Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6134/2007-1
Relator: MARIA DO ROSÁRIO BARBOSA
Descritores: ARRESTO
APREENSÃO
PROPORCIONALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/16/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário:
I - Tendo a agravante indicado bens do agravado a arrestar, e não tendo o tribunal a quo fundamentado no despacho de que se agrava o motivo pelo qual não determinou a apreensão de saldos bancários e outros, tal como foi requerido inicialmente na petição de arresto, não se pode considerar anómalo o requerimento apresentado pelo agravante e que foi objecto de censura  pelo que o seu indeferimento e  a condenação nas custas do incidente se afigura desajustada.
II-O tribunal a quo decidiu prematuramente quanto à dimensão dos bens a apreender, e deveria ter ordenado o arresto dos bens indicados, sem prejuízo de posteriormente reduzir o arresto.
III-Não poderia, naquele momento, porque para tal não tinha elementos, reduzir ab initio os bens indicados a arrestar, pois que tal procedimento poderia, inclusivamente, pôr em causa a própria finalidade da providência de arresto, impossibilitando a apreensão célere dos bens suficientes para a segurança normal do crédito da requerente do arresto.
M.R.B.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam nesta secção cível os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa

C Lda., interpõe o presente recurso de agravo do despacho proferido nos autos de procedimento cautelar nº 1739/06 do 3º juízo cível do Tribunal da Comarca de Loures que indeferiu o requerimento em que a agravante pedia, (na sequência do Acórdão proferido no processo nº 9909/06-1, deste Tribunal da Relação, que concedeu provimento ao recurso de agravo interposto da decisão que julgou improcedente o pedido, indeferindo o decretamento da providência de arresto requerido por C, Lda., revogando a decisão do tribunal recorrido que o não decretara) o prosseguimento do arresto de bens do agravado F a incidir, desde logo, nos saldos bancários e após noutros bens enumerados na Al. A) do requerimento inicial do arresto.

São as seguintes as conclusões de recurso apresentadas pela agravante:
1. Requereu-se e decretou-se o arresto que deveria ser realizado mediante uma seta ordem de prioridades, enumerada no requerimento inicial de arresto, começando pelos saldos bancários,
2. Não é líquido que o requerido resida, ainda, na morada indicada no ponto 2 dos factos provados, para tanto impunha-se que o tribunal procedesse às averiguações requeridas e deferidas que constam do 1º parágrafo do ponto 2ª da parte de bens a arrestar, do requerimento inicial de arresto.
3. Impunha-se que a mm Juíza acatasse a alias douta decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, 1ª secção, a qual concedeu o arresto requerido, sem lhe fazer qualquer espécie de restrição, em lugar de fazer uso, automático, do art. 408, nº 2, do CPC.
4. O requerimento sobre o qual incidiu o despacho recorrido vem na linha do douto aresto que precede, tal requerimento não é dilatório nem estranho ao desenvolvimento normal da lide, pelo que carece de fundamento o castigo imposto ao requerente ora agravante, à luz do disposto no art. 16, nº1, do CPJ.
5. Ao proferir a decisão recorrida a Sr.ª Juiz a quo violou as disposições legais enunciadas nestas conclusões.
6. Deve a douta decisão agravada ser revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento do arresto, que deverá incidir, desde logo nos saldos bancários e, após nos outros bens enumerados na Al. A)do requerimento inicial de arresto.

Pelo tribunal a quo foi proferido despacho mantendo a decisão recorrida.

Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.

Os factos a ter em apreciação são os seguintes:

1. A agravante na sequência da decisão proferida pelo Tribunal a quo que decretou o arresto veio por requerimento-fls 36 a 37 – requerer que o mesmo se iniciasse com o pedido de informações solicitados nos primeiros parágrafos dos pontos 1 2 e 3 da Al. A) da parte”BENS A PENHORAR”, inserida no requerimento inicial de arresto e, caso tais solicitações fossem positivas, que o tribunal ordenasse o arresto dos bens que requereu nos segundos parágrafos dos aludidos pontos 1, 2 e 3 começando pelos bens aludidos nestes dois últimos pontos e acabando com o arresto do bem indicado na Al. B) da indicada parte.
2. O Tribunal a quo indeferiu tal requerimento por ter considerado que o mesmo carecia de fundamento configurando incidente anómalo a tributar nos termos do art. 16, nº1, do CCJ, condenando a parte nas custas do incidente em taxa de justiça que fixou em 2 UC, s.
3. E, na fundamentação, considerou que no requerimento inicial, não obstante a enumeração por alíneas e por números, não fora pedido que se estabelecesse qualquer ordem no decretamento da providência nem do seu teor se poderia extrair que uns pedidos eram subsidiários em relação a outros pelo que, atenta a urgência subjacente aos procedimentos cautelares, não tinha o tribunal que decidir nos termos em que veio a ser pedido no requerimento de que ora se agrava.
4. Entendeu, ainda, o tribunal a quo que tendo sido apurada a morada do agravado na audiência de inquirição de testemunhas foi decretado o arresto de bens móveis pertencentes ao agravado que se encontrassem nessa residência.
5. Quanto às informações ao Banco de Portugal o tribunal a quo decidiu aguardar o resultado do arresto dos bens decretados e das informações pedidas para posteriormente, se tal se revelasse necessário, apreciar tal pedido.

Nos termos do disposto nos art. 684, nº3 e 4 e 690, nº1, do CPC o objecto do recurso delimita-se, em princípio, pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do conhecimento das questões de que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art. 660, ex. vi do art. 713, nº2, do mesmo diploma legal.

A questão em apreço nos presentes autos é a de saber se o tribunal a quo decidiu bem ao ter indeferido o requerimento supra referido, apresentado pelo agravante, com o fundamento de que o mesmo não tinha fundamento legal, configurando incidente anómalo, com a consequente tributação em custas judiciais.

Vejamos da bondade da decisão e da razão da agravante:.
Na providência cautelar de arresto, o pedido consiste efectivamente, na apreensão de certos bens que o Requerente deve indicar (art. 407º nº 2 CPC). Porém, o objecto fulcral da providência não é constituído pela apreensão dos bens concretamente indicados. O objecto é a apreensão de bens, quaisquer que eles sejam, de valor suficiente para garantir o crédito invocado. É pelo valor do crédito invocado que se apura a quantidade e valor dos bens a apreender, uma vez que deve haver uma correspondência entre um e os outros, de tal modo que o nº 2 do art. 408º do C.P.C. manda reduzir a apreensão aos bens suficientes para a segurança normal do crédito. A indicação dos bens a apreender no requerimento de arresto, sendo obrigatória, tem por razão de ser o princípio dispositivo, deixando às partes a iniciativa da indicação dos bens que na sua perspectiva servem a finalidade proposta com o pedido de arresto, bem como de celeridade processual pois, doutro modo, teria de ser o tribunal a averiguar quais os bens a apreender o que se tornaria moroso. Daí que caiba ao requerente da providência a indicação dos bens a arrestar. O pedido é, pelo exposto, o da apreensão de bens, não necessariamente os indicados no requerimento inicial pelo credor, mas os que se mostrem suficientes para assegurar o valor do crédito em causa podendo dizer-se que o mais importante para se apurar quais são os bens a apreender é o valor do crédito.
Por outro lado, importa referir que não é facilmente determinável o valor dos bens que se indicam como bens a apreender.
Por isso, pode acontecer que se julgue adequado certos bens para assegurar o crédito, e se venha a verificar, no momento da apreensão, que o seu valor excede ou é insuficiente para tal fim, sendo necessário corrigir o inicialmente solicitado.

Poderemos, pois, concluir que o decretamento do arresto não implica que ele incida sobre todos os bens que, provando-se serem do devedor, o requerente pretenda que sejam arrestados. Pode acontecer que, considerado o valor do crédito e o dos bens, este se revele excessivo em face daquele e, neste caso, o juiz deve circunscrever o objecto do arresto aos bens que sejam suficientes para que, em condições normais, a execução forçada fique garantida Assim, “desde que os autos o revelem, compete ao juiz limitar a apreensão aos bens que se mostrarem necessários a garantir o pagamento do crédito cf. artigo 408ºCPC).
Como salienta Alberto dos Reis, “não consente a lei que se arrestem mais bens do que os suficientes para segurança da obrigação. Como o arresto importa a apreensão judicial dos bens, subtraindo-os à livre disponibilidade do arrestado, não faria sentido que a providência fosse além do que é necessário para pôr o credor a coberto do perigo de insatisfação do seu direito de crédito; o arresto excessivo, isto é, o arresto que abranja mais bens do que os suficientes para a garantia da dívida, será uma violência intolerável: O arresto só se justifica na medida em que se torne indispensável dar ao credor meios de obter o pagamento; para além deste limite não tem defesa”
Mas que critério há-de adoptar-se para se saber, em cada caso concreto, se o arresto é suficiente ou excessivo? No cálculo a fazer, o juiz não pode ter apenas em conta o valor de mercado do bem nem o valor actual do crédito; terá de ter também em conta o tempo previsível até que se possa conseguir, na acção executiva, a venda do bem, a desvalorização previsível que o bem arrestado possa sofrer, o aumento que o crédito possa vir a ter (designadamente por via de juros vincendos), o facto de, na venda forçada, normalmente não se atingir o valor de mercado do bem vendido, as custas da acção, os encargos que possam existir sobre o bem (designadamente por via de privilégio creditório) e qualquer outra circunstância que previsivelmente seja de ter em conta. Deve, assim, normalmente, haver uma margem de excesso de valor que não ultrapasse o justo limite a que se refere o n.º 2, do citado preceito legal atenta a finalidade da segurança normal do direito de crédito. Só em casos de manifesto e exagerado excesso de valor do bem é que o tribunal deve usar o poder (vinculado) que lhe é conferido pelo n.º 2, deixando, aliás, a solução de qualquer dúvida sobre a sua aplicação para depois da oposição da penhora).

O n.º 2 tem ínsito, tal como o artigo 387º, n.º 2 do procedimento cautelar comum, manifestação do princípio da proporcionalidade.
Efectivamente, “a provisoriedade das providências cautelares e a sua finalidade de garantia, de regulação ou de antecipação justificam que as medidas tomadas ou impostas devam ser adequadas às situações que se pretende acautelar. As relações entre aquelas medidas e estas situações devem orientar-se por um princípio de proporcionalidade: as medidas provisórias não podem impor ao requerido um sacrifício desproporcionado relativamente aos interesses que o requerente deseja acautelar ou tutelar provisoriamente (artigo 387º, n.º 2; cf. ainda os artigos 397º, n.º 2, 408º, n. os 2 e 3 e 419º).
Posteriormente, cabe ao requerido, logo que seja notificado para exercer o contraditório, deduzir o incidente de oposição que, além do mais, pode conter o pedido de redução da providência aos limites ajustados à defesa do periculum in mora (vide artigo 388º, n.º 1, al. b) e n.º 2).

Se o arresto tem por fundamento o justo receio que o credor tenha na perda da sua garantia realizando-se através de uma apreensão judicial dos bens necessários à manutenção dessa garantia, e não mais do que esses
a aludida norma atribui expressamente ao juiz o poder vinculado de reduzir o arresto aos seus justos limites nos casos em que tenha sido requerido em mais bens do que os suficientes para a segurança normal do crédito.

Este poder – dever do juiz de redução da extensão do arresto é por ele exercido ex officio, sem necessidade de qualquer contraditório da requerente, uma vez que, ao indicar, no seu requerimento inicial, o conjunto de bens sobre o qual o arresto deverá incidir, está a mesma a pronunciar-se sobre a sua extensão.
No caso subjudice, tendo a agravante indicado bens do agravado a arrestar, e não tendo o tribunal a quo fundamentado no despacho de que se agrava o motivo pelo qual não determinou a apreensão de saldos bancários e outros, tal como foi requerido inicialmente na petição de arresto, não se pode considerar anómalo o requerimento apresentado pelo agravante e que foi objecto de censura pelo que o seu indeferimento e a condenação nas custas do incidente se afigura desajustada.
O tribunal a quo decidiu prematuramente quanto à dimensão dos bens a apreender, e deveria ter ordenado o arresto dos bens indicados, sem prejuízo de posteriormente reduzir o arresto, nos termos acabados de explanar.
Não poderia, naquele momento, porque para tal não tinha elementos, reduzir ab initio os bens indicados a arrestar, pois que tal procedimento poderia, inclusivamente, pôr em causa a própria finalidade da providência de arresto, impossibilitando a apreensão célere dos bens suficientes para a segurança normal do crédito da requerente do arresto.
O requerimento apresentado em que a agravante, reiterando o pedido inicial, solicita a apreensão de determinados bens não podia, pois, ser considerado incidente anómalo.

DECISÃO
Pelo exposto, dando provimento ao agravo revogam o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que determine o arresto dos indicados bens, sem prejuízo de redução posterior do arresto, caso se mostre necessário.
Sem custas.

Lisboa, 16 de Outubro de 2007.
Maria do Rosário Barbosa
Rosário Gonçalves
Maria José Simões