Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
32/14.1YXLSB.L1-7
Relator: AMÉLIA ALVES RIBEIRO
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
COMPRA E VENDA
IMÓVEL
INSTITUIÇÃO BANCÁRIA
SINAL
DIREITO A SER INFORMADO
ABUSO DO DIREITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/05/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Figurando um banco como promitente vendedor e uma pessoa singular como promitente compradora de um apartamento, num contexto em que existem já diversos actos reveladores da colaboração entre as partes com vista à obtenção de crédito junto daquela mesma instituição bancária, com vista à aquisição do mesmo apartamento, ao omitir a alegação e prova de que ab initio, facultou a informação sobre a necessidade de fiadores e tendo recusado o crédito precisamente com base na falta de fiadores age com abuso do direito a instituição bancária que daí retira o benefício da captura do sinal.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.


I. RELATÓRIO:


A./Apelante: Maria …
R./Apelado: Banco …

I.1.Pedido: condenação do R. a pagar-lhe as quantias de € 3.500,00, a título de sinal em dobro, e de € 3.000,00, a título de indemnização por danos morais.

Alegou, para tanto, e em síntese, que participou num leilão onde licitou um determinado imóvel, tendo subscrito contrato promessa de compra e venda e entregue determinada quantia a título de sinal, tendo-lhe sido garantido pela Ré a concessão de crédito para a compra do mesmo sem a necessidade de fiador, o que não veio a acontecer, garantia essa que foi determinante para a formação da sua vontade de licitar. Com toda a situação, sofreu ainda danos morais.

O R. contestou, tendo concluído pela sua absolvição do pedido.

Foi proferida decisão que absolveu o R. do pedido.

É desta decisão que recorre a apelante.

Nota-se assim que a A. deixou intocada a decisão sobre o pedido quanto a danos não patrimoniais.

Acresce que a A. alude na al. k) a que foi coagida à celebração do contrato de promessa e ao pagamento do sinal, sem que toda a via invoque qualquer facto constitutivo deste instituto à luz do disposto no art.º 255.º do C.C.. Por conseguinte, e por falta de motivação jamais poderia acolher-se aqui fosse que pretensão fosse a coberto deste fundamento.

I.2.Assim, questões a decidir, recortadas nas conclusões das alegações, consistem em saber se:
(i) podemos aqui identificar ou não um recurso de facto;
(ii)se verifica erro sobre os motivos do negócio; (iii) é devida a restituição do sinal em dobro ou em singelo.

II.FUNDAMENTAÇÃO.

II.1.1.Em primeira instância foram dados como provados os seguintes factos:

1.A Autora, em 19 de Setembro de 2012, interessada na compra de determinado imóvel, dirigiu-se a um balcão do Réu, com o fim de obter informações acerca da possibilidade de obtenção de crédito à habitação.
2.Dirigiu-se à agência de A.., onde foi atendida pelo Sr. T…, funcionário do Réu, e requereu uma simulação de crédito.
3.No dia 22 de Setembro de 2012, a Autora, acompanhada pelo seu irmão, dirigiu-se ao Hotel …, em Lisboa, onde decorria um leilão.
4.No leilão, licitou e arrematou o imóvel pretendido pelo valor de € 75.000 (setenta e cinco mil euros).
5.Após, subscreveu o contrato promessa de compra e venda do imóvel.
6.Alertou que ainda não tinha o crédito aprovado em definitivo, que apenas tinha feito uma simulação.
7.Nesse momento foi-lhe comunicado que a desistência implicaria a perda do valor da caução entregue à organizadora do leilão.
8.Para participar no leilão, a Autora subscreveu uma declaração em como aceitava o respetivo Regulamento e entregou um cheque caução de € 2.000,00.
9.A Autora assinou o Contrato Promessa de Compra e Venda como Promitente Compradora, tendo a funcionária MA… assinado o mesmo na qualidade de representante da promitente vendedora.
10.Nesse momento, a Autora entregou, a título de sinal e princípio de pagamento, o montante de € 1.750.00, através do cheque nº … emitido em …, sacado sobre o Banco ….
11.No dia 27 desse mesmo mês, foi à referida agência de A..s fazer nova simulação, entregando a sua documentação.
12.No dia 7 de Novembro de 2012, a Autora recebeu uma carta registada com AR comunicando-lhe que iria ser realizada a Escritura Pública de compra e venda no dia 22 de Novembro de 2012.
13.A Autora, no dia 21 de Novembro de 2012, enviou um e-mail a M. … informando que não poderia efetuar a escritura por lhe estarem ainda a solicitar novos documentos e não ter uma resposta ao seu pedido de crédito, solicitando o adiamento da mesma.
14.O pedido de crédito foi recusado e a sua reapreciação implicaria a apresentação de fiador.
15.O referido leilão decorre com a presença de colaboradores da área comercial do Réu que estão disponíveis para efetuarem simulações caso os participantes desejem contrair empréstimo para adquirir os imóveis que se encontram à venda e esclarecerem as dúvidas que os participantes tenham relativamente a eventuais pedidos de financiamento.
16.Foi apresentado à Autora o contrato-promessa de compra e venda do imóvel que lhe foi adjudicado e transmitido que os empréstimos contraídos para a aquisição de imóveis do Réu têm condições especiais de financiamento, designadamente, ao nível do spread aplicado mas a aquisição de imóveis ao Banco e os pedidos de empréstimos junto do mesmo são processos independentes e autónomos.
17.Foi sugerido à Autora que fizesse o pedido de empréstimo em conjunto com o seu companheiro, AR., para que o mesmo fosse encaminhado para os serviços do Banco que procedem à sua análise e eventual recusa ou aprovação.
18.O seu companheiro, AR., apenas em Novembro de 2012 entregou no balcão a documentação necessária para instruir o pedido de empréstimo.

II.1.2.Resultaram como não provados os seguintes factos:

a)No primeiro pedido de simulação, a Autora disponibilizou todos os documentos necessários, inclusive o seu IRS, o qual comprovava os seus rendimentos anuais;
b)Tendo a Autora questionado o funcionário se, no caso em apreço, haveria necessidade de apresentar fiadores para a obtenção do Crédito, acrescentando que a sua preocupação se prendia ao facto de, dada a conjuntura atual, não conseguir pessoa que garantisse a Fiança do Crédito, pelo mesmo, após análise dos documentos que tinha na sua posse, foi imediata e perentoriamente referido que tal hipótese estaria fora de questão;
c)Segundo o funcionário do Réu, a Autora tinha rendimentos suficientes para conseguir o crédito sem fiadores;
d)A Autora foi ao leilão na convicção de que poderia adquirir o imóvel e que o crédito estava garantido;
e)MA… referiu à Autora que se a simulação foi positiva “não tinha nada a temer”;
f)A Autora referiu que a sua preocupação era pedirem-lhe fiadores ao que a mesma funcionária lhe referiu perentoriamente que com os seus rendimentos não iriam pedir e que o Crédito lhe iria ser concedido devido aos rendimentos que a própria e o seu companheiro apresentavam;
g)A Autora assinou o Contrato Promessa de Compra e Venda por lhe afiançarem a concessão de crédito sem fiadores;
h)Vendo aproximar-se a data da escritura, a Autora dirigiu-se novamente ao Balcão do Réu e a Subgerente disse-lhe que não havia motivos para se preocupar em relação à realização da escritura porque, internamente, ela própria e a Sra. D. M.. iriam tratar do assunto;
i)Ficou combinado que a Autora aguardaria por um contacto do Réu;
j)A Autora sempre afirmou, desde o início do processo, que não tinha ninguém que pudesse apresentar como fiador para garantir o seu crédito e que se assim fosse, não estaria interessada na aquisição do Imóvel;
l)Se não lhe tivesse sido dito que o crédito em questão estava certo, a Autora nunca teria assinado o contrato nem teria licitado o imóvel;
m)À data dos factos a Autora encontrava-se grávida e toda a situação provocou problemas na sua gravidez, devido à instabilidade emocional que este conflito lhe provocou;
n)A Autora teve de ficar em casa de baixa por causa da ansiedade que sentia provocada por toda esta situação.

II.2.Apreciando:

Quanto à questão de facto.

Percorrido o enunciado das conclusões, verificamos serem as mesmas totalmente omissas quanto à manifestação da vontade de recorrer de facto por parte da A..

Nesse âmbito, não vem indicado qualquer concreto ponto de facto que lhe mereça crítica; os concretos meios de prova que do seu ponto de vista alicerçariam uma diferente factualidade e, bem assim, são também omissas as conclusões no que tange à indicação dos factos que, do ponto de vista da recorrente, deveriam integrar o elenco factual dado como provado ou, ao invés, dele ter sido arredado.

Seja como for, ainda que nos atenhamos ao corpo das alegações não nos parece estarmos perante uma situação que, ao abrigo de uma qualquer interpretação abrangente do princípio da cooperação, justificasse um convite ao aperfeiçoamento das conclusões.

Com efeito, percorrendo o corpo das alegações é uma realidade que a A. selecciona alguns trechos de depoimentos de testemunhas, sem contudo se tornar claro qual o verdadeiro sentido e alcance de uma tal transcrição, por omissão de referência a factos concretos, quer daqueles que foram dados como provados, quer daqueles que o tribunal de 1ª instância considerou como não provados.

Além disso, não se vislumbra da transcrição desses trechos qualquer exercício de análise crítica que desemboque na demonstração do erro de julgamento em que, do ponto de vista da apelante, teria incorrido o tribunal de primeira instância.

Com efeito, não vem minimamente indicado que o tribunal tenha errado na análise que transparece da fundamentação da decisão de facto, quer no que tange às regras da experiência comum, quer no que refere a violação de qualquer regra de direito probatório que pudesse implicar uma decisão diferente daquela que acabou por ficar plasmada na sentença.

Lembre-se que a impugnação da matéria de facto não pode circunscrever-se a um mero juízo de discordância do veredicto judicial em primeira  instância, tem a parte que atacar a correcção do juízo efectuado sobre o material probatório produzido, demonstrando ter havido erro na apreciação desse mesmo material.

Ora, não sendo esse o caso, não basta a mera transcrição de curtos trechos descontextualizados para despoletar, neste âmbito, a sindicância do Tribunal da Relação.

Nessa medida, não só não foi observado o ónus imposto pelo art.º 640.º, n.º 1 do CPC, como inútil seria qualquer convite ao aperfeiçoamento das conclusões já que do corpo das alegações não é possível extractar o erro de julgamento que poderia motivar a modificabilidade da decisão de facto à luz do artigo 662.º do mesmo diploma.
 
Quanto à questão da pedida condenação do R. no pagamento do sinal em dobro com base em erro

A A. pede na petição inicial a condenação do R. no pagamento do montante do sinal em dobro, com fundamento em que aquele a induziu em erro, começando por a informar da desnecessidade de que, para obter crédito, a mesma não careceria de fiadores, quando é certo que, a posteriori, lhe veio a recusar o pedido de financiamento, justamente com esse fundamento que lhe havia garantido não ser necessário.

Ora, na versão da recorrente, foi precisamente esse erro que a conduziu à celebração do contrato promessa, emitindo declaração de vontade que não teria emitido senão tivesse ocorrido aquele erro.

Convém esclarecer que a versão do banco recorrido na contestação[1] limita a exigência de fiadores ao momento da análise e apreciação do crédito, não vindo mencionado na contestação que antes da recusa de concessão de crédito tinha sido feita à A. qualquer exigência de que apresentasse garantias adicionais, ou seja, fiadores (artigo 33º da contestação – fls. 129).

Todavia, se bem entendemos, a A. em sede de alegações, não obstante persistir que formou a vontade de contratar com base em erro, acaba por fazer uma versão algo modificada da versão da petição inicial e que na prática converge, a nosso ver, quer com a versão do próprio banco expressa na contestação, quer com a versão que ficou a constar da narrativa dos factos dados como provados.

Mais explicitamente, a própria A. acaba por admitir que “a verdade é que também se afere que a questão da necessidade de fiador só se colocou depois de todos os outros factos, ou seja, apenas no final” (fls. 207).

Não obstante, o trecho que seleccionou do depoimento do seu irmão (a testemunha T.) mencionar, com referência ao minuto 01.12.09, que a pessoa que fez a simulação referiu que perante a simulação feita não necessitaria de fiadores, acrescentando ainda, no minuto 01.14.18, que: a recorrente nunca teria licitado e feito aquele negócio caso soubesse que precisaria de fiadores.

Ora, é que a testemunha T. é irmão da A. e, portanto, com um grau de proximidade familiar que retira força probatória ao depoimento em prol das demais testemunhas que referem que antes da recusa definitiva do financiamento não fora referida a necessidade de fiador. Neste sentido, veja-se o que a própria A. refere a propósito do depoimento da testemunha Tiago P... e da testemunha Maria ....

Note-se que, os trechos transcritos de que se vale para fundar a sua visão acabam por ir precisamente ao encontro da nova versão modificada dos factos a que acima se fez referência.

Tanto assim é que, em primeiro lugar, destaca do depoimento da testemunha M… que no minuto 01.33.58: só após a análise superior do financeiro e a recepção da recusa é que lhe foram pedidos fiadores.

E destaca ainda deste depoimento, no minuto 01.34.34 que: a recorrente nesta fase, ou seja, após a recusa do financiamento, questiona se os fiadores podiam sair ao fim de um ano.

Aliás, foi também nestes testemunhos que o tribunal a quo fundou o seu juízo probatório na fundamentação da decisão de facto a par dos documentos juntos e bem assim dos depoimentos das testemunhas M. (em relação à qual vem afirmado nada ter sido falado relativamente a fiadores) e AR. que, sendo companheiro da A., vem referido que apenas soube dizer que foi ao banco entregar documentos seus (fls.185).

Como se vê não há qualquer aparência que possa motivar o erro em que inicialmente a A. funda o pedido de condenação do R. a pagar-lhe o sinal em dobro, bem pelo contrário, como se disse, é ela própria que afirma – como se disse - que a questão da necessidade de fiador só se colocou depois de todos os outros factos, ou seja apenas no final (fls. 207).

A este enquadramento, acresce que a A. não impugna o facto não provado sob a al. l) que tem o seguinte teor “se não lhe tivesse sido dito que o crédito em questão estava certo [leia-se com concessão garantida], a A. nunca teria assinado o contrato nem teria licitado o imóvel.

Neste sentido, afigura-se-nos que a A. acaba inequivocamente por deixar cair a tese do erro já que, por um lado, não impugna a al. l) dos factos provados e, por outro não aduz consistentemente qualquer meio de prova que pudesse por em causa as razões que fundam a decisão recorrida.

Soçobrando, assim, a tese do erro, nem sequer se coloca a questão das consequências pretendidas pela A..

Quanto à questão da apreciação da pedida restituição do sinal em singelo.

Vejamos, então, em que moldes a A. pode ainda obter parcial ganho de causa, já que, em sede de alegações, acaba por se cingir, em alternativa,  à restituição do sinal em singelo.

Recorrentemente, em sede de conclusões, a A. alude a que nunca lhe foi referida a necessidade de apresentar fiador [al. e) e al. q)].
Afigura-se-nos que neste particular lhe asiste razão.

De facto, a própria versão do recorrido na contestação aponta no sentido de que o mesmo só terá feito expressa exigência de garantias adicionais, ou seja, fiadores, após a comunicação da recusa de financiamento. Isto é o que se retira da narrativa dos factos feita na contestação, mormente sob os artigos 31º, 32º e 33º.

O facto do banco afirmar que nunca garantiu à A. que o empréstimo ia ser aprovado (artigo 6º da contestação) e que o empréstimo seria contraído por si e por AR.  (companheiro da A.), do nosso ponto de vista, não é suficiente para se considerarem cumpridas as obrigações que sobre ele recaiam, maxime de transparência na informação sobre a necessidade de fiadores.

Com efeito, é um facto que a A. se deslocou ao banco para fazer simulações como flui claramente dos factos n.ºs 2 e 11.

Sucede que percorrendo o enunciado dos factos, não encontramos nenhuma afirmação no sentido de que a A. tenha, desde início, sido informada da necessidade de obter fiadores para a concessão de crédito.

Acontece que o banco defende-se invocando a autonomia entre os contratos em presença: por um lado, o contrato de compra e venda e, por outro, o contrato de financiamento. No entanto, é inaceitável, a nosso ver, que essa autonomia se possa defender, neste caso, visto que, como resulta dos factos provados, houve uma série de actos entre as partes que demonstram precisamente o contrário. Diferentemente, há uma série de elementos que nos permitem concluir pela existência de colaboração entre o banco e a A. com vista ao financiamento, como sejam:

-simulações sobre a possibilidade de obtenção de crédito por parte da A.,  anteriores e posteriores à licitação, pela A., do imóvel em leilão (factos 2 e 11) ;
-entrega de documentação por parte desta e do seu companheiro (factos 5, 8, 9, 10, 11 e 18) ;
-troca de correspondência entre as partes (facto 12, 13;
-recusa, como desfecho dessa actividade desenvolvida entre as partes (factos 14.
-tendo sido até o banco que sugeriu à A. que fizesse um pedido de empréstimo em conjunto com o seu companheiro (facto 17)
-tempo utilizado efectivamente para apreciação sobre o risco da concessão de crédito por parte do banco.

Portanto, não pode verdadeiramente afirmar-se que o contrato de compra e venda em questão não tinha qualquer espécie de correlação com as negociações com vista à concessão de financiamento pro parte do banco R. à A..

Note-se que estamos num domínio da aquisição de habitação, sendo certo que as entidades bancárias têm um dever de transparência para com os clientes, dado que aquelas laboram num mercado onde, crescentemente, têm elevada experiência profissional e onde os adquirentes se apresentam numa posição de fragilidade que só poderá ser protegida se tal dever for uma realidade nas relações contratuais.

Ora, afigura-se-nos que, por um lado, ao omitir ab initio, a informação sobre a necessidade de fiadores e tendo recusado o crédito precisamente com base na falta de fiadores e, por outro, ao daí retirar o benefício da captura do sinal, o banco agiu com abuso do direito.

Na verdade, era o banco que controlava todo o processo do desenrolar do contrato, estando à A. vedado o conhecimento desse iter e não estando de facto na sua mão a decisão no que toca ao pedido de concessão de crédito. Ora, se o banco controlava todo esse iter, ele tinha obrigação de o tornar transparente a fim de que a A., em liberdade pudesse tomar uma decisão esclarecida sobre se queria ou não subscrever o contrato promessa, assumindo assim validamente o risco do negócio.

Ora, não é isso que transparece da matéria de facto, sendo certo que era ónus do R. alegar e provar que desde de início facultara à A. a informação de que dependia a concessão de crédito e, por conseguinte, a possibilidade da A. cumprir o contrato promessa, comparecendo na escritura [por se tratar, naturalmente, de facto impeditivo do direito da A. (art.º 342.º/2 C.C.)].

Vemos, assim, que não pode o R. obter proveito de um incumprimento contratual da A. que tem por base um défice de informação, um défice de definição clara das regras do jogo.

Portanto, o R. não pode tirar proveito de um facto que só a ele, ainda que por via indirecta, é imputável.

Estamos, pois, perante uma situação que se enquadra no instituto do abuso do direito (art.º 334.º), sendo certo de que se trata de um instituto do conhecimento oficioso.

Estamos perante uma situação contrária ao sistema que denota falta de coerência na atuação do banco, num ambiente contratual de fragilidade da contraparte, abalando assim a confiança que devem merecer os negócios numa área de mercado, com a qual este só tem a perder.

Portanto, diríamos que houve aqui uma violação do princípio da boa fé, da qual o banco não pode naturalmente beneficiar e que conduz à procedência parcial da acção neste âmbito.

III. DECISÃO.

Consequentemente, e de harmonia com as disposições legais citadas, na procedência da apelação, altera-se a decisão recorrida, condenando-se o R. a restituir à A. o sinal em singelo como se pede em recurso.
Custas na proporção decaimento a ter em conta em ambas as instâncias.


Lisboa, 05 de Abril de 2016

                       
(Maria Amélia Ribeiro)
(Graça Amaral)
(Orlando Nascimento)                      


[1]Que resolveu o contrato promessa de compra e venda com fundamento em que a A. não compareceu à escritura, tendo assim, do seu ponto de vista, incumprido o mesmo contrato (fls. 131).