado o valor das prestações já vencidas.
As custas da acção e da apelação são a cargo da A. e do R., em partes iguais, sem prejuízo do apoio judiciário de que a A. beneficia.

Lisboa, 17 de Novembro de 2011

Jorge Manuel Leitão Leal
Pedro Martins
Sérgio Almeida