Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
578/19.5T9LNH-A.L1-9
Relator: GUILHERMINA FREITAS (PRESIDENTE)
Descritores: CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/28/2024
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECLAMAÇÃO PENAL
Decisão: INDEFERIDO
Sumário: O disposto no n.º 7, do art. 638.º, do CPC, não tem aplicação no processo penal, na medida em que este tem normas específicas relativamente ao prazo de recurso, inexistindo qualquer caso omisso que importe suprir por aplicação analógica da lei de processo civil, ao abrigo do art. 4.º, do CPP.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: A ….., arguida nos autos, reclama, nos termos do disposto no art. 405.º do CPP, do despacho proferido pelo Tribunal reclamado em 15/1/2024, o qual não admitiu, por extemporâneo, o recurso por si interposto da sentença proferida em 27/11/2023, pedindo que o recurso seja mandado admitir com fundamento, em síntese, em que o recurso deu entrada em prazo porquanto a arguida foi condenada pela prática de outros crimes para além do crime de violência doméstica em relação aos quais não foi proferido qualquer despacho a decretar a tramitação urgente do processo. Além de que recorreu da matéria de facto acrescendo, dessa forma, ao prazo de recurso mais 10 dias. 
O despacho reclamado, a fls. 46 e verso destes autos, não recebeu o recurso, nos termos do disposto nos arts. 411.º, n.º 1, al. b), do CPP, e 28.º, da Lei n.º 112/2009, de 16/9, por extemporâneo, com fundamento na natureza urgente do processo, por nele estar em causa um crime de violência doméstica.
Conhecendo.
Sobre os processos relativos a crimes de violência doméstica dispõe o art. 28.º, n.º 1, da Lei n.º 112/2009, de 16/9, que:
“Os processos por crime de violência doméstica têm natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos”.
E dispõe o n.º 2 do mesmo preceito que:
 “A natureza urgente dos processos por crime de violência doméstica implica a aplicação do regime previsto no n.º 2 do artigo 103.º do Código de Processo Penal”.
Este preceito terá de ser conjugado com o n.º 2, do art. 104.º, que estipula que “Correm em férias os prazos relativos a processos nos quais devam praticar-se os atos referidos nas alíneas a) a e) do n.º 2, do artigo anterior.”
Aquilo que, o n.º 2, do art.º 28.º, da Lei n.º 112/2009, manda aplicar aos processos por crimes de violência doméstica é o regime previsto no art. 103.º, n.º 2, do CPP e não propriamente as situações previstas nesse preceito. Isto é, o que o legislador pretendeu foi equiparar os processos por crimes de violência doméstica às situações previstas nesse n.º 2 do art.º 103.º, sendo que, o regime que lhes é aplicável é o que decorre do citado art. 104.º, n.º 2, do CPP.
Assim, tal equiparação de regime leva a que, nos processos referentes a tais crimes os seus prazos corram em férias, sem qualquer distinção entre actos até à sentença e actos praticados depois da sentença, neles incluído o recurso.
No presente caso é urgente o processo e o ato de interposição de recurso, que se iniciou no dia seguinte ao depósito da sentença, correndo o respectivo prazo em férias judiciais.
Tendo a sentença sido proferida, notificada e depositada em 27/11/2023, o prazo de 30 dias para a interposição do recurso começou a 28/11/2023 e terminou em 27/12/2023, por força do disposto no art. 411.º, n.º 1, al. b), do CPP e por aplicação do regime estabelecido pelo art. 107.º-A, do CPP, terminou a 2/1/2024.
O recurso da arguida deu entrada em juízo em 10/1/2024, pelo que, nessa data há muito se encontrava esgotado o respectivo prazo de interposição.
Invoca a reclamante que sendo objecto dos autos a verificação de outros crimes, para além do crime de violência doméstica, em relação aos quais não foi proferido qualquer despacho a decretar a tramitação urgente do processo, poderia beneficiar do prazo que terminasse em último lugar.
Mas carece de razão, salvo o devido respeito. O processo é uno e não pode assumir a natureza urgente para uns crimes e não urgente para os demais, assim como não pode ter natureza urgente para uns arguidos e não urgente para outros.
Alega, ainda, a reclamante que, como recorreu da matéria de facto, acresce ao prazo de recurso mais 10 dias.
Ora, o disposto no n.º 7, do art. 638.º, do CPC, não tem aplicação no processo penal, na medida em que este tem normas específicas relativamente ao prazo de recurso, inexistindo qualquer caso omisso que importe suprir por aplicação analógica da lei de processo civil, ao abrigo do art. 4.º, do CPP.
Com as alterações introduzidas pela Lei n.º 20/2013, de 21/2, ao art. 411.º, do CPP, o legislador pretendeu uniformizar o prazo de recurso, em matéria penal (que era de 20 dias, acrescido de 10 dias, caso houvesse impugnação da matéria de facto), para um prazo único de 30 dias, mesmo no caso de impugnação da matéria de facto.
Vejam-se neste sentido as decisões proferidas nos autos de Reclamação proferidas em 4/4/2017 e 4/7/2022, respectivamente, no âmbito dos Proc. 311/15.0GACBT-A.G1 da Relação de Guimarães e 4304/14.TDPRT-A.P1, da Relação do Porto.
Pelo exposto, se indefere a reclamação, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 405.º, n.º 4, do CPP.
Custas a cargo da arguida/reclamante.
Notifique-se.

Lisboa, 28 de Fevereiro de 2024
Guilhermina Freitas – Presidente