Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7666/2007-2
Relator: ISABEL CANADAS
Descritores: CONTESTAÇÃO
APRESENTAÇÃO
IRREGULARIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/18/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I - A apresentação da contestação impõe ao réu a obrigação de individualizar a acção que, na prática, se faz através da referenciação do tribunal, juízo e a secção a que a contestação é dirigida ou da identificação da acção, com indicação da forma e número do processo e pela menção do nome das partes.
II - A contestação apresentada dentro do prazo legal, mas em juízo diferente daquele onde pendia a acção em consequência de lapso de identificação na individualização da acção constitui uma irregularidade processual prevista no nº 1 do artº. 201 do CPC, que não implica a sua rejeição, mas antes a sua junção ao processo a que diz respeito.
(G.A.)
Decisão Texto Integral: Acordam, na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório

1. W e A instauraram acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra J, Lda., pedindo que a Ré seja condenada:

«A) A reparar as anomalias generalizadas especificadas em 3. e seguintes, relativas às vivendas 4, 5 e 6 do relatório descrito no artigo5. supra, nomeadamente:

1 - Eliminação nas pinturas exteriores de paredes e muros de vedação dos sinais de degradação, empolamentos, descolagens e manchas típicas de ataques de humidades;  

2 - Retirada, substituição por novos e recolocação dos elementos cerâmicos de barro vermelho que revestem as paredes de frente e de trás das moradias, que garantam  uniformidade   da  cor das  referidas fachadas;

3 - Eliminação das pinturas deterioradas, manchadas, esfoliadas, de paredes e tectos interiores das respectivas vivendas;

4 - Reparação dos revestimentos interiores de azulejo que se mostrem deteriorados;

5 - Retoques do estuque de paredes e tectos interiores que estão fissurados, manchados, esfoliados ou deteriorados pelas humidades;

6 - Colocação de ralos ou grelhas em todos os orifícios dos tubos de queda;

7- Melhor acabamento nos remates dos referidos orifícios de queda;

8 - Reparação das anomalias de concepção ou de construção das tubagens de ventilação das lareiras e caldeiras;

Enfim

Reparar quaisquer outras anomalias, ora não descritas ou detectadas, mas que se revelem existentes aquando da vistoria judicial que desde já se requer.

B) A executar as reparações das anomalias gerais e particulares no prazo de trinta dias a contar da citação;

C) Caso a Ré não cumpra a obrigação, no prazo fixado, seja reconhecido aos AA. o   direito de requererem a prestação  dos factos  por outrem; bem como,

D) A Ré deve ser condenada a pagar cada um dos AA. a quantia mensal de mil euros até à reparação integral das ditas anomalias.»
Para tanto alegaram, em resumo, que:
- Em 16.11.2000, 06.02.2001 e 13.09.2001, os AA. adquiriram as vivendas unifamiliares, nºs. , sitas em , A-Dos-Cunhados, à Ré;
- A Ré é uma empresa de construção civil que procedeu ao projecto, execução e comercialização das referidas vivendas;
- Nos últimos meses, as moradias apresentam anomalias generalizadas e particulares, as quais se mostram discriminadas no artº. 5 da petição inicial;
- Tais deficiências provocam uma patologia geral dos edifícios, incómoda, desgastante e perniciosa para os AA.;
- E acentuaram-se nos últimos meses pelo que urge efectuar as reparações e a reabilitação das respectivas construções;
- Os AA. pretendem que a Ré repare, reponha e reabilite os edifícios em prazo não superior a 30 dias, prazo concedido na notificação judicial avulsa, que a Ré até ao presente ostracizou in totum;
- A omissão ou inexecução por parte da Ré nesses 30 dias acarretará danos resultantes da impossibilidade de os AA. fruirem capazmente das suas moradias, habitando-as com comodidade, procederem à sua venda ou dando-as de arrendamento.

2. Pessoal e regularmente citada com a cominação legal, a Ré não juntou procuração, pelo que foi proferido despacho interlocutório a considerar confessados os factos articulados pelos AA. (cfr. fls. 146).

3. Os AA. apresentaram alegações de direito por escrito a fls. 148-149.

4. Por último, em 02.03.2006, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência:

- condenou a Ré a «eliminar os defeitos referidos no artigo 5-ponto 3, dos factos provados, no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da presente sentença» e a «pagar a quantia de € 25,00 a cada um dos AA., por cada dia de atraso na reparação dos defeitos»;

- e absolveu a Ré «do demais que lhe foi pedido».

5. Em 20.03.2006, a Ré veio requerer que a contestação destinada a este processo e que,  por lapso manifesto, fora junta - em 12.10.2005, quando o prazo para apresentação da contestação nestes autos terminava em 14.10.2005 - ao processo nº a correr termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Vedras «seja considerada como apresentada em tempo, dando-se sem efeito os actos que foram praticados após 12 de Outubro» de 2005.

6. Ouvida a parte contrária, vieram os AA. pronunciar-se pela rejeição do requerido pela Ré, «face à inexistência de recurso, arguição de nulidade, quiçá de justo impedimento».

7. A fls. 218-220, foi proferido despacho admitindo a junção aos autos da contestação e anulando o processado subsequente a 12 de Outubro de 2005, «incluindo a sentença proferida».

8. Inconformados com a decisão, os AA. interpuseram o presente recurso - que foi recebido como de agravo, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo (cfr. despacho de recebimento de fls. 117) -, tendo formulado, a rematar a respectiva alegação recursória, as seguintes (transcritas) conclusões:

1ª. O artº 488 C.P.C. reza que “... na contestação deve o réu individualizar a acção e expor as razões de  facto  e  de  direito  por  que  se  opõe  á  pretensão do  autor...” .

2ª. A Ré não especifica ab initio qual a acção que contesta pois não  menciona  os  autores nem a acção!

3ª. A Ré alega que se socorreu da Douta Contestação do Pº.- 2º Juizo deste  Douto   Tribunal... que está em tempo... quid  juris ?

4ª. Compulsando as Contestações juntas pela Ré:

- Proc.  2º  Jº, junta sob Doc  1

- Proc.- 3º  Jº, junta sob Doc   2

- Proc.- 2º Jº,  junta sob Doc  3

constata-se que em  nenhuma é mencionado quem é o Autor... apresentando versão igual nos três   articulados!

            5ª. Constata-se quanto ao Doc  1- a fls. 170 - Pº - 2º  Juízo:

- tem  65 artigos

- não identifica os Autores

- os artigos 1º a 34º e  50º a  55º  são  IGUAIS   aos   vertidos  nas outras Contestações...

            6ª. Quanto ao Doc 2 -  fls 179 - Pº  -  3º  Juízo:

- tem 66 artigos

- não identifica os Autores

            7ª. Quanto ao Doc 3 a fls. 184 - Pº  2º Juízo:

- tem 66 artigos

- não identifica os Autores

            8ª. A Ré não invoca justo impedimento, não recorreu nem arguiu a NULIDADE do PROCESSADO desde a Citação...

            9ª. O Colendo Acórdão do STJ invocado pela Ré refere ipsis verbis que: “É de admitir a contestação que apresentada no prazo legal o foi, não no Tribunal onde deveria ser por nele correr a acção respectiva mas noutro Tribunal...”   Ora,

            10ª. In  casu  a Ré apresentou 3  (três) Doutas Contestações - Doc 1 a 3 - da mesma Ré    mas sem individualizar quem  são os  AA...e  a  pretensão individual!

            11ª. Seria admissível o vertido no invocado Acórdão se a Ré cumprisse in  totum ao prescrito no artº  488   CPC...mas não o fez pelo que sibi imputet!

            12ª. As Doutas Contestações - Doc 1, 2 e 3- são insusceptíveis de rectificação e, ou, de  observância da Legalidade... e a inobservância do art. 488 CPC, eventuais incorrecções ou inexactidões in arts. 35,36,44,46 e 47...podem igualmente constituir lapsos de escrita... a que os AA. são alheios in  totum: deve revogar-se a  Decisão recorrida.

            Conclui que «face à inexistência de recurso, arguição de nulidade, quiçá de justo impedimento, deve ser rejeitado o requerido pela Ré devendo ser desentranhados os Docs 1 a 3 - fls. 169 a 183, nada obstando a que seja considerado o trânsito em julgado  da  Douta  Sentença proferida logo que se detectou a inexistência de Contestação e o Douto Despacho ao revogar a Decisão já proferida atentou contra a certeza e unidade do Direito, contraditando-se de per si pelo que é NULO tendo atentado contra os arts. 487, 488 e 668 do C.P.C
                  
9. Não foram apresentadas contra-alegações.

10. O Mmº. Juiz a quo manteve o julgado nos termos do despacho de sustentação tabelar de fls. 256.

11. Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
      
II. Delimitação do objecto do recurso
Conforme deflui do disposto nos artigos 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 2, ambos do Cód. Proc. Civil, o âmbito de intervenção do tribunal ad quem é delimitado em função do teor das conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida), só sendo lícito ao tribunal de recurso apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente por imperativo do artº. 660º ex vi do artº. 713º, nº 2, do citado diploma legal.
Dentro dos preditos parâmetros, emerge das conclusões da alegação recursória apresentada como questão solvenda  saber das consequências do oferecimento da contestação, em devido tempo, mas em Juízo diferente daquele onde corre a acção respectiva, sendo a questão suscitada após prolação da sentença naquela acção.

III. Fundamentação

1. Das ocorrências processuais relevantes

Para decisão do objecto do presente agravo, releva o factualismo antes referido nos pontos 1. a 7. do precedente relatório e, ainda:

1.1. Em 22.07.2005, a Ré foi citada, por via postal registada, para contestar a acção ordinária registada sob o nº  pendente no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Vedras (cfr. A/R de fls.145).

1.2. Em 12.10.2005, a contestação - que, no trecho da narração respeitante ao plano dos factos concretos, se refere aos AA. como proprietários das vivendas 4, 5 e 6 (artº. 35º)  e às anomalias alegadas pelos AA. (artºs. 36º, 42º, 44º, 46º, 47º e 48º)- foi apresentada no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Vedras (cfr. fls. 199).

1.3. No endereço da contestação, a Ré referencia o 2º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Vedras, e, na identificação da acção, indica  o processo nº

1.4. A contestação foi junta ao aludido processo nº  e, posteriormente, a requerimento da Ré, foi ordenado o seu desentranhamento e remessa ao mandatário da Ré (cfr. fls. 197 e 207).

1.5. Em 20.03.2006, a Ré veio requerer que, em face do lapso manifesto, fosse considerado que a apresentação da contestação foi feita em prazo, dando-se sem efeito os actos praticados após 12.10. 2005 (cfr. fls. 169).

1.6. Após audição da parte contrária, tal pretensão foi objecto de apreciação jurisdicional no âmbito do despacho ora sob recurso, do seguinte teor:

«Veio a R. alegar, a fls. 169 e ss. que, por lapso dos serviços administrativos do ilustre mandatário a contestação relativa aos presentes autos foi remetida ao Proc. , do 2º Juízo deste tribunal, e com o nº deste, requerendo que a mesma seja considerada como apresentada em tempo, dando-se sem efeito os actos praticados após 12 de Outubro.

Notificados os AA. para se pronunciarem, os mesmos concluem que o requerido pela R. deve ser rejeitado e desentranhados os documentos apresentados, nada obstando ao trânsito em julgado da sentença.

Cumpre apreciar:

A questão a apreciar prende-se em saber se tendo a R. praticado o acto no caso de apresentação da contestação em devido tempo, mas dirigida a processo e juízo errados a mesma é eficaz e se tal questão pode ser apreciada neste momento, tendo já sido proferida sentença.

Nos termos do artigo 486º, nº 1 e 488º do C.P.C., a contestação deve ser apresentada em certo prazo e no tribunal onde está pendente a acção.

A apresentação da contestação em juízo diferente, ainda que do mesmo tribunal, constitui a nosso ver, uma irregularidade que não implica a perda do direito de praticar o acto, tratando-se sim de prática de um acto que a lei não admite.

In casu, pese embora a R. não identifique os AA. da acção que contesta, é  manifesto que a contestação de fls.199 e ss diz respeito aos presentes autos, tendo em conta as referências feitas nos artigos 35º, 36º, 42º, 44º, 47º e 48º “às vivendas 4, 5, 6”, a que também faz referência o artigo 1º da p. i..

E, pese embora o disposto no artigo 666º, nº 1 do C.P.C., cremos que se um acto da sequência processual anterior à sentença estiver ferido de nulidade, tempestivamente arguida, a sentença pode ser anulada, não sendo a nosso ver necessário o recurso da decisão final para impedir o trânsito em julgado.

Assim sendo, ao abrigo do disposto nos artigos 201º e 205º - tendo em conta que a R. requer que os actos praticados depois de 12.10.2005 sejam dados sem efeito - admite-se a junção aos autos da contestação de fls.199 e ss, com toda a sua eficácia, ordenando-se se proceda à rectificação do nº e juízo indicados na mesma, anulando-se o processado subsequente à data que dela consta -12.10.2005 -, incluindo a sentença proferida.
Notifique e D.N.».
           

2. Do mérito do agravo

2.1. Enquadramento preliminar: do prazo para a contestação e do lugar da sua apresentação

O prazo para a contestação é um prazo processual, de natureza peremptória, cujo decurso extingue o direito de praticar o acto processual em referência, de harmonia com o estatuído no nº 3 do artº. 145º do Cód. Proc. Civil.

No caso sub judicio - processo declarativo comum ordinário -, tal prazo é de 30 dias e começou a correr a contar da citação, não se incluindo nessa contagem o próprio dia (cfr. nº 1 do artº. 486º do Cód. Proc. Civil), e o seu cômputo obedece ao regime previsto no artº. 144º do mesmo diploma processual.

E tal contestação será apresentada na secção central do tribunal ou do juízo a que vem dirigida.

Daí que, em termos de estrutura formal, e quanto ao respectivo preâmbulo, mande o artº. 488º do Cód. Proc. Civil que o réu individualize a acção na contestação, sendo que tal individualização se faz na prática através de:

- endereço, em que o réu referencia o tribunal, o juízo e a secção a que a contestação vem dirigida;

- e identificação da acção, pela indicação da forma e número do processo e pela menção do nome das partes.

Assim:

- por um lado, se o funcionário verificar que a contestação foi apresentada já depois de esgotado aquele prazo e a possibilidade de prorrogação em geral de tal prazo (em conformidade com o preceituado no artº. 145º, nºs. 5, 6 e 7, do Cód. Proc. Civil), adoptará um de dois procedimentos: conclusão avulsa da contestação extemporânea, acompanhada do processo em mão, ou junção da contestação aos autos, com informação sobre a sua extemporaneidade;

- por outro lado, se a contestação for dirigida a entidade ou tribunal diverso daquele onde é apresentada ou quando for omitida a individualização das acção a que respeita, de modo a inviabilizar de todo a sua junção aos autos, a secretaria deverá recusar liminarmente a contestação.

Aportando agora um tal enquadramento normativo ao caso concreto:

2.2. Das consequências da apresentação da contestação em Juízo diferente, mas ao qual, por lapso, se mostra dirigida

No caso vertente, verificada a falta de junção de contestação pela Ré, pessoal e regularmente citada, foi proferido despacho interlocutório considerando confessados os factos articulados pelos AA. na petição inicial e ordenando a notificação destes para alegarem de direito, e, produzidas tais alegações por escrito, foi proferida sentença, a qual foi também notificada à Ré considerada revel.

Na sequência de tal notificação, veio a Ré suscitar a questão de a contestação haver sido, por manifesto lapso, junta ao processo nº  do 2º Juízo, ao qual se mostrava dirigida, e onde foi apresentada dentro do prazo legalmente concedido para contestar a presente acção.

Efectivamente, da análise dos autos resulta que a contestação foi apresentada dentro do prazo legal (em12.10.2005) mas em Juízo diferente daquele onde pendia a acção, uma vez que:

- foi endereçada ao 2º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Vedras, em vez de ter sido ao 1º Juízo do mesmo Tribunal;

            - em sede de identificação da acção, a Ré se limitou a indicar o número do processo - e, por lapso, incorrectamente o nº , ao invés do nº , correspondendo aquele a uma outra acção em que a Ré era igualmente demandada no 2º Juízo e por fundamentos de recorte próximo aos da presente acção -, sem qualquer menção à forma do processo e ao nome das partes.
            Qual será, então, a consequência desta apresentação da contestação - por manifesto lapso (revelado, desde logo no contexto da alegação ínsita nos artºs. 35º, 36º, 42º, 44º, 46º, 47º e 48º, da contestação e no cotejo com a circunstância de sobre a mesma Ré penderem outras acções, embora noutros Juízos do Tribunal Judicial de Torres Vedras, e nas quais a Ré accionou idêntico mecanismo de defesa)- em juízo diferente (o 2º Juízo), embora do mesmo Tribunal, e ao qual se mostrava dirigida?  

            Desde logo, temos por verificado um erro, parcial ao menos, no endereço da contestação e na individualização da acção, erro que determinou a junção da contestação ao aludido processo nº  do 2º Juízo.

            Ocorre, por conseguinte, a prática de um acto processual de parte com violação do disposto no artº. 488º do Cód. Proc. Civil, que conduziu à apresentação da contestação dentro do prazo legal, mas em processo diferente.

            E, relativamente a esta situação, não identifica a lei processual o vício que afecta tal apresentação da contestação, importando, assim, indagar se tal vício é susceptível de afectar a validade do acto processual de parte em referência.

            Afigura-se-nos que tal apresentação da contestação, dentro do prazo legal, mas em processo e juízo diferentes (na sequência de manifesto lapso cometido no preâmbulo) constitui uma irregularidade processual que não implica a sua rejeição, mas antes a sua junção ao processo a que diz respeito.

            Por outro lado, a prática de tal acto influi na decisão da causa, uma vez que conduziu à certificação de uma situação de revelia absoluta operante e que daí fossem extraídas as correspondentes consequências legais, designadamente, em sede de efeito cominatório semi-pleno.

            Afigura-se-nos, em consequência, que a prática - em devido tempo- de acto processual de parte em processo diferente, constitui uma irregularidade prevista no nº 1 do artº. 201º do Cód. Proc. Civil, a qual foi arguida pela parte, mediante o requerimento de fls. 169, logo que foi notificada da sentença (diversamente do sustentado pelos agravantes, atentou-se no efeito prático-jurídico pretendido, a interpretar no conjunto do requerimento de fls. 169, e não apenas com apego aos dizeres literais do requerido, nem à mera qualificação jurídica dada pela Ré). 

            A verificação de tal irregularidade implica apenas a anulação da junção ao processo nº do 2º Juízo e dos termos subsequentes que dela dependem absolutamente (com relevância na presente acção), mas não prejudica os efeitos emergentes da parte do acto não afectada pelo vício, isto é, que a Ré contestou, daí resultando, necessáriamente, a anulação de todo o processado subsequente a tal exercício do direito de defesa. Ou seja: impõe-se concluir que a Ré contestou tempestivamente e, consequentemente, não pode subsistir a ulterior tramitação processual baseada na falta de contestação, incluindo a sentença final que conheceu do mérito.

            Problemático é, por último, saber se, neste caso, a lei permite tal anulação de todo o processado subsequente à prática do acto em 12.10.2005, dado já ter sido proferida sentença.

            Efectivamente, proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, de harmonia com o preceituado no nº 1 do artº . 666º do Cód. Proc. Civil, sendo, porém, lícito ao juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades da sentença, esclarecer dúvidas existentes na sentença e reformá-la, quanto a custas e multa e em caso de erro de julgamento, de direito ou de facto, manifesto (cfr. nº 2 do mesmo artº. 666º), bem como reparar o agravo, no caso de sentença formal (cfr. nº 1 do artº. 744º do mesmo diploma) e homologar a desistência do pedido, da confissão ou da transacção (antes do respectivo trânsito: cfr. nº 1 do artº. 293º do Cód. Proc. Civil).
            Por outro lado, mesmo depois de transitada, a sentença pode ainda ser objecto de revogação pelo próprio tribunal que a proferiu, mas já em sede dos recursos extraordinários de revisão e de oposição de terceiro, nos termos dos artºs. 771º e segs. e 778º e segs., respectivamente.
            In casu: o despacho jurisdicional ora sob recurso foi proferido após prolação da sentença, mas não se reconduz à hipótese de suprimento de nulidades da sentença enumerada nº 2 do aludido artº. 666º do Cód. Proc. Civil como excepção ao mencionado princípio.
            Tal irregularidade encontra-se, todavia, estabelecida no bloco normativo constante dos artºs. 193º e segs. do Cód. Proc. Civil e, do respectivo regime legal, resulta constituir a mesma excepção ao aludido esgotamento do poder jurisdicional.
            Assim, e ao invés do pretextado pelos Agravantes, não obstante já ter sido proferida sentença - uma vez que a mesma ainda não transitou em julgado -, cabe dentro dos poderes do tribunal, anular, oficiosamente, todo o processado posterior à prática do acto processual em 12.10.2005.    

Desta forma, a decisão sob recurso não merece censura, pelo que o recurso não pode proceder.

IV. Decisão
Posto o que precede, acordam os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao agravo e, consequentemente, manter o despacho recorrido.
Custas a cargo dos Agravantes.

Lisboa, 18 de Dezembro de 2007

(Processado e integralmente revisto pela relatora, que assina e rubrica as demais folhas)

(Isabel Canadas)

(Sousa Pinto)

(Jorge Vilaça)