Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1579/2006-1
Relator: AZADINHO LOUREIRO
Descritores: PENHORA
VENCIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/23/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I - É a própria exigência constitucional de respeito pela dignidade humana que impõe que se deva assegurar sempre ao executado que mantenha um rendimento disponível total, igual, pelo menos, ao valor do salário mínimo.
II – Viola o princípio da dignidade humana, a norma que resulta da conjugação do disposto na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2 do art. 824.º do C.P.C., na parte em que permite a penhora até 1/3 das prestações periódicas, pagas ao executado que não é titular de outros bens penhoráveis suficientes para satisfazer a dívida exequenda, a título de regalia social ou de pensão, cujo valor não seja superior ao salário mínimo nacional.
(FG)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Nos autos de execução pendentes na 13.ª Vara Cível de Lisboa, 2.ª Secção, registados sob o n.º 52/2002, em que são exequente o Banco, S.A., e executados J e outra, foi, por despacho exarado a fls. 252, datado de 26/09/05, indeferido o requerimento junto a fls. 250 dos mesmos autos, apresentado pelo Banco exequente, em que este veio requerer a notificação da entidade patronal do executado José da Costa Rodrigues para proceder à penhora do vencimento, conforme o ordenado, por o valor líquido recebido ser superior ao ordenado mínimo nacional.

II – Irresignado o exequente com esta decisão, dela interpôs o presente recurso de agravo, formulando, com a alegação que apresentou, as seguintes conclusões:
1.ª - O executado/agravado recebe mensalmente o montante ilíquido de 519,01 e o montante liquido de 470,59 Euros, valor muito superior ao ordenado mínimo nacional;
2.ª - Nos termos legais é penhorável 1/3 do vencimento, salário ou outras prestações recebidas pelo executado;
3.ª - Para apreciação da penhora deverá ter-se em conta tudo o recebido e não apenas o ordenado base fixado pois, se assim for, ficarão os credores impossibilitados de penhorar quaisquer valores e os devedores poderão sempre fugir às suas responsabilidades, fixando-se um valor de ordenado mínimo e recebendo-se depois em prestações extras não penhoráveis;
4.ª - Nos termos dos arts. 821.º e 824.°, ambos do Código de Processo Civil, e do Acórdão do Tribunal Constitucional, o valor impenhorável reduz-se ao montante do Salário Mínimo Nacional;
5.ª - Ao receber um montante superior ao salário mínimo nacional, tal montante terá de ser sujeito à respectiva penhora, como se pretende;
6.ª - Ao assim não ser entendido foram violadas as supra citadas disposições legais, nomeadamente o n.º 1 do art. 821.° e al. a) do nº 1 e parte final do n.º 2 do art. 824.°, ambos do C. P. Civil.
Pretende que seja revogado o douto despacho ora em recurso, substituindo-se o mesmo por outro que ordene a penhora em 1/3 do vencimento mensal do executado.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O M.mo Juiz “a quo” manteve o despacho recorrido (cfr. fl. 15).

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.

III – Face aos elementos constantes dos autos, e com interesse para a apreciação do presente recurso de agravo, é de considerar assente que:
- foi requerido pelo exequente, nos autos principais da execução, que fosse ordenada a penhora em 1/3 do vencimento mensal auferido pelo executado, na sociedade J. C. Rodrigues – Urbanizações e Construções, L.da, como gerente desta (cfr. fl. 17);
- notificada esta mesma sociedade para proceder ao desconto mensal de 1/3 do vencimento do executado J, caso esse vencimento fosse superior ao salário mínimo, veio informar nos autos ser o salário do executado exactamente o mínimo nacional e não ser legalmente possível proceder ao referido desconto (fl. 18);
- o executado José da Costa Rodrigues aufere de vencimento mensal uma quantia que, no mês de Maio de 2005, se fixava em 374,70 € de vencimento, 78,85 € de subsídio de alimentação, 34,56 € de proporcional do subsídio de férias e 30,90 € de proporcional do subsídio de Natal, e que, com o desconto de 48,42 € para a Segurança Social, tinha o seu montante líquido fixado em 470,59 (cfr. doc. fls. 19);

IV – A questão fulcral que, face ao quadro conclusivo da alegação do agravante, se coloca, no presente recurso, traduz-se em saber se a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que determine o desconto mensal de 1/3 do vencimento do executado, ora agravante.
Com efeito, no entender do agravante, recebendo o executado/agravado o montante mensal liquido de 470,59 Euros, superior ao ordenado mínimo nacional, terá o mesmo que ser sujeito à respectiva penhora, nos termos dos arts. 821.º e 824,º do C.P.C.
Foi relativamente a esta pretensão do exequente, expressa no requerimento que apresentou a fls. 250 do autos executivos, que foi proferido o despacho recorrido, em que se indeferiu este mesmo requerimento, com o fundamento de que “ vistos os autos, o recibo de salário é claro, nele se incluindo proporcionais de subsídio que não se integram na retribuição base ”.
Cremos que se decidiu bem na 1.ª instância.
Na verdade, conforme resulta do referido recibo de vencimentos do executado, o vencimento mensal deste é o correspondente ao salário mínimo nacional, no ano de 2005, ou seja, a quantia de 374,70 €, tendo as demais quantias nele mencionadas sido auferidas apenas a título de subsídio de alimentação e de proporcionais de subsídio de férias e de Natal, no montante de 143,70 €, e não de vencimento.
Estas quantias, assim auferidas, a título de subsídio, não se integram no vencimento mensal do executado, e, devido ao seu exíguo valor, não são de molde a poderem ser consideradas como outros rendimentos do executado, para afastarem a impenhorabilidade prescrita no n.º 1, al. a), do art. 824.º do C.P.C.
É que, em face da factualidade apurada nos autos (supra descrita em III.) e das regras de experiência comum e de conhecimento geral (art.514.º, n.º 1, do C.P.C.), parece-nos ser correcto o entendimento, seguido no despacho recorrido, de que o salário do executado/agravado não é susceptível de ser comprimido, por efeito da penhora de um terço do seu montante.
A aceitar-se a pretensão do exequente/agravante, seria posta em causa sobrevivência minimamente condigna do executado/agravado, pois, não lhe sendo conhecidos outros bens e/ou rendimentos, para além daqueles subsídios, no reduzido montante 143,70 €, também não se referem quaisquer despesas, e isto apesar de, como o próprio exequente reconhece, o executado ter dois filhos menores (cfr. fl. 20)
O Tribunal Constitucional, por acórdão n.º 177/02, publicado no D.R., I-A, de 02/07/02, julgou inconstitucional, com fundamento na violação do princípio da dignidade humana, a norma que resulta da conjugação do disposto na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2 do art. 824.º do C.P.C., na parte em que permite a penhora até 1/3 das prestações periódicas, pagas ao executado que não é titular de outros bens penhoráveis suficientes para satisfazer a dívida exequenda, a título de regalia social ou de pensão, cujo valor não seja superior ao salário mínimo nacional.
E também pelo acórdão n.º 96/04, de 11/02 (D.R., II, de 1/4/04), do mesmo Tribunal, se julgou inconstitucional, por violação dos arts. 1.º, 59.º, n.º 2, al. a), e 63.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição, a norma que resulta da conjugação do disposto na alínea a) do n.º 1 e no n.º 2 do art. 824.º do C.P.C., na redacção emergente da reforma de 1995/96, na parte em que permite a penhora de uma parcela do salário do executado, que não é titular de outros bens penhoráveis para satisfazer a quantia exequenda, e na medida em que priva o executado da disponibilidade do rendimento mensal correspondente ao salário mínimo nacional.
Ou seja, é a própria exigência constitucional de respeito pela dignidade humana que impõe que se deva assegurar sempre ao executado que mantenha um rendimento disponível total igual, pelo menos, ao valor do salário mínimo.
No caso sub judice, o executado/agravado tem como vencimento mensal apenas o montante correspondente ao salário mínimo nacional e, mesmo considerando que recebe um montante mensal liquido de 470,59 Euros, a circunstância de ter um agregado familiar com dois filhos menores faz com que o seu rendimento tenha, na realidade, de ser considerado sempre inferior ao salário mínimo nacional, nunca podendo, em caso algum, ser objecto de penhora, nos termos dos arts. 821.º e 824,º do C.P.C.
Deste modo, não se vislumbrando violação das disposições legais referidas pelo agravante, ou de quaisquer outras, basta que, ao abrigo do disposto no art. 713,º, n.º 5, do C.P.C., nos limitemos a negar provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos da decisão impugnada, por esta não merecer qualquer censura.
Improcedem, pois, sem necessidade de mais considerandos, todas as conclusões da alegação do agravante.

V – Decisão:
Nestes termos, em conformidade com o exposto, acorda-se, nesta Relação, em negar provimento ao presente agravo, confirmando-se inteiramente o douto despacho recorrido.
Custas pelo agravante.
Lisboa, 23.5.2006
(Azadinho Loureiro)
(Ferreira Pascoal)
(Pais do Amaral)