Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2659/09.4TBSXL.L1-1
Relator: AFONSO HENRIQUE
Descritores: DIVÓRCIO LITIGIOSO
DEVERES CONJUGAIS
DEVER DE RESPEITO
OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/22/2011
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: T: - Divórcio sem consentimento
ST: - Ruptura do casamento
I - A prova de que a cônjuge mulher foi agredida pelo seu marido no seu local de trabalho é, por si só, bastante para que se decrete o divórcio entre ambos.
II - Isto porque, o dever de respeito tem um carácter abrangente e significa a consideração que cada um dos cônjuges deve ter pelas liberdades individuais do outro, bem como pela sua integridade física e moral.
III - A gravidade daquele acto, mesmo que não repetido, justifica a ruptura do casamento, se assim o quiser como quis, o cônjuge ofendido para preservar um direito fundamental como é o direito à sua integridade física, direito de personalidade que se sobrepõe ao instituto do casamento de natureza contratual
( Da responsabilidade do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA (1ª SECÇÃO)

Nestes autos de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, a Autora A, residente na Amora, demandou o Réu B , residente na mesma morada, pedindo que seja decretado o divórcio entre A. e R..
Alegando para o efeito que:
- A. e R. casaram catolicamente, em 28-2-1981, sem que tenham previamente celebrado convenção antenupcial – doc.1;
- Do casamento nasceram dois filhos, sendo um menor (nascido a 30-4-1993) – dco.2;
- A vida conjugal entre A. e R., em Janeiro de 2009, começou a deteriorar-se, tendo o R. começado a ser agressivo para a A., concretamente, em 17-1-2009 foi vítima de maus tratos infringidos pelo R.
- Também, em 25-3-2009, no seu local de trabalho, o R agrediu a A dando-lhe duas bofetadas;
- E, em 2-4-2009, o R usando da força física tentou obrigar a A manter relações sexuais;
- Todas estas agressões foram denunciadas ás autoridades correndo o processo os seus termos com o nº 43/09.9PASXL da 1ª secção do MºPº;
- A A. não se sente amada e sente-se humilhada e violentada;
- O R. violou os deveres de respeito, cooperação, assistência e fidelidade;
- E neste contexto, a A. não mais quer manter um casamento com uma pessoa que se tornou um agressor para ela;
Conclui requerendo o divórcio sem o consentimento do outro cônjuge, nos termos dos artºs 1785º, 1773º nº3, 1781º d) e 1789º nº2, todos do CC.
Foi designada data para a realização da Tentativa de Conciliação a que alude o artº 1407º, do Código de Processo Civil, à qual o R. compareceu.
Devidamente notificado para o efeito, o R. não deduziu contestação.
Foi efectuada Audiência de Julgamento, com o cumprimento das formalidades legais.
Foi publicado o despacho que decidiu sobre a matéria de facto controvertida, o qual não foi objecto de qualquer reclamação.
E, de seguida, foi proferida a seguinte sentença - parte decisória:
“-…-
DECISÃO
- Nestes termos, julgo improcedente, por não provado, o pedido formulado pela A..
- Custas a cargo da A..
-…-”
Desta sentença veio a A. recorrer, recurso esse que foi admitido como sendo de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito suspensivo.
E fundamentou o respectivo recurso, alegando em resumo que:
- A recorrente entende que a prova do facto de que no dia 25-3-2009, no seu local de trabalho, o R. desferiu duas bofetadas na A. é por si só, bastante para que o tribunal a quo decretasse o divórcio;
- E que os factos não provados e até ilícitos por perpetrados “entre duas paredes” são de difícil prova;
- A A., desde Janeiro de 2009 que é vítima de violência doméstica e o R. está criminalmente acusado do crime de violência doméstica;
- O simples facto da A. intentar acção de divórcio demonstra, só por si, o propósito de não reatamento da sociedade conjugal;
- Também o facto do R. não ter contestado a acção, pode ter implícito o propósito de não restabelecer a vida em comum;
Nestes termos, reitera o pedido de que o Tribunal decrete o divórcio entre ambos e a consequente dissolução do respectivo casamento.
- Não houve contra-alegações.
#
- Foram colhidos os necessários vistos junto dos Exmos. Adjuntos.
#
APRECIANDO E DECIDINDO
Thema decidendum:
Em função das conclusões do recurso, temos que;
- A Autora/A. e recorrente entende que os factos assentes são suficientes para que seja decretado o divórcio entre si e o Réu/R..
#
- Apuraram-se os seguintes FACTOS:
- A A. e o R. casaram um com o outro no dia 28 de Fevereiro de 1981, sem convenção antenupcial.
- Desse casamento, nasceram dois filhos, sendo um menor, C , nascido a 30 de Abril de 1993.
- No dia 25 de Março de 2009, no seu local de trabalho, o R. desferiu duas bofetadas na A..
#
- O DIREITO
Segundo a recorrente/A., “a prova de que no dia 25-3-2009, no seu local de trabalho, o R. desferiu duas bofetadas na A. é por si só, bastante para que o tribunal a quo decretasse o divórcio”.
Sabemos que o casamento se baseia na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges – artº 1671º do CC.
E o artº 1672º do CC enuncia esses deveres e estabelece que, “os cônjuges estão reciprocamente vinculados por deveres de respeito, coabitação, cooperação e assistência”.
O divórcio sem o consentimento de um dos cônjuges é requerido no tribunal por um dos cônjuges contra o outro, com algum dos fundamentos previstos no artº 1781º do CC (redacção dada pela Lei 61/2008, de 31-10).
O artº 1781º do CC sob o título “ruptura do casamento” dispõe que:
São fundamentos do divórcio sem o consentimento de um dos cônjuges:
a) A separação de facto por uma não consecutivo;
b) A alteração das faculdades mentais de outro cônjuge, quando dure há mais dum ano e, pela sua gravidade, comprometa a possibilidade de vida em comum;
c) A ausência, sem que do ausente haja notícias, por tempo não inferior a um ano;
d) Quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do casamento
Provou-se que:
- No dia 25-3-2009 no seu local de trabalho, o R. desferiu duas bofetadas na A..
Face aos factos apurados, o fundamento a ponderar é o previsto na d) do citado artº 1781º do CC.
Na sentença recorrida escreveu-se a esse propósito, o que se segue:
“No caso sub judice, apurou-se que, no dia 25 de Março de 2009, no seu local de trabalho, o R. desferiu duas bofetadas na A..
Ora, tendo-se apurado tão-somente este facto, completamente descontextualizado, sem se saber porque aconteceu e como têm decorrido as relações do casal desde então, não podemos concluir, sem dúvidas, pela ruptura definitiva deste casamento.”
- Quid juris?
O dever de respeito tem um carácter abrangente e quer significar a consideração que cada um dos cônjuges deve ter pelas liberdades individuais do outro, bem como pela sua integridade física e moral.
A gravidade ou reiteração duma conduta tem a ver com a sua ilicitude mas também se exige que o A., in casu, a A. faça prova do requisito culpa.
Se em regra e particularmente os deveres de coabitação, cooperação e assistência exigem um circunstancialismo fáctico concretizador da culpa do cônjuge incumpridor, desde logo, porque pode haver razões objectivas que justifiquem a quebra desses deveres (por exemplo quanto aos dois últimos, uma situação de desemprego), o mesmo já pensamos não ser necessário quando o facto(s) fundamento(s) do divórcio em si mesmo tem um inequívoco juízo de censurabilidade.
Senão vejamos.
Desferir uma bofetada à A. no seu local de trabalho constitui não só uma acção desconforme em relação à lei (ilicitude da conduta) com também uma conduta censurável do R. (culpa).
A culpa pressupõe o livre arbítrio do indivíduo (o poder optar ou não pelo comportamento normal) e provado o facto desviante e grave, competia sim ao R. fazer a prova de eventuais causas de exclusão quer da ilicitude quer da sua culpa, o que não aconteceu.
Acresce que, tais factos foram directamente presenciados pela testemunha inquirida sobre os mesmos na Audiência de Discussão e Julgamento, o que “amplia” a gravidade da violação do dever de respeito em apreço – vide, fundamentação das respostas à matéria de facto dada pelo Tribunal recorrido (fls.32).
Como vimos, a gravidade do acto, mesmo que não repetido, justifica a ruptura do casamento, se assim o quiser como quis, o cônjuge ofendido para preservar um direito fundamental como é o direito à sua integridade física, direito de personalidade que se sobrepõe ao instituto do casamento de natureza contratualartº 70º do CC e artº 1577º do CC.
Pelo que fica dito, deve a apelação ser atendida e revogada a sentença recorrida.


DECISÃO
- Assim e pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Relação acordam em julgar procedente o recurso e com o fundamento acima explicitado (artº 1781º d) do CC) decretam o divórcio entre a Autora/A. e o Réu/R. e a consequente dissolução do respectivo casamento (artºs 1788º e 1789º do CC)
- Custas da acção e da apelação pelo R..
- Notifique e cumpra o artº 78º do CRC.

Lisboa, 22 de Novembro de 2011

Afonso Henrique C. Ferreira
Maria do Rosário Barbosa
Rui Torres Vouga (votou vencido) *

(*) Votei vencido por considerar que o mero facto de um dos cônjuges agredir o outro no respectivo local de trabalho, desacompanhado da prova de que não se tratou dum acto isolado ou de que a agressão foi presenciada por outras pessoas e teve repercussões e ressonância pública, não é, por si só, suficiente para demonstrar a ruptura do casamento , como exige a actual alínea d) do artº 1781º, do Cód. Civil . ( Basta pensar no conhecido exemplo dos actores Richard Burton e Lisa Taylor, que discutiram publicamente e se agrediram mutuamente em hotéis e, contudo, continuavam a amar-se profundamente, tendo-se mesmo casado duas vezes) .