Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10981/19.5T8LSB.L1-6
Relator: ANA DE AZEREDO COELHO
Descritores: MAIOR ACOMPANHADO
REGIME JURÍDICO DO MAIOR ACOMPANHADO
SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL
INCIDENTE DE INTERVENÇÃO PRINCIPAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/06/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I) A admissibilidade de apelação autónoma não se estende a todas as vicissitudes que possam surgir quanto à produção de prova, mas apenas às decisões que efectivamente rejeitem ou admitam meios de prova.
II) A intervenção principal espontânea pressupõe a similitude de interesse entre o interveniente e a parte a que se associa. Em acção de acompanhamento de maior é inadmissível incidente de intervenção principal.
III) O interesse do Beneficiário está centrado na definição judicial de medidas de acompanhamento que lhe possibilitem o exercício dos seus direitos ou o cumprimento dos seus deveres, quando tal lhe seja difícil ou impossível por razões de saúde, deficiência ou comportamento.
IV) O novo regime aproxima a acção especial de acompanhamento de maior de um típico processo de partes, podendo discernir-se o Beneficiário e o Ministério Público como partes principais.
V) O Beneficiário tem legitimidade activa para a instauração do processo, admitindo o legislador a sua substituição processual convencional ou por meio de incidente de suprimento judicial de autorização.
VI) O regime de substituição processual determina que o Beneficiário possa ser substituído na introdução do feito em juízo por aquelas pessoas que presumidamente melhor cuidam de velar pelos seus interesses, a quem tenha dado autorização ou que peçam ao tribunal suprimento dessa autorização: o cônjuge, o unido de facto ou qualquer parente sucessível.
VII) Dada a natureza do interesse do Beneficiário, estritamente ligada à sua concreta pessoa e circunstâncias, não pode considerar-se que terceiro tenha interesse similar ao seu, não podendo ser deferido incidente de intervenção principal com este fundamento.
VIII) A substituição processual não se funda num interesse do substituto mas no interesse próprio do beneficiário que pela substituição é prosseguido, pelo que não pode fundar-se o incidente de intervenção principal em interesse de terceiro idêntico ao do substituto; satisfeito o interesse do Beneficiário mediante a instauração da acção encontra-se satisfeito o único interesse relevante.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM na 6ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I) RELATÓRIO
M.M.(…), com os sinais dos autos, veio instaurar a presente acção especial para acompanhamento de maior em que é beneficiária M.P.C.(….), também com os sinais dos autos, pedindo seja decretado o acompanhamento da Beneficiária, com representação geral e administração geral de bens, e com nomeação como acompanhante de J.S.(…) igualmente identificado.
Foi proferido despacho de aperfeiçoamento da petição, para formulação do necessário pedido de suprimento de consentimento da Beneficiária, tendo a Requerente apresentado nova petição aperfeiçoada.
Foi proferido despacho que julgou verificada situação de incapacidade de facto da Beneficiária e nomeou o acompanhante indicado como curador. Tem esse despacho o seguinte teor:
(…) Ora, em face da documentação junta (fls. 24 a 34) resulta que a Beneficiária nasceu no dia 31.03.1931, tendo atualmente 88 anos, e que apresenta um quadro de deterioração cognitiva de evolução compatível com o diagnóstico de doença de Alzheimer, estando totalmente dependente de terceiros para a sua atividade diária, sendo portadora de um grau de incapacidade de 92%. Nessa medida, atenta a idade da beneficiária, bem as caraterísticas da doença de Alzheimer, entende-se que se encontra demonstrada a incapacidade da beneficiária, nos termos do disposto no art. 234º do CPC, o que se declara.
Em face do acima decidido, determina-se a citação do Ministério Público e do primo da Beneficiária e indicado como Acompanhante, JS.(..), identificado no art. 31º do requerimento inicial aperfeiçoado, nos termos e para os efeitos do arts. 1001º, nº1 e nº2 do CPC.
Foi suprido o consentimento da Beneficiária para a propositura da acção.
A Requerente e o Curador nomeado apresentaram requerimento indicando situação de urgência quanto a acesso à prestação de cuidados à Beneficiária, alegadamente vedado pelo seu sobrinho F.., invocando a omissão de cuidados de saúde e a total dependência da Beneficiária, em razão de demência e debilidade física.
O Tribunal solicitou ao INML exame pericial à Beneficiária e indicação do perito indicado, tendo o IML indicado a entidade LEGISMENTE - PSIQUIATRIA E PSICOLOGIA FORENSE, LDA, nos termos dos n.ºs 2 e 4, do artigo 2.º, da Lei 45/2004, de 19 de Agosto, a qual indicou a perita.
O Tribunal designou data para a audição da Beneficiária, tendo na mesma comparecido a perita indicada, conforme auto de audição de 2 de Dezembro de 2019, refª 392396431.
Pela Ex.ma Senhora Juiz, no acto da audição, foi solicitada a realização imediata de informação médica sobre o estado de saúde da Beneficiária, em face das notícias havidas na diligência quanto a não toma de medicação e a dificuldades na alimentação da Beneficiária, pronunciando-se a Perita pela necessidade de a Beneficiária ser enviada ao Serviço de Urgência (Hospital de Santa Maria) onde possa ser avaliada e, posteriormente, prestados os cuidados médicos urgentes e necessários para a subsistência da doente e, posteriormente encaminhamento Social da situação para instituição especializada com cuidados permanentes (24horas) a terceira pessoa.
Na sequência da audição, foi judicialmente determinada a aplicação de medidas provisórias, nos termos do disposto nos artigos 891.º, nº 2, do Código de Processo Civil, e 139.º, nº 2, do Código Civil, consistentes no encaminhamento da Beneficiária M.P.C.(…), ao serviço de urgência do Hospital de Santa Maria e eventual internamento, por forma a ser efetuada uma avaliação clinica do seu estado de saúde e serem-lhe prestados os cuidados médicos e medicamentosos de que carece, conforme médica e clinicamente aconselhado.
Mais foi decidido nomear como acompanhante provisório à Beneficiária, o seu primo J S(…), conferindo-lhe poderes para diligenciar pelo acompanhamento da Beneficiária ao referido serviço de urgência, no prazo máximo de 2 dias, e bem assim, os poderes para contactar as autoridades policiais com vista à concretização de tal encaminhamento, caso se mostre necessário, atendendo à existência de processos de natureza criminal e os factos articulados no requerimento inicial.
Na execução da medida de encaminhamento, o Recorrente opôs-se à condução da Beneficiária à instituição hospitalar, invocando ser representante dela, do que foi dada nota pela autoridade policial chamada à residência da Beneficiária pelo acompanhante provisório, não se tendo realizado a diligência face àquela invocação de representação.
O Tribunal julgou irrelevante a procuração exibida para obstar à realização do encaminhamento, o qual veio a ocorrer em momento ulterior.
O Recorrente veio requerer que o Tribunal procedesse à devida CITAÇÃO legal da Requerida/Acompanhada, para que esta se possa pronunciar e apresentar toda a prova relativa ao que supra ficou alegado, e que fosse proferido Despacho URGENTE, oficiando para que o declarado “Acompanhante”, o INEM e sempre com a PSP, zelem pelo imediato regresso da Requerida a casa - uma vez que no despacho anterior o Tribunal não teve esse cuidado - sob pena de que, caso tal não seja efectuado pelo “Acompanhante”, será contra o mesmo apresentada a devida Queixa Crime por Sequestro.
Alegou quanto a tal, em síntese que a Beneficiária o havia mandatado com plenos poderes de gestão, incluindo forenses, o que fez, como seu marido, para se prevenirem na sua velhice, de forma a terem quem deles cuidasse quando e se fosse necessário, escolhendo para tal o seu sobrinho, F…, ora signatário, único familiar com quem tinham contacto e mantinham relações próximas.
Mas alega que tem cumprido tal encargo, descrevendo o modo como o tem feito, pelo que a Requerida encontrava-se a ser devidamente cuidada, ATÉ AO DIA DE HOJE, em que foi desnecessariamente “arrastada” pela Policia, pelo INEM e por um declarado “Acompanhante”, para as urgências do Hospital de Santa Maria, a mando do Tribunal, Sem que tenha havido cuidado de a CITAREM previamente do presente processo, para que se pudesse pronunciar e apresentar a sua oposição - o que desde logo constitui uma NULIDADE processual que desde já se invoca.
Alega ainda que, para além da procuração, a Beneficiária e o seu falecido marido declararam expressamente, por escrito, quem pretendiam que assumisse os seus cuidados em caso de necessidade, sendo mais uma vez escolhido o ora signatário, bem como outros amigos e funcionários de longa data, mas NUNCA a aqui Requerente ou o declarado Acompanhante.
Defende também que a Beneficiária não pretendeu nunca, nem pretende sujeitar-se a este tipo de processo e muito menos requerido por quem entende não ter qualquer legitimidade para o efeito, com quem nunca teve qualquer relacionamento e que não tem qualquer interesse real pela sua saúde, sendo o seu interesse exclusivamente material.
Invocou ainda a nulidade da citação alegando quanto a tal como segue:
[A Beneficiária tem] (…) Mandatário constituído com poderes de representação - com Procuração já junta aos autos -, o que se pode considerar ter sido feito desde logo de acordo com o art 156º do Código Civil.
2. O Tribunal foi desde logo informado pelos Requerentes, na petição inicial, que a Requerida se encontrava acompanhada e que teria mandatário, identificando o mesmo.
3. O Mandatário da Requerida, logo que se apercebeu da pendência do presente processo e no primeiro requerimento que juntou aos autos, requereu a sua intervenção nos mesmos, bem como a respectiva CITAÇÃO da Requerida ou do próprio, acto que nunca foi praticado, tendo tal omissão sido desde logo invocada.
4. Contudo, não foi tão pouco proferido qualquer despacho sobre esta questão, vedando-se inclusive dessa forma o direito ao eventual recurso judicial.
5. Verifica-se assim a NULIDADE de tudo o processado depois da petição inicial por falta de Citação da Requerida, com Mandatário constituído, nos termos dos arts. 187º e seguintes, 895º e 1001º, nº 1 e 2, do CPC;
6. Não tendo sido sequer cumprido o disposto nos arts 234º ou 1014º, nº 2, do CPC.
7. Nem foi também dada a devida publicidade ao inicio do processo, nos termos dos arts 153º do Código Civil e 893º do CPC, sendo que a Requerida tem outros familiares eventualmente interessados.
8. Foi, desta forma, vedada à Requerida, através do seu Mandatário constituído, o Direito de Resposta, nos termos do art 896º do CPC, em clara violação do Princípio da Igualdade e do Contraditório, conforme disposto nos arts. 3º e 4º do CPC.
9. Nestes termos, a Requerida ou o seu Mandatário constituído não foram devidamente Citados do presente processo, o que constitui uma NULIDADE que se vem arguir, nos termos dos arts 187º, 895º e 1001º, nº 1 e 2, do CPC, para os devidos efeitos legais e que invalida tudo o processado depois da petição inicial, que como tal deverá ser desconsiderado e desentranhado dos autos, por padecer de omissão de actos e formalidades que a lei prescreve e cuja irregularidade pode influir na decisão da causa, contendendo com os princípios da igualdade e do contraditório, com a aquisição processual de factos e com a admissibilidade de meios probatórios.
O Recorrente veio requerer fosse declarado NULO o Exame Pericial e o respectivo “Relatório Pericial Psiquiátrico de M P.C”, que como tal deverá ser desconsiderado e desentranhado dos autos, por padecer de omissões de actos e formalidade que a lei prescreve e cujas irregularidades podem influir na decisão da causa, contendendo com os princípios da igualdade e do contraditório, com a aquisição processual de factos e com a admissibilidade de meios probatórios.
Por último, o Recorrente pediu a sua intervenção principal nos autos, alegando, em síntese:
F…, sobrinho e mandatário da Requerida, …s, tendo sido por esta declarado expressamente como seu eventual/pretenso cuidador, vem requerer a VExa que aceite a sua respectiva Intervenção Principal no processo judicial supra identificado, requerendo para o efeito que seja devidamente CITADO pelo Tribunal da petição apresentada e demais documentação eventualmente junta aos autos pelos Requerentes, de forma a poder pronunciar-se sobre o presente processo, o que faz igualmente - conforme já alegado - em nome da Requerida, e apresentar a sua prova.
O Ministério Público e a Requerente pronunciaram-se pela ausência de fundamento dos requerimentos do Recorrente.
Foi proferido despacho (em 23 de Abril de 2020, ref.ª 395772313) com o seguinte teor:
I. Na sequência do cumprimento das decisões proferidas em 06.12.2019 e em 13.12.2019, o Dr. F… apresentou requerimentos, via email e fax, em 19.12.2019 e em 23.12.2019, em que alegou que a Beneficiária passou uma procuração ao requerente a conferir-lhe poderes de gestão, incluindo poderes forenses, tal como o seu falecido marido, além de poderes para cuidar deles na sua velhice, por ser o único familiar com quem tinham contacto e mantinham relações.
Após o falecimento do marido da requerida, o requerente alega que tem cuidado dela, prestando-lhe todos os cuidados médicos necessários e assegurando que a mesma se encontra acompanhada por médicos e enfermeiras. Entende assim que não havia fundamento para que a requerida tivesse sido levada para o hospital e requer que seja efetuada a necessária citação, invocando a nulidade processual decorrente da ausência de citação.
Invoca ainda que se encontra pendente uma queixa crime, contra a requerente desta ação e Acompanhante Provisório, por injúrias e ofensas à integridade física para com o requerente. Refere também que junta procuração.
Notificada para se pronunciar, a requerente da ação alegou que não foi junta qualquer procuração forense conforme indicado nos requerimentos apresentados.
Por outro lado, a procuração que consta do processo data de Março de 2019, ou seja, é posterior ao falecimento do outorgante A…. (ocorrido em 28.03.2019). Essa procuração é ainda posterior ao atestado médico de incapacidade multiuso de 24.10.2018 que fixou um grau de incapacidade à Beneficiária de 92%, definitiva desde Janeiro de 2018, bem como da declaração médica de 09.05.2018 que refere que a Beneficiária padece de doença provável de Alzheimer. Entende assim que a mencionada procuração não produz qualquer efeito.
Sobre a necessidade de cuidados médicos, a requerente remete para o teor da decisão proferida nos autos.
Por sua vez, o Ministério Público pronunciou-se no sentido do requerente … ser notificado para identificar os médicos e enfermeira que cuidavam da Beneficiária, e ainda que se solicitasse o envio do relatório pericial e ficha clinica da Beneficiária ao Hospital de Santa Maria.
Por despacho de 06.01.2020 foi determinado que fossem solicitados os elementos indicados na promoção do Ministério Público, os quais foram juntos ao processo.
Na sequência daquele despacho, o Dr. F… apresentou requerimento de 15.01.2020, em que veio requerer a sua intervenção principal e solicitar a sua citação por forma a poder pronunciar-se sobre o processo.
Posteriormente, por requerimento datado de 29.01.2020, veio apresentar os documentos conforme decidido no despacho de 06.01.2020.
Por sua vez, por requerimento de 05.02.2020, o Dr. F.. veio requerer produção de prova, entendendo que não se justifica a aplicação de qualquer medida de acompanhamento. Mas caso se entenda em sentido contrário, requer a sua nomeação como Acompanhante da Beneficiária, tendo indicado os membros que deverão compor o conselho de família.
Ouvido o Ministério Público, este pronunciou-se nos termos do requerimento apresentado em 04.03.2020, concluindo pelo indeferimento do requerido quanto à citação. Sobre as medidas de acompanhamento, entendeu que apesar de já estar junto aos autos o relatório pericial, mostra-se essencial a inquirição dos profissionais de saúde que trataram da Beneficiária.
Apreciando.
No que respeita ao pedido de intervenção formulado pelo Dr. F…, entende-se que o mesmo não é admissível neste tipo de processos, atenta a sua natureza e os interesses em causa.
(…)
Raciocínio idêntico [ao da antiga interdição] será de aplicar ao regime do Maior Acompanhado instituído pela Lei nº 49/2018 de 14.08, cuja finalidade é assegurar o bem-estar, a recuperação e o pleno exercício dos direitos e deveres do maior que se encontra numa situação de impossibilidade, por razões de saúde, deficiência ou em consequência do seu comportamento. Entende-se assim que o requerente não tem um interesse igual à requerente, nem ao Ministério Público e, em consequência, decide-se indeferir a requerida intervenção de terceiros.
(…)
Quanto à validade da procuração apresentada pelo Dr. F…. para representar a Beneficiária, há que atender que foram apresentadas duas procurações. Uma datada de Março de 2019, subscrita pela Beneficiária e pelo seu marido e que foi exibida às forças policiais que acompanharam a Beneficiária ao hospital, e outra procuração datada de 20.07.2017, apenas assinada pela Beneficiária, apresentada com o requerimento de 29.01.2020.
Da análise dos dois documentos, resulta desde logo que as assinaturas não se assemelham. Por outro lado, considerando que o atestado de atestado médico de incapacidade multiuso de 24.10.2018 que fixou um grau de incapacidade à Beneficiária de 92%, definitiva desde Janeiro de 2018, não se pode considerar válida a procuração datada de Março de 2017.
De todo o modo, nem a procuração datada de Julho de 2017, nem a datada de Março de 2019, conferem ao Dr. F…os poderes representativos em matéria de cuidados de saúde, para que este possa exercer os mesmos, no caso da Mandante, a aqui Beneficiária, se encontre incapaz de expressar de forma pessoal e autónoma a sua vontade, tal como estabelece o art. 12º da Lei nº 25/2012 de 16.07. Da mesma forma, também não há noticia da Beneficiária ter efetuado Testamento Vital.
Por outro lado, há que salientar que foi proferida decisão de suprimento do consentimento, tendo sido citado o Ministério Público, o qual assegura a representação da Beneficiária nestes autos, bem como a legalidade das decisões.
Nestes termos e com estes fundamentos, entende-se que o Dr. F… não tem qualquer legitimidade para intervir nestes autos, em representação da Beneficiária ,..s, o que se declara.
II. Em face do acima decidido, declara-se que não serão apreciados os requerimentos apresentados pelo Dr. F… apresentados em 05.02.2020 (em que requerer a nulidade da citação e também a produção de prova), nem os requerimentos de 09.03.2020 (em que requerer a nulidade do exame pericial e relatório pericial psiquiátrico, além da nulidade do processo por falta de citação).
(…).
Deste despacho vem interposto o presente recurso e, tendo alegado, o Recorrente concluiu como segue as suas alegações:
1. O Recorrente, Mandatário, com poderes de representação, constituído pela Requerida não se pode conformar com o Despacho proferido pelo Tribunal de 1ª instância que decidiu:
I) o indeferimento do pedido de intervenção formulado pelo representante legal/mandatário da Beneficiária;
II) a sua ilegitimidade para intervir nos autos, em representação da Beneficiária/Acompanhada; e
III) a não apreciação dos requerimentos apresentados pelo representante legal/mandatário da Beneficiária, nomeadamente: 1) para Produção de Prova; 2) Arguição da Nulidade do Processo por Falta de Citação; e 3) Impugnação e Arguição das Nulidades do “Relatório Pericial Psiquiátrico”;
2. Decisões que, para além de nulas por falta da devida fundamentação, padecem de erro no julgamento e apreciação dos factos e da prova produzida; e padecem igualmente de erro na interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis, nomeadamente, as constantes dos artigos 3º e 4º, 187º e seguintes, 195º e seguintes, 234º, 249º, nºs 1 e 5, 476º, nº 1, 477º, 478º, 479º, 480º, nºs 3 e 4, 484º, nº 1, 485º, nº 1, 607º, nºs 3 e 4, e 615º, nº 1, alíneas b), c) e d), 893º, 895º, 896º e 1001º, nº 1 e 2, e 1014º, nº 2, do Código de Processo Civil; dos artigos 141º, nº 1, 143º, nº 1 e 2, 153º, 156º, nºs 1 e 3, 257º, 1159º, nº 2, do Código Civil; e ainda dos artigos 2º, nº 1, 5º, nºs 1 e 5, 21º, nº 1, 22º e 24º da Lei nº 45/2004, de 19 de Agosto; das normas 3 e ponto B) da Norma Procedimental-020 do Instituto de Medicina Legal; do art. 28º do Código Penal e das normas da Lei nº 12/2005, de 26 de Janeiro.
3. Com efeito, um Despacho como o ora recorrido está sujeito a requisitos legais, nomeadamente do art. 607º, nºs 3 e 4, do CPC, requisitos esses que o Despacho proferido não cumpre ao não “discriminar os factos que considera provados” e ao não “indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes” que sustentem a sua decisão de rejeitar a procuração apresentada e a intervenção do ora Recorrente.
4. O Despacho não especifica “os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”, bem como, e consequentemente, ao padecer de uma “ambiguidade ou obscuridade” que torna “a decisão ininteligível”.
5. Acresce ainda que o Tribunal deixou de se pronunciar sobre questões que devia apreciar - nomeadamente, sobre a junção aos autos da Declaração da Requerida para cuidados de saúde -, tudo conforme o disposto nas alíneas b), c) e d) do nº 1 do art 615º do CPC.
6. Assim, o Despacho proferido e ora recorrido é desde logo NULO, nos termos dos arts 607º, nºs 3 e 4, e 615º, nº 1, alíneas b), c) e d), do Código de Processo Civil, por não indicar e aplicar normas jurídicas que sustentem a decisão, por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito, por insuficiente fundamentação, por padecer de obscuridade que torna a decisão ininteligível e por não apreciar e pronunciar sobre questões que devia apreciar, não tomando em consideração elementos de prova juntos aos autos, que nem sequer menciona.
7. Sem fundamentar, o Tribunal rejeita a validade das procurações, nomeadamente da datada de 20.07.2017 e isto sem sequer colocar directamente em crise a procuração.
8. Não é de todo razoável e justo desconsiderar-se a validade de uma procuração formalizada e devidamente assinada pela Beneficiária 15 meses (mais de um ano!!) antes da data do suposto atestado médico de incapacidade multiuso, de 24.10.2018, e 6 meses antes da data em que o atestado terá fixado uma incapacidade definitiva, o que, como é sabido, não deixa nunca de ser uma mera suposição relativa a uma evento passado e, como tal, desconhecido;
9. O referido “atestado médico de incapacidade multiuso” junto pela Requerente, foi já no presente processo impugnado por eventual falsidade - precisamente num dos requerimentos apresentados pelo Mandatário da Beneficiária e que foram agora rejeitados no Despacho ora recorrido.
10. O Tribunal não pode, sem mais, apreciar a existência de uma eventual incapacidade da Beneficiária no momento da assinatura de qualquer das procurações apresentadas, principalmente, numa procuração assinada e datada de Junho de 2017, num período da vida da Beneficiária relativamente ao qual não existe qualquer constrangimento conhecido quanto à sua capacidade para constituir mandato com representação.
11. Apenas se poderia aqui aplicar o regime da incapacidade acidental, que consta do art 257º do CC, e do qual, manifestamente, não se encontram preenchidos os respectivos requisitos.
12. O Tribunal, ao rejeitar apreciar os requerimentos de prova apresentados pelo ora Recorrente, desconsidera por completo, entre outros, o documento junto aos autos que consiste numa Declaração da Requerida para cuidados de saúde.
13. Ora, o art 143º, nº 1, do Código Civil (CC), na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 49/2018, de 14 de Agosto - Regime Jurídico do Maior Acompanhado (RJMA) - estabelece que: “O acompanhante, maior e no pleno exercício dos seus direitos, é escolhido pelo acompanhado ou pelo seu representante legal, sendo designado judicialmente.”
14. Com efeito, a Requerida/Acompanhada/Beneficiária constituiu legal e legitimamente o seu sobrinho - único familiar com quem mantinha relações próximas - e ora signatário, que acontece ser Advogado, como seu representante legal, conforme desde logo assumido pelos próprios Requerentes e conforme Procurações, com poderes gerais e especiais de representação, nomeadamente uma datada de 2017, junta aos presentes autos.
15. Para além de que, em tempo e de forma preventiva, designou expressamente o seu desejo, indicando por escrito as pessoas da sua confiança, com quem pretendia ficar ao cuidado, em caso de necessidade - conforme “Declaração” para cuidados de sáude, que se encontra junta aos autos.
16. Ou seja, nesta “Declaração”, mais uma vez, é indicado, o seu sobrinho e representante legal - ora Recorrente - como a pessoa de confiança e referência, aos cuidados de quem, em caso de necessidade, a Beneficiária pretendia ficar, tal como se estava a verificar desde o falecimento do seu marido, ocorrido no fim de Março de 2019 e até Dezembro de 2019.
17. Tal “Declaração” da Beneficiária assemelha-se em tudo a um Testamento Vital - embora não obedeça à sua forma legal, por falta de registo – e deverá ser considerado como elemento de prova.
18. Como tal, a Procuração que constitui o sobrinho como Mandatário deve ser interpretada e aplicada em conjunto com esta “Declaração” emitida pela Beneficiária, do que resultam expressamente que esta atribuí igualmente ao seu Mandatário os poderes representativos suficientes e necessários em matéria de cuidados de saúde, tal como este tem vindo a exercer desde o falecimento do marido da Beneficiária.
19. Conforme dispõe o art 1159º, nº 2, do Código Civil: “O mandato especial abrange, além dos actos nele referidos, todos os demais necessários à sua execução.”
20. Do que resultam os poderes representativos do ora Recorrente, também em matéria de cuidados de saúde - quando lhe são atribuídos poderes para representar a Beneficiária junto de qualquer hospital público ou privado, para além dos poderes enquanto cuidador informal.
21. Como era seu desejo, a Requerida/Acompanhada/Beneficiária encontrava-se, desde o internamento hospitalar do seu marido, aos cuidados do seu sobrinho e representante legal, com quem se encontrava a residir, tal como foi desde logo confessado pelos próprios Requerentes.
22. Com efeito, o nº 2 do art 143º do CC dispõe que: “Na falta de escolha, o acompanhamento é deferido, no respetivo processo, à pessoa cuja designação melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário, designadamente: (…) h) Ao mandatário a quem o acompanhado tenha conferido poderes de representação”.
23. A Beneficiária não tem cônjuge, unido de facto, qualquer dos pais, pessoa designada pelos pais ou por pessoa que exerça as responsabilidades parentais, filhos maiores, avós ou pessoa indicada por instituição em que estivesse integrada (porque estava em casa, onde sempre quis estar), conforme alíneas a) a g) do nº 2 do art 143º do CC; mas tem, efectivamente, “um mandatário a quem conferiu poderes de representação”.
24. Ou seja, a Beneficiária e o respectivo marido, não tendo filhos, preveniram-se para a inevitabilidade do avançar da idade, com as limitações que acarreta, e para a eventualidade da doença e, atempadamente, constituíram o seu sobrinho como Mandatário, atribuindo-lhe poderes de representação gerais e especiais, mediante Procuração, nos termos do art 156º do CC (de epígrafe: “Mandato com vista a acompanhamento”), segundo o qual: “1-O maior pode, prevenindo uma eventual necessidade de acompanhamento, celebrar um mandato para a gestão dos seus interesses, com ou sem poderes de representação.”
25. Para além de o terem indicado (ao aqui Recorrente) - na referida “Declaração” - como pessoa de referência para prestação de cuidados de saúde.
26. É assim aqui de aplicar o estabelecido no art 156º, nº 3, do CC: “No momento em que é decretado o acompanhamento, o tribunal aproveita o mandato, no todo ou em parte, e tem-no em conta na definição do âmbito da proteção e na designação do acompanhante.”
27. Conforme estabelece o artigo 249, nºs 1 e 5, do CPC, as decisões finais só têm que ser notificadas às partes que não constituíram mandatário;
28. Sendo que, se a beneficiária constituiu mandatário, este tem, obrigatoriamente, de ser notificado de todos os actos praticados no processo, o que “in casu” não sucedeu.
29. Acresce ainda que a Requerente, MM.., para além de não ter legitimidade para requerer o acompanhamento, dado não ser parente sucessível (cfr. o art 141º, nº 1, CC), até já demonstrou não ser “pessoa idónea” - ao atacar e agredir barbaramente e à dentada o mandatário da Beneficiária, com o intuito de obter as chaves de acesso e ficar com a posse da casa onde a Beneficiária residia e de lá expulsar o seu Mandatário - conforme Fotos das lesões perpetuadas, Queixa Crime apresentada, Relatórios Médicos e Declarações das testemunhas – tudo documentos probatórios que se encontram junto aos presentes autos e que o Tribunal, através do Despacho ora recorrido, pretende simplesmente rejeitar.
30. Factos e provas que o Tribunal não deveria, de forma alguma, deixar de apreciar, mas que se prepara para menosprezar, ao rejeitar a apreciação dos requerimentos apresentados pelo ora Recorrente - onde constam igualmente os documentos probatórios relativos a todos os cuidados de saúde que a Beneficiária se encontrava a receber, ao cuidado do seu Mandatário constituído, sobrinho e ora Recorrente, nomeadamente: consultas, prescrição nutricional e de exames, resultados de exames, etc..
31. Assim sendo, não há qualquer fundamento legal ou outro para o Tribunal ter decidido, no Despacho de que ora se recorre: I) indeferir o pedido de intervenção processual formulado pelo representante legal/mandatário da Beneficiária; II) ter declarado a ilegitimidade do representante legal/mandatário da Beneficiária para intervir nos autos em representação da Beneficiária/Acompanhada; e ter III) rejeitado a apreciação dos diversos requerimentos apresentados pelo representante legal/mandatário da Beneficiária, nomeadamente: a) para Produção de Prova, b) Arguição da Nulidade do Processo por Falta de Citação e c) Impugnação e Arguição das Nulidades do “Relatório Pericial Psiquiátrico”.
32. O Despacho ora recorrido decidiu também, erradamente, não apreciar os requerimentos apresentados pelo representante legal/mandatário da Beneficiária, nomeadamente: 1) para Produção de Prova; 2) Arguição da Nulidade do Processo por Falta de Citação; e 3) Impugnação e Arguição das Nulidades do “Relatório Pericial Psiquiátrico”.
33. Ora, ao abrigo dos artigos 195º e seguintes do Código de Processo Civil (CPC), o ora Recorrente arguiu a NULIDADE do Processo por Falta de Citação;
34. Uma vez que a Requerida tem Mandatário constituído com poderes de representação - com Procuração já junta aos autos, que, por sinal, até é anterior à data da alegada doença daquela -, o que se pode considerar ter sido feito desde logo de acordo com o art 156º do Código Civil.
35. O Tribunal foi desde logo informado pelos Requerentes, na petição inicial, que a Requerida se encontrava acompanhada e que teria mandatário, identificando o mesmo.
36. O Mandatário da Requerida, logo que se apercebeu da pendência do presente processo e no primeiro requerimento que juntou aos autos, requereu a sua intervenção nos mesmos, bem como a respectiva CITAÇÃO da Requerida ou do próprio, acto que nunca foi praticado, tendo tal omissão sido desde logo invocada.
37. Verifica-se assim a NULIDADE de tudo o processado depois da petição inicial por falta de Citação da Requerida, com Mandatário constituído, nos termos dos arts. 187º e seguintes, 895º e 1001º, nº 1 e 2, do CPC, não tendo sido sequer cumprido o disposto nos arts 234º ou 1014º, nº 2, do CPC.
38. Nem foi também dada a devida publicidade ao inicio do processo, nos termos dos arts 153º do Código Civil e 893º do CPC, sendo que a Requerida tem outros familiares eventualmente interessados.
39. Foi vedada à Requerida, através do seu Mandatário constituído, o Direito de Resposta, nos termos do art 896º do CPC, em clara violação do Princípio da Igualdade e do Contraditório, conforme disposto nos arts. 3º e 4º do CPC.
40. Conforme estabelece o artigo 249, nºs 1 e 5, do CPC, as decisões só têm que ser notificadas às partes que não constituíram mandatário; Sendo que, se a beneficiária constituiu mandatário, este tem, obrigatoriamente, de ser notificado de todos os actos praticados no presente processo, o que no presente processo não sucedeu.
41. Nos termos dos artigos 195º e seguintes do Código de Processo Civil (CPC), o ora Recorrente veio impugnar e arguir as NULIDADES do Exame Pericial e do respectivo “Relatório Pericial Psiquiátrico” da Requerida, que foi junto aos autos, sem que tenha sido devidamente notificado.
42. A Requerida tem Mandatário constituído com poderes de representação - com Procuração já junta aos autos -, o que se pode considerar ter sido feito desde logo de acordo com o art 156º do Código Civil.
43. A Requerida ou o seu Mandatário não foram notificados do Despacho judicial que ordenou a realização da perícia, nem tão pouco foram notificados da data para a realização do exame pericial, em violação do disposto no art. 478º do CPC.
44. O Mandatário da Requerida não foi ouvido sobre o objecto proposto para a perícia, não lhe tendo sido facultado o direito previsto no art 476º, nº 1, do CPC, que foi desta forma violado, bem como o art 477º do CPC.
45. O Mandatário constituído pela Requerida não foi notificado do relatório pericial apresentado, em violação do art. 485º, nº 1, do CPC.
46. Foi, desta forma, vedada à Requerida, através do seu Mandatário constituído, o Direito de Resposta, nos termos do art 896º do CPC, em clara violação do Princípio da Igualdade e do Contraditório, conforme disposto nos arts. 3º e 4º do CPC.
47. Por falta de notificação, não foi conferido ao Mandatário da Requerida o direito de poder estar presente e assistir ao exame, de se fazer acompanhar por assessor técnico ou de fazer ao perito as observações que entendesse, em violação do art 480º, nºs 3 e 4, do CPC.
48. O exame pericial e respectivo relatório violam assim o Direito ao Contraditório, não se encontrando assegurada a imparcialidade do perito, face até à presença, em exclusivo, dos Requerentes.
49. A examinada não se encontrava acompanhado de pessoa da sua confiança para a realização do exame pericial, que seria o respectivo Mandatário constituído.
50. A perícia foi realizado por suposta perita de entidade privada, que não prestou o necessário “compromisso de cumprimento consciente da função”, em violação do art. 479º do CPC.
51. A suposta perita que elaborou e assinou o Relatório não se encontrava especifica e formalmente designada pelos dirigentes ou coordenadores dos serviços do Instituto Nacional de Medicina Legal, em violação do art. 5º, nº 1, da Lei nº 45/2004;
52. Nem a perita foi formalmente nomeada pela entidade judiciária competente.
53. A suposta perita que realizou o exame não apresenta qualquer comprovativo de que seja efectivamente médica perita, contrariando o disposto no art 21º, nº 1, da Lei nº 45/2004, de 19 de Agosto.
54. Verifica-se a falsidade do auto de exame médico por constarem do seu conteúdo factos que não correspondem à verdade ou que não tem correspondência com a realidade que visam reproduzir, nomeadamente: O exame e relatório baseia-se desde logo em documentos que se encontram judicialmente impugnados por eventual falsidade e, como tal, não podem servir de fundamento ao exame realizado;
55. O relatório do exame baseia-se apenas em factos falsos e “informações” falsas e parciais, que foram todas trazidas ao processo apenas e só pelos Requerentes, com as intenções puramente materialistas já reveladas, influenciando negativamente a perita e o seu exame.
56. As suposta informações clínicas nas quais se baseia o relatório encontram-se impugnadas por eventual falsidade, verificando-se assim uma violação das regras de acesso à informação de saúde, previstas na Lei nº 12/2005, de 26 de Janeiro;
57. Bem como uma violação da reserva da intimidade da vida privada da examinanda, conforme constitucionalmente consagrado na Constituição da República Portuguesa.
58. Não é tecnicamente possível fazer este tipo de exame pericial incidindo sobre o suposto estado de saúde passado, avaliando o estado em que Requerida se encontrava há pelo menos 2 anos antes da data da realização do presente exame pericial e atribuir uma incapacidade permanente desde essa data;
59. Quando, na verdade, nem sequer o documento - atestado - em que a perita se baseia - aliás impugnado - concretiza qual a razão de ser da incapacidade atribuída, que não se devia a eventual Demência, nem a qualquer outra doença do foro psiquiátrico, mas sim à sua limitação motora/física e a doença do foro oncológico, felizmente entretanto debelada.
60. De resto, esta tentativa da perita de examinar o passado (início da incapacidade) é desde logo e facilmente contrariada pelo que consta do depoimento da testemunha …., e da própria testemunha/arguida …, no Processo crime nº 329/19.4PVLSB, cujos depoimentos se encontram junto aos presentes autos.
61. Desta forma, fica contrariada a avaliação feita no presente exame, não podendo aceitar-se a proposta para data de início da incapacidade absoluta da Requerida como sendo o ano de 2018, nem tal se encontra devidamente fundamentado - o que viola o art. 484º, nº 1, do CPC.
62. As conclusões apresentadas no exame não se encontram devidamente fundamentadas.
63. O exame pericial não foi realizado nas instalações dos serviços médico-legais do Instituto de Medicina Legal, em violação do art 22º da Lei nº 45/2004, de 19 de Agosto; nem sequer foi formalmente deferido a outro serviço especializado do Serviço Nacional de Saúde, em violação do art 24º da Lei nº 45/2004.
64. O relatório viola o nº 1 do artigo 2º da Lei nº 45/2004, de 19 de Agosto, que “Estabelece o regime jurídico das perícias médico-legais e forenses”, segundo o qual: “As per í cias mé dico-legais s ã o realizadas, obrigatoriamente, nas delegações e nos gabinetes médico-legais do Instituto Nacional de Medicina Legal, adiante designado por Instituto, nos termos dos respectivos estatutos.”
65. O relatório não respeita as normas, modelos e metodologias periciais em vigor no Instituto de Medicina Legal, bem como as recomendações decorrentes da supervisão técnico-científica dos respectivos serviços, em violação do art. 5º, nº 5, da Lei nº 45/2004.
66. O relatório não menciona os exames/procedimentos concretos realizados.
67. A perícia realizada não foi requerida, nem autorizada pelo examinando ou pelo seu representante legal - com procuração junta aos autos -, nem estes prestaram o necessário “consentimento informado” para os respectivos procedimentos, em violação das normas 3 e ponto B) da Norma Procedimental-020 do Instituto de Medicina Legal e do art. 28º do Código Penal.
68. Desta forma, verifica-se que o exame médico-legal foi realizado de forma ilegal e deficiente, bem como o respectivo relatório foi elaborado de forma pouco cuidada e rigorosa, contendendo diversas contradições com outros elementos de prova juntos aos autos, o que coloca em causa o valor médico-legal da perícia.
69. As supra referidas irregularidades inquinam de nulidade o exame e respectivo relatório pericial apresentado, podendo influir na decisão da causa e, com ele, todos os termos subsequentes do processo, importando a sua anulação.
70. Do exposto resulta que o Tribunal de 1ª Instância, ao proferir o Despacho ora recorrido, que recusa a intervenção e legitimidade do mandatário constituído pela Beneficiária e, consequentemente, os requerimentos e elementos de prova por este apresentados, está a contrariar frontal e directamente toda a Jurisprudência unânime sobre a matéria em causa, que atribuí grande relevância à representação voluntária dos Beneficiários, tal como decorre do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 4 de Fevereiro de 2020, Processo n.º 3974/17.9T8FNC.L1-7, do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11 de Dezembro de 2019, Processo n.º 5539/18.9T8FNC.L1-2, cujo Relator foi Jorge Leal; ou ainda, do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 13 de Janeiro de 2020, Processo n.º 3433/18.2T8MAI.P1.
71. O Despacho recorrido contraria ainda, entre outros, toda a Jurisprudência do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo n.º 13569/17.1T8PRT.P1, de 26-09-2019, cujo Relator foi Joaquim Correia Gomes; do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 28/11/2018, Processo: 1864/17.4T8LRA-A.C1, Relator: Maria Teresa Albuquerque; do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 13/05/2014, Processo: 200/11.8GTEVR.E1, Relator: João Gomes de Sousa; do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10/10/2016, Processo: 179/15.7Y3VNG.P1, Relator: Jerónimo Freitas; do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 12/12/2011, Processo: 589/10.6TTMAI.P1, Relator: Paula Leal de Carvalho; ou do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 03/06/2014, Processo: 1756/13.6T2AVR-A.C1, cujo Relator foi Jorge Arcanjo.
72. Não há manifestamente qualquer fundamento de direito ou de facto para o Tribunal indeferir a intervenção processual do representante legal/mandatário da Beneficiária, declarar a sua ilegitimidade para intervir nos autos em representação da Beneficiária/Acompanhada ou para rejeitar a apreciação dos requerimentos apresentados pelo representante legal/mandatário da Beneficiária, nomeadamente: a) para Produção de Prova, b) Arguição da Nulidade do Processo por Falta de Citação e c) Impugnação e Arguição das Nulidades do “Relatório Pericial Psiquiátrico”.
73. Decisões estas que, para além de nulas por falta da devida fundamentação, padecem de erro no julgamento e apreciação dos factos e da prova produzida; e padecem igualmente de erro na interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis, nomeadamente, as constantes dos artigos 3º e 4º, 187º e seguintes, 195º e seguintes, 234º, 249º, nºs 1 e 5, 476º, nº 1, 477º, 478º, 479º, 480º, nºs 3 e 4, 484º, nº 1, 485º, nº 1, 607º, nºs 3 e 4, e 615º, nº 1, alíneas b), c) e d), 893º, 895º, 896º e 1001º, nº 1 e 2, e 1014º, nº 2, todos do Código de Processo Civil; bem como dos artigos 141º, nº 1, 143º, nº 1 e 2, 153º, 156º, nºs 1 e 3, 257º, 1159º, nº 2, do Código Civil; e ainda dos artigos 2º, nº 1, 5º, nºs 1 e 5, 21º, nº 1, 22º e 24º da Lei nº 45/2004, de 19 de Agosto; das normas 3 e ponto B) da Norma Procedimental-020 do Instituto de Medicina Legal; do art. 28º do Código Penal; e das normas da Lei nº 12/2005, de 26 de Janeiro.
74. Nestes termos e nos melhores de Direito, deverá o presente recurso ser julgado procedente, I)- revogando-se as referidas decisões proferidas no Despacho ora recorrido e alterando-as por outra que admita a intervenção e legitimidade do Mandatário constituído pela Beneficiária - ora Recorrente - e, consequentemente, aceite os requerimentos e elementos de prova por este apresentados; II)- Deve ainda ser declarada a NULIDADE do presente processo por falta de Citação da Requerida/Beneficiária ou do seu Mandatário constituído, nos termos dos arts 187º, 895º e 1001º, nº 1 e 2, do CPC, invalidando tudo o processado depois da petição inicial, que deverá ser desconsiderado e desentranhado dos autos, por padecer de omissão de actos e formalidades que a lei prescreve e cuja irregularidade pode influir na decisão da causa, contendendo com os princípios da igualdade e do contraditório, com a aquisição processual de factos e com a admissibilidade de meios probatórios; III)- E deve igualmente julgar-se NULO o Exame Pericial e o respectivo “Relatório Pericial Psiquiátrico de M.P.C..”, que como tal deverá ser desconsiderado e desentranhado dos autos, por padecer de omissões de actos e formalidade que a lei prescreve e cujas irregularidades podem influir na decisão da causa, contendendo com os princípios da igualdade e do contraditório, com a aquisição processual de factos e com a admissibilidade de meios probatórios; Só assim se fazendo a devida e costumada Justiça!
O Ministério Público contra-alegou defendendo o julgado.
Não foram apresentadas contra-alegações pela Requerente.
O recurso foi admitido com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo.
Foi, entretanto, distribuído na 2.ª Secção desta Relação recurso interposto da sentença de mérito proferida no processo principal.
Nestes autos de recurso em separado foi proferido despacho liminar pela Relatora, com o seguinte teor:
 Afigura-se que apenas é possível conhecer do recurso na parte relativa à decisão de indeferimento do incidente de intervenção de terceiros de que o Recorrente é requerente, uma vez que apenas esse se enquadra na previsão do artigo 644.º, do Código de Processo Civil, quanto à admissibilidade de apelação autónoma.
Assim, não poderá a Relação conhecer das demais questões suscitadas na apelação, a saber, as relativas à representação da Beneficiária por parte do Recorrente, a relativa à prejudicialidade e não conhecimento da alegada falta/nulidade de citação, à produção de prova ou à nulidade do exame e relatório pericial.
Pelo exposto, nos termos do artigo 655.º, n.º 1, notifique Recorrente e Recorridos (Ministério Público, Requerente e Acompanhante nomeado), para, em dez dias, se pronunciarem, querendo, correndo os prazos em simultâneo.
O Acompanhante nomeado poderá ainda pronunciar-se quanto à sua intervenção no recurso e ao objecto do mesmo, querendo, podendo prescindir de prazo para tal dando-o a conhecer nestes autos.
Não houve pronúncia sobre as questões suscitadas.
Foi diferida para acórdão a pronúncia sobre o conhecimento do objecto do recurso definido nas alegações e admitido em primeira instância.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II) OBJECTO DO RECURSO
1. Da admissibilidade de apelação autónoma para impugnação dos diversos segmentos da decisão recorrida.
1.1. O Recorrente coloca a apreciação do tribunal as seguintes questões: (i) nulidade da citação da Beneficiária, (ii) intervenção principal do Recorrente, (iii) intervenção em representação da Beneficiária, (iv) não conhecimento do seu requerimento probatório ou da arguição de nulidade do exame e relatório pericial.
Foi suscitada a questão da admissibilidade de apelação autónoma, com excepção da questão relativa ao incidente de intervenção principal.
1.2. É admissível apelação autónoma, na ausência de norma especial que a autorize, nos casos elencados no artigo 644.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
As decisões que se não enquadrem na previsão dessa norma, são impugnadas/impugnáveis com as decisões a que alude o n.º 1:
a) decisão que ponha termo à causa ou a incidente processado autonomamente; ou
b) despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos.
A decisão de indeferimento do incidente de intervenção de terceiros corresponde a uma decisão de um incidente autónomo, impugnável nos termos do artigo 644.º, n.º 2.
As demais decisões não se enquadram em nenhuma das alíneas do n.º 2. O que é evidente quanto à arguida nulidade da citação ou à representação da Beneficiária, mas carece de alguma explicitação quanto às demais: não conhecimento de requerimento probatório e arguição de nulidade do relatório pericial.
1.2.1. A decisão quanto ao não conhecimento do requerimento probatório refere-se ao requerimento apresentado em 5 de Fevereiro de 2020, sob a ref.ª 34770634.
Nesse requerimento o Recorrente requer a realização de diversas diligências relacionadas com a saúde da beneficiária e com a atitude assumida pela Requerente, pelo Acompanhante provisório e pelo próprio Recorrente quanto à saúde e bem estar da Beneficiária.
Nessa medida, poderia assimilar-se o conteúdo da decisão à rejeição de meio de prova justificativo da admissibilidade de apelação autónoma nos termos do artigo 644.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Civil.
Não entendemos que assim seja. Na verdade, o conteúdo da decisão que vem impugnada não é a rejeição ou admissão de um meio de prova, mas a decisão de que a apreciação do requerimento probatório se encontra prejudicada pela decisão de não admitir o Requerente a intervir como parte principal ou como representante da Beneficiária.
Dir-se-ia em contrário que o fim visado pela norma que admite a apelação autónoma – evitar os efeitos negativos de apreciação a final da decisão de rejeição de meios de prova[1] - também se justificam no caso.
Naturalmente, o diferimento para final da impugnação de decisões interlocutórias pode sempre revestir-se de efeitos negativos. O que importa considerar é que o legislador pretendeu também evitar os efeitos negativos da admissibilidade irrestrita de recurso de decisões interlocutórias com subida imediata tipificando as decisões que o admitiam. A interpretação do âmbito destas deve assim respeitar aquele pendor restritivo.
Por isso que venha sendo considerado pela jurisprudência que a admissibilidade de apelação autónoma não se estende a todas as vicissitudes que possam surgir quanto à produção de prova, mas apenas às decisões que efectivamente rejeitem ou admitam meios de prova[2].
No caso, como já dito, a decisão foi proferida não quanto à rejeição de meios de prova, matéria que não apreciou, mas quanto à prejudicialidade decorrente da não admissão de intervenção do Requerente no processo.
Consideramos ser inadmissível apelação autónoma também neste ponto.
1.2.2. Quanto à nulidade da perícia, o mesmo se dirá. A matéria relaciona-se com prova, mas não se refere a rejeição de meio de prova.
2. Da delimitação do objecto do recurso
Tendo em atenção as conclusões do Recorrente - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC – e o decidido no ponto anterior, é o seguinte o objecto do recurso:
1) Da nulidade do despacho recorrido na parte em apreciação neste recurso.
2) Da intervenção principal deduzida pelo Recorrente.
III) FUNDAMENTAÇÃO
1. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
São pertinentes à apreciação do recurso os factos constantes do relatório supra.
2. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. Da nulidade
Conforme resulta da delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar das nulidades arguidas apenas quanto à decisão de indeferimento da intervenção principal.
Entende o Recorrente que do despacho não constam os factos considerados assentes pertinentes à decisão ou as normas jurídicas em que a mesma se funda.
Conforme resulta do teor do despacho recorrido que acima se transcreveu, o mesmo considerou que a intervenção principal implica que o interveniente tenha um interesse idêntico às partes o que não acontece quanto ao requerente por se tratar de processo de maior acompanhado, citando jurisprudência respeitante ao processo de interdição, considerada ainda actual.
Como resulta do artigo 615.º, alínea b), do Código de Processo Civil, e é repetido em decisões judiciais quase tantas vezes quantas as arguições de nulidade, apenas a total omissão de fundamentação de facto e de direito implica tal consequência.
No caso, a factualidade a ter em conta é a que resulta da natureza do processo e das normas que estabelecem os interesses em causa, confrontada com o requerido pelo Recorrente. Consta do despacho.
Quanto às normas jurídicas, o artigo 615.º, alínea b), fala em fundamentos de direito e não em normas jurídicas, aliás em consonância com a desactualização de uma visão que cinja o direito à lei positiva.
Ora o direito está bem expresso: o incidente de intervenção implica a similitude do interesse do interveniente e das partes. Não consta a fonte legal, mas não existem dúvidas de qual ela seja quando a assistência ou qualidade de profissionais do direito se verifica quanto a todos os intervenientes.
Não se verifica a nulidade da alínea b) do artigo 615.º, do Código de Processo Civil.
Invoca ainda o Recorrente a ambiguidade e ininteligibilidade da decisão. Embora pareça fazê-lo em decorrência da alegada falta de fundamentação, sempre se dirá que o sentido da decisão é unívoco – indeferimento da intervenção – e perfeitamente cognoscível, como aliás o demonstra o recurso interposto que quanto a tal sentido não teve dúvida.
Não se verifica qualquer omissão de pronúncia, uma vez que as questões a que se refere o artigo 608.º, n.º 2, foram todas apreciadas e decididas (pressupostos da intervenção requerida), não impondo a norma a consideração de todos os argumentos aduzidos pelas partes.
Improcede a arguição de nulidade.
2. Do mérito
2.1. Regime do maior acompanhado
2.1.1. O regime do maior acompanhado, instituído pela Lei 49/2018, de 14 de Agosto, substituiu os regimes pretéritos da interdição e da inabilitação, consagrando um sistema único de abordagem das situações de menor capacidade de maiores, justificativa de medidas de apoio ou suprimento.
2.1.2. O regime substantivo está consagrado nos artigos 138.º a 156.º do CC, substituindo justamente as anteriores normas relativas a interdição e a inabilitação.
O acompanhamento tem como pressuposto que o maior esteja impossibilitado (…) de exercer plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres (artigo 138.º do CC) e visa assegurar o seu bem-estar, a sua recuperação, o pleno exercício de todos os seus direitos e o cumprimento dos seus deveres.
Corresponde a um movimento internacional de revisão da situação das pessoas com deficiência que lhes diminua as capacidades, pretendendo o novo regime conseguir o denominado fato à medida[3] da dificuldade ou impossibilidade da pessoa, para o que é essencial a avaliação da situação do beneficiário nas suas diversas vertentes: necessidade de apoio, o tipo de apoio necessário e as possibilidades de o mesmo ser obtido[4].
2.1.3. O regime adjectivo está instituído nos artigos 891.º a 905.º substituindo igualmente os correspondentes regimes adjectivos da interdição e da inabilitação.
A acção especial de acompanhamento não integra o Título XV relativo aos processos de jurisdição voluntária[5]. Pese embora, o respectivo regime é aplicável à acção especial de acompanhamento nos termos do artigo 891.º, n.º 1, do CPC, que a restringe aos aspectos relacionados com os poderes do juiz, os critérios de julgamento e a alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes.
Este o quadro da acção que nos ocupa, sendo que a questão suscitada pelo recurso apreciando se resume à questão de saber se é admissível a intervenção principal na acção especial em causa.
 2.2. Intervenção principal
2.2.1. Os incidentes de intervenção de terceiros sofreram alteração de monta na Reforma processual de 1995, mantendo-se o seu quadro estável nas subsequentes intervenções do legislador processual.
Desde essa reforma o desenho legal é o de três distintos incidentes: intervenção principal, intervenção acessória e oposição[6], estando estes últimos fora do horizonte do caso que nos ocupa.
Genericamente os incidentes podem ser deduzidos por terceiros não partes ou pelas partes, classificando-se, respectivamente, como espontâneos ou provocados. No caso dos autos pode excluir-se a consideração das formas provocadas, uma vez que o incidente foi deduzido por terceiro, não parte.
2.2.2. No que respeita à intervenção principal espontânea, o incidente é caracterizado pela similitude de interesse entre o interveniente e a parte a que se associa, assumindo a posição de Requerente ou de Requerido ao lado das partes primitivas.
Nos presentes autos, instaurados por parente sucessível (artigos 1578.º, 1580.º, 1581.º, 2132.º, 2133.º, n.º 1, alínea d), todos do Código Civil), com suprimento de autorização do Beneficiário, é Requerido o Ministério Público, apresentando o Recorrente incidente de intervenção ao lado do Requerente.
Requisito de procedência do incidente de intervenção é, em consequência, que o requerente dele tenha interesse idêntico ao do Requerente, o que implica a consideração da natureza específica da intervenção do Requerente não Beneficiário na acção especial de acompanhamento de maior e do seu interesse processual.
2.2.3. Dispõe o artigo 141.º do Código Civil que o acompanhamento é requerido pelo próprio ou, mediante autorização deste, pelo cônjuge, o unido de facto, por qualquer parente sucessível ou, independentemente de autorização pelo Ministério Público.
A lei, em homenagem à nova construção do instituto centrada nas necessidades e possibilidades de autonomia do necessitado de acompanhamento e beneficiário do processo, alterou o anterior regime de legitimidade para a atribuir ao beneficiário e ao Ministério Público. As especiais atribuições do Ministério Público no sistema jurídico manifestam-se nas duas vertentes em que pode intervir, a saber, a de parte principal ou de interveniente acessório.
O Beneficiário tem, assim, legitimidade activa para a instauração do processo, admitindo o legislador, realisticamente, embora com alguns contornos que excedem a “normalidade” do conceito, a sua substituição processual convencional (mediante autorização do próprio) ou a sua substituição processual por meio de um incidente de suprimento judicial da sua autorização nos termos do n.º 3 da norma citada.
O novo regime aproxima a acção especial de acompanhamento de maior de um típico processo de partes, podendo discernir-se o Beneficiário e o Ministério Público como partes principais.
O regime de substituição processual determina ainda que o Beneficiário possa ser substituído na introdução do feito em juízo por aquelas pessoas que presumidamente melhor cuidam de velar pelos seus interesses, mesmo quando ao próprio tal cuidado já não seja inteira ou parcialmente possível, a quem tenha dado autorização ou que peçam ao tribunal suprimento dessa autorização: o cônjuge, o unido de facto ou qualquer parente sucessível.
A hipótese em que o acompanhamento é requerido pelo cônjuge ou unido de facto ou por um parente sucessível do beneficiário merece alguma atenção. Antes do mais, importa ter presente que a autorização concedida pelo beneficiário ao cônjuge, ao unido de facto ou ao parente sucessível nada tem a ver com uma autorização para o representar na acção. O cônjuge, o unido de facto e o parente sucessível não vão actuar como representantes, mas antes como partes, isto é, como requerentes do processo de acompanhamento de maiores. A situação não é, assim de representação, mas de substituição processual voluntária: o beneficiário é a parte substituída e o cônjuge, o unido de facto ou o parente sucessível a parte substituta[7].
No caso dos autos foi essa última a situação verificada, tendo sido suprida a autorização da Beneficiária, sendo a Requerente sua prima-irmã, parente em quarto grau da linha colateral, nos termos das normas substantivas que já se indicaram.
O Recorrente veio requerer a sua intervenção principal nos autos. O requisito de procedência deste incidente implica que se aprecie se tem um interesse idêntico ao da Beneficiária que autorize a sua intervenção a título principal, devendo ainda ponderar-se se um seu interesse idêntico ao da substituta poderia autorizar a procedência.
2.2.4. O interesse da Beneficiária que funda a acção é claro: ver definidas judicialmente medidas de acompanhamento por parte de terceiro que lhe possibilitem exercer, plena, pessoal e conscientemente os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres, quando esteja impossibilitado de o fazer por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento – artigo 138.º, do Código Civil.
Não merece controvérsia que apenas o próprio beneficiário tem este interesse na acção especial de acompanhamento de maior. Não pode assim ser deferido o incidente de intervenção com este fundamento.
2.2.5. Todavia, é possível colocar a hipótese de que basta à procedência do incidente que o requerente da intervenção tenha na acção um interesse idêntico ao da pessoa a quem é atribuída legitimidade para accionar em substituição do beneficiário, no caso a Requerente.
É aliás esse interesse que é invocado no requerimento que mereceu decisão de indeferimento cuja impugnação ora se aprecia.
Não o entendemos assim. A admissão legal de uma substituição processual com as características que ensaiámos delinear não se funda num interesse do substituto que mereça tutela na acção, mas no interesse próprio do beneficiário que pela substituição é prosseguida.
Em suma, a legitimidade para instaurar a acção, reconhecida a determinadas pessoas em substituição do beneficiário, não corresponde a um interesse diverso mas à necessidade de satisfazer diversamente o mesmo interesse relevante que é o do beneficiário.
Satisfeito este interesse mediante a instauração da acção, nada autoriza que outrem venha invocar interesse similar ao do substituto, pela simples razão de que nenhum interesse do substituto esteve alguma vez em causa naquela atribuição de legitimidade e o único interesse relevante encontra-se satisfeito pela instauração da acção.
Ademais, haveria que considerar que o Recorrente não se integra entre o número dos que podem agir em substituição do beneficiário uma vez que se apresenta como afim e não como parente da Beneficiária.
Importa ainda dizer que não invocou (nem apresentou instrumento) mandato para instauração da acção como fundamento de uma sua intervenção como representante com poderes para instaurar a acção (artigo 156.º do Código Civil), limitando-se a referir mandato para acompanhamento que não está em causa nesta sede e apenas poderá ser apreciado em sede de impugnação da decisão final. Na verdade, a intervenção principal em apreciação é o contrário da intervenção em representação: a primeira pressupõe a acção em nome próprio enquanto a segunda implica acção em nome de outrem (artigo 258.º do Código Civil).
2.2.6. Não encontrámos publicada decisão dos nossos tribunais superiores sobre a questão na vigência do actual regime, podendo encontrar-se quatro acórdãos das Relações, tirados quanto ao pretérito regime de interdição: três no sentido de que o incidente de intervenção principal não é admissível e um no sentido contrário.
Revisitando-os.
A Relação de Lisboa, em acórdão de 5 de Maio de 2009, proferido no processo 5198/07.4TVLSB-A.L1-7 (Dina Monteiro)[8], pronunciou-se no sentido da admissibilidade por julgar verificado o interesse do interveniente, com fundamento em que a acção visa não só proteger o beneficiário e seus interesses como também os dos parentes e os da sociedade.
A diversa consideração do instituto de acompanhamento de maior face ao de interdição, desde logo e se mais não fosse, determinaria a impossibilidade de transposição da argumentação, uma vez que é agora claro que o interesse em causa é o do beneficiário e só esse.
A Relação de Coimbra, em acórdão de 29 de Maio de 2012, proferido no processo 114/11.1TBFIG. C1 (Barateiro Martins)[9], entendeu inadmissível o incidente por considerar que inexistia um interesse igual entre os diversos legitimados, sendo a legitimidade concorrente e não cumulativa. Na base desta conclusão a consideração de que a legitimidade atribuída às diversas pessoas não é a expressão ou reflexo dum direito ou interesse próprio de tais pessoas, com o que se surpreendia já a verdadeira natureza do instituto que agora está patente na norma do artigo 141.º do Código Civil antes analisada.
A Relação do Porto, em acórdão de 19 de Setembro de 2013, proferido no processo 2872/12.7TBGDM-A.P1 (Carlos Portela), e a Relação de Guimarães em acórdão de 11 de Abril de 2013, proferido no processo 2362/09.5TBPTM-A.E1-A (Maria Alexandra Santos) aderiram a esta última posição.
As diferenças entre o regime do maior acompanhado e o da interdição tornaram ainda menos discutível o que já era assumido como resultando da lei anterior: a inadmissibilidade do incidente de intervenção principal.
Improcede o recurso.
IV) DECISÃO
Pelo exposto, ACORDAM em julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida de indeferimento do pedido de intervenção principal apresentado pelo Recorrente, não conhecendo as demais questões suscitadas por inadmissibilidade legal de apelação autónoma.
Custas pelo Recorrente – artigo 527.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
*
Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do CPC):  supra transcrito  
(AAC)

Lisboa, 06-05-2021  
Ana de Azeredo Coelho
Eduardo Petersen Silva
Cristina Neves
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[1] Cf. Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2018 - 5.ª edição,p. 211.
[2] Veja-se a propósito o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 4 de Novembro de 2019, proferido no processo 701/17.4T8MAI.P1 (José Eusébio Almeida). 
[3] Apud António Pinto Monteiro in Das incapacidades ao maior acompanhado, RLJ 148.º, p.78.
[4] Sobre a alteração de paradigma veja-se Professor Menezes Cordeiro in Tratado de Direito Civil, IV, p. 493 e ss ainda antes da aprovação do actual regime e preconizando a alteração que beneficiou de um estudo deste Autor e do Professor Pinto Monteiro.
[5] Cf. Miguel Teixeira de Sousa in O regime do acompanhamento de maiores: alguns aspectos processuais, consultado em CEJ, e:books.
[6] Assim, António Pais de Sousa e Cardona Ferreira in Processo Civil, Rei dos Livros, 1997, p. 52.
[7] Miguel Teixeira de Sousa, op. cit., p. 47.
[8] Com efeito, é indiscutível que a acção de interdição se configura como um processo especial regulando-se pelas disposições que lhe são próprias e “pelas disposições gerais e comuns; em tudo que não estiver prevenido numas e noutras, observar-se-á o que se acha estabelecido para o processo ordinário” – artigo 463.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Entende-se, aliás, que bastaria esta disposição legal para podermos concluir pela admissibilidade legal do incidente de intervenção de terceiros no âmbito dos processos especiais e no de interdição, em especial. A leitura das disposições constantes dos artigos 320.º e seguintes e 944.º e seguintes, ambos do Código de Processo Civil, não altera, antes reforça, esta afirmação.
O facto de estarmos perante um processo especial, em que não há “partes” em sentido técnico-jurídico, não permite retirar a conclusão de que no seu âmbito não há lugar á dedução de incidentes de terceiro, no caso, de intervenção principal espontânea.
Com efeito, tenhamos em atenção os fundamentos deste tipo de incidentes. A intervenção principal tem por escopo proporcionar a um terceiro que se encontre numa situação litisconsorcial ou coligatória, a sua intervenção numa acção pendente.
Limitar a intervenção de um interessado apenas com base numa visão rígida e meramente processual do que é uma “parte” seria esquecer que nas acções de interdição o que está em causa é não só a protecção dos interesses do interditando como a de todos os potenciais requerentes de tal acção e a própria sociedade, em geral, sendo em relação aos interesses de todos e de cada um deles que importa aferir da necessidade ou não de apresentação de um novo articulado. Ora, esse interesse a ora interveniente tem-no, sem dúvida alguma, como passamos a demonstrar.
No caso em apreciação a Recorrente, enquanto filha da interditanda e irmã do recorrido, tem um interesse em intervir no processo igual ao do A., quer no que se reporta ao decretamento da interdição, quer no que se refere às melhores condições em que tal interdição possa ser decretada, quer no que se reporta à concreta indicação do tutor e composição do Conselho de Família. Interesse esse que, em concreto, pode ter matizes distintas das do Requerente inicial, que importa defender, nomeadamente através da legitimidade para a respectiva interposição de recursos em relação às decisões que lhe sejam desfavoráveis.
Encontra-se, assim, satisfeito um dos pressupostos de tal intervenção, previsto nos artigos 320.º, alínea a) e 27.º, ambos do Código de Processo Civil.
[9] Os elementos a ter em conta para a decisão aqui a proferir são todos aqueles que ficaram melhor descritos no ponto I. deste acórdão.
E a única questão que importa apreciar, é a de saber se é ou não admissível o pedido de intervenção espontânea no âmbito da acção em apreço.
Ora salvo melhor opinião, é nosso entendimento que a resposta deve ser negativa, sendo as razões que justificam tal conclusão as que ficaram a constar no citado Acórdão da Relação de Coimbra de 29.05.2012, proferido no processo nº114/11.1TBFIG.C1, dado a conhecer em www.dgsi.pt/jtrc, os quais e com o respeito que é devido, passamos aqui a subscrever.
Assim, aqui como ali é invocado, para a admissibilidade da intervenção principal espontânea é necessário ter o Apelante em relação ao objecto da causa um interesse igual ao do Autor, nos termos do art.º27º do CPC (cf. art.º320º, alínea a) do CPC).
Não se discute que o mesmo Apelante (filho do interditando), assim como o Autor, é uma das pessoas incluídas no círculo definido no art.º 141º do C. Civil, ou seja, não se questiona que o mesmo é uma pessoa a quem a lei também confere legitimidade para requerer a interdição.
No entanto e como superiormente se afirma no dito aresto, “a circunstância de a lei conceder legitimidade a várias pessoas – que é concorrente e não subsidiária ou sucessiva – para requerer a interdição não significa que, quando já proposta, como é o caso, a acção de interdição por apenas uma de tais pessoas, qualquer uma das outras (a quem a lei também reconhece legitimidade para requerer a interdição) possa invocar, em relação ao objecto da acção pendente, um interesse igual ao do autor e, em consequência, deduzir intervenção principal espontânea”.
Também nós consideramos que a legitimidade concedida às pessoas incluídas no círculo definido no antes citado artº141º do C. Civil não é a expressão ou reflexo dum direito ou interesse próprio de tais pessoas,
Dito de outra forma, não é o direito ou o interesse próprio de tais pessoas que justifica que lhes seja atribuída, pela lei, legitimidade para instaurar a acção de interdição.
Antes, o único direito ou interesse próprio que está em causa na acção de interdição respeita ao requerido que é o beneficiário do pedido.
Nas palavras do Desembargador Emídio Santos, Das Interdições e Inabilitações, a pág. 49/50, “Partindo-se, certamente, das regras da experiência comum, atribui-se legitimidade àquelas pessoas que provavelmente estarão próximas do incapaz e que, por isso, estarão em condições de requerer ao tribunal as medidas de protecção.
A atribuição de legitimidade concorrente a uma pluralidade de pessoas é, pois, inequivocamente feita em benefício do incapaz.
Assim sendo, requerida a protecção por uma das pessoas a quem a lei reconhece legitimidade para tanto, fica alcançado o objectivo pretendido pelo legislador com a atribuição da legitimidade plural concorrente.
Em suma, as restantes pessoas não têm direito ou interesse próprio, paralelo ao do autor ou réu, que justifiquem a sua intervenção na acção.”
E como igualmente se afirma no supra aludido acórdão, não poderão ser apenas conveniências porventura conflituantes e/ou presumíveis divergências quanto à pessoa a nomear como tutor e quanto à composição do conselho de família que podem fundamentar a intervenção às pessoas que, com legitimidade para instaurar a acção, o não fizeram; aliás, a tal respeito – quanto à pessoa a nomear como tutor e quanto à composição do conselho de família – a lei não permite grande margem de discricionaridade, estabelecendo os critérios a que o tribunal terá que obedecer nas designações que obrigatoriamente terá que efectuar.