Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9443/2006-6
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: DECISÃO
FUNDAMENTAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/04/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ORDENADA A BAIXA DO PROCESSO
Sumário: 1 – A imposição da fundamentação não impede necessariamente que o Tribunal motive em conjunto as respostas a mais do que um facto da base instrutória, quando os factos objecto da motivação se apresentem entre si ligados e sobre eles tenham incidido fundamentalmente os mesmos meios de prova. Essa motivação conjunta pode até ser aconselhável.
2 – O artigo 712º, n.º 5, em consonância com a exigência do n.º 2 do artigo 653º, estatui que, “se a decisão proferida sobre alguma facto essencial para o julgamento da causa não estiver devidamente fundamentada, pode a Relação, a requerimento da parte, determinar que o tribunal da 1ª instância a fundamente”, ainda que para tanto tenha de repetir a prova.
3 – Donde, se o facto dado, sem fundamentação, como provado ou não provado, não se revelar concretamente essencial para a decisão da causa, a exigência a posteriori da fundamentação, em via de recurso, é inútil, sendo a falta de fundamentação irrelevante. Aliás, nem a pura falta de resposta a uma questão incluída, bem ou mal, na base instrutória pode determinar a anulação do julgamento pela Relação, se esta tiver os factos em causa por totalmente irrelevantes para a decisão da causa.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

1.
A… intentou, na 13ª Vara Cível de Lisboa, a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra “I…”, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 55.260,64 e dos danos materiais posteriores que se apurarem.

Fundamentando a sua pretensão, alegou, em síntese, que, no dia 30/01/2003, ao atravessar a Avenida Almirante Reis, foi atropelada em plena passadeira de peões pelo veículo automóvel de matrícula …, tendo, em consequência do atropelamento, sofrido diversas fracturas, pelo que foi sujeita a internamento hospitalar para tratamento de tais lesões, tendo gasto a quantia de € 30.260,64.
Acrescenta que sofreu dores intensas e prolongadas, sujeitou-se a tratamentos e a intervenções cirúrgicas e que, em consequência das lesões sofridas, ficou com uma incapacidade que a levou a contratar uma empregada, a quem paga a quantia mensal de € 500,00.

A Ré contestou, impugnando os factos articulados pela Autora, tendo concluído pela absolvição do pedido.

Foi proferido despacho saneador e organizados os factos assentes e a base instrutória que foram objecto de reclamação, nos termos constantes de fls. 109, decidida por despacho de fls. 128-131.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo oportunamente sido julgada a matéria de facto e, de seguida, foi proferida sentença, absolvendo a Ré do pedido.

Inconformada, recorreu a Autora, finalizando a alegação com as seguintes conclusões:
1ª – O despacho que fixou a matéria de facto, quer no que se refere às respostas negativas aos quesitos 1º, 2º e 5º, quer no que se refere às respostas dadas aos quesitos 6º a 13º, referentes à forma como terá ocorrido o acidente, não contém qualquer análise crítica das provas nem especifica os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, o que constitui violação do n.º 2 do artigo 653º do CPC.
2ª – Nomeadamente no que se refere às respostas aos quesitos 6º a 13º limita-se a mencionar, de forma global, o depoimento de quatro testemunhas, o que, em face da nova lei de processo, quer a Doutrina, quer a Jurisprudência, consideram inadmissível.
3ª – Independentemente da fundamentação que terá de ser feita pelo Exc. mo Juiz não é possível manter a matéria de facto fixada pelo Tribunal no que se refere aos quesitos 5º, 7º, 9º, 11º e 12º.
4ª – Com efeito, as respostas aos quesitos 7º, 9º, 11º e 12º contrariam, desde logo, a versão do acidente descrita pelo condutor atropelante (António …), na altura em que aquele aconteceu; não encontram fundamento sério no depoimento das testemunhas ouvidas sobre o atropelamento (R …; S … e P …) e contrariam as regras de ciência e experiência em face da matéria assente nas alíneas B), C), D) e E) dos factos assentes e a resposta dada ao quesito 15º.
5ª – A violência do embate com projecção da Autora a 9,10 m não é claramente compatível com a velocidade de 40 Km/h, nem esta pode explicar que o condutor atropelante, desde a entrada da passadeira onde circulava o peão (a autora), tenha ainda percorrido mais 11,50 metros, se se tiver presente que se tratava de um automóvel Mercedes com ABS.
6ª – Também não é possível dar como certo que, quando a Autora iniciou a travessia na passadeira, o sinal já estivesse vermelho para os peões, se se tiver em atenção que a Autora percorreu cerca de 7 metros e, ao mesmo tempo, o automóvel, desde que saiu do sinal até colher a Autora, percorreu cerca de 25 metros.
7ª – Também a resposta negativa ao quesito 5º é completamente incompreensível em face dos depoimentos das testemunhas J … e M ….
8ª – As alterações que devem ser feitas à matéria de facto fixada conjugadas com os factos já assentes terão que levar necessariamente à conclusão da existência de culpa por parte do condutor atropelante.
9ª – Com efeito, o condutor que vai embater violentamente num peão que atravessava a passadeira e ia já a chegar ao separador central, numa faixa de rodagem de 7 metros, projectando-o a 9,10 metros não pode dizer que ia atento e nada podia fazer para evitar o embate.
10ª – Não pode, pois, aceitar-se a tese simplista da sentença, atirando todas as culpas do acidente para a autora, mesmo baseando-se numa matéria de facto que não pode manter-se.

A Ré contra – alegou, defendendo a bondade da decisão recorrida.
2.
Na 1ª Instância consideraram-se provados os seguintes factos:
1º - No dia 30/01/2003, pelas 11h 40m, a Autora A… atravessava a Avenida Almirante Reis, na passadeira de peões, no sentido poente – nascente, no cruzamento com a Avenida de Paris e a Rua Barão de Sabrosa (alínea A).
2º - Quase ao chegar ao separador central da Avenida Almirante Reis, a Autora foi violentamente embatida pelo veículo automóvel ligeiro de marca Mercedes, com a matrícula …, conduzido pelo seu proprietário A …, o qual circulava na Avenida Almirante Reis, do Areeiro para a Alameda Dom Afonso Henriques (sentido norte – sul) (alínea B).
3º - No local do atropelamento, a Avenida Almirante Reis tem três sub – faixas de rodagem, em cada sentido (alínea C).
4º - Em consequência do embate, a Autora foi projectada a mais de 9,10 metros de distância, ficando imobilizada na faixa de rodagem junto ao separador central (alínea D).
5º - O veículo automóvel ligeiro da marca Mercedes, com a matrícula …, parou 11,50 metros depois de passado o cruzamento com a Avenida de Paris (alínea E).
6º - No local, o trânsito de veículos automóveis e peões é regulado por sinalização semafórica automática, a qual se encontrava a funcionar normalmente (alínea H).
7º - Em consequência do atropelamento, a Autora sofreu fractura da diáfise da tíbia esquerda, fractura do colo do perónio esquerdo, fractura do oleocrânio direito, fractura da diáfise do úmero esquerdo e várias contusões em todo o corpo (alínea I).
8º - A Autora esteve internada e imobilizada no "Hospital de São José" desde 30/01/2003 até 06/02/2003 e de 06/02/2003 até 18/02/2003 no "Hospital de São Lázaro", durante o período de internamento foi operada, em 04/02/2003, para encavilhamento da tíbia e do úmero e osteossíntese do oleocrânio, tendo posteriormente feito fisioterapia para consolidação das fracturas (alínea J).
9º - Desde 18/02/2003 até 29/06/2003, a Autora esteve internada na Clínica de recuperação "Clube …" (alínea L).
10º - Em 17/06/2003, a Autora voltou ao "Hospital de São Lázaro" para nova operação para remoção do material de osteossíntese colocado ao nível do cotovelo direito, tendo tido alta a 18/06/2003 (alínea M).
11º - Durante o período de 18/02/2003 a 29/06/2003, a Autora fez análises, radiografias e tratamentos e deslocou-se por diversas vezes ao Hospital à consulta de ortopedia (alínea N).
12º - Com o internamento na "Clínica …", os exames, os medicamentos e os tratamentos, a Autora gastou a quantia de € 11.717,64 (alínea O).
13º - Em transportes em ambulância e com a compra de um par de canadianas a Autora gastou a quantia de € 175,95 (alínea P).
14º - Com as consultas. tratamentos e medicamentação posteriores a 29/06/2003, a Autora gastou a quantia de € 807,05 (alínea Q).
15º - À data do atropelamento, a responsabilidade civil emergente de danos causados pela circulação do veículo automóvel ligeiro da marca Mercedes, com a matrícula … encontrava-se transferida para a Ré "I…", por contrato de seguro válido e eficaz, titulado pela apólice n.º -------- (alínea R).
16º - Em consequência do atropelamento, a Autora foi transportada para o “Hospital de São José” (resposta ao quesito 3º).
17º - A Autora continua com uma rigidez do ombro esquerdo de grau II (resposta ao quesito 4º).
18º - O veículo automóvel de matrícula … circulava na Avenida Almirante Reis junto ao separador central (resposta ao quesito 6º).
19º - Os semáforos apresentavam luz verde para o trânsito que circulava na Avenida Almirante Reis e a luz vermelha para os peões que a pretendessem atravessar (resposta ao quesito 7º).
20º - Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas, a sub - faixa direita, atento o sentido de marcha do veículo automóvel de matrícula …, desde o cruzamento com a Avenida de Paris, encontrava-se ocupada com uma fila veículos automóveis que haviam parado atrás de um autocarro (resposta ao quesito 8º).
21º - Circulavam veículos automóveis na sub - faixa do meio, atento o sentido de marcha do veículo automóvel de matrícula … (resposta ao quesito 9.°).
22º - A Autora começou a atravessar a Avenida Almirante Reis passando pela frente de um veículo automóvel que se encontrava parado na sub - faixa direita, atento o sentido de marcha do veículo automóvel de matrícula … (resposta ao quesito 10º).
23º - A Autora surgiu repentinamente à frente do veículo automóvel de matrícula …, por se encontrar encoberta pelo veículo automóvel que se encontrava parado na sub - faixa direita e pelos que circulavam na sub - faixa do meio, atento o sentido de marcha do veículo automóvel de matrícula … (resposta ao quesito 11º).
24º - O condutor do veículo automóvel de matrícula … avistou a Autora a poucos metros de distância, travou e tentou desviar-se para a sua esquerda mas não conseguiu evitar o embate (resposta ao quesito 12º).
25º - O veículo automóvel de matrícula … não deixou qualquer marca de travagem no pavimento anterior ao embate (resposta ao quesito13º).
26º - O local tem boa visibilidade e a distância entre o semáforo que abriu à circulação aos automóveis da Praça do Arieiro e a passadeira de peões não é superior a 30 metros nem inferior a 25 metros (resposta ao quesito 15º).
3.
Tendo em conta as conclusões da apelante, que delimitam afinal o objecto do recurso, são três as questões suscitadas pela recorrente:
1ª – Falta de fundamentação do despacho que fixou a matéria de facto.
2ª – Alterações à matéria de facto.
3ª – Existência de culpa no acidente por parte do condutor atropelante.
*
Considera a Recorrente que o Exc. mo Juiz omitiu, no seu despacho, as razões que o levaram a responder negativamente aos quesitos 1º, 2º e 5º, limitando-se a afirmar “não ter sido efectuada prova cabal”.

E o mesmo se verifica no que se refere às respostas afirmativas aos quesitos 6º a 13º referentes à forma como terá ocorrido o acidente, onde se limita a mencionar como base da sua convicção, de forma global, o depoimento de quatro testemunhas que indica, não especificando porém nem fundamentando que depoimentos foram esses e porque foram eles decisivos para a convicção que formou sobre cada um dos factos quesitados.

Perante isso, pretende que este Tribunal da Relação, nos termos do n.º 5 do artigo 712º do CPC, determine que o Tribunal a quo fundamente, nos termos legais, as suas respostas aos mencionados quesitos.

Ora bem.

Embora o tribunal aprecie livremente as provas, deve fazer uma análise crítica das mesmas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a formação da convicção do julgador. Esta exigência destina-se a possibilitar, de certo modo, o controlo da decisão, visto que têm de ser indicados os meios de prova que, no caso concreto, serviram para alicerçar a convicção formada em relação a cada facto.
“De acordo com a doutrina maioritária, o n.º 2 do artigo 653º não se contenta com a fundamentação dos factos positivos, mas exige, de igual modo, que os factos não provados sejam devida e criteriosamente fundamentados, através da apreciação crítica das provas propostas , de molde a evidenciar a razão ou razões que levam o Tribunal a concluir não serem as mesmas suficientes para infirmarem conclusão diversa da de considerar tais factos como não provados, fundamentação esta que a generosidade dos Juízes omite, o que é tanto mais grave e injustificado quanto é certo que a sorte das acções assenta, não raro decisivamente, nos factos negativos, por aplicação das regras do ónus da prova.
A sindicabilidade da decisão sobre a matéria de facto é incompatível com a desnecessidade da fundamentação das respostas de «não provado», como é consabido e sentido por todos os intervenientes processuais” (1).

Actualmente a exigência de motivação não se satisfaz com a simples referência aos meios de prova que o julgador considerou decisivos para a formação da sua convicção. Além da referência aos concretos meios de prova que foram tidos em conta, devem ser indicadas as razões por que tiveram especial relevância para a formação da convicção do tribunal (2).

Por outras palavras, a decisão sobre a matéria de facto não pode confinar-se nem à mera declaração de quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, nem a essa declaração acompanhada da fundamentação genérica dos meios de prova que conduziram a um ou a outro daqueles resultados: o n.º 2 do artigo 653º exige, por um lado, a análise crítica dos meios de prova produzidos no processo e, por outro, manda especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, expressa na resposta, positiva ou negativa, dada à matéria de facto controvertida.

“Não se trata, por conseguinte, de um mero juízo arbitrário ou de intuição sobre a realidade ou não de um facto, mas de uma convicção adquirida através de um processo racional, alicerçado e, de certa maneira, objectivado e transparente, na análise criticamente comparativa dos diversos dados trazidos através das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações essencialmente determinantes da opção feita e cuja enunciação, por exigência legal, representa o assumir das responsabilidades do julgador inerentes ao carácter público da administração da Justiça” (3).

Não sendo a convicção em si mesma controlável, devido à sua natureza psicológica, são pelo menos possíveis de controlo os seus fundamentos.

“O tribunal deve, pois, por exemplo, explicitar por que acreditou em determinada testemunha e não em outra, por que se afastou das conclusões dum relatório pericial para se aproximar das de outro, por que razão o depoimento de uma testemunha com qualificações o convenceu mais do que um relatório pericial divergente ou por que é que, não obstante vários depoimentos produzidos sobre certo facto, não se convenceu de que ele se tivesse realmente verificado. Quando a prova é gravada, a sua análise crítica constitui complemento fundamental da gravação; indo, nomeadamente, além do mero significado das palavras do depoente, evidencia o modo como ele depôs, as suas reacções, as suas reacções e, de um modo geral, todo o comportamento que rodeou o depoimento; devendo o julgador fazer as suas observações que se impõem para que tal se torne transparente na audição da gravação feita, só, porém, a fundamentação revelará a medida em que tal terá sido decisivo para o convencimento do julgador. Ainda que a prova seja gravada e, portanto, susceptível de ser reapreciada pela Relação, a necessidade de fundamentação séria leva, indirectamente, o tribunal a melhor confrontar os vários elementos de prova, não se limitando à sua intuição ou às impressões mais fortes recebidas na audiência decorrida e considerando, um a um, todos os factores probatórios submetidos à sua livre apreciação, incluindo, nos casos indicados na lei (artigos 519, n.º 2; 529º; 665º e 357º, n.º 2 CC), os relativos à conduta processual da parte. A fundamentação exerce, pois, a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo tribunal superior e de reforçar o auto – controlo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao acto jurisdicional” (4).

Tanto basta para exigir do julgador um maior empenho na apreciação da prova, visto que tem de partir de uma análise crítica da mesma.

O artigo 712º, n.º 5, em consonância com a exigência do n.º 2 do artigo 653º, estatui que, “se a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa não estiver devidamente fundamentada, pode a Relação, a requerimento da parte, determinar que o tribunal de 1ª instância a fundamente”, ainda que para tanto tenha de repetir a produção de prova.

Isto significa que, se o facto dado, sem fundamentação, como provado ou não provado não se revelar concretamente essencial para a decisão da causa, a exigência a posteriori da fundamentação, em via de recurso, é inútil, sendo a falta de fundamentação irrelevante. Aliás, nem a pura falta de resposta a uma questão incluída – bem ou mal – na base instrutória pode determinar a anulação do julgamento pela Relação, se esta tiver os factos em causa por totalmente irrelevantes para a decisão da causa.

Remetendo-nos ao caso sub judicio, importa, então, averiguar se a decisão proferida sobre os alegados factos se reporta a factos essenciais para o julgamento da causa e, nesse caso, se não se encontra devidamente fundamentada.

Aqui chegados, importará referir que a imposição da fundamentação não impede necessariamente que o tribunal motive em conjunto as respostas a mais do que um facto da base instrutória, quando os factos objecto da motivação se apresentem entre si ligados e sobre eles tenham incidido fundamentalmente os mesmos meios de prova. Essa motivação conjunta pode até ser concretamente aconselhável.

Relativamente ao facto dos quesitos mencionados serem ou não essenciais para o julgamento da causa, parece não haver dúvidas quanto à sua essencialidade, pois, enquanto os dois primeiros quesitos vertiam a tese da autora, segundo a qual o acidente se deveu à culpa do condutor do veículo interveniente no embate, os quesitos 6º a 13º traduzem a tese da Ré, fazendo incidir sobre a autora a culpa do deflagrar daquela ocorrência.

Por sua vez, o quesito 5º era relevante para a determinação da indemnização a arbitrar à autora, se verificados os demais pressupostos exigidos pelo artigo 483º CC, no que concerne à responsabilidade civil extracontratual.

Relativamente à segunda questão, ou seja, saber se a decisão se encontra ou não devidamente fundamentada, o Exc. mo Juiz alicerça a resposta positiva dada aos quesitos 6º a 13º na “ponderação da globalidade da actividade probatória constante dos autos” e no “depoimento das testemunhas A …, R …, S … e P …, as quais depuseram com conhecimento directo dos factos, por terem assistido ao acidente”.

Temos, assim, que a decisão sobre a matéria de facto confinou-se, e não se podia confinar, à declaração de quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, acompanhada da fundamentação genérica dos meios de prova que conduziram à resposta positiva dada aos quesitos 6º a 13º, omitindo as razões que o levaram a responder negativamente aos quesitos 1º, 2º e 5º, quando, como se disse, o n.º 2 do artigo 653º exige, por um lado, a análise crítica dos meios de prova produzidos no processo e, por outro, manda especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, expressa na resposta, positiva ou negativa, dada à matéria de facto controvertida.

Embora a prova tenha sido gravada e portanto susceptível de ser reapreciada pela Relação, nem por isso a análise crítica deixa de ser exigida.

Ela constitui complemento fundamental da gravação, devendo evidenciar o modo como depuseram as testemunhas e, de um modo geral, todo o comportamento que rodeou o seu depoimento; devendo o julgador fazer as suas observações que se impõem para que tal se torne transparente na audição da gravação feita. E só a fundamentação revelará a medida em que tal terá sido decisivo para o convencimento do julgador.

De facto, não se vislumbra no despacho em causa, como se disse, qualquer análise crítica nem qualquer especificação de fundamentos, limitando-se a indicar em bloco os meios de prova que diz ter considerado para as respostas a todos os quesitos 6º a 13º e relativamente aos quesitos 1º, 2º e 5º, o Exc. mo Juiz omitiu no seu despacho as razões que o levaram a responder negativamente aos mesmos.

Assim, porque a decisão proferida sobre os referidos factos, que se consideram essenciais para o julgamento da causa, não se encontra devidamente fundamentada, deverá o Tribunal a quo fundamentá-la devidamente, ainda que para tanto tenha de repetir a produção da prova, se necessário.

Procedendo esta questão, ficam precludidas, por ora, as demais, devendo os autos ser remetidos à 1ª instância, dando-se baixa dos mesmos.
4.
Pelo exposto, na procedência da apelação, determina-se que o Tribunal a quo fundamente devidamente a decisão, ainda que para tanto tenha de repetir a produção da prova, se necessário.

Custas a final conforme o decaimento das partes.

Lisboa, 4 de Dezembro de 2006.
Granja da Fonseca
Pereira Rodrigues
Fernanda Isabel



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1.-Abílio Neto, Código de Processo Civil Anotado, 17ª edição, 817.

2.-Pais do Amaral, Direito Processual Civil, 5ª edição, 333.

3.-Pereira Baptista, Reforma do Processo Civil, 1997, 90 e seguintes.

4.-Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, II, 628.