Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | FERNANDA ISABEL PEREIRA | ||
| Descritores: | INTERRUPÇÃO DA INSTÂNCIA DESERÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 06/12/2006 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | AGRAVO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
| Sumário: | I - Sanciona-se, através da interrupção e da deserção da instância, a inactividade ou passividade das partes na promoção do andamento do processo, às quais, de harmonia com o princípio do dispositivo consagrado nos artigos 264º nº 1 e 265º nº 1 do Código de Processo Civil, compete a iniciativa processual, visto que só sob o seu impulso é possível desencadear o processo, mediante o respectivo pedido - princípio do pedido -, competindo-lhes ainda, uma vez iniciada a instância, o ónus de impulso processual nos casos especialmente impostos por lei, a que Alberto dos Reis chama o ónus de promoção. II - Tendo-se por certo que a interrupção só tem por causa a negligência da parte ou das partes em promover os termos do processo e que a negligência a que se refere a lei há-de caracterizar-se pela omissão de um acto que é necessário ao prosseguimento do processo e que lhe pertença praticar, não se vislumbra razão para a interrupção da instância e ulterior deserção da mesma instância ficar dependente da prolação de despacho judicial que declare a interrupção. III - A negligência será apreciada quando e se for suscitada a questão de saber se a parte esteve, sem culpa sua, impedida de requerer ou praticar o acto processual de que dependia o prosseguimento do processo no prazo legalmente estabelecido ou se a omissão ficou a dever-se a negligência sua. IV - Decorridos cinco anos, na redacção do artigo 291º do Código de Processo Civil anterior à revisão de 1995, ou dois anos, na redacção actualmente vigente, sobre a data em que ocorreu a interrupção, a instância fica deserta independentemente de qualquer decisão judicial nesse sentido. F.G. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa 1. Relatório : No processo de execução para pagamento de quantia certa, sob a forma ordinária, que o Banco, SA, moveu no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa contra Manuel e E agravou a exequente do despacho que julgou estar verificada a deserção da instância, formulando na respectiva alegação de recurso a seguinte síntese conclusiva: 1ª Nos autos principais de execução o Mmo Juiz proferiu despacho de fls. 51, no qual considerou verificar-se a deserção da presente instância de harmonia com o art. 291º do CPC. 2ª Porém, e salvo o devido respeito, resulta do art. 291° do CPC que o prazo prescrito para que ocorra a deserção da instância está condicionado à prévia interrupção da instância e à respectiva notificação das partes. 3ª Assim, a ocorrência de interrupção, contrariamente à deserção que tem efeitos automáticos, está condicionada à existência de decisão judicial que a declare, na medida em que pressupõe um juízo de valor quanto à existência de negligência da parte onerada com o dever de produzir impulso processual. 4ª Aliás, a interrupção da instância é pressuposto da deserção (art.291°/1), em consequência da qual a instância se extingue. 5ª Nos autos principais, verifica-se que não foi proferido nenhum despacho de interrupção da instância, nos termos do art. 285° do CPC, pelo que o mesmo nunca poderia ter sido notificado às partes, de modo a conferir eficácia àquele. 6ª Na esteira do decidido pelo Acórdão da Relação de Évora "... a interrupção da instância não opera automaticamente pelo decurso do prazo, mas tão-só através do despacho que a decrete, o qual só vigora a partir da sua notificação (..)'', in BMJ 475-799, Ac. RE, de 12.03.1998. 7ª Aliás, quer a doutrina quer a jurisprudência são unânimes em considerar que a interrupção da instância apenas ocorre uma vez formulado juízo valorativo da negligência da parte a quem incumbe o impulso processual, o que só acontece por despacho judicial regularmente notificado às partes. 8ª Por conseguinte, a ocorrência de interrupção, e salvo melhor entendimento, está condicionada à existência de decisão judicial que a declare, na medida em que pressupõe um juízo de valor quanto à existência de negligência da parte onerada com o dever de produzir impulso processual. 9ª E mais, pois o facto de ter sido proferido despacho de suspensão, nos termos do art. 871° do CP.C, relativamente à penhora da fracção autónoma, devidamente notificado à ora agravante e esta ter sido igualmente notificada da conta de custas elaborada nos termos do art. 51° do CC Judiciais em nada interfere com o supra mencionado. 10ª Assim, e salvo o devido respeito, entende a ora Agravante que a situação sub judice não consubstancia qualquer deserção da instância, nos termos do art. 291° do C.P.C. 11ª Devendo ser declarada a nulidade por omissão da notificação de um despacho de interrupção da instância, nos termos e para os efeitos no disposto no art. 285°, de harmonia com o disposto no art. 201° n° 1 do CPC, o que, desde já se invoca. 12ª E mais, o douto despacho de sustação proferido nos autos tem de ser visto à luz do teor do douto despacho de fls. 25, segundo o qual o Tribunal a quo indeferiu as demais diligências de penhora requeridas, face à suficiência do bem imóvel penhorado. 13ª Tendo a exequente, ora Agravante, e só após verificação da insuficiência do referido imóvel acabado por reiterar os pedidos de penhora anteriormente requeridos, o que fez através do seu requerimento de 20/02/06. 14ª O douto despacho ora recorrido violou os arts. 285° e 291° do CPC. Nestes termos, dever-se-á revogar o despacho de fls. 51 e, em consequência, ser ordenada a penhora da pensão auferida pela executada E e serem oficiadas as entidades oficiais, nos termos então requeridos, seguindo-se os demais trâmites legais. Não houve contra alegação. Foi proferido despacho de sustentação. 2. Fundamentos: 2.2. De facto: Para o conhecimento do recurso releva a seguinte dinâmica processual: a) A presente execução foi instaurada em 27 de Fevereiro de 1996. b) Em 27 de Agosto de 1996 a exequente nomeou à penhora uma fracção autónoma, o direito de habitação periódica relativo a outra fracção autónoma e 1/3 da pensão de reforma da executada. c) Considerando o valor da execução foi, por despacho de 20 de Dezembro de 1996, ordenada apenas a penhora da fracção autónoma (fls.25). d) Realizada tal penhora e efectuado o respectivo registo, foi junta aos autos a certidão de ónus ou encargos. e) Por despacho de 2 de Julho de1997 foi sustada a execução, nos termos do disposto no artigo 871º do Código de Processo Civil, por incidirem sobre a fracção penhorada penhoras anteriormente registadas (fls. 41). f) A exequente foi notificada deste despacho por carta registada expedida em 2 de Setembro de 1997 para o seu mandatário (fls. 41). g) A exequente juntou um substabelecimento aos autos em 29 de Setembro de 1997 (fls. 42 e 43). h) Em 10 de Fevereiro de 1998 o processo foi remetido à conta, tendo a exequente pago as respectivas custas. i) A exequente veio requerer, em 20 de Fevereiro de 2006, a penhora em 1/3 da pensão auferida pela executada E e que se oficiasse ao Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social do Centro no sentido de informar se o executado R procede a descontos e a que título. Pediu ainda que fosse solicitado à Direcção de Serviços de Identificação Civil da Direcção-Geral dos Registos e Notariado elementos de identificação actualizados relativos aos executados. j) Sobre este requerimento recaiu, em 2 de Março de 2006, o seguinte despacho: “Indefere-se a pretensão da exequente, porquanto há muito ocorreu a deserção da presente instância – cfr. art. 291º C.P.C.” (fls. 51). l) Em 16 de Março de 2006 a exequente requereu a reforma desse despacho no sentido de ser ordenada a notificação do despacho de interrupção da instância e ser declarada a nulidade decorrente da omissão da notificação de tal despacho, o que foi indeferido por despacho proferido no dia 28 de Março de 2006 (fls. 60/61). 2.2. De direito: Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação da agravante, delas emerge como questão nuclear a decidir saber se, no caso, ocorreu a deserção da instância, nos termos do disposto no artigo 291º do Código de Processo Civil. O conhecimento desta questão passa, a nosso ver, pela natureza – declarativa ou constitutiva – do despacho que declara a interrupção da instância prevista no artigo 285º do mesmo Código de Processo Civil. A instância interrompe-se quando o processo estiver parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente do qual dependa o seu andamento e quando a instância esteja interrompida durante dois anos, considera-se deserta, independentemente de qualquer decisão judicial (artigos 285º e 291º nº 1 do Código de Processo Civil, diploma a que se referirão todos os preceitos doravante citados sem outra menção). Sanciona-se, através da interrupção e da deserção da instância, a inactividade ou passividade das partes na promoção do andamento do processo, às quais, de harmonia com o princípio do dispositivo consagrado nos artigos 264º nº 1 e 265º nº 1 do Código de Processo Civil, compete a iniciativa processual, visto que só sob o seu impulso é possível desencadear o processo, mediante o respectivo pedido - princípio do pedido -, competindo-lhes ainda, uma vez iniciada a instância, o ónus de impulso processual nos casos especialmente impostos por lei, a que Alberto dos Reis chama o ónus de promoção(1). É a inércia das partes durante mais de um ano que está na origem da interrupção, a qual cessa “se o autor requerer algum acto do processo ou do incidente de que dependa o andamento dele...” (artigo 286º). Vem-se discutindo se o despacho que declara interrompida a instância por aplicação do disposto no citado artigo 285º tem natureza constitutiva, ou seja, a interrupção só produz efeitos a partir da notificação desse despacho, ou declarativa, caso em que a interrupção opera independentemente da data de tal despacho e mesmo que este seja posterior à sua verificação. Considera-se que o artigo 285º faz decorrer a interrupção da instância da circunstância de o processo estar parado por mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente de que dependa o seu andamento, dele não resultando qualquer exigência de despacho judicial para que possa operar a interrupção. Pelo que ao despacho que declarar a interrupção da instância tem de reconhecer-se uma função meramente declarativa, visto que o mesmo se limita a constatar que houve uma interrupção da instância devida a inércia negligente das partes por mais de um ano. Não é, pois, esse despacho que faz nascer a interrupção, mas a inactividade negligente das partes durante mais de um ano. Uma parte da jurisprudência que assim entende, de que se destaca o Ac. do STJ de 12.01.1999 (2), defende que, não obstante a natureza declarativa de tal despacho, o mesmo não pode dispensar-se por duas ordens de razões. “Por um lado, há interrupção quando as partes tiverem sido negligentes e por inércia sua tiverem, contra o que podiam ter feito, deixado de impulsionar o processo; e a constatação desta negligência compete, evidentemente, ao juiz. Por outro lado, a interrupção pode ter efeitos noutra sede; pode, como se vê do artigo 332º do Código Civil, ter influência no juízo a formular sobre a caducidade do direito de propor certa acção em juízo.” Salvo o devido respeito, não se acompanha este entendimento. Com efeito, considera-se, na linha do decidido no Ac. do STJ de 29.04.2003 (3), que, tendo-se por certo que a interrupção só tem por causa a negligência da parte ou das partes em promover os termos do processo e que a negligência a que se refere a lei há-de caracterizar-se pela omissão de um acto que é necessário ao prosseguimento do processo e que lhe pertença praticar, não se vislumbra razão para a interrupção da instância e ulterior deserção da mesma instância ficar dependente da prolação de despacho judicial que declare a interrupção (4). E o argumento que se extrai do artigo 332º do Código Civil no sentido da necessidade do referido despacho judicial a declarar interrompida a instância não impressiona. Isto porque, como é referido no aludido acórdão do STJ de 29.04.2003, a negligência será apreciada quando e se for suscitada a questão de saber se a parte esteve, sem culpa sua, impedida de requerer ou praticar o acto processual de que dependia o prosseguimento do processo no prazo legalmente estabelecido ou se a omissão ficou a dever-se a negligência sua. Os efeitos da interrupção da instância na caducidade do direito substantivo, nos termos do disposto no artigo 332º nº 2 do Código Civil, serão apreciados quando e se a parte invocar tal excepção peremptória, que só é de conhecimento oficioso se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes (artigo 333º do mesmo compêndio substantivo). No caso vertente, os autos evidenciam claramente que a exequente, ora agravante, foi notificada, por carta registada expedida em 2 de Setembro de 1997, do despacho que determinou a sustação da execução por imperativo do disposto no artigo 871º do Código de Processo Civil, visto incidirem penhoras anteriormente registadas sobre a fracção autónoma penhorada nestes autos, e procedeu ao pagamento das custas na sequência da remessa do processo à conta por força do estatuído na al. b) do nº 1 do artigo 51º do Código das Custas Judiciais (na redacção anterior ao DL nº 324/2003, de 27 de Dezembro) devido à circunstância de o mesmo se encontrar parado por mais de três meses por facto que lhe era imputável, ou seja, por falta de impulso processual. O que significa que, através da aludida notificação, reforçada pelo pagamento das custas nos termos referidos, a exequente foi alertada para o facto de a execução ficar a aguardar o seu impulso processual, mantendo-se parada enquanto não promovesse o seu andamento, e e ficou ciente de que, naquelas circunstâncias, só com o seu impulso processual os autos poderiam prosseguir. Porém, a exequente alheou-se da sorte do processo, nada requerendo no sentido de promover o seu andamento até 20 de Fevereiro de 2006, data em requereu a penhora em1/3 da pensão auferida pela executada E e que se oficiasse ao Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social do Centro no sentido de informar se o executado R procede a descontos e a que título. Pediu ainda que fosse solicitado à Direcção de Serviços de Identificação Civil da Direcção-Geral dos Registos e Notariado elementos de identificação actualizados relativos aos executados (fls. 50). Neste contexto factual, tem de concluir-se que operou a interrupção da instância no dia em que se completou um ano e um dia após a data em que a parte (exequente) deveria praticar o acto cuja omissão motivou a interrupção da instância, ou seja, requerer qualquer diligência útil com vista ao prosseguimento da execução, tendo em vista o cumprimento do ónus de impulso processual que a lei lhe impunha. Ou seja, considerando que a exequente foi notificada do despacho que sustou a execução por carta registada expedida no dia 2 de Setembro de 1997 e que a notificação se presume feita no terceiro dia útil posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja (artigo 254º nº 2 do Código de Processo Civil), a interrupção da instância ocorreu em Setembro de 1998. Assim, decorridos cinco anos, na redacção do artigo 291º do Código de Processo Civil anterior à revisão de 1995, ou dois anos, na redacção actualmente vigente, sobre a data em que ocorreu a interrupção, a instância ficou deserta independentemente de qualquer decisão judicial nesse sentido. Na verdade, mesmo que se considere aplicável o prazo de cinco anos previsto no artigo 291º do Código de Processo Civil, na redacção anterior à reforma de 1995, para a deserção da instância (5), esta ocorreu no mês de Setembro de 2003, pelo que o requerimento de 20 de Janeiro de 2006 foi apresentado pela exequente quando a instância estava já deserta. Termos em que não merece censura o despacho recorrido, improcedendo todas as conclusões da alegação do agravante. 3. Decisão: Nesta conformidade, acorda-se em negar provimento ao agravo, mantendo-se o despacho recorrido. Custas pela agravante 12 de Outubro de 2006 (Fernanda Isabel Pereira) (Maria Manuela Gomes) (Olindo dos Santos Geraldes) ________________________________ 1 - Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, III, pág. 329. 2 - In BMJ nº 483, pág. 171. 3 - Acessível in www.dgsi.pt, processo 03A955 4 - Cfr. ainda neste sentido, entre outros, o Ac. da RL de 28.06.2001, Recurso nº 5412/01. 5 - solução para que se propende, visto a execução ter sido instaurada em 17 de Maio de 1995 e as modificações decorrentes do DL nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, só serem aplicáveis aos processos iniciados após 1 de Janeiro de 1997, data da sua entrada em vigor, por força do estatuído no artigo 16º daquele diploma legal, não cabendo o prazo de deserção da instância, pela sua natureza e efeitos, no âmbito dos prazos processuais de aplicabilidade imediata previstos no artigo 18º do mesmo diploma. |