Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10908/22.7T8LSB.L2-4
Relator: ALVES DUARTE
Descritores: CATEGORIA PROFISSIONAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/18/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. Para o enquadramento do trabalhador em determinada categoria profissional tem de se fazer apelo à essencialidade das funções exercidas, no sentido de que não se torna imperioso que o trabalhador exerça todas as funções correspondentes a determinada categoria – tal como ela decorre da lei ou de instrumento de regulamentação colectiva –, mas apenas que nela se enquadre o núcleo essencial das funções efectivamente desempenhadas.
2. Exercendo o trabalhador diversas actividades enquadráveis em diferentes categorias profissionais, a sua classificação deve fazer-se tendo em consideração o núcleo essencial das funções por ele desempenhadas ou a actividade predominante e, sendo tal diversidade indistinta, deve o trabalhador ser classificado na categoria mais elevada que se aproxima das funções efectivamente exercidas, ou seja, em caso de dúvida quanto à categoria profissional, a atracção deve fazer-se para a categoria profissional mais favorável ao trabalhador.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - Relatório.
AA intentou a presente acção declarativa, com processo comum, contra CTT – Correios de Portugal, S.A., pedindo a sua condenação a atribuir-lhe a categoria de motorista com todas as consequências daí decorrentes.
Para tanto, alegou, em síntese, que:
• foi admitido para trabalhar sob a autoridade, direcção e fiscalização da ré, em Setembro de 1983, exercendo actualmente as suas funções no CLD Castelo Branco, auferindo a retribuição mensal e tendo atribuída a categoria de carteiro;
• desde 2001 que, de forma ininterrupta, exerce funções correspondentes à categoria de motorista, afecto às estruturas logísticas da ré e auferindo subsídio de condução, pelo que lhe deve ser atribuída a correspondente categoria de acordo com as funções exercidas.
Citada a ré, foi convocada e realizada audiência de partes, na qual as mesmas não quiseram acordar sobre o litígio que as divide.
Para tal notificada, a ré contestou, impugnando, em resumo, que o autor exerça as funções da categoria de motorista.
Proferido despacho saneador, foi julgada a instância válida e regular, fixado o objecto do processo e os temas de prova, dispensada a selecção da matéria de facto, admitidas as provas arroladas pelas partes e designada a data para realização da audiência de julgamento.
Realizada a audiência de julgamento, a Mm.ª Juiz preferiu a sentença, na qual julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu a ré do pedido.
Inconformado, o autor interpôs apelação, a qual decidiu, com trânsito em julgado, que:
a) não admitir a junção aos autos e determinar o desentranhado e devolução ao apelante do documento que juntou com o recurso; e por isso condená-lo em multa, que se fixou em 1 UC;
b) negar a apelação no que concerne à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto já apreciada e nessa medida confirmar a sentença recorrida;
c) julgar verificada a nulidade processual decorrente da omissão do Tribunal a quo proferir despacho a convidar o autor a aperfeiçoar a petição inicial com a alegação (apenas) dos factos essenciais à apreciação da invocada inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade em conformidade com o atrás referido, seguindo-se depois os ulteriores termos processuais, mas aproveitando-se o processado até ao momento que disso não dependa.
Tendo o processo voltado ao Tribunal a quo, em cumprindo do determinado foi proferido despacho, convidando o autor a aperfeiçoar a petição inicial nos exactos termos ali determinados.
O autor apresentou a petição inicial aperfeiçoada, designadamente quanto à concretização da matéria dos artigos 49.º a 58.º daquele articulado inicial.
A ré, notificada para o efeito, apresentou contestação à petição inicial aperfeiçoada, impugnando as conclusões.
Foi designada data para a reabertura da audiência de julgamento e, convidadas as partes a reformularem o rol de testemunhas, realizou-se audiência de discussão e julgamento.
Reaberta a audiência de julgamento e produzida a prova, foi proferida sentença a julgar a acção improcedente e a absolver a ré do pedido.
De novo inconformado, o autor recorreu, culminando a alegação com as seguintes conclusões:
"a. Com a devida vénia não assiste razão ao Tribunal a quo ao determinar a acção improcedente e absolver a Ré do peticionado.
b. Encontrava-se já assente na matéria de facto que o Recorrente exercia as seguintes funções: condução de viaturas automóveis ligeiras ou pesadas para transporte de correspondência ou outras mercadorias; Detecção e comunicação à Ré de deficiências verificadas nos veículos; Responsabilidade pelo acondicionamento e segurança nas cargas transportadas; orientação e colaboração na carga e descarga dos veículos conduzidos; Manobrar, quando necessário, sistemas hidráulicos ou mecânicos complementares de viatura; Providenciar pelo andamento do serviço em caso de avaria ou anomalia do veículo que conduzem; Responsabilidade pelo bom funcionamento do veículo.
c. Na presente acção, o Recorrente comparou-se a outros trabalhadores que foram reclassificados na categoria de motorista, pela via judicial, e no referido processo, o Tribunal, na sentença, considerou como provado, que os Autores daquela acção exerciam as seguintes funções: condução de viaturas automóveis ligeiras e pesadas para transporte de correspondência ou outras mercadorias, detecção e comunicação à Ré de deficiências verificadas nos veículos; responsabilidade pelo acondicionamento e segurança das cargas transportadas; orientação e colaboração na carga e descarga de veículos conduzidos; manobrar, quando necessário sistemas hidráulicos ou mecânicos, complementares da viatura; providenciar pelo andamento do serviço em caso de avaria ou anomalia do veículo que conduzem; responsabilidade pelo bom funcionamento dos veículos.
d. Na sentença desse processo o Tribunal não descreveu para cada autor as funções que este exercia, mas antes, optou por elencar, em conjunto, as funções e afirmar que todos aqueles autores exerciam aquelas determinadas funções.
e. Não obstante, O Tribunal a quo considerou como não provado O seguinte: '1- Que o autor desempenha as mesmas funções que os trabalhadores da Ré identificados no artigo 51.º da petição inicial aperfeiçoada.' E consequentemente ser-lhe reconhecida a categoria profissional de motorista.
f. Ora, dos depoimentos que se transcrevem acima, as testemunhas mencionam, na sua globalidade conhecer os trabalhadores a quem o Recorrente se compara, afirmando que as funções que o Recorrente exerce, são as mesmas que aqueles trabalhadores.
g. Assim, comparando as funções que foram consideradas como provadas que o Recorrente exerce, com as funções que os trabalhadores a que se compara exerciam, e que foram reclassificados na categoria profissional de motoristas, concluímos que são exactamente as mesmas, e que por isso, salvo melhor opinião, não pode o Tribunal a quo considerar que não se provou que o Recorrente exerce as mesmas funções que os designados trabalhadores.
h) Pelo que, verifica-se uma contrariedade, na medida em que, o Tribunal a quo, considera que está provado que o Recorrente exerce as funções acima designadas, as testemunhas prestam o seu depoimento no mesmo sentido, conforme exposto acima, não obstante, o Tribunal a quo, considera que não se encontra provado que o Recorrente exerce as mesmas funções que os trabalhadores a quem se compara.
i) Assim, em face da prova produzida, o facto não provado em 1, deve ser inserido no leque dos factos provados, na seguinte redacção 'O autor desempenha as mesmas funções que os trabalhadores da Ré identificados no artigo 51.º da petição aperfeiçoada.
j) Nesta senda, verifica-se uma clara violação do princípio da igualdade, porquanto o Recorrente foi tratado de forma desigual, em relação aos demais trabalhadores, que, com base em decisão judicial, tiveram as suas categorias profissionais reclassificadas como motoristas, ao contrário do Recorrente.
l) As testemunhas confirmaram que o Recorrente exerce as mesmas funções que os trabalhadores a quem se compara, bem como encontravam-se já como provadas as funções exercidas pelo Recorrente, que comparando às funções exercidas pelos trabalhadores a quem o Recorrente se compara, são exactamente as mesmas.
j) Pelo que, encontrando-se o Recorrente nas mesmas circunstâncias que os outros trabalhadores, foi tratado de forma desigual.
k) Constituem princípios estruturantes da ordem jurídica o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, nos termos da qual 'Todos OS cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei', assim como o da proibição da discriminação, consagrado no artigo 26.º n.º 1 da mesma.
l) E tem sido entendimento do Supremo Tribunal de Justiça que as exigências do princípio da igualdade se reconduzem, no fundo, à proibição do arbítrio, mas não impedindo, em absoluto, toda e qualquer diferenciação de tratamento, mas apenas proibindo as diferenciações materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável, ou justificação objectiva e racional.
m) Um tratamento desigual obriga a uma justificação material da desigualdade, pelo que, na presente situação, no entender do Recorrente, resulta uma clara desigualdade entre o Recorrente e os trabalhadores já identificados, a quem se compara, sem que exista uma justificação.
n) Existindo uma violação injustificada ou arbitrária, do princípio com consagração constitucional da igualdade, cabe ao trabalhador, nos termos do artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, alegar e demonstrar, para além da diferença de tratamento, a igualdade da situação à qual se compara, o que, efectivamente aconteceu.
o) Logrou o Recorrente em demonstrar que exerce as mesmas funções que os trabalhadores a quem se compara, na medida em que, na petição inicial rectificada elencou as funções exercidas pelos trabalhadores a quem se compara, e funções essas que vieram a ser confirmas pelas testemunhas do Recorrente, e, aliás, as funções que estão dadas como provadas que o Recorrente exerce coincidem com as dos demais trabalhadores.
p) Nesta senda, a douta sentença da qual se recorre, viola claramente o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, bem como o princípio da proibição da discriminação, consagrado no artigo 26.º n.º 1 da mesma, ao não decidir no sentido da reclassificação do Recorrente na categoria profissional de motorista".
Contra-alegou a ré, concluindo pela improcedência da apelação e a consequente manutenção da decisão recorrida.
Admitido e remetido o recurso a esta Relação, foram os autos com vista ao Ministério Público, tendo a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta sido de parecer que a decisão recorrida deve ser confirmada.
Nenhuma das partes respondeu ao parecer do Ministério Público.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar o mérito do recurso, delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente e pelas questões de que se conhece ex officio. Assim, importa apreciar:
i. da impugnação da decisão proferida acerca da matéria de facto;
iii. da categoria profissional do apelante.
***
II - Fundamentos.
1. Factos julgados provados.
"1. O autor foi admitido nos quadros da ré em 04.11.1984.
2. Em 2001, no âmbito da transferência da Postlog, o autor passou a exercer as suas funções nos Transportes do Norte.
3. Local onde esteve colocado até Novembro de 2015, altura em que, a seu pedido, foi transferido para o CPLC, mais concretamente para Castelo Branco.
4. O autor, actualmente, exerce as suas funções no CLD Castelo Branco.
5. Aufere uma retribuição mensal ilíquida, composta por remuneração base no montante de € 1.167,71, por 7 diuturnidades no montante global de € 213,99, uma diuturnidade especial no montante de € 13,11, a que tudo acresce um subsídio de alimentação de € 9,01 por cada dia em que preste, pelo menos, 4 horas de trabalho efectivo.
6. O autor é sócio do Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações (SNTCT).
7. A ré é actualmente uma sociedade anónima aberta que tem por objecto:
a) Assegurar o estabelecimento, gestão e exploração das infra-estruturas e do serviço público de correios;
b) O exercício de quaisquer actividades que sejam complementares, subsidiárias ou acessórias das referidas na alínea anterior, bem como de comercialização de bens ou de prestação de serviços por conta própria ou de terceiros, desde que convenientes ou compatíveis com a normal exploração da rede pública de correios, designadamente a prestação de serviços da sociedade de informação, redes e serviços de comunicações electrónicas, incluindo recursos e serviços conexos;
c) A prestação de serviços financeiros, os quais incluirão a transferência de fundos através de contas correntes e que podem também vir a ser exploradas por um operador financeiro ou entidade para-bancária a constituir na dependência da sociedade.
8. A ré é titular do Alvará de Transportada n.º TP 666412.
9. Ao autor está atribuída a categoria profissional de carteiro (CRT).
10. O autor, no exercício das suas funções pratica, entre outras, as seguintes tarefas:
a) Condução de viaturas automóveis ligeiras ou pesadas para transporte de correspondência ou outras mercadorias;
b) Detecção e comunicação à ré de deficiências verificadas nos veículos;
c) Responsabilidade pelo acondicionamento e segurança nas cargas transportadas;
d) Orientação e colaboração na carga e descarga dos veículos conduzidos;
e) Manobrar, quando necessário, sistemas hidráulicos ou mecânicos complementares da viatura;
f) Providenciar pelo andamento do serviço em caso de avaria ou anomalia do veículo que conduzem;
g) Responsabilidade pelo bom funcionamento do veículo.
11. Estando afecto às estruturas logísticas da empresa ré.
12. Auferindo subsídio de condução no valor de € 2,16, por cada dia de trabalho.
13. O autor possui um cartão de condutor electrónico que regista todas as acções dos condutores, nomeadamente horários e velocidades, substituindo os antigos 'tacógrafos'.
14. …. Possui, ainda, obrigatoriamente o denominado CAM (certificado de aptidão para motorista), emitido pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes, IP, bem como as respectivas renovações, que lhe foram concedidos pela ré.
15. Para além disso, realiza e realizou diversas formações específicas para a condução.
16. O autor quando conduz veículos ligeiros tem uma caderneta, que tem de preencher, com os dados aí solicitados.
17. O autor é responsável pelo bom funcionamento dos sistemas de controlo (cartão ou discos/tacógrafos) referidos em 13 dos veículos que conduz e obrigado a cumprir os tempos de condução, pausa e períodos de repouso nos termos do Regulamento (CE) n.º 561/2006, de 15 de Março de 2006.
18. Nos Transporte Norte, o autor fazia parte do rodízio 2 e fazia outras tarefas complementares de cargas e descargas, de recolha a clientes, recolha nas Lojas, consolidação de material vazio com o esclarecimento que também fazia rodízio 1 e reforço à rede primária.
19. Neste local de trabalho só os CRT’s vão fazer entregas/recolhas a clientes, nunca os MOT.
20. Os carteiros (CRT’s) fazem a rede terciária (marcos/painéis) e os motoristas (MOT) não.
21. Os MOT apenas acompanham a carga e descarga da ligação que vão fazer, não carregando/descarregando o próprio veículo; os CRT’s carregam e descarregam a própria viatura.
22. Já em Castelo Branco, o autor está neste momento a fazer as ligações R1 (CO-S e CPL-S) e as R2 (Oleiros, Belmonte, Covilhã) e sempre que necessário, como sejam cargas e descargas, separação do serviço, contentorização, descontentorização e sempre que for necessário e estiver no ponto de reserva entregas a clientes.
23. Desde data não concretamente apurada mas situada entre Março e Abril de 2021, a pedido do autor porque esteve entre quatro a cinco meses sem vencimento por ter ficado retido no Brasil por causa da pandemia e o acordo da chefia, o autor faz, entre outras as seguintes tarefas:
- Contentorizar quando está na reserva;
- Descontentarizar
- Dividir EMS para Espanha mas não só;
- Dividir as boxes;
- Dividir as k7;
- Paletização das k7 e Box vindos das Lojas e PC;
- Paletização das k7 e Box vindos das Lojas e PC,
- Carregar a rede rápida que faz mesmo quando não está na reserva;
- Carregar e descarregar camiões;
- Expedições vindos das Lojas e PC - Expedição para a Tourline quando está na reserva;
- Contentorizar as recolhas efectuadas aos clientes e Rotular os contentores, Pallys e paletes.
24. Se estiver numa carreira R1 faz carga e descarga da viatura e ajuda na contentorização e divisão de serviço; se estiver numa R2 faz carga e descarga, recolha a clientes com viatura pesada; se estiver na reserva faz todas as tarefas necessárias no momento, entrega de EMS e registos com PDA, levar viaturas à oficina.
25. Por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 3 de Maio de 2017, transitado em julgado, no processo que correu termos sob o n.º 2058/14.6TTLSB, no Juiz 2 do Juízo de Trabalho de Lisboa, foi a ré condenada a atribuir aos representados do aí autor Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações (SNTCT), a categoria de motorista desde as seguintes datas: '1) ao representado BB desde 12de Dezembro de 1995; 2) ao representado CC desde 12 de Dezembro de 1995; 3) ao representado DD desde Janeiro de 1992; 4) ao representado EE desde 12 de Dezembro de 1995; 5) ao representado FF desde Março de 1993; 6) ao representado GG desde 18 de Abril de 1997; 7) ao representado HH desde Maio de 2001; 8) ao representado II desde 23 de Setembro de 1997; 9) ao representado JJ desde 28 de Setembro de 1995; 10) ao representado KK desde 14 de Setembro de 1988; 11) ao representado LL desde 20 de Fevereiro de 1995; 12) ao representado MM desde Setembro de 1987; 13) ao representado NN desde 4 de Março de 2002; 14) ao representado OO desde 9 de Março de 1991; 15) ao representado PP desde 25 de Janeiro de 1999; 16) ao representado QQ desde o início de 2003; 17) ao representado RR desde Janeiro de 2002; 18) ao representado SS desde Dezembro de 1999; 19) à representada TT desde 14 de Agosto de 2000; 20) ao representado UU desde Março de 1988; 21) ao representado VV desde Dezembro de 2003; 22) ao representado WW desde 1994'.
26. Por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de Novembro de 2017, transitado em julgado, no processo que correu termos sob o n.º 19977/17.0T8LSB, no Juiz 8 do Juízo de Trabalho de Lisboa, foi a ré condenada a atribuir aos representados do aí autor Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações (SNTCT), a categoria de motorista desde as seguintes datas: '- 1.º representado: 1/3/2011; - 2.º representado: Março de 1991; - 3.º representado: 10/1/2000; 4.º representado: 19/11/1999; 6.º representado: 1/8/1999; 8.º representado - 24/3/2014; 13.º representado: 25/1/2012; 15.º representado: 9/3/1991; 18.º representado: Junho de 2016; 19.º representado: Dezembro de 2001; 22.º representado: Fevereiro de 1996; - 23.º representado: 17/1/1998; - 25.º representado: 2003; - 27.º representado: 17/7/2012; 28.º representado: - 1/6/2012; -30.º representado: 2003; - 31.º representado: 14/6/1999; - 32.º representado: Dezembro de 1999'.
27. Por sentença transitada em julgado proferida no processo que correu termos no processo com o n.º 9366/20.5T8LSB no Juiz 8 do Juízo de Trabalho de Lisboa, foi a ré CTT — Correios de Portugal, S.A. aí condenada a atribuir a categoria profissional de Motorista a XX, com efeitos reportados a 6/2/2017, com todas as consequências daí advenientes.
27. Por sentença transitada em julgado proferida no processo que correu termos no processo com o n.º 5317/20.5T8LSB, foi a ré CTT — Correios de Portugal, S.A. aí condenada a atribuir a categoria profissional de Motorista a YY, com efeitos reportados a 1/9/2003, com todos os efeitos daí advenientes".
2. Factos julgados não provados.
"1. Que o autor desempenha as mesmas funções que os trabalhadores da ré identificados no artigo 51.º da petição inicial aperfeiçoada".
3. Motivação da decisão da matéria de facto.
"A convicção do Tribunal (art.º 607.º n.º 5 CPC ex-vi art.º 1.º n.º 2 alínea a) CPT), quanto às respostas positivas, negativas e restritivas foi adquirida com base na apreciação crítica dos depoimentos das testemunhas ZZ (trabalhador da ré desde 1985, motorista; conheceu o autor em contexto profissional; AAA (motorista, trabalhador da ré desde 1989); BBB (trabalhador da ré há trinta e um anos, motorista, há cerca de dois anos, exerce funções em Castelo Branco; conhece o autor por serem colegas de trabalho; teve acção judicial contra a ré para reconhecimento da categoria que já se encontra finda); CCC (trabalhador da ré desde 1998, motorista, exerce funções em Castelo Branco; conhece o autor por terem sido colegas de trabalho; teve acção judicial contra a ré, que já se encontra finda); DDD (trabalhador da ré desde 1996, motorista; conhece o autor por terem sido colegas de trabalho na ré de 1996 a 2014; teve acção judicial contra a ré que já se encontra finda) e dos documentos juntos aos autos.
Os factos enunciados de 1 a 24 estão assentes por decisão de facto proferida nestes autos e transitada em julgado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.
Os factos enunciados em 25, 26 e 27 são as decisões judiciais juntas aos autos, designadamente com a petição inicial que deu início a estes autos.
Fundamentação dos factos não provados
No que tange ao facto não provado enunciado em 1, o Tribunal assim o considerou uma vez que as testemunhas, conhecendo umas alguns destes trabalhadores responderem com um genérico sim ou não sem que das suas declarações resultasse a convicção de um conhecimento cabal e específico das funções do autor e dos outros trabalhadores. Pese embora o alegado seja conclusivo, optou o Tribunal por reproduzi-lo uma vez que foi a alegação que resultou do despacho de aperfeiçoamento".
4. As questões do recurso.
4.1 Da impugnação da decisão da matéria de facto.
Apreciemos então a impugnação da decisão proferida acerca da matéria de facto, sendo que o apelante especifica nas conclusões como incorrectamente julgados o facto julgado não provado, o qual reza assim:
"1. Que o autor desempenha as mesmas funções que os trabalhadores da ré identificados no artigo 51.º da petição inicial aperfeiçoada".
O apelante pretende que esse facto seja agora julgado como provado.
E para esse efeito especificou passagens dos depoimentos prestados pelas testemunhas AAA, BBB e ZZ.
Relativamente a esse facto a Mm.ª Juiz a quo motivou a sua decisão:
"No que tange ao facto não provado enunciado em 1, o Tribunal assim o considerou uma vez que as testemunhas, conhecendo umas alguns destes trabalhadores responderem com um genérico sim ou não sem que das suas declarações resultasse a convicção de um conhecimento cabal e específico das funções do autor e dos outros trabalhadores. Pese embora o alegado seja conclusivo, optou o Tribunal por reproduzi-lo uma vez que foi a alegação que resultou do despacho de aperfeiçoamento".
Vejamos então como decidir a questão em apreço.
No que concerne à testemunha AAA importa ter em conta que a razão de ciência que invocou foi ser motorista da apelada e ter trabalhado alguns dos autores nas acções referidas nos factos julgados provados 25 e a 28, que especificou, mas não o apelante nesta; todavia, disse que a tarefa do apelante é igual à sua, o que, como está bem de ver, não merece credibilidade uma vez que carecia de razão de ciência para o saber.
Quanto à testemunha BBB, disse trabalhar para a apelada, em Castelo Branco, inicialmente como carteiro, desde 1983, sendo que depois, há cerca de quatro anos, lhe foi judicialmente reconhecida a categoria de motorista, tendo aí vindo a aí trabalhar com o apelado.
Sobre a questão controvertida, a testemunha disse, em resumo, que o apelante fazia o mesmo que ele, ou seja, motorista / condução, mas que isso era apenas a parte principal pois que também fazia outras tarefas, tal como diversos dos co-autores na acção em que foi parte, alguns dos quais conhecia pessoalmente (essencialmente, ainda que não todos os companheiros de trabalho em Castelo Branco).
Relativamente à testemunha ZZ, disse conhecer o apelante das funções laborais na apelada, desde entre há 20 a 30 anos, tendo trabalhado directamente com ele quando o mesmo trabalhava no Porto, sendo que o próprio apanhava o serviço que o apelante deixava em Pombal e reconduzia-o para Lisboa (MARL e Cabo Ruivo), onde estava colocado; ou seja, cada um conduzia um camião a partir do seu local de colocação e trocavam-nos a meio do caminho, retornando às respectivas bases; continuou a manter contacto profissional com o apelante após o mesmo ter sido colocado em Castelo Branco, agora quando fazia a ligação dessa à cidade de Lisboa, sempre no desempenho das mesmas funções, que são as suas e estão descritas na acção, na qual foi testemunha, que reconheceu a categoria de motorista a diversos companheiros de trabalho, alguns dos quais identificou.
Focando a atenção nestes dois depoimentos, conclui-se que ambas as testemunhas tinham sólida razão de ciência para conhecerem o facto objecto da decisão impugnada e ambas depuseram com naturalidade, desprovidos de emoção, sem qualquer manifestação de animosidade para com a apelada, sua empregadora, nem vontade de favorecer a posição do apelante, seu colega de trabalho.
Por outro lado, afirmaram com segurança que as funções do apelante se assemelhavam, no fundamental, às que cada uma delas e alguns dos demais trabalhadores da apelada referidos nos ditos processos que conheciam desempenhavam e estão capazmente descritas neste processo (facto julgado provado 10).
Dir-se-á que as testemunhas não identificaram todos os co-autores das acções em referência (factos julgados provados 25 a 28), mas como em tudo na vida deve imperar um critério de razoabilidade, pelo que num universo tão abrangente de trabalhadores e sendo grande a dispersão geográfica em que trabalhavam, é aceitável que nem todos se conhecessem pessoalmente e, por conseguinte, o que todos eles faziam; o importante a relevar é que as testemunhas sabiam que alguns dos trabalhadores autores nessas acções desempenhavam as mesmas funções que o apelante; como também é razoável que tivessem respondido mais sinteticamente quanto a esse conhecimento, sendo certo, no entanto, que quanto a alguns deles até especificaram a razão pela qual os conheciam (colocado nesta ou naquela cidade, por exemplo).
Acresce que todos os trabalhadores em causa no facto objecto da decisão impugnada e as funções que exercem por conta da apelada estão cabalmente referidos nas acções constantes dos factos julgados provados 25 e seguintes, para onde remete e por isso permite chegar-se a uma decisão afirmativa quanto à pretensão do apelante.
Finalmente, em rigor não se pode afirmar que o facto em apreço seja conclusivo: sê-lo-ia, sem dúvida, se não remetesse para outro já provado, pelo que também agora se não vê qualquer obstáculo a que seja julgado (provado, no caso), sendo certo que as testemunhas sabiam bem quais eram as pessoas e as funções que exerciam porquanto trabalharam com eles (pelo menos alguns dos co-autores das sobreditas acções).
É certo que não há uma identidade total entre as funções exercidas pelo apelante e as dos autores da acção 2058/14.6TTLSB (a qual funcionou como paradigma para as demais e, porventura, para a presente), pois que agora se acrescentou as constantes dos factos provados 23 e 24, mas a verdade é que o exercício dessas foi subsequente e de todo modo acresceram àquelas (do facto provado 10 na presente acção e no 91 daqueloutra), como claramente flui do facto julgado provado 23 ("23. Desde Março ou Abril de 20121… o autor faz, entre outras, as seguintes tarefas: (...)".
Deste modo, nesta parte concede-se a apelação do autor, julgando-se provado o facto julgado não provado:
"29. Além de outras, o autor desempenha as mesmas funções que os seguintes trabalhadores da ré: BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, EEE, FFF, OO, GGG, PP, HHH, RR, SS, TT, III, VV, JJJ, KKK, LLL, MMM, NNN, OOO, BBB, PPP, QQQ, RRR, SSS, TTT, UUU, VVV, WWW, XXX, YYY, ZZZ, AAAA, BBBB, CCCC, DDDD, EEEE, CCC, FFFF, GGGG, XX, YY, HHHH, AAA".
4.2 Da categoria profissional do apelante.
Como bem refere a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer, sobre o apelante "recaía o ónus de alegar e provar que desenvolve funções ou tarefas que se integram no conteúdo funcional da mencionada categoria. – Nesse sentido os Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora datado de 14/03/2019 e 15/6/23, proferidos respectivamente nos processos n.º 159/16.5T8BJA.E1 e 3386/21.0T8STR.E1, disponíveis em www.dgsi.pt"; o que alinha com a regra do art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil e o entendimento generalizado da jurisprudência acerca dessa matéria, como foi no caso dos acórdãos da Relação de Lisboa, de 21-03-2018, no processo n.º 2756/17.2T8LSB.L1, publicado em https://www.pgdlisboa.pt ("3. Compete ao A. alegar e provar os pressupostos fácticos dos quais depende o seu enquadramento profissional) e da Relação do Porto, de 27-02-2023, no processo n.º 2032/21.6T8MTS.P1, publicado em http://www.dgsi.pt, onde se afirmou ("III: Reclamando o trabalhador a sua reclassificação profissional, de acordo com as regras gerais de repartição do ónus de prova, incumbe-lhe a alegação e prova dos factos essenciais para sustentar essa pretensão").
Porém, quando se trata do exercício de funções por parte do trabalhador cobrindo mais que uma categoria profissional já se viu decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 30-01-2013, no processo n.º 77/06.5TTLSB.L1.S1, publicado em http://www.dgsi.pt, que "para o enquadramento do trabalhador em determinada categoria profissional tem de se fazer apelo à essencialidade das funções exercidas, no sentido de que não se torna imperioso que o trabalhador exerça todas as funções correspondentes a determinada categoria – tal como ela decorre da lei ou de instrumento de regulamentação colectiva –, mas apenas que nela se enquadre o núcleo essencial das funções efectivamente desempenhadas"; sem perder de vista, prossegue o citado aresto, "que, exercendo o trabalhador diversas actividades enquadráveis em diferentes categorias profissionais, a sua classificação deve fazer-se tendo em consideração o núcleo essencial das funções por ele desempenhadas ou a actividade predominante e, sendo tal diversidade indistinta, deve o trabalhador ser classificado na categoria mais elevada que se aproxima das funções efectivamente exercidas, ou seja, em caso de dúvida quanto à categoria profissional, a atracção deve fazer-se para a categoria profissional mais favorável ao trabalhador".
Ora, no caso sub iudice provou-se que até Março ou Abril de 2021 o apelante exerceu tarefas integrantes da categoria profissional de MOT (facto provado 10), tal como de resto também reconhecido nos arestos referidos nos factos provados 35 a 28;1 e igualmente se provou que a partir dessa data passou ainda a exercer outras funções, sem que se possa afirmar qual ou quais constituem o núcleo essencial desse conjunto, nem tampouco se ou qualquer uma delas será predominante, "sendo tal diversidade indistinta", pelo que importa concluir que "deve o trabalhador ser classificado na categoria mais elevada que se aproxima das funções efectivamente exercidas, ou seja, em caso de dúvida quanto à categoria profissional, a atracção deve fazer-se para a categoria profissional mais favorável ao trabalhador", em linha com a jurisprudência afirmada pelo atrás citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça − significando isto, portanto, que sem mais2 também nesta parte se deverá conceder a apelação do autor.
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III - Decisão.
Termos em que se acorda conceder a apelação do autor e, em consequência:
a) quanto à impugnação da decisão da matéria de facto, eliminar o facto julgado não provado 1 e julgá-lo provado, ficando assim:
"29. O autor desempenha as mesmas funções que os seguintes trabalhadores da ré: BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, EEE, FFF, OO, GGG, PP, HHH, RR, SS, TT, III, VV, JJJ, KKK, LLL, MMM, NNN, OOO, BBB, PPP, QQQ, RRR, SSS, TTT, UUU, VVV, WWW, XXX, YYY, ZZZ, AAAA, BBBB, CCCC, DDDD, EEEE, CCC, FFFF, GGGG, XX, YY, HHHH, AAA";
a) quanto à questão jurídica, revogar a sentença recorrida, julgar a acção procedente e por via disso condenar a apelada a atribuir ao autor a categoria de motorista, com todas as consequências daí decorrentes.
Custas pela apelada (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela I-B a ele anexa).
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Lisboa, 18-06-2025.
Alves Duarte
Celina Nóbrega
Paula Pott
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1. Aos quais se acrescenta o processo n.º 14930/19.2T8LSB.L1, de 13-10-2021, inédito, o qual foi relatado por Albertina Pereira e nele intervieram como adjuntos Leopoldo Soares e o ora relator.
2. Vale dizer: mesmo sem considerar a questão da desigualdade de tratamento, que no entanto sempre se poderiam colocar ex vi dos art.ºs 13.º da Constituição da República e 23.º, n.º 1, alínea a) do Código do Trabalho.