Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1047/19.9T8PDL.L1-2
Relator: LAURINDA GEMAS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
PERDA DE CHANCE
APÓLICE DE RECLAMAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/01/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIAL PROVIMENTO
Sumário: I A prolação de decisão imediata, no caso de improcedência da ação, além de ter subjacente um juízo sobre a desnecessidade de instrução da causa, deverá também, sob pena de violação do dever de gestão inicial do processo, ser antecedida de um juízo sobre a (in)admissibilidade de despacho pré-saneador de aperfeiçoamento da petição inicial, nos termos dos artigos 6.º e 590.º do CPC.

II A responsabilidade civil do advogado poderá resultar quer da violação da obrigação principal do contrato de mandato que celebrou com o seu cliente, quer da violação de deveres acessórios e até deontológicos, mormente os que lhe são impostos pelo seu Estatuto, com a obrigação de indemnizar danos patrimoniais e não patrimoniais, que não se resumem ao denominado “dano de perda de chance”.

III Nem a dúvida do julgador quanto à possibilidade de virem a resultar provados os factos alegados pelo Autor, nem as dificuldades de aplicação prática da construção jurídica relativa ao “dano da perda de chance” podem constituir motivo para inviabilizar, à partida, no saneador-sentença, uma demanda judicial fundada em responsabilidade profissional no exercício da advocacia, tanto mais quando, como sucede no caso dos autos, a controvérsia fáctica nem se circunscreve à figura da indemnização pela perda de chance.

IV Mesmo que possa vir a ser tida por acertada a decisão por parte do Réu, Advogado, de não intentar a ação administrativa de impugnação da demissão (ou despedimento) do Autor, que levou este último a contratar os serviços de advocacia, não estava aquele dispensado de, com toda a lealdade e sinceridade, informar o Autor, seu cliente, sobre a opinião (formada após estudo cuidadoso da questão) de falta merecimento da pretensão que pretendia fazer valer, sendo plausível que o (alegado) incumprimento por parte do Réu de tais deveres, violando a confiança que o Autor nele depositou, o possa fazer incorrer em responsabilidade civil, quanto mais não seja por danos não patrimoniais.

V Há que distinguir a apólice de ocorrência (em que, para fins de indemnização, o facto causador do dano ou prejuízo a terceiros deve ocorrer durante a vigência do contrato) da apólice de reclamações, também chamada “claims made”, que condiciona o pagamento da indemnização ao segurado à apresentação da “Reclamação”, mormente, no caso dos seguros de responsabilidade civil profissional em apreço, do “Pedido de Indemnização” feito durante o prazo de vigência do contrato de seguro.

VI Tendo sido em 2019 que a presente ação foi intentada e a Seguradora Interveniente principal citada, quando a cobertura temporal do seguro já tinha terminado às 00.00h do dia 01-01-2018, e estando o risco em apreço coberto por contrato de seguro celebrado entre a Ordem dos Advogados e a outra Interveniente principal, é evidente que aquela seguradora não devia ter sido admitida a intervir, mas, tendo-o sido, resta concluir que não poderá ser considerada responsável pela indemnização reclamada, pelo que deve ser absolvida do pedido.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados

IRELATÓRIO

JB interpôs o presente recurso de apelação do saneador-sentença que julgou improcedente a ação declarativa de condenação que, sob a forma de processo comum, intentou contra FC, e na qual são intervenientes principais Mapfre - Seguros Gerais, S.A. e XL Insurance Company SE (sucursal em Espanha).

Na Petição Inicial, apresentada em 01-05-2019, o Autor pediu a condenação do Réu no pagamento da quantia de 97.263,00 euros €, acrescida de juros de mora vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento, alegando, para tanto e em síntese, que:
- O Autor era funcionário Público Regional e foi despedido;
- O Réu é advogado, tendo sido contratado pelo Autor no sentido de, até à data limite de 30-05-2014, propor ação administrativa para impugnação daquele despedimento laboral, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada;
- O Réu disse que o iria fazer e que tal serviço custaria 1.000€, tendo o Autor adiantado o valor de 500 €;
- Em junho de 2014, o Autor, ao encontrar o Réu por acaso em Ponta Delgada, perguntou-lhe sobre o andamento do processo, e se iria levar muito tempo para o seu desfecho, ao que este respondeu "que não sabia a demora e que agora era só esperar";
- Isto foi na prática o que o Autor fez, esperou até junho de 2017, vindo a saber, nessa altura, quando se dirigiu ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, que não se encontrava nenhuma ação proposta naquele Tribunal, nomeadamente pelo Réu, cujo requerente fosse o Autor;
- O Autor conseguiu, no dia 27-10-2017, contactar o Réu, e este disse ao Autor "foi uma chatice porque o processo estava fora de prazo e por isso não tinha dado entrada ao mesmo";
- Por causa da atuação do Réu, o Autor sofreu danos morais, num montante nunca inferior a 2.000,00 €, pois, ao aperceber-se de que não tinha sido proposta a referida ação, sentiu-se enganado, triste, enxovalhado e revoltado, situação que ainda perdura;
-Mais teve danos patrimoniais, no valor de 95.263 €, relativos à perda de remuneração laboral durante o período de tempo de 5 anos em que esteve sem trabalhar.

Com a Petição Inicial, o Autor apresentou documentos.

Citado o Réu, apresentou Contestação, na qual se defendeu, por impugnação, de facto e de direito, dizendo, em síntese, que: foi efetivamente contactado pelo Autor, em abril de 2014, em consulta onde este expôs que havia sido alvo de processo disciplinar que havia culminado com decisão da sua demissão da função pública, para avaliar da viabilidade de impugnação dessa decisão; a decisão de não propositura da ação administrativa para impugnação da decisão de demissão do Autor da função pública foi tomada de forma consciente por parecer ao Réu que tal ação seria inviável e daí não resultaria nenhuma alteração do decidido no processo de despedimento; não se verificam os pressupostos da responsabilidade civil, designadamente os danos, concluindo pela sua absolvição do pedido.

O Réu requereu também a intervenção principal provocada da Mapfre - Seguros Gerais, S.A., como sua associada, alegando, em suma, que: por força de contrato de seguros celebrado pela Ordem dos Advogados Portugueses com aquela Seguradora, no ano de 2014, titulado pela apólice n.º … do Ramo Responsabilidade Civil Profissional, cujas coberturas abrangem os Advogados com Inscrição em vigor na Ordem dos Advogados (como é o caso), foi transferida para a dita Seguradora a responsabilidade civil extracontratual e/ou contratual que, ao abrigo da lei civil, lhe seja imputável pelo exercício da sua atividade de advocacia.

Em 09-09-2019, foi proferido despacho de convite ao “aperfeiçoamento” da Petição Inicial, com o seguinte teor, na parte que ora importa:
“Lê-se no artigo 552º, nº1, alínea d) do Código de Processo Civil que, na petição, com que propõe a ação, deve o autor expor os factos e as razões de direito que servem de fundamento à ação.
E lê-se no artigo 590º, nº2, alínea b) e nº3 e 4 do Código de Processo Civil, e no que ora nos interessa, que, findos os articulados, o juiz profere despacho convidando as partes ao aperfeiçoamento dos articulados, nomeadamente pelo suprimento de irregularidades (quando careçam de requisitos legais) ou pelo suprimento de insuficiências e imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada.
Concretizando, o Autor emprega os 24 artigos da sua petição inicial a discriminar factualmente os fundamentos da sua pretensão, sem que em alguma parte do seu articulado discrimine as razões de direito que sustentam a sua pretensão, nomeadamente pela indicação das normas legais ou dos institutos jurídicos, onde a mesma poderá colher atendimento.
Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, convido o Autor a vir juntar, em 10 dias, novo articulado (meramente complementar da sua petição inicial), em que, respeitando escrupulosamente o teor e extensão da matéria de facto vertida naquela, discrimine por artigos as razões de direito que fundamentam a sua pretensão, com indicação das normas legais aplicáveis.
Satisfeito o convite ora formulado, cumpra o artigo 590º, nº5 do Código de Processo Civil, notificando ainda as partes contrárias do presente despacho.”

Nessa sequência, o Autor apresentou nova Petição Inicial, na qual alegou o seguinte (sublinhado nosso):
1º.- O R. é advogado, com cédula profissional n.º … e domicílio profissional na Rua … n…. Esq., Ponta Delgada.
2º.- O A em fins de Março 2014 e ou princípios de Abril de 2014, contratou o R. no então escritório daquele para lhe prestar serviços de advocacia no sentido de propor Acção Administrativa para impugnação de despedimento laboral (porque o A. era Funcionário Público Regional e tinha na altura sido despedido pela entidade patronal).
3º.- O A. no princípio de Abril de 2014, foi contactado pelo R. para comparecer no escritório deste para tratar deste assunto, o que sucedeu, e o A. forneceu ao R toda a documentação relacionada com o seu processo disciplinar que terminou, com o seu despedimento (cfr. doc. 1).
4º.- O A. pediu ao R. que lhe desse uma ideia de quanto iria custar os honorários pelo serviço pretendido e o R. disse que com a acção que iria fazer, custaria 1.000,00 euros.
5º.- Como o A. é pessoa muito nobre pediu-lhe para pagar tal montante faseadamente, ao que o R. anuiu e este entregou ao R. a quantia de 500 euros no dia 29 de Abril de 2014 (doc. 2).
6º.- O A. também chamou a atenção do R. para o facto de o prazo para propor a Acção Administrativa, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada terminar a 30 de Maio de 2014.
7º.- O R. ao ser alertado para o facto do prazo estar a terminar, referiu ao A. que não se esquecia deste facto de forma alguma.
8º.- Em Junho de 2014, o A. ao encontrar o R. por acaso em Ponta Delgada, perguntou-lhe sobre o andamento do processo, e se iria levar muito tempo para o seu desfecho.
9º.- O R. disse ao A. "que não sabia a demora e que agora era só esperar", e foi na prática o que o A. fez, esperou até Junho de 2017.
10º.- Altura que se dirigiu ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada e na Secretaria foi dito ao A. que não se encontrava nenhuma acção proposta naquele tribunal, nomeadamente pelo R., cujo o requerente fosse o A.
11º.- Perante isto o A. ficou desolado, muito triste e revoltado, pois estava convencido de que o R. tinha proposto a acção que pretendia e para tal lhe tinha contratado e já lhe tinha entregue a título de provisão de honorários a quantia de 500,00 euros.
12º.- Na altura perante esta situação, o A. tentou contactar por diversas vezes o R., quer no seu escritório quer por telemóvel o que nunca conseguiu.
13º.- Apesar de perder imenso tempo para contactar o R., o A. finalmente no dia 27 de Outubro de 2017, pela hora do almoço conseguiu, contacto com o R. e este disse ao A. "foi uma chatice porque o processo estava fora de prazo e por isso não tinha dado entrada ao mesmo".
14º.- Perante isto disse o A. ao R.: "com que descaramento consegue- me dizer que o processo está fora de prazo, o Sr. está a enganar-me, e a fugir às suas responsabilidades, porque quando lhe contratei estava tudo certinho, e eu entreguei-lhe a documentação que me pediu a tempo, etc.".
15º.-Pediu então o A. ao R. que lhe devolvesse toda a documentação e os 500,00 euros, pois iria à Ordem dos Advogados fazer uma participação destes factos.
16º.- Fez de imediato uma participação ao Conselho Distrital dos Açores da Ordem dos Advogados, conforme doc. 2, que se anexa e se dá aqui por reproduzido.
17º.- E está a decorrer um Processo Disciplinar na Ordem dos Advogados movido contra o R. com o número …/2018….
18º.- Devido ao comportamento ilícito do R., ao não cumprir com o que se tinha obrigado para propor uma Acção Administrativa de Impugnação do Despedimento do A., deve o tribunal condenar o R. a pagar ao A. todos os prejuízos que este sofreu devido ao comportamento do R.
19º.- Na verdade, deve o tribunal condenar o R. a ressarcir o A. pelos danos morais que sofreu, no montante nunca inferior a 2.000,00 euros, pois o A., ao aperceber-se de que o R. não tinha proposto a referida acção, sentiu-se enganado, triste, enxovalhado e revoltado, situação que ainda perdura.
20º.- O A. antes de ser despedido da Função Pública Regional, auferia a quantia de 1.360,90 euros (cfr. doc. 3).
21º.- O A. foi despedido em Maio de 2013 e só arranjou emprego, em 18 Junho de 2018, auferindo a quantia mensal de 627,00 euros, conforme doc. 4, que se anexa e se dá aqui por reproduzido para os devidos e legais efeitos.
22º.- Ora o R., ao não propor a acção ao invés do que tinha acordado com o A., defendendo que tinha "trunfos na manga" e que a acção iria ter êxito, causou os seguintes prejuízos ao A: a quantia de 95.263,00 euros, ou seja 5 anos x 14 meses, porque o A. estava desempregado desde Maio de 2013 a Maio de 2018 e durante o período do despedimento não auferiu qualquer rendimento, porque tendo êxito a acção este seria ressarcido de tal quantia.
23º.- Os danos morais e materiais computam-se em 97.263,00 euros, nos quais deve o R. ser condenado a ressarcir o A.
24º.- O R. com o comportamento ilícito supra referido, violou prescrito de direito, nomeadamente os artigos 406, 483 nº 1, 496 e 1161, todos do Código Civil.
25º.- Dispõe o artigo 406 do Código Civil de que "o contrato deve ser potencialmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos de admitidos na Lei”.
26º.- A culpa do R., ao não cumprir com o que se tinha comprometido perante o A., tem como consequência ficar obrigado a indemnizá-lo dos danos sofridos pelo A. e supra reivindicados.
27º.- O incumprimento por parte do R. relativamente ao que tinha acordado com o A., gerando-lhe uma justa convicção de que o seu despedimento laboral iria ser impugnado e seria procedente, o que não veio a acontecer.
28º.- Assistindo assim ao A. o direito de ser indemnizado dos montantes supra referidos nos termos dos artigos do Código Civil supra referidos.

Foi admitida a intervenção principal provocada da Mapfre - Seguros Gerais, S.A. (em 21-10-2019) e esta, citada (em 25-10-2019), apresentou Contestação, na qual, em síntese, invocou a falta de cobertura temporal da apólice de seguro, por se tratar de apólice “claims made” cujo período de cobertura terminou a 31-12-2017 e a presente ação/reclamação ter sido apresentada depois desse dia; invocou ainda a existência de franquia; defendeu-se também por impugnação, de facto e de direito, alegando que não se verificam os pressupostos da responsabilidade civil.

Notificados o Autor e o Réu para, querendo, exercerem o contraditório quanto à exceção invocada, apenas o Réu se pronunciou, vindo a requerer, em 30-01-2020, a intervenção principal provocada de XL Insurance Company SE (sucursal em Espanha).

Foi admitida a intervenção principal provocada da XL Insurance Company SE (sucursal em Espanha), a qual, citada, apresentou Contestação, em que se defendeu invocando designadamente a ineptidão da petição inicial, a circunstância de a cobertura temporal da apólice relevante no caso ser a do ano 2020 (doc. 2 junto com o requerimento de 30-01-2020) e a existência de franquia; mais se defendeu mediante impugnação, de facto e de direito, concluindo que não verificam os pressupostos da responsabilidade civil.

Em 15-03-2021, realizou-se audiência prévia, na qual foi tentada, sem êxito, a conciliação das partes, e feita a discussão oral tendo em vista a prolação de decisão de mérito, após o que foi, nessa diligência, proferido o saneador-sentença recorrido, que julgou improcedente a exceção dilatória atinente à nulidade do processo por ineptidão da petição inicial e conheceu do mérito da causa, tendo o segmento decisório final o seguinte teor:
“Em consequência do exposto e com os fundamentos acima indicados absolvo os Réus FC, Mapfre–Seguros Gerais, S.A. e XL Insurance Company, SE (Sucursal em Espanha) do pedido.
Custas a cargo do Autor.”

Inconformado com esta decisão de absolvição do pedido, veio o Autor interpor o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
A)A interposição do presente recurso assenta sobretudo, como se referiu em dois pontos:
a)- Discordância quanto à aplicação do direito;
b)-Apreciação incorrecta dos efeitos dos factos julgados provados dado que, entende o A., essa factualidade justificava plenamente uma decisão em moldes diversos;
B)A matéria julgada assente e conjugada com a matéria determinada como controvertida da douta sentença impõe uma solução diversa da que foi julgada pelo tribunal “a quo”;
C) O tribunal “a quo”, não estava na posse dos elementos suficientes para proferir decisão do mérito da causa, nomeadamente a absolvição dos RR. do pedido formulado pelo A., ora recorrente na sua p.i.;
D)Na verdade, o contrato celebrado entre o recorrente e o primeiro R. (contrato de mandato forense), foi violado culposamente pelo primeiro R., ao garantir ao recorrente viabilidade e êxito na acção que este pretendia instaurar no Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, para impugnação do seu despedimento, o que nunca propôs;
E)Sendo o R. leigo na matéria confiou plenamente naquilo que foi dito pelo primeiro R., aguardando o desenrolar dos procedimentos;
F)Mais tarde o recorrente apercebeu-se junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, que o primeiro R. não propôs a acção, que sempre garantiu ter feito ao A., ora recorrente, provocando-lhe danos materiais e morais reivindicados na p.i.;
G)Jamais poderia perante o supra exposto, o tribunal “a quo” decidir sobre o mérito da causa, absolvendo os RR. do pedido, o que gera uma grande injustiça para recorrente;
H)Resultou, pois indevidamente aplicado os dispositivos no artigo 1157º e seguintes do CPC e 97º a 102º do EOA.
Termina o Apelante pedindo que seja revogada a sentença recorrida, “ordenando-se os ulteriores desenvolvimentos processuais da acção”.

Foi apresentada alegação de resposta pela interveniente MAPFRE - SEGUROS GERAIS S.A., em que, além de defender que se mantenha a decisão recorrida, requereu, “a título meramente subsidiário, a ampliação do âmbito do recurso, nos termos previstos no artigo 636.º, n.º 1 do CPC”, formulando as seguintes conclusões (transcreve-se a parte útil):
(…) 7.- Tinha o Recorrente, pois, o ónus de alegar e provar que a viabilidade da ação a propor, mas não o fez!
8.- Assim, de acordo com todo o exposto e, uma vez que a decisão que conheceu do mérito respeitou todas as exigências legais, não deverá ser alterada a decisão do douto Tribunal a quo, mantendo-se em tudo a sentença recorrida;
9.- No mais, para que um advogado possa ser civilmente responsabilizado, perante um cliente, em decorrência de uma actuação profissional no âmbito de determinado patrocínio, deverá a sua conduta ser considerada culposa, ou seja, merecedora de censura deontológica, no sentido de que deve constituir um “erro de ofício” ou uma “falha indesculpável”;
10.- O Réu Advogado, no exercício do seu mandato, quando for confrontado com uma alternativa entre procedimentos processuais e, no seu entender, optar por um deles, como era o caso nos presentes autos, não viola o seu vínculo de mandatário se a opção por si escolhida for, num juízo de prognose e do ponto de vista técnico, razoável e plausível para acautelar os interesses do cliente;
11.- Por outro lado, e a respeito do alegado dano por “perda de chance”, cumpre referir que, do disposto nos artigos 563.º e 564.º do Código Civil, resulta a presença no ordenamento jurídico português do princípio da certeza dos danos e bem assim o acolhimento da tese e regras da causalidade adequada, sendo consequentemente imposto ao “lesado”, como condição prévia à procedência da sua pretensão indemnizatória, a alegação e prova que de que não fora o acto ou omissão ilícita o direito seria por este obtido;
12.- A ressarcibilidade do designado dano de perda de chance, entendido enquanto dano ressarcível sem necessidade de alegação e prova da certeza da obtenção da chance perdida não fora a conduta ilícita e culposa do lesante, não tem suporte no ordenamento jurídico português;
13.- Embora em abstracto se possa equacionar que, a mera violação do direito, através da preclusão de um direito de defesa do lesado pudesse, eventualmente, consubstanciar um dano em si, a violação de um direito é insusceptível de ser equiparada/reconduzida à existência de dano, correspondendo à repercussão dessa violação no património material e imaterial do “lesado”;
14.- Não determinando o artigo 799.º, n.º 1, do CC, quer uma presunção de nexo de causalidade, quer uma presunção de dano, sendo assim imposta ao lesado a alegação e prova dos restantes pressupostos da responsabilidade civil, a ser admitido o dano de perda de chance em face do teor dos supra citados artigos 563.º e 564.º do Código Civil, apenas quando resulte provada e quantificada a probabilidade de procedência da chance perdida, poderá a chance perdida ser ressarcida;
15.- No caso de responsabilidade civil de advogado, a ser admitida a ressarcibilidade do dano de perda de chance, tais pressupostos consubstanciam-se no ónus de alegação e prova da seriedade da pretensão do “lesado” (nexo de causalidade), bem como na alegação e prova da probabilidade de procedência dessa pretensão (dano), sendo assim simultaneamente prossuposto da sua existência e critério de determinação do quantum indemnizatório, a probabilidade de vencimento;
16.- Não sendo aferida a probabilidade de procedência da “chance” perdida, sendo atribuída uma probabilidade de procedência sem recurso a qualquer outro critério que não a circunstância de ter sido omitido o acto devido, a indemnização atribuída cai no âmbito da pura aleatoriedade, sem qualquer correspondência com o dano efectivamente sofrido pelo “lesado”;
17.- A perda de chance, a ser admitida, não podendo ser atendida de forma totalmente afastada da exigência do dano e do nexo causal, deverá sim, ter por base e enquanto simultaneamente prossuposto da sua existência e critério de determinação do quantum indemnizatório, a probabilidade de vencimento, facto hipotético, cujo ónus de alegação impende sobre o Apelante;
(…) 22.- Nos presentes autos não se apurou que, desta omissão concreta, caso tenha ocorrido, tenha advindo ao autor os prejuízos que alega;
23.- O Autor não demonstrou nos presentes autos, que existiam argumentos fácticos e/ou jurídicos que permitissem que a questão fosse reapreciada e que essa reapreciação tivesse para o autor um desfecho favorável;
24.- Não se demonstrou que a falta de impugnação do despedimento foi causa (real, efetiva) adequada da perda de uma oportunidade de ser reintegrado no seu trabalho;
25.- É inequívoco, a necessidade de se analisar, no caso concreto, o grau de probabilidade de obtenção da vantagem ou de evitar a desvantagem caso fosse o acto omitido pelo advogado;
26.- Sendo certo que, o juízo de prognose que o Tribunal leva a cabo, por forma a aferir do dano por perda de chance, necessita de factos que lhe sirvam de substrato;
27.-Continuando, assim, a impender sobre o Autor a demonstração dos factos que possam, a final, conduzir a apreciação positiva do juízo de prognose sobre a “chance perdida”;
28.- Não traz o A. aos presentes autos qualquer elemento probatório passível de demonstrar os (pretensos) danos que alegam ter sofrido em consequência da actuação profissional alegadamente omissiva que imputa ao aqui Réu Advogado;
29.- Não obstante, e sem prescindir de tudo quanto se encontra exposto, na eventualidade da douta sentença recorrida ser revogada, atendendo aos factos julgados já provados, sempre deverá a ora Recorrida Mapfre Seguros Gerais S.A. ser absolvida de todos os pedidos formulados nos autos pelo A., porquanto o (pretenso) sinistro profissional em apreço nos autos encontra-se excluído do âmbito temporal da apólice n.º …, contratada pela Ordem dos Advogados e garantida pela ora Recorrida até 31.12.2017;
30.- Com efeito, a reclamação do alegado “sinistro profissional” foi pela primeira vez apresentada à Seguradora, ora Recorrida, com a citação para a presente acção, i.e, em 25 de Outubro de 2019;
31.- Não tendo a ora Recorrida, por nenhum outro meio, tido conhecimento da ocorrência do (pretenso) sinistro profissional agora trazido à colação pelo Autor, nomeadamente até ao termo da vigência do contrato de seguro celebrado com a Ordem dos Advogados.
32.- Nos termos previstos na cláusula 4.ª das Condições Especiais da apólice …, o contrato de seguro em apreço apenas será competente para ... as reclamações que sejam apresentadas pela primeira vez no âmbito da presente apólice: a) Contra o segurado e notificadas ao segurador; b) Contra o segurador em exercício de ação direta; c) Durante o período de seguro, ou durante o período de descoberto (...);
33.- Prevê expressamente a cláusula 7.ª das condições especiais da apólice … (sob a epígrafe “ÂMBITO TEMPORAL”), que (...) Pelo contrário, uma vez rescindida ou vencida e não renovada a presente apólice, o segurador não será obrigado a assumir qualquer sinistro cuja reclamação seja apresentada após a data da rescisão ou término do contrato (...);
34.- E determina ainda a cláusula 10.ª das Condições Particulares do contrato que o “Período de Cobertura” da apólice será: Temporário por 12 meses, com data de início às 0.00 horas do dia 01 de janeiro de 2017 e termo às 0.00 horas do dia 1 de janeiro de 2018.;
35.- Ora, sabendo-se que a apólice de seguro n.º … reveste (à semelhança das demais apólices de seguro que, ao longo do tempo, têm sido contratadas pela Ordem dos Advogados), a natureza de apólice “claims made”, correspondendo a data do sinistro à data da primeira reclamação;
36.- Especialmente quando o risco seguro foi, entretanto, assumido pela seguradora congénere, com quem a Ordem dos Advogados contratou para as anuidades de 2018 e seguintes;
37.- Assim, tendo em conta que, à data da primeira reclamação do (pretenso) sinistro profissional em apreço nos autos (25.10.2019), já haviam cessado os efeitos e/ou coberturas previstas na apólice n.º … contratada com a ora Recorrida, nunca poderá a R. Mapfre ser responsável pelo pagamento de qualquer quantia peticionada nos presentes autos pelo Autor, nomeadamente por aplicação das cláusulas contratuais previstas nos artigo 4.º e 7.º das condições especiais da apólice, e bem assim do n.º 2 do artigo 139.º da Lei do Contrato de Seguro (D.L. 72/2008 de 16 de Abril);
38.- Devendo a Recorrida ser absolvida de todos os pedidos contra si formulados, por absoluta e inequívoca falta de cobertura temporal da apólice de seguro por si garantida, devendo ser admitida a ampliação do âmbito do recurso ora interposto pela Recorrente, nos termos previstos no artigo 636.º, n.º 1 o CPC, sendo apreciada e julgada procedente a aplicabilidade da cláusula constante do artigo 4.º e 7.º das Condições Especiais das apólices de seguro sub judice, por a mesma ser absolutamente consentânea com a letra da lei, absolvendo-se a ora Recorrida Mapfre Seguros Gerais S.A. desde logo de todos os pedidos formulados nos autos pela A., só assim se fazendo JUSTIÇA!

Também a Interveniente XL INSURANCE COMPANY SE (sucursal em Espanha) apresentou alegação de resposta, defendendo que se mantenha a decisão recorrida, concluindo nos seguintes termos (reproduz-se a parte útil):
(…) II.- Ainda que todos os factos alegados na Petição Inicial sejam julgados como provados, da aplicação do direito aos mesmos sempre resultaria na Conclusão de que não se verificam os pressupostos essenciais que permitam concluir pela responsabilidade civil profissional do Réu advogado.
III.- Consistindo a Causa de Pedir dos Autos na responsabilidade Civil profissional do Réu advogado, o direito que o A. se arroga titular sempre teria de se limitar a uma mera “perda de chance”.
IV.- O A, não alegou na Petição Inicial factos essenciais à procedência da sua pretensão, e, por força disso, não resulta da Fundamentação de Facto da Decisão recorrida, factos que permitam ao Tribunal avaliar do “grau de probabilidade de obtenção da vantagem” ou da “probabilidade real, séria e esperável” de sucesso de qualquer ação judicial com vista à impugnação da Decisão de demissão dos Autos, inviabilizando, assim, a possibilidade de determinação de qualquer eventual indemnização.
V.- Em consequência, o Apelante também não logrou fazer prova de que caso a pretendida ação judicial tivesse sido proposta, lograria obter êxito na sua pretensão e em que medida.
VI.- O Apelante exercia funções de caráter público, sendo aplicável, à data dos factos, o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pelo Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro.
VII.- Do n.º 1 do artigo 3.º do referido Estatuto, sob a epígrafe “Infracção disciplinar” resulta o Considera-se infracção disciplinar o comportamento do trabalhador, por acção ou omissão, ainda que meramente culposo, que viole deveres gerais ou especiais inerentes à função que exerce.
VIII.- E, o n.º 2 do referido Estatuto determina que São deveres gerais dos trabalhadores, entre outros, os de isenção, obediência, correção, assiduidade e pontualidade.
IX.- Dos Factos Provados, sob o ponto 10, cujo Tribunal “a quo” baseou a sua Decisão no “documento junto aos autos a fls. 6v/7”, resulta o seguinte: (…)
X.- Os deveres (e foram 5!) que o Apelante violou de forma reiterada eram da maior gravidade, o que impossibilitaria a sua manutenção e justificaram, e bem, a Decisão de demissão em causa por parte da entidade publica para a qual desempenhava funções.
XI.- Assiduidade, correção, obediência, pontualidade, isenção, e assiduidade são dos deveres mais elementares a que um trabalhado está sujeito, tanto mais quando exerce funções públicas, sendo certo que tal violação ocorreu de forma reiterada, como resulta dos processos disciplinares apensos referidos na Decisão de Demissão em causa.
Face ao exposto,
XII.-Qualquer ação de impugnação da Demissão do ora Apelante estava votada ao insucesso. Como Considerou, e bem, o Tribunal “a quo”.
XIII.- Desconhece-se, porque o Apelado nem sequer alegou em sede de Petição Inicial, qual teria sido o teor da petição inicial de impugnação da Decisão de demissão, as testemunhas que viriam a ser arroladas e respetivos depoimentos, a prova documental que seria junta ou quaisquer outros meios probatórios que viessem a ser requeridos.
XIV.-A entidade pública que Decidiu pela demissão do A. certamente que apresentaria a sua contestação e produziria a competente prova.
XV.-A prova documental junta aos Autos comprova a inviabilidade de qualquer ação judicial que o Apelante viesse a intentar.
XVI.- Independentemente de qualquer conduta ilícita do Réu advogado, o que não se aceita, o certo é que, face aos factos constantes dos Autos, o A. nunca lograria obter ganho de causa, sendo certo que a obrigação de qualquer mandatário judicial não é uma obrigação de resultado, mas sim uma obrigação de meios e este encontra-se vinculado ao dever deontológico de não intentar ações judiciais cuja falta de fundamento é evidente.
XVII.- A Decisão recorrida não é, por isso, passível de qualquer juízo de censura. Antes, é exemplar no que ao cumprimento do dever de gestão processual e os princípios da celeridade, da cooperação e da economia processual diz respeito, face a uma ação judicial cuja inviabilidade, à partida, é manifesta.
XVIII.- Devem, assim, improceder as Conclusões do Recurso interposto pelo Apelante, na sua íntegra.

Não foram apresentadas contra-alegações pelo Réu.

Tão pouco tendo sido apresentada resposta à matéria da ampliação do âmbito do recurso requerida pela Interveniente Mapfre (cf. art. 638.º, n.º 8, do CPC).

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

***

IIFUNDAMENTAÇÃO

Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC).
Identificamos, face às conclusões da alegação do Apelante e ao requerido pela Apelada Mapfre, as seguintes questões a decidir:
1.ª)- Se o estado dos autos já permitia conhecer do mérito da causa, com a absolvição do Réu e Intervenientes do pedido, por não se poderem considerar verificados os pressupostos da responsabilidade civil profissional do Réu;
2.ª)- Subsidiariamente, se a Interveniente principal Mapfre deve ser absolvida do pedido por falta de cobertura temporal da apólice relativa ao contrato de seguro de responsabilidade civil celebrado com a Ordem dos Advogados.

Factos provados

Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos (alegados na Petição Inicial; acrescentámos, para melhor compreensão, o que consta entre parenteses retos no ponto 10, eliminando as reticências que aí constavam, e acrescentámos os pontos 11 a 14, por estarem plenamente provados face aos documentos aí referidos, tudo tendo em atenção o disposto nos artigos 607.º, n.º 4, 662.º, n.º 1, e 663.º, n.º 2, todos do CPC):
1.-O primeiro Réu é advogado, com cédula profissional n.º …, e domicílio profissional na Rua …  n.º …/ Esq., Ponta Delgada.
2.-O Autor em de (sic) abril de 2014, contratou o Réu no então escritório daquele para lhe prestar serviços de advocacia.
3.-O Autor forneceu ao primeiro Réu documentação relacionada com o seu processo disciplinar que culminou com o seu despedimento.
4.- Em abril de 2014 o Autor entregou a quantia de 500 € a título de provisão ao Réu.
6.-Em novembro de 2017 o Réu devolveu ao Autor os documentos referidos em 3 e a quantia paga a título de provisão.
7.-Não foi proposta Ação Administrativa para impugnação de despedimento laboral do Autor.
8.-O Autor fez participação ao Conselho Distrital dos Açores da Ordem dos Advogados.
9.-O Autor, antes de ser despedido da Função Pública Regional, auferia a quantia de 1.360,90 €.
10.-Consta da decisão [do Secretário Regional dos Recursos Naturais da Região Autónoma dos Açores] de despedimento do Autor: Processo disciplinar nº …/2012 …
Decisão
Considerando o processo disciplinar nº …/2012/… instaurado por despacho de …/…./.2012 [da Exma. Sra. Diretora Regional dos Recursos Florestais, ao abrigo do disposto no artigo 41.º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro (as regras jurídicas a seguir identificadas sem qualquer menção especial devem considerar-se reportadas ao identificado Estatuto Disciplinar), ao trabalhador em funções públicas, JB, Mestre Florestal Principal, do quadro regional da ilha de São Miguel, a exercer funções no Serviço Florestal do Nordeste] bem como os subsequentes processos disciplinares instaurados contra o mesmo arguido apensos ao Processo disciplinar nº …/2012/… [(primeiramente instaurado)], nos termos dos despachos da Ex.ma Senhora Diretora Regional dos Serviços Florestais de 02 e 10 de junho de 2012, em cumprimento do artigo 31.º,
Considerando o relatório final da Sra. Instrutora;
Considerando que, na sequência do meu despacho de 07.03.2013, ouvi pessoalmente o arguido, antes da minha decisão [sobre o referido procedimento disciplinar, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 55.º, conforme auto de declarações de 15 de Março de 2013;
Considerando que, analisadas as declarações do arguido e o seu posterior comportamento de incumprimento do seu próprio compromisso de proceder à entrega da casa de guarda e garagem, identificados nos autos, sitos no Parque florestal do Chã da Macela, até ao dia … de abril de …, conforme informação da Direcção Regional dos Recurso Florestais datada de … de abril de …, não se vislumbra qualquer facto que exclua, dirima ou atenue a sua responsabilidade disciplinar;]
Assim decido [de acordo com as conclusões e proposta constantes do relatório final da Sra. Instrutora, o qual dou por inteiramente reproduzido, passando a fazer parte integrante da presente decisão,] aplicar [ao arguido] a pena única de demissão [prevista na alínea d), do n.º 1 do artigo 9º do Estatuto Disciplinar, caracterizada no nº 5, do artº 10º, do Estatuto Disciplinar e cujos efeitos estão previstos no nº 4, do artigo 11º do Estatuto Disciplinar], pela violação dos deveres gerais a que está vinculado como trabalhador em Funções Públicas, nomeadamente os de isenção, obediência, correção, assiduidade e pontualidade [tipificados respetivamente nos nºs 4, 8, 10 e 11 do artigo 3º.
A aplicação da referida pena importa ainda a entrega imediata, pelo arguido, da casa de guarda que ocupa, sita no Parque Florestal, em Santa Cruz da Lagoa, nos termos do disposto na alínea b), do artigo 6º, da Resolução do Conselho do Governo nº 49/2005, de 31 de Março de 2005 e bem assim o fardamento, insígnias e cartão de identificação de polícia florestal que se encontram na sua posse.
Notifique-se nos termos dos nºs 1 e 3 do artigo 57º.
A presente decisão começa a produzir efeitos no dia seguinte ao da notificação o arguido, nos termos do artigo 58.º
Nos termos do nº 2 do art 5.º, a notificação da presente decisão ao arguido deverá ser protelada até a obtenção de despacho conjunto a determinar a devolução da casa de guarda que ocupa, sita no Parque Florestal do Chã da Macela, em ….]
Ponta Delgada, 29 de abril de 2013).

Está também provado que:
11.-A Mapfre - Seguros Gerais, S.A. e a Ordem dos Advogados, esta como tomadora do seguro, celebraram o contrato de seguro titulado pela apólice n.º … cujas condições gerais, particulares e especiais constam do doc. 1 junto por aquela interveniente com a sua Contestação e cujo teor se dá por reproduzido, contrato que teve início em 01-01-2014 e termo em 31-12-2014, tendo sido renovado para os períodos correspondentes às anuidades de 2015, 2016 e 2017, assumindo assim aquela seguradora, até 31-12-2017 (terminando às 00.00h do dia 01-01-2018), a cobertura dos riscos no exercício da atividade da advocacia desenvolvida pelos Advogados segurados, conforme regulado no Estatuto da Ordem dos Advogados e nas cláusulas particulares e gerais do dito contrato.
12.-Nos termos da cláusula 4.ª das condições especiais desta apólice, relativa à delimitação temporal, “É expressamente aceite pelo tomador do seguro e pelos segurados que a presente apólice será competente exclusivamente paras reclamações que sejam apresentadas pela primeira vez no âmbito da presente apólice:
a)- Contra o segurado e notificadas ao segurador, ou
b)- Contra o segurador em exercício de ação direta;
c)- Durante o período de seguro, ou durante o período de descoberto”.

13.Prevendo ainda o ponto 7 das condições especiais, além do mais, que “uma vez rescindida ou vencida e não renovada a presente apólice, o segurador não será obrigado a assumir qualquer sinistro cuja reclamação seja apresentada após a data da rescisão ou término do contrato (…)”.
14.Entre a XL Insurance Company SE (sucursal em Espanha) e a Ordem dos Advogados foi celebrado um contrato de seguro do ramo de responsabilidade civil titulado pela apólice n.º …, pelo prazo de 12 meses, com início no dia 01-01-2018 e termo no dia 01-01-2019, o qual veio a ser renovado para as anuidades de 2019 e 2020, conforme documentos 1 e 2 juntos no requerimento de 30-01-2020, cujo teor se dá por reproduzido.

1.ª questão – Do conhecimento imediato do mérito da causa - Dos pressupostos da responsabilidade civil

Na sentença recorrida considerou-se que, perante os factos provados e sem embargo dos factos (também enunciados) controvertidos, importava já apreciar a viabilidade jurídica da pretensão do Autor. Neste sentido, e depois de afirmar que as partes celebraram um contrato de mandato forense, o qual se rege pelas disposições comuns do contrato de mandato civil contidas nos artigos 1157.º e segs. do Código Civil e ainda pelas disposições especiais constantes, à data, dos artigos 62.º e 92.º a 102.º, todos do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26-01 (entretanto revogado pela Lei n.º 145/2015, de 09-09), consta a seguinte fundamentação de direito (sublinhado nosso):
“Aqui chegados importa, antes de mais, colocar a seguinte questão: viabilidade da defesa omitida e se a mesma teria sucesso no desfecho processual, isto é, se existe um nexo de causalidade entre tal omissão e o alegado dano que o Autor quer ver ressarcido.
Tal como decorre supra alguns factos ainda estão controvertidos. Com a presente análise concluiremos que, ainda que o processo prosseguisse para julgamento e todos os factos controvertidos alegados pelo autor (os réus nenhum facto adiantaram quanto a esta questão: viabilidade da defesa omitida e se a mesma teria sucesso no desfecho processual) resultassem provados, sempre a ação teria de improceder (motivo pelo qual se profere o presente saneador-sentença).
Vejamos.
Estamos no âmbito da responsabilidade contratual, regulada nos artigos 798.º e segs. do Código Civil (normativo equivalente ao artigo 483.º do Código Civil), sendo que a culpa é apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil (artigo 799.º, n.º 2 do Código Civil). Está-se perante responsabilidade contratual sempre que, por erro ou omissão de quem é parte num contrato, se verifique incumprimento do mesmo.
Para que exista responsabilidade é necessário que se verifiquem os seguintes pressupostos:
- Facto voluntário, ou seja, comportamento controlável pela vontade do agente (pode consistir numa ação ou omissão);
- Ilicitude, ou seja, ofensa de direitos de terceiros ou de disposições legais emitidas com vista à proteção de interesses alheios;
- Culpa, ou seja, o nexo de imputação: censura dirigida ao autor do facto por não ter usado da diligência que teria o homem normal perante as circunstâncias do caso concreto e pode reportar-se ao dolo (ou seja, adesão da vontade ao comportamento ilícito, que pressupõe a existência do elemento volitivo e intelectual) ou à negligência (ou seja, não agir com a diligência ou discernimento exigíveis para ter evitado a violação do direito alheio);
- dano, ou seja, lesão de ordem patrimonial ou não patrimonial; e
- Nexo de causalidade adequada entre a conduta e o dano (de acordo com a teoria da causalidade adequada: apenas revelam aqueles danos que não se teriam verificado, não fosse o facto lesivo / juízo de imputação objetiva do dano ao facto de que emerge).
Na responsabilidade contratual os pressupostos são os mesmos, sendo que nesta a culpa se presume (artigo 799.º, n.º 1 do Código Civil).
Importa, pois, aferir a existência de nexo de causalidade adequada entre a conduta do primeiro Réu e os danos alegados; sendo que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (artigo 563.º do Código Civil).
Pela proficuidade de exposição seguiremos de perto o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28-04-2016 (processo nº 40-14.2T8STB.L1-8, disponível em www.dgsi.pt).”
De seguida, embora não esteja indicada a citação, seguem-se, quase ipsis verbis, as considerações que constam deste acórdão, desde “Em geral, o advogado, pelo contrato de mandato, fica adstrito a desenvolver com adequadas diligência e perícia uma determinada atividade jurídica, sem, contudo, ficar vinculado à obtenção de um certo resultado, daí que se considere que a sua prestação constitui (fundamentalmente) uma obrigação de meios e não de resultado” até “A preterição desses seus deveres pode fazer incorrer em responsabilidade civil (artigo 99.º do EOA). É corrente a jurisprudência no sentido de que a responsabilidade do advogado pelos danos causados ao seu cliente, no âmbito e exercício do mandato forense, tem natureza contratual, uma vez que decorre da violação de deveres jurídicos emergentes do contrato com ele firmado. Nesse particular, o facto ilícito constituir-se-á do comportamento consistente na preterição de vínculos decorrente do contrato firmado (artigo 798º do Código Civil); o juízo de censura presumir-se-á (artigo 799º nº 1 do Código Civil); e o prejuízo, consistente na quebra que se faça sentir na esfera do lesado, há-de ter sido adequadamente gerado por aquele comportamento (artigo 563º do Código Civil).”
Assim, no presente caso, caso resultassem provados todos os factos alegados pelo autor, concluiríamos que o autor havia decidido intentar ação de impugnação do despedimento e que o primeiro réu não intentou essa ação (não vamos, por desnecessidade, analisar a independência técnica do advogado e a não vinculação à vontade do cliente, mas à análise conscienciosa dos factos cotejados com o direito aplicável), pelo que este não logrou provar a ausência de culpa ou de atuação diligente, concluindo assim pelo ilícito contratual invocado.
Não tendo ilidido a presunção do nº 1 do artigo 799.º do Código Civil, o réu, mandatário do autor, incorria em responsabilidade, se presentes os restantes pressupostos, designadamente, o dano e nexo causal. É, pois, necessário que os prejuízos que o credor invoca e pretende ver ressarcidos hajam sido causados pela falta de cumprimento.
Ao mesmo tempo, e por decorrência, vislumbra-se também o dano de perda de oportunidade, ou perda de chance; quer dizer, de algum modo o Réu, advogado, inviabilizou a oportunidade de o seu cliente ver procedente a ação de impugnação do despedimento.
Uma das situações em que a noção de perda de chance tem sido empregue é, precisamente, nos casos em que um mandatário judicial não propõe uma ação ou não interpõe um recurso de uma decisão desfavorável ou não contesta uma ação dirigida contra o seu cliente ou pratica qualquer acto depois de expirados os prazos legalmente previstos.” Continua a decisão recorrida, reproduzindo as palavras de Júlio Gomes e Armando Braga citadas no referido acórdão, para o qual remetemos, por economia, seguindo-se, ainda quase decalcadas do mesmo acórdão, as seguintes considerações:
«No caso sub judice (considerando como provados os factos alegados pelo Autor), devido ao facto de o primeiro Réu não ter diligenciado por intentar a ação de impugnação do despedimento, o ora autor, perdeu a chance de ver apreciada a bondade da decisão.
Mas terá o autor direito à indemnização que peticiona? A questão está em saber se ao incumprimento culposo das obrigações assumidas pelo advogado se liga causalmente um prejuízo para o seu cliente. É que o resultado de uma ação judicial depende do concurso de múltiplos e, normalmente, imponderáveis fatores, como sejam a conduta processual das partes, a falta ou ocultação de dados por parte do cliente, o estado da doutrina e da jurisprudência ao tempo em que o juiz é chamado a pronunciar-se, o erro judiciário, etc., sendo estes últimos estranhos ao cumprimento ou incumprimento do advogado.
No caso em apreço afigura-se-nos que não se resultam factos que permitam formular um juízo de causalidade naturalístico (ainda que toda a factualidade controvertida resultasse provada). O dano de perda de chance reporta-se ao valor da oportunidade perdida e não ao benefício esperado.
A doutrina da perda de chance propugna, em tese geral, a concessão de uma indemnização quando fique demonstrado, não o nexo causal entre o facto e o dano final, mas simplesmente que as probabilidades de obtenção de uma vantagem, ou de evitamento de um prejuízo, foram reais, sérias, consideráveis. Sustenta-se que, para efeitos de verificação do nexo de causalidade, se deve colocar o acento tónico não no resultado final, mas nas possibilidades de ele ser atingido (é necessário que o ato ilícito e culposo seja a causa jurídica da perda da chance).
Trata-se de uma técnica a que se recorre, pois, para ultrapassar as dificuldades de prova do nexo causal, pretendendo-se com a mesma evitar a solução drástica, e em muitos casos injusta, a que conduz o modelo tradicional do tudo ou nada (Patrícia Helena Leal Cordeiro da Costa, “Dissertação de Mestrado, Dano de Perda de Chance e a sua Perspetiva No Direito Português”, página 4, consultada em http://www.verbojuridico.com/ /doutrina/2011/patriciacosta_dan operdachance.pdf).
A chance surge, assim, como uma entidade autónoma, como um dano emergente, sendo o seu “quantum” inferior ao dano final, a determinar de acordo com a equidade e em função do grau de seriedade (probabilidade de êxito) da chance perdida. Através da noção da perda de chance faz-se “avançar” a incerteza do encadeamento causal de acontecimentos para o da valoração dos danos, transformando-se o problema da prova da causalidade numa questão de avaliação do dano (Rute Teixeira, “A Responsabilidade Civil do Médico”, páginas 221, 225, 229, 230 e 408).»
Depois de reproduzir mais uma passagem do acórdão, refere-se, na decisão recorrida, Perante o exposto, temos de concluir que os factos apurados na presente ação não permitem concluir que, caso tivesse sido intentada a ação, existisse um mínimo grau de probabilidade de êxito por parte do autor e que tenha existido um prejuízo patrimonial e não patrimonial pelo facto de não ter o autor visto a questão reapreciada [a referência à reapreciação da questão consta do referido acórdão da RL, que versava sobre um caso em que não havia sido interposto recurso da sentença proferida no processo crime] pelo Tribunal Administrativo e Fiscal. Isto é: o autor não demonstrou nos presentes autos, que existiam argumentos fácticos e/ou jurídicos que permitissem que a questão fosse reapreciada e que essa reapreciação tivesse para o autor um desfecho favorável.
É certo que (caso resultassem provados todos os factos alegados pelo autor, nos termos expostos supra) ainda que tenha ocorrido incumprimento do mandato por parte do primeiro Réu, atento o exposto, é insuscetível de gerar a obrigação de indemnizar. Assim, não se demonstrou que a falta de impugnação do despedimento foi causa (real, efetiva) adequada da perda de uma oportunidade de ser reintegrado no seu trabalho.
E assim sendo, temos de concluir que a viabilidade da pretensão do autor era nula e, como tal, não existe direito a indemnização pela perda de chance.
Assim, e regressando à questão inicialmente colocada (saber se a presente ação deve prosseguir para a fase seguinte ou se, face ao que consta dos autos, a ação dispõe já de todos os elementos para se proferir decisão de mérito) entendemos que a ação dispõe já de todos os elementos para se proferir decisão de mérito, salvo o devido respeito por entendimento diverso, posto que (reiteramos) o Autor tinha, pois, o ónus de alegar e provar que a viabilidade da ação a propor, mas não o fez (pelo que não podemos concluir pela a viabilidade da pretensão do autor e, como tal, não existe direito a indemnização pela perda de chance. Assim, ainda que se provassem todos os factos controvertidos [os factos a) a f) referidos supra como ainda controvertidos] nunca a ação poderia proceder.
Portanto (e respondendo à questão essencial decidenda), face à factualidade já assente e por tudo o que já ficou exposto, concluímos que a acção dispõe já de todos os elementos para se proferir decisão de mérito, impondo-se a absolvição dos Réus do pedido.

Vejamos.

Em face desta fundamentação, parece-nos que o Tribunal recorrido concluiu que, a provarem-se todos os factos alegados, se verificava um ilícito contratual por parte do Réu com o incumprimento culposo do contrato de mandato por parte do mesmo, mas não havia lugar a indemnização pelo dano de perda de chance - único que foi considerado - uma vez que o Autor não alegou e provou a viabilidade da ação (a propor) de impugnação do seu despedimento, quedando assim por demonstrar a existência do indispensável nexo causal. Entendeu-se que era desnecessário o prosseguimento dos autos, com a realização de audiência de julgamento, porque sempre se chegaria, a final, à mesma conclusão.

Importa, pois, saber se assiste razão ao Autor-Apelante quando defende que o Tribunal a quo não estava na posse dos elementos suficientes para proferir decisão do mérito da causa, ou seja, se estado dos autos já permitia uma tomada de posição segura a respeito da (im)procedência do pedido, nos termos do disposto no art. 595.º, n.º 1, al. b), do CPC, o qual estabelece que o despacho saneador se destina a “(C)onhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória.”

A este respeito, atentemos na explicação dos Professores Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, no seu “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, págs. 659-661 (sublinhado nosso): “O juiz conhece do mérito da causa no despacho saneador, total ou parcialmente, quando para tal, isto é, para dar resposta ao pedido ou à parte do pedido correspondente, não haja necessidade de mais provas do que aquelas que já estão adquiridas no processo.
Tal pode acontecer por inconcludência do pedido (…), procedência ou improcedência de exceção perentória (…) e procedência ou improcedência do pedido. (…)
Esse conhecimento só deve ter lugar quando o processo contenha todos os elementos necessários para uma decisão conscienciosa, segundo as várias soluções plausíveis de direito e não apenas tendo em vista a partilhada pelo juiz da causa (…)”.

Do maior interesse sobre esta problemática é o artigo de Paulo Ramos de Faria, “Relevância das (outras) soluções plausíveis da questão de direito”, publicado na Julgar Online, outubro de 2019, em que conclui, designadamente, que:
“Quando o saneador-sentença admite recurso, a existência de diferentes soluções plausíveis não é irrelevante para a decisão de julgar imediatamente a causa na fase intermédia da ação, mas também não é determinante. É um fator a considerar numa decisão gestionária e pragmática, podendo justificar o sacrifício da economia processual e da celeridade na decisão da causa, quando existem razões para admitir que posição a tribunal superior sobre o regime legal adequado ao julgamento de mérito não é concordante.
4.3.- Julgamento do recurso do saneador-sentença. Sendo interposto recurso do saneador-sentença, e estando efetivamente assentes todos os factos essenciais relevantes respeitantes à solução de direito adotada na decisão impugnada, o processo só deve prosseguir no tribunal a quo quando o tribunal da Relação, depois de afirmar (à luz dos factos alegados) que o direito aplicável ao caso não é o definido pelo tribunal recorrido, conclui que permanece controvertida a factualidade alegada idónea para constituir a base da decisão que aplica o direito adequado; ou quando o tribunal da Relação entende que a insuficiência ou imprecisão (incluindo contradição) dos elementos de facto alegados impede a conscienciosa fixação com precisão do regime jurídico a aplicar. Ali, o processo prossegue para as fases de instrução e discussão da causa; aqui, segue-se a prolação de um despacho convidando a parte à correção dos vícios da articulação.
A existência de outras soluções plausíveis, continuando controvertida a factualidade que as sustenta, não tem uma utilidade operativa autónoma, não constituindo um critério suficiente de procedência do recurso. O fundamento decisivo da cassação é a adoção errada − ou prematura, no caso de viciação da alegação − pelo tribunal a quo de um certo enquadramento jurídico sobre o mérito da causa – quando não seja a existência de uma mera falha na conclusão de estarem assentes os factos essenciais, à luz da abordagem de direto correta já adotada, ou na deteção da relevância de factos controvertidos, sempre de acordo com esta abordagem. Este erro obriga à instrução da causa (salvo se o enquadramento adotado pelo tribunal ad quem também assentar em factos assentes) ou, no caso de insuficiência ou imprecisão dos elementos de facto alegados, à formulação de um convite ao aperfeiçoamento da articulação”. (págs. 51-52, sublinhado nosso).

De entre as considerações desenvolvidas por este autor, citamos ainda, pelo seu interesse, duas passagens: “A desnecessidade de mais provas para o imediato conhecimento do pedido não equivale a ausência de controvérsia sobre a questão de facto apresentada pelo autor. Pode esta subsistir e, não obstante, ser possível o conhecimento do mérito da causa. Assim ocorrerá, desde logo, nos casos em que deve ser formulado um juízo de manifesta inviabilidade da ação. Este juízo pode evoluir e reforçar-se entre a apreciação liminar e a fase do saneamento processual, levando à decisão de improcedência nesta ocasião. (…)
Desnecessidade de mais provas também não significa suficiência das já apreciadas para a formação da convicção do julgador (na prova livremente apreciada). Ainda que o juiz já esteja convencido sobre a realidade de um facto controvertido – designadamente, com base na prova produzida antecipadamente −, tem, por regra quase sem exceção, de dar à parte que ficaria vencida na “questão de facto” a decidir a oportunidade de produzir a prova por si oportunamente oferecida, e de, assim, alterar aquela convicção inicial, sob pena de, não o fazendo, com a sua decisão violar o princípio do contraditório, o princípio da igualdade de armas e o direito a um processo equitativo. (págs. 9-10)

De salientar que a prolação de decisão imediata de improcedência da ação, além de ter subjacente um juízo sobre a desnecessidade de instrução da causa, deverá também, sob pena de violação do dever de gestão inicial do processo, ter sido antecedida de um juízo sobre a (in)admissibilidade de despacho pré-saneador de aperfeiçoamento da petição inicial, nos termos dos artigos 6.º e 590.º do CPC. Com efeito, é indiscutível que, no Código de Processo Civil de 2013, o convite ao aperfeiçoamento fáctico da petição inicial constitui um poder vinculado do juiz: se não tiver sido observado aquando do despacho liminar, deverá sê-lo findos os articulados, conforme resulta dos artigos 6.º e 590.º do CPC e foi expressamente anunciado na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 113/XII (PL 521/2012, 2012-11-22) que está na génese deste Código: “Concluída a fase dos articulados, o processo é feito concluso ao juiz, cabendo a este, antes de convocar a audiência prévia, verificar se há motivos para proferir despacho pré saneador. O âmbito do despacho é clarificado e ampliado. Continuando a destinar-se a providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias e pelo aperfeiçoamento dos articulados, fica estabelecido o carácter vinculado desse despacho quanto ao aperfeiçoamento fáctico dos articulados”.

Assim, por exemplo, não será legalmente admissível concluir pela absolvição do pedido com fundamento na insuficiência da causa de pedir (reputando a petição inicial de deficiente) quando não se cuidou previamente de convidar o autor ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada. De referir que a lei, no referido artigo 590.º do CPC, não prevê a possibilidade de convite ao aperfeiçoamento para indicação das razões de direito que servem de fundamento à própria ação, o que se compreende, considerando que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cf. art. 5.º, n.º 3, do CPC). Admitimos, todavia, que, em certos casos, se poderá justificar o convite dirigido às partes ou aos seus mandatários judiciais no sentido de virem fornecer esclarecimentos sobre matéria de direito que se afigurem pertinentes, ao abrigo do princípio da cooperação (cf. art. 7.º do CPC).

Atentando na Petição Inicial dos autos, resulta dos factos aí alegados (e em parte provados) que entre o Autor e o Réu foi celebrado um contrato de mandato forense ou mandato judicial, pelo qual o Autor lhe conferiu poderes para impugnar jurisdicionalmente a decisão administrativa de demissão, contrato ao qual se aplica o regime do contrato de mandato civil dos artigos 1157.º e ss. do CC, bem como as regras constantes do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26-01-2005, em vigor à data dos factos. O Réu assumiu o patrocínio do Autor, tanto assim que solicitou e recebeu inclusivamente provisão para honorários e despesas (cf. art. 98.º do EOA).

Além das obrigações gerais do mandatário enunciadas no art. 1161.º do CC - para cujo cumprimento pontual, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé (cf. arts. 406.º e 762.º do CC) -, haverá que ter em consideração os deveres resultantes do EOA, designadamente o dever de praticar os atos de execução do mandato com zelo e diligência, merecendo especial destaque, no caso dos autos, de entre as várias normas estatuárias, os artigos 83.º, 92.º, 93.º, 95.º.  Lembramos que o art. 83.º (correspondente ao art. 88.º do atual EOA), preceitua sob a epígrafe, “Integridade”, que:
“1- O advogado é indispensável à administração da justiça e, como tal, deve ter um comportamento público e profissional adequado à dignidade e responsabilidades da função que exerce, cumprindo pontual e escrupulosamente os deveres consignados no presente Estatuto e todos aqueles que a lei, os usos, costumes e tradições profissionais lhe impõem.
2- A honestidade, probidade, rectidão, lealdade, cortesia e sinceridade são obrigações profissionais.”
Por seu turno, o art. 92.º (a que corresponde o art. 97.º do atual EOA) versa sobre os princípios gerais aplicáveis às relações com os clientes, dispondo que:
“1- A relação entre o advogado e o cliente deve fundar-se na confiança recíproca.
2- O advogado tem o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas.”

Já o art. 93.º, n.º 2 (cf. art. 98.º do atual EOA), sob a epígrafe, “Aceitação do patrocínio e dever de competência”, preceitua que: “O advogado não deve aceitar o patrocínio de uma questão se souber, ou dever saber, que não tem competência ou disponibilidade para dela se ocupar prontamente, a menos que actue conjuntamente com outro advogado com competência e disponibilidade para o efeito.”

Finalmente, o art. 95.º (cf. art. 100.º do atual EOA) elenca uma série de outros deveres do advogado, nas relações com o cliente, em que avultam:
“a) Dar a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que o cliente invoca, assim como prestar, sempre que lhe for solicitado, informação sobre o andamento das questões que lhe forem confiadas, sobre os critérios que utiliza na fixação dos seus honorários, indicando, sempre que possível, o seu montante total aproximado, e ainda sobre a possibilidade e a forma de obter apoio judiciário;
b) Estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade;
(…) e) Não cessar, sem motivo justificado, o patrocínio das questões que lhe estão cometidas.
2 - Ainda que exista motivo justificado para a cessação do patrocínio, o advogado não deve fazê-lo por forma a impossibilitar o cliente de obter, em tempo útil, a assistência de outro advogado.”

A responsabilidade civil do advogado (que, por norma, terá natureza contratual) poderá, pois, resultar quer da violação da obrigação principal do contrato de mandato que celebrou com o seu cliente, quer da violação de deveres acessórios e até deontológicos, mormente os que lhe são impostos pelo Estatuto da Ordem dos Advogados, sendo seus pressupostos a conduta ilícita do réu-advogado (a qual consistirá, em geral, na inexecução ou execução defeituosa do mandato), a culpa do mesmo (que se presume nos termos do art. 799.º do CC), a existência de danos e o nexo de causalidade adequada entre estes e tal ação/omissão ilícita.

Nesta linha de pensamento, foi sendo produzida, desde há vários anos, abundante jurisprudência, designadamente, se recuarmos alguns anos, o acórdão do STJ de 10-11-2005, na Revista n.º 2378/05 - 2.ª Secção, e o acórdão do STJ de 28-09-2006, na Revista n.º 3243/06 - 2.ª Secção (sumários disponíveis em www.stj.pt), citando-se, pelo seu interesse, este último: “I - Estamos perante um contrato de mandato como vem definido no art. 1157.º do CC; por força deste contrato, os réus, como mandatários, contraíram perante o autor, como mandante, os deveres estabelecidos no então vigente art. 83.º do EOA. II - Este preceito impõe ao advogado certos deveres para com o seu cliente, nomeadamente, os seguintes: a) exprimir uma opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que o cliente invoca; b) estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito, todos os recursos da sua experiência, saber e actividade. III - O profissional do foro quando aceita o patrocínio duma determinada causa não pode garantir um resultado favorável, comprometendo-se apenas, como técnico da ciência jurídica, a colocar todo o seu saber e diligência ao serviço dos interesses do cliente; compromete-se, portanto, a desempenhar o mandato com zelo e aptidão profissional. IV - A violação daqueles deveres pode fazer incorrer o advogado em responsabilidade civil, desde que ocorram os restantes pressupostos da responsabilidade contratual; considerando as disposições conjugadas do art. 83.º do EOA e do art. 483.º do CC, devem ser tidos em conta: o facto voluntário e culposo do advogado que traduz a violação dos deveres deontológicos, o dano sofrido pelo cliente e o nexo de causalidade adequada entre essa actuação do advogado e o dano. V - Não basta qualquer acto ou omissão do advogado no exercício do mandato que lhe foi cometido pelo cliente para que surja a obrigação de indemnizar os prejuízos que este diz ter sofrido; a actuação do advogado tem de ser considerada culposa, no sentido de ser merecedora de censura deontológica. VI - A violação dos deveres que para o advogado resultam do mandato que lhe foi conferido pelo cliente e a violação dos deveres deontológicos impostos pelo EOA devem ser alegados e provados pelo autor.”
E também, com sumário disponível em www.stj.pt, o acórdão do STJ de 16-12-2010, na Revista n.º 181/07.2TBSJM.P1.S1 - 6.ª Secção: “I - Tratando-se de responsabilidade civil contratual derivada do incumprimento por parte do réu, advogado, de um contrato de mandato judicial, incumprimento esse que se traduziu em a acção judicial encomendada pela autora ao réu ter sido por este tardiamente proposta, o que levou à sua improcedência por verificação da excepção peremptória de caducidade do direito da autora, sendo o dano peticionado o decorrente da perda da referida acção, tem a autora de provar, como elemento constitutivo do seu direito – nexo de causalidade – a probabilidade séria de obtenção de êxito na referida acção. II - Das obrigações impostas ao réu, quer pelo contrato em causa, quer pelo EOA, resulta que, como profissional do foro, no exercício da sua actividade profissional, não tem uma obrigação de resultado, mas tem apenas uma obrigação de meios, porquanto não pode garantir ao cliente o sucesso da acção a instaurar, não lhe sendo exigível que seja infalível, apenas se lhe exige que coloque todo o seu saber e diligência ao serviço dos interesses do cliente, comprometendo-se a desempenhar o mandato com zelo e aptidão profissional. III - No caso, impunha-se ao réu a propositura da acção a tempo de o respectivo direito da autora ser judicialmente apreciado e, se possível, reconhecido.”

No presente processo, o que se discutiu (embora, desde já o adiantamos, nos pareça ter sido prematuro fazê-lo) foi se o (alegado) incumprimento contratual (em sentido amplo) por parte do Réu poderá fazê-lo incorrer na obrigação de indemnizar fundada em responsabilidade civil contratual, por via da figura do dano da perda de chance, que vem sendo “construída” pela doutrina e jurisprudência, conforme citações feitas na decisão recorrida e às quais muitas outras poderíamos acrescentar. Assim, para ilustrar a formação desta corrente jurisprudencial, destacam-se, numa primeira fase:
- o acórdão do STJ de 29-04-2010, no processo n.º 2622/07.0TBPNF.P1.S1 (disponível em www.dgsi.pt), de que citamos parte do respetivo sumário:
«1)- O mandato forense é um contrato de mandato atípico, sujeito às regras dos artigos 1157.º do Código Civil e do Estatuto da Ordem dos Advogados, sendo que se destina a garantir o patrocínio judiciário que é de interesse e ordem públicos.
2)- Integra uma obrigação de meios (ou de diligência) já que o mandatário apenas se obriga a desenvolver uma actividade direccionada para uma solução jurídico-legal, pondo ao serviço do mandante todo o seu zelo, saber e conhecimentos técnicos mas não garantindo qualquer desfecho da controvérsia que lhe é posta.
3)- Ao mandatário forense não é apenas exigida diligência do homem médio (n.º 2 do artigo 487.º do Código Civil) um paradigma de conduta a apreciar em abstracto mas tendo em atenção tratar-se de um profissional a quem é imposto muito maior rigor na investigação, actualização, adequação e aplicação dos conhecimentos da sua especialidade.
4)- Não sendo um contrato de trabalho (e apenas uma “species” – embora matriz – da prestação de serviços) o incumprimento do mandato forense (incluindo deveres colaterais deontológicos) gera, em regra, responsabilidade contratual perante o cliente.
(…) 7)- Os danos não patrimoniais são indemnizáveis em sede de responsabilidade contratual, desde que do clausulado (ou de normas imperativamente aplicáveis) não resultar uma sanção autónoma para o incumprimento e que o dano não patrimonial apurado resulte directamente do incumprimento por verificação da causalidade adequada na formulação do artigo 563.º do Código Civil.
(…) 9)- Na perda de chance, ou de oportunidade, verificou-se uma situação omissiva que, a não ter ocorrido, poderia razoavelmente propiciar ao lesado uma situação jurídica vantajosa.
10)- Trata-se de imaginar ou prever a situação que ocorreria sem o desvio fortuito não podendo constituir um dano presente (imediato ou mediato) nem um dano futuro (por ser eventual ou hipotético) só relevando se provado que o lesado obteria o direito não fora a chance perdida.
10)- Trata-se de imaginar ou prever a situação que ocorreria sem o desvio fortuito não podendo constituir um dano presente (imediato ou mediato) nem um dano futuro (por ser eventual ou hipotético) só relevando se provado que o lesado obteria o direito não fora a chance perdida.
11)- Se um recurso não foi alegado, e em consequência ficou deserto, não pode afirmar-se ter havido dano de perda de oportunidade, pois não é demonstrada a causalidade já que o resultado do recurso é sempre aleatório por depender das opções jurídicas, doutrinárias e jurisprudenciais dos julgadores chamados a reapreciar a causa.
12)- Do n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil resulta que o dano não patrimonial só é compensável se o evento lesivo afectar relevantemente, e com certa gravidade, valores da personalidade moral, devendo a situação ser vista casuisticamente.»
- e o acórdão do STJ de 10-03-2011, na Revista n.º 9195/03.0TVLSB.L1.S1 - 7.ª Secção (também disponível em www.dgsi.pt): «I - O advogado goza de discricionariedade técnica na orientação a dar aos casos que lhe são confiados, pressupondo a lei que o mesmo tem a competência para tal que lhe é conferida pela sua presumida preparação técnico-jurídica, sendo certo que, além do mais, tem sempre a possibilidade e o dever de recusar o seu patrocínio quando por qualquer motivo não se julgue apto a assumi-lo. II - A quebra dos deveres profissionais do advogado para com o seu constituinte é facto gerador de responsabilidade civil contratual para com este. III - Todavia o facto culposo terá que decorrer da falta de diligência na abordagem da questão a tratar; e, para além disso, ser passível de censura, integrando um erro profissional indesculpável. IV - Comungando dos pressupostos da responsabilidade civil, para que possam ser imputadas as consequências de um determinado comportamento culposo ao mandatário judicial no exercício do seu munus, é necessário que as mesmas se possam filiar naquele através de um nexo de causalidade adequada. V - Por não preencher aquele nexo de causalidade não é lícito filiar na “perda de chance” de ganho de uma causa em juízo, por culpa do advogado, a ocorrência da sua perda e prejuízo integral daí adveniente em ordem à sua constituinte. VI - Contudo a chance, quando credível, é portadora de um valor de per si, sendo a respectiva perda passível de indemnização, desde logo quanto à frustração das expectativas que fundadamente nela se filiaram para o expectante. VII - A “perda de chance” enquanto perda de uma possibilidade real de êxito que se frustrou, poderá gerar igualmente “danos não patrimoniais” indemnizáveis, nos termos do disposto no art. 496.º do CC.»
A que se seguiu, numa progressiva consolidação da figura, o acórdão do STJ de 05-02-2013, proferido no processo n.º 488/09.4TBESP.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt, que aprofundou a discussão nesta matéria e cujo sumário citamos, pelo seu interesse, embora o caso tenha contornos fácticos distintos do que nos ocupa:
«I- O mandato judicial configura um contrato de mandato oneroso, com representação, sendo o advogado constituído responsável, civilmente, nos termos gerais, perante os seus clientes, em virtude do incumprimento ou do cumprimento defeituoso do contrato.
II- A deontologia profissional é o conjunto de deveres, princípios e normas que regulamentam o comportamento público e profissional do advogado que, na execução do acordado com o cliente, deve praticar, reciprocamente, a lealdade e a confiança, sob pena de colocar em crise a relação jurídica criada, agindo segundo as exigências das leges artis, os deveres deontológicos da classe e os conhecimentos jurídicos, então, existentes, de acordo com o dever objectivo de cuidado.
III- A não comunicação ao tribunal, por onde corre o processo em que é parte a pessoa que patrocina, por parte de advogado constituído, da alteração da sua morada profissional, ao não acautelar as consequências futuras das notificações que lhe forem dirigidas, em representação da parte cujos interesses é suposto defender, constitui omissão reveladora de negligência muito grosseira, já a caminho de um nexo de imputação ético-jurídico do facto ao agente de grau superior.
IV- Nas obrigações de meios, não tendo sido alcançado o resultado devido e que fora previsto, não é suficiente que o credor prove a não obtenção do efeito previsto com a prestação para se considerar demonstrado o não cumprimento, sendo, igualmente, necessário provar sempre o facto ilícito do não cumprimento.
V- Demonstrando o credor que o meio, contratualmente, exigível não foi empregue pelo devedor ou que a diligência requerida, de acordo com as regras da arte, foi omitida, competirá a este provar que não foi por sua culpa que não utilizou o meio devido, ou omitiu a diligência exigível.
VI- O ordenamento jurídico nacional consagra a doutrina da causalidade adequada, ou da imputação normativa de um resultado danoso à conduta reprovável do agente, nos casos em que pela via da prognose póstuma se possa concluir que tal resultado, segundo a experiência comum, possa ser atribuído ao agente como coisa sua, produzida por ele, mas na sua formulação negativa, porquanto não pressupõe a exclusividade da condição como, só por si, determinante do dano, aceitando que na sua produção possam ter intervindo outros factos concomitantes ou posteriores.
VII- Enquanto a teoria geral da causalidade, no âmbito da responsabilidade contratual, tem subjacente o princípio do “tudo ou nada”, porquanto obriga a que o risco de incerteza da prova recaia em conjunto sobre um único sujeito, a teoria da “perda de chance” distribui o risco da incerteza causal entre as partes envolvidas, pelo que o lesante responde, apenas, na proporção e na medida em que foi autor do ilícito.
VIII- Ao ver desentranhado o requerimento probatório do autor, a ré fê-lo, desde logo, perder toda e qualquer expectativa de ganho de causa na acção, independentemente das vicissitudes processuais que a mesma conheceria, na hipótese de tal não haver sucedido, o que, por si só, representa um dano ou prejuízo autónomo para aquele.
IX- A doutrina da “perda de chance”, ou da perda de oportunidade, diz respeito, não à teoria da causalidade jurídica ou de imputação objectiva, mas antes à teoria da causalidade física, pelo que a perda de oportunidade apenas pode colocar-se, verdadeiramente, quando o julgador, depois de aplicar as regras e critérios positivos que orientam e limitam a sua capacidade de valoração, não obtém a prova de que um determinado facto foi causa física de um determinado dano final.
X- O dano da “perda de chance” que se indemniza não é o dano final, mas o dano “avançado”, constituído pela perda de chance, que deve ser medida em relação à chance perdida e não pode ser igual à vantagem que se procurava, nem superior nem igual à quantia que seria atribuída ao lesado, caso se verificasse o nexo causal entre o facto e o dano final.
XI- Para o que importa proceder a uma tarefa de dupla avaliação, isto é, em primeiro lugar, realiza-se a avaliação do dano final, para, em seguida, ser fixado o grau de probabilidade de obtenção da vantagem ou de evitamento do prejuízo, após o que, obtidos tais valores, se aplica o valor percentual que representa o grau de probabilidade ao valor correspondente à avaliação do dano final, constituindo o resultado desta operação a indemnização a atribuir pela perda da chance.»

Orlando Guedes da Costa, no seu estudo “A responsabilidade civil profissional do advogado”, incluído no ebook CEJ “RESPONSABILIDADE CIVIL PROFISSIONAL”, março 2017, disponível online, na página do CEJ, em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/eb_ResponsabilidadeProfissional.pdf, faz uma análise de diversos acórdãos do STJ e das Relações, com especial enfoque precisamente para este último acórdão de 05-02-2013, que critica, considerando que com uma tal linha de pensamento se cai no extremo de levar a que o “cliente” seja sempre beneficiado (cf. págs. 189-190), referindo um tal receio “na medida em que seria sempre certa a indemnização pela perte d’une chance, ao passo que seria sempre incerta a vantagem porventura pouco provável que seria obtida ou o prejuízo que improvavelmente seria evitado pelo processo judicial em que se verificou o incumprimento ou o cumprimento defeituoso do mandato judicial”.

Assim, segundo este autor não se deve olhar para a perda de uma chance como um dano autónomo para contornar dificuldades de prova do nexo causal, quando o que importa é a prova do nexo de causalidade adequada e do dano segundo a teoria da diferença consagrada pelo artigo 562.º do CC, isto é, à prova de qual a situação que existiria e deve ser reconstituída, se a ação não tivesse soçobrado (designadamente por não ter sido oportunamente intentada, com a procedência da exceção de prescrição).

Considera assim preferível a solução do acórdão do STJ de 14-03-2013, proferido no processo n.º 78/09.1TVLSB.L1.S1, que representa mais um avanço na construção da figura da perda de chance por parte da nossa jurisprudência. Reconhecemos alguma razão àquela crítica e também nos revemos na abordagem casuística e considerações feitas neste último acórdão, disponível em www.dgsi.pt, citando-se, para melhor compreensão, as seguintes passagens do respetivo sumário:
“2.- No cumprimento do mandato forense, o advogado deve colocar todo o seu saber e empenho na defesa dos interesses do seu constituinte, naturalmente com respeito das regras de conduta genericamente impostas ao exercício da profissão respectiva, e dispõe de uma margem significativa de liberdade técnica.
3.- Nesse cumprimento não se inclui, pelo menos em regra, a obrigação de ganhar a causa, mas apenas a de defender aqueles interesses diligentemente, segundo as regras da arte, com o objectivo de vencer a lide.
(…) 5.- A falta de apresentação oportuna do requerimento de prova determinou a improcedência da sua defesa e da reconvenção; mas não se pode determinar qual seria o provável resultado da prova que viesse a ser oportunamente requerida e produzida; nem tão pouco o provável desfecho jurídico da causa.
6.- Mas a falta de requerimento de prova para lograr demonstrar os factos controvertidos é causa adequada da perda de oportunidade, autonomamente considerada.
7.- O dano da perda de oportunidade de ganhar uma acção não pode ser desligado de uma probabilidade consistente de a vencer. Para haver indemnização, a probabilidade de ganho há-de elevada.
8.- No caso presente, a chance de vencimento é suficiente para que a consistência da oportunidade perdida justifique uma indemnização, a calcular segundo a equidade.”

Na esteira deste acórdão, outros se seguiram, designadamente o acórdão do STJ de 30-11-2017, no processo n.º 12198/14.6T8LSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, e o acórdão do STJ de 17-05-2018, proferido na Revista n.º 236/14.7TBMLG.C1.S1 - 2.ª Secção, cujo sumário está disponível em www.stj.pt, referindo-se designadamente no mesmo que:
«II- A reparabilidade do dano de perda de chance encontra suporte doutrinário e jurisprudencial, mormente na jurisprudência do STJ, que, em matéria de chance processual, tem seguido a orientação de que o dano daí resultante é indemnizável se se tratar de uma chance consistente, designadamente, se se puder concluir “com elevado grau de probabilidade ou verosimilhança” que o lesado obteria certo benefício não fora a chance processual perdida. 
III- Assim, “desde que se prove, desse modo indiciário, a consistência de tal vantagem ou prejuízo, ainda que de feição hipotética mas não puramente abstracta, terá de se reconhecer que ela constitui uma posição favorável na esfera jurídica do lesado, cuja perda definitiva se traduz num dano certo contemporâneo do próprio evento lesivo” (cfr. Acórdão do STJ de 30-11-2017, proc. 12198/14.6T8LSB.L1.S1).»

Do maior interesse sobre esta temática é, além da sua anterior tese de Mestrado, o recente estudo de Patrícia Cordeiro da Costa “A perda de chance – dez anos depois”, publicado na Revista Julgar, n.º 42, 2020, Almedina, págs. 151-190, em que esta autora procura, além do mais, sumariar os pressupostos da admissibilidade da reparação com base na doutrina da perda de chance. Pelo seu interesse, passamos a citar algumas passagens deste recente artigo, que resumem de forma clara a posição da autora e que merecem a nossa concordância (sublinhado nosso): “a chance tem de ser referida a um resultado positivo futuro (ganho de uma vantagem ou evitamento de uma desvantagem) que pode vir a verificar-se, mas cuja verificação não é certa. Não pode referir-se a uma probabilidade nula, escassa ou insignificante, antes tendo de ser real e séria. Também não pode referir-se a uma probabilidade alta ou suficiente, caso em que se deve ter por provado o nexo causal entre o facto e o dano final, reconhecendo-se ao lesado o direito à reparação total. A chance não pode referir-se a casos em que o dano final, cuja relação causal é apenas possível, ainda não se tenha materializado. E não pode referir-se a casos em que acontecimentos futuros poderão razoavelmente propiciar a sua reparação. Por outo lado, a doutrina da perda de chance não tem aplicação quando o lesado tenha deixado de empregar os meios probatórios que, estando ao seu alcance, teriam podido formular um juízo mais seguro em torno da existência do nexo causal, não podendo a falta de diligência do lesado na tarefa probatória reverter em seu favor. Finalmente, é necessário, conforme refere Rute Teixeira Pedro, que se verifique um comportamento de terceiro suscetível de gerar a sua responsabilidade e que elimina, de forma definitiva, as possibilidades (ou algumas) de o resultado vantajoso se vir a produzir, constituindo essa eliminação de possibilidades precisamente o dano suscetível de reparação.
A perda de chance é um dano autónomo, substancialmente diverso do dano decorrente da perda do resultado por ela propiciado: na realidade, e usando as palavras de Rute Teixeira Pedro, uma coisa é o prejuízo decorrente da perda de uma situação intermédia (por exemplo, da frustração da possibilidade de ganhar o prémio), outra diferente é o prejuízo decorrente do malogro do efeito final esperado (no mesmo exemplo, a perda do próprio prémio). É também um dano emergente, visto que, aceite a configuração da chance como uma realidade autónoma e parte integrante do património do lesado, então a sua perda ocorre necessariamente com referência a um bem já existente; um dano atual, por oposição a um dano futuro, pois a chance fica logo afastada, em regra, aquando da prática do facto ilícito; e um dano certo, pois tem por objeto a perda da possibilidade de conseguir um resultado determinado, possibilidade essa que existia no momento da lesão.
Quanto a saber se o dano de perda de chance tem natureza patrimonial ou não patrimonial, pensamos que pode assumir as duas vertentes. Por exemplo, se um escritor é impedido de integrar um concurso onde as obras de vários autores irão ser apreciadas com vista à entrega de uma distinção honorífica e de um prédio monetário, a perda de chance de ganhar esse concurso traduzir-se-á num dano patrimonial (perda de oportunidade de auferir o prémio monetário) e num dano não patrimonial (perda da oportunidade de receber a menção honorífica).
Outro aspeto saliente é o de o dano de perda de chance ser claramente subsidiário, a ele apenas se recorrendo quando seja impossível atribuir ao lesado a reparação do dano final.
Sendo o dano de perda de chance distinto do dano final, a indemnização a atribuir pela sua reparação deve refletir essa diferença.
(…) Não sendo possível determinar com rigor nomeadamente o grau de probabilidade, pode o tribunal recorrer à equidade para fixação do quantum indemnizatório, nos termos do art. 566.º, n.º 3, do Código Civil (CC)? Cremos que sim, tal como o já afirmámos anteriormente, mas importa deixar claro o seguinte: para o poder fazer, o tribunal já tem de ter por demonstrado um grau de probabilidade mínimo que eleve a chance perdida à categoria de chance séria e consistente.
Dito de outro modo, a intervenção do art. 566.º, n.º 3, do CC só pode operar num momento em que o tribunal já estabeleceu a existência de uma chance séria e consistente, ainda que num intervalo de probabilidade mínima e máxima, mas permitindo o limite mínimo desse intervalo afirmar a existência de uma chance séria, faltando apenas quantificar a indemnização.” (págs. 165-167).

Reconhece a autora a pertinência da crítica feita a esta construção (da perda de oportunidade como dano autónomo): “devendo-se indemnizar a perda de chance como um dano em si, então dever-se-ia afirmar, por coerência lógica, a sua ressarcibilidade mesmo quando o dano final não ocorre”. Assim, por exemplo, no caso dos autos, suponhamos que, com o patrocínio do advogado nomeado no procedimento disciplinar, o ora Autor havia logrado obter sucesso na via de interposição de recurso hierárquico. E continua, num lúcido exercício de autocrítica, «A apontada falta de autonomia é, segundo os críticos, especialmente patente no que concerne aos danos patrimoniais, pois a chance, em si, não é um bem patrimonial transacionável, não constituindo uma posição económica autónoma dos bens que integram o património do lesado. Não só o critério da diferença previsto no art. 56.º, n.º 2, do CC se mostra de difícil, ou mesmo impossível, aplicação nestes casos, como a atribuição de uma indemnização por meras chances perdidas se traduziria no reconhecimento geral da ressarcibilidade de danos puramente económicos, erigindo o património em geral à categoria de direito absoluto.
Outra crítica apontada é a de que incentivará os tribunais a aplicar a teoria mesmo nos casos em que o nexo causal entre o facto e o dano final estará já suficientemente demonstrado, bem como nos casos em que o dano nada tem a ver com o facto ilícito, levando os juízes a preferirem o conforto da atribuição de indemnizações parcelares em vez de ajuizarem se se provou ou não o nexo causal entre o facto e o dano final – sendo assim o paraíso para os juízes indecisos, nas palavras de Savatier.» (pág. 171).

Mas, na verdade, estas e outras objeções e dificuldades que possam ser apontadas não parecem constituir obstáculo insuperável à aplicação prática da referida construção, quando seja caso disso, sendo fundamental ter presente que não se podem confundir os planos de análise, designadamente, por um lado, o do limiar mínimo de prova necessário para considerar demonstrado o nexo causal entre o facto e o dano final, e por outro lado, o plano do limiar mínimo de relevância da chance, concluindo a autora, quanto a este último, que um tal limite mínimo deve ser fixado através de uma ponderação casuística, cabendo à doutrina e à jurisprudência a tarefa de densificação dos critérios com vista à redução da insegurança que necessariamente acarreta. (cf. pág. 184).

Depois de referir que no domínio da jurisdição administrativa e fiscal são variadas as situações em que a perda de chance tem sido convocada, nomeadamente em consequência da não admissão a concurso por ato ilegal e citar, a propósito, o acórdão do STA de 06-06-2019, refere que esta decisão “levanta a questão de saber se o tribunal pode julgar procedente um pedido indemnizatório por perda de chance quando aquele foi construído pelo demandante com base no dano final. Salvo melhor entendimento, a tal parece nada obstar, pelo menos na economia do Código de Processo Civil, pois estar-se-á, no essencial, no domínio da qualificação jurídica dos factos, tendo o tribunal liberdade em alterar essa qualificação nos termos do art. 5.º, n.º 3, do CPC, sem prejuízo, sendo necessário, do prévio cumprimento do contraditório atento o disposto no art. 3.º, n.º 3, do CPC (na modalidade de proibição de decisões surpresa).” (cf. pág. 177-178).

A autora termina fazendo a sua análise crítica, afirmando designadamente que (sublinhado nosso): “Já em data anterior havíamos afirmado nada obstar, a nosso ver, à consideração da perda da chance como um dano autónomo, verificadas que estejam determinadas condições. Volvidos estes anos, (…) continuamos a ver na doutrina de perda de chance uma solução, normativamente fundada e adequada à resolução das questões que convocam a sua aplicação.
A oportunidade perdida merece a tutela do Direito porque, à data da lesão, integra o património jurídico do lesado (património económico e património moral), sendo suscetível de avaliação económica e jurídica. Nessa medida, a perda de chance é indemnizável por consubstanciar a lesão da integridade daquele património – património entendido como uma soma de todos os valores juridicamente protegidos. Continuando a citar Rute Teixeira Pedro, a ressarcibilidade existe na medida em que a lesão dos interesses ligados ao dano corresponda à violação de uma norma ou de um vínculo contratual pré-constituído que conceda proteção (direta) àqueles interesses. A chance perdida não deixa de ser um valor conexo a um outro bem do lesado, pelo que a norma que tutela este último deve ser estendida para tutela daquela
A chance não é, assim, apenas uma mera expetativa de facto, antes constitui uma das manifestações do outro bem jurídico com que está conexa. A norma tuteladora deste é, por sua vez, tuteladora daquela”.

De referir, por último, o artigo de Rute Teixeira Pedro, “Reflexões sobre a Noção de Perda de Chance à Luz da Jurisprudência”, no e-book CEJ “NOVOS OLHARES SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL”, edição atualizada em setembro de 2019, disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/eb_ReponsCivil_2018.pdf, que encerra com as seguintes observações conclusivas: “Como vimos, a noção da perda de chance apareceu, como uma criação pretoriana, para dar resposta a um dos problemas que resultam da presença da álea na realidade que o direito é chamado a conformar. Na verdade, esta noção surgiu, no âmbito da responsabilidade civil, por causa da dificuldade (impossibilidade) verificada na afirmação do nexo de causalidade entre um determinado ato que se equaciona ser fundante da responsabilidade do seu autor e a frustração da concretização, em detrimento da pessoa que se apresenta como lesado, de um determinado resultado futuro. Por este ser de consecução incerta, não obstante a probabilidade de aquele ato ter sido a causa real da perda deste resultado, não se consegue afirmar que, sem aquele ato, o resultado se teria efetivamente produzido. A multiplicidade de fatores intervenientes no encadeamento causal, em que o ato de terceiro frustrador das chances se inclui, explicam a dificuldade sentida ao nível do requisito da causalidade.
Perante o défice de protecção detetado, equaciona-se a possibilidade de a tutela reparatória da entidade intermédia que, naquelas posições, se pode individualizar: a possibilidade de alcançar o resultado final. Emerge, assim, a noção da perda de chance que, visando a resolução do problema diagnosticado, garante a tutela ressarcitória a posições jurídicas de sujeitos, que reúnem os requisitos propiciadores de um efeito final benéfico, mas de consecução incerta.
O reconhecimento do direito à indemnização pelo dano assim autonomizado pressupõe a reunião de um conjunto de pressupostos que impedirão um excessivo alargamento da tutela reparatória que a figura propicia. Assim, é, como vimos, indispensável a existência de uma chance, quid cuja perda será ressarcida. Acresce que, para que o seu desaparecimento mereça reparação, necessário se torna que essa chance se revele séria, consistente, pessoal e merecedora de tutela jurídica, o que só, à luz do caso particular, poderá ser averiguado. Para que um tal dano seja ressarcido deverão, também, estar verificados os demais requisitos de que depende o nascimento de uma obrigação de indemnizar.
Apesar das dificuldades que não podem ser negligenciadas, a consideração das chances como entidades autonomamente relevantes, para efeitos ressarcitórios, constituindo um desenvolvimento de outras figuras presentes no ordenamento jurídico português, consubstanciará um aggiornamento do regime jurídico aplicável à responsabilidade civil, sem intervenção do legislador, em ordem à promoção da tutela efetiva do lesado.”

Sem perder de vista esta jurisprudência e doutrina, não se pode olvidar qual deve ser o ponto de partida de qualquer decisão em matéria de responsabilidade civil, ainda que profissional:
- Primeiro, há que começar por indagar da verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil, incluindo o nexo de causalidade adequada e os danos concretos, que podem ser de natureza não patrimonial ou patrimonial, em que o dano de perda de chance (enquanto afetação “relevante” de posição jurídica tutelada pelo Direito ou violação de direito que integra a esfera jurídica do lesado - que pode ser, por exemplo, a perda do direito de ação, a perda do direito ao recurso, a perda do direito à prova) é meramente subsidiário, apenas se justificando a ele recorrer, quando não se mostre possível compensar o lesado pelo “dano final”;
- Depois, se estiverem verificados tais pressupostos, há que passar à quantificação dos danos, isto é, à determinação do valor da respetiva indemnização, sendo que, quando não possa ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.
Na verdade, em casos como o dos autos, as dificuldades nem sequer se circunscrevem à prova do nexo causal, acrescendo ainda a dificuldade da quantificação dos (hipotéticos) danos, face ao que possa vir a ser considerado como o provável desfecho da ação administrativa a intentar. A concluir-se que seria procedente, o Autor teria sido reintegrado na função pública e teria sido compensado pelos rendimentos laborais que deixou de auferir, nos termos do art. 64.º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 09-09. Mas se não for possível uma tal conclusão, certo é que ficou inelutavelmente lesado pela perda do direito de ação. Ora, tendo estado desimpedido para trabalhar noutras funções, se não o fez, será adequado que a compensação (eventualmente) devida corresponda ao valor das remunerações que deixou de auferir?
Todavia, nem a dúvida do julgador quanto à possibilidade de virem a resultar provados os factos alegados atinentes aos pressupostos da responsabilidade civil, nem as dificuldades de aplicação prática da construção jurídica relativa ao dano da perda de chance podem constituir motivo para inviabilizar, à partida, a presente demanda judicial fundada em responsabilidade profissional no exercício da advocacia.
Assim, a crítica que nos merece a decisão recorrida está na forma como as considerações aí reproduzidas (cf. acórdão da Relação de Lisboa de 28-04-2016, proc. n.º 40-14.2T8STB.L1-8) foram transpostas para o caso dos autos, concluindo-se pela falta de alegação e prova pelo Autor da viabilidade da ação a propor pelo Réu, perante os factos alegados na Petição Inicial sem que a mesma tenha sido considerada inepta por falta de causa de pedir, nem tão pouco tenha sido dada ao Autor a oportunidade de suprir as manifestas insuficiências da alegação fáctica feita naquele articulado, não servindo para tanto o convite anterior para que “respeitando escrupulosamente o teor e extensão da matéria de facto vertida naquela”, discriminasse “por artigos as razões de direito que fundamentam a sua pretensão, com indicação das normas legais aplicáveis.” Ao que acresce a desconsideração de matéria que transcende a figura da indemnização pela perda de chance.
Com efeito, não se pode olvidar que o Autor alega, além do mais, que o Réu lhe mentiu, dizendo-lhe ou dando-lhe a entender, em junho de 2014, que havia instaurado uma ação no TAF de Ponta Delgada, a qual iria ter êxito e que havia que esperar pelo desfecho da mesma, quando, na realidade, nem sequer tinha intentado qualquer ação; e que, só em junho em de 2017, quando se dirigiu à Secretaria desse Tribunal, o Autor foi informado que não se encontrava nenhuma ação proposta naquele Tribunal, nomeadamente pelo Réu; e que, perante isto, o Autor ficou desolado, muito triste e revoltado, pois estava convencido de que o Réu tinha proposto a ação que pretendia e para cuja propositura já lhe tinha entregue a título de provisão de honorários a quantia de 500,00 €. Portanto, segundo o Autor, esteve durante cerca de 3 anos a aguardar o desfecho de uma ação que pensava ter sido intentada e que lhe tinha sido dito pelo Réu que teria êxito, mas que nunca chegou sequer a ser proposta, o que o deixou desolado, triste e revoltado quando disso tomou conhecimento.
Ora, este conjunto de factos alegados na Petição Inicial, a resultar provado (designadamente mediante prova testemunhal, depoimento ou declarações de parte), consubstancia uma (suposta) violação de deveres acessórios ou laterais de conduta no cumprimento do contrato de mandato, à luz do disposto no art. 762.º, n.º 2, do CC e nos citados artigos 83.º, 92.º, 93.º e 95.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, que corresponde a uma atuação ilícita e geradora de danos cuja gravidade parece poder justificar a tutela do direito. Ou seja, poderão estar verificados ilícitos culposos suscetíveis de fazerem nascer na esfera jurídica do Autor o direito a uma indemnização, pelo menos quanto a danos não patrimoniais, nos termos do art. 496.º do CC (que é hoje absolutamente pacífico não estar arredada no campo da responsabilidade contratual).

Destarte, não nos parece que se possa considerar que a atuação ilícita imputada ao Réu se resume à não instauração da ação de impugnação da decisão administrativa de demissão (despedimento, segundo alegado na PI). É que mesmo que fosse acertada a decisão de a não intentar, não estava o Réu dispensado de, com toda a lealdade e sinceridade, informar o Autor, seu cliente, sobre a sua opinião - formada após estudar a questão com cuidado e zelo - de falta merecimento da sua pretensão (de que não lhe assistia o direito que pretendia fazer valer), parecendo-nos plausível que o (suposto) incumprimento por parte do Réu de tais deveres, violando a confiança que o Autor nele depositou, o possa fazer incorrer em responsabilidade civil, quanto mais não seja por danos não patrimoniais.

Quanto aos danos causados pelo invocado incumprimento do dever principal de patrocínio judiciário com a instauração da ação visada, o Tribunal recorrido não perspetivou a possibilidade de demonstração do nexo causal entre o facto ilícito que julgou verificado e o dano final resultante da falta de atempada instauração dessa ação, como se impunha, numa primeira abordagem do caso. Apenas equacionou a questão da “indemnização pela perda de chance”, tendo afirmado que o Autor não alegou e provou a viabilidade da ação a propor, como lhe incumbia. Porém, além das considerações retiradas do aludido acórdão da Relação de Lisboa, pouco mais consta que possa valer como fundamentação dessa afirmada inviabilidade da ação administrativa, não se fazendo sequer qualquer referência ao regime jurídico aplicável à mesma.

Ora, se é verdade que o Autor tem o ónus de alegação e prova dos factos constitutivos do direito a indemnização que se arroga (cf. art. 342.º do CC), beneficiando da presunção de culpa consagrada no art. 799.º do CC, sempre deveria o Tribunal recorrido, perante manifestas insuficiências nessa alegação fáctica (que não se confunde com a mera falta de indicação das razões de direito) e o entendimento de que a Petição Inicial não era inepta, convidar primeiramente o Autor a supri-las.

Vejamos melhor.

O Autor exercia funções de caráter público na ilha de São Miguel, na Direção Regional dos Recursos Florestais (DRRF), integrada na Secretaria Regional dos Recursos Naturais, sendo esta um departamento do Governo Regional dos Açores (cf. Decreto Regulamentar Regional n.º 24/2012/A, que aprovou a Orgânica do XI Governo Regional dos Açores), muito embora não seja claro qual a modalidade de constituição da relação jurídica de emprego público ao abrigo da qual exercia as respetivas funções: se por nomeação, se por contrato de trabalho em funções públicas – cf. Lei n.º 12-A/2008, de 27-02, que, na versão em vigor à data dos factos, estabelecia os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas. O que, como veremos, lança a dúvida sobre se a decisão administrativa proveniente da Secretaria Regional dos Recursos Naturais consistiu num despedimento, como alega o Autor (e vem referido no saneador-sentença recorrido), ou numa demissão, como consta da própria decisão administrativa.

À situação descrita era aplicável, face à data dos factos, o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pelo Lei n.º 58/2008, de 09-09, dispondo o n.º 1 do art. 3.º que se considera infração disciplinar o comportamento do trabalhador, por ação ou omissão, ainda que meramente culposo, que viole deveres gerais ou especiais inerentes à função que exerce, e enumerando o n.º 2 do mesmo artigo os deveres gerais dos trabalhadores, nos seguintes termos:
“a) O dever de prossecução do interesse público;
b) O dever de isenção;
c) O dever de imparcialidade;
d) O dever de informação;
e) O dever de zelo;
f) O dever de obediência;
g) O dever de lealdade;
h) O dever de correcção;
i) O dever de assiduidade;
j) O dever de pontualidade.
3 - O dever de prossecução do interesse público consiste na sua defesa, no respeito pela Constituição, pelas leis e pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
4 - O dever de isenção consiste em não retirar vantagens, directas ou indirectas, pecuniárias ou outras, para si ou para terceiro, das funções que exerce.
5 - O dever de imparcialidade consiste em desempenhar as funções com equidistância relativamente aos interesses com que seja confrontado, sem discriminar positiva ou negativamente qualquer deles, na perspectiva do respeito pela igualdade dos cidadãos.
6 - O dever de informação consiste em prestar ao cidadão, nos termos legais, a informação que seja solicitada, com ressalva daquela que, naqueles termos, não deva ser divulgada.
7 - O dever de zelo consiste em conhecer e aplicar as normas legais e regulamentares e as ordens e instruções dos superiores hierárquicos, bem como exercer as funções de acordo com os objectivos que tenham sido fixados e utilizando as competências que tenham sido consideradas adequadas.
8 - O dever de obediência consiste em acatar e cumprir as ordens dos legítimos superiores hierárquicos, dadas em objecto de serviço e com a forma legal.
9 - O dever de lealdade consiste em desempenhar as funções com subordinação aos objectivos do órgão ou serviço.
10 - O dever de correcção consiste em tratar com respeito os utentes dos órgãos ou serviços e os restantes trabalhadores e superiores hierárquicos.
11 - Os deveres de assiduidade e de pontualidade consistem em comparecer ao serviço regular e continuamente e nas horas que estejam designadas.”

A sanção disciplinar da demissão ou despedimento por facto imputável ao trabalhador estava prevista no art. 9.º, n.º 1, al. d), dispondo o n.º 1 do art. 18.º desse Estatuto, com a epígrafe, “Demissão e despedimento por facto imputável ao trabalhador”, que as penas de demissão e de despedimento por facto imputável ao trabalhador são aplicáveis em caso de infração que inviabilize a manutenção da relação funcional, contendo uma enumeração exemplificativa dessas situações.

No art. 10.º desse Estatuto encontramos uma caraterização das penas, da qual consta designadamente que:
“5 - A pena de demissão consiste no afastamento definitivo do órgão ou serviço do trabalhador nomeado, cessando a relação jurídica de emprego público.
6 - A pena de despedimento por facto imputável ao trabalhador consiste no afastamento definitivo do órgão ou serviço do trabalhador contratado, cessando a relação jurídica de emprego público.”
Ademais, o art. 11.º, n.º 4, do aludido Estatuto estabelecia que “(A)s penas de demissão e de despedimento por facto imputável ao trabalhador importam a perda de todos os direitos do trabalhador, salvo quanto à aposentação ou à reforma por velhice, nos termos e condições previstos na lei, mas não o impossibilitam de voltar a exercer funções em órgão ou serviço que não exijam as particulares condições de dignidade e confiança que aquelas de que foi demitido ou despedido exigiam.”

A impugnação dos atos proferidos em processo disciplinar encontrava-se então prevista nos artigos 59.º e ss. deste Estatuto, incluindo a impugnação jurisdicional, “nos termos dos artigos 63.º a 65.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos”.

Parece-nos importante salientar que, numa tal ação de impugnação de demissão/despedimento, era à “Administração” que incumbia o ónus de alegar e provar os factos atinentes ao conceito indeterminado da inviabilidade da manutenção da relação funcional. Neste sentido, veja-se, a título exemplificativo, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 13-01-2017, proferido no processo n.º 00481/10.4BEVIS, disponível em www.dgsi.pt:
“Em qualquer procedimento, no qual se inclui o procedimento disciplinar, é exigida «…uma ponderação objectiva, isenta e imparcial dos factos e interesses envolvidos.» (Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e João Pacheco Amorim, Código de Procedimento Administrativo, 2ª Edição, pág. 246).
Estabelece o artigo 18º, nº 1, do ED, que as penas de demissão e de despedimento por facto imputável ao trabalhador são aplicáveis em caso de infração que inviabilize a manutenção da relação funcional, as quais estão exemplificadas no seu nº 2.
É jurisprudência unânime que o juízo de inviabilização da relação funcional não resulta do facto de se invocar o disposto de qualquer das alíneas do nº 1, do artigo 18º, do ED, porque tem que ser alicerçado em factos e circunstâncias concretas que conduzam à conclusão de que não é mais possível a manutenção do vínculo jurídico-funcional existente, ónus que incumbe à Administração, porque sobre si recai o ónus de alegar e provar os factos que preencham o conceito indeterminado correspondente à inviabilidade da manutenção da relação funcional, não bastando uma referência genérica a tal inviabilidade (vide Acs. do STA de 09/07/98, Processo 040931, de 13/01/99, Processo 040060, de 02/12/2004, Processo 01038, de 11/10/2006, Processo 010/06, de 30/11/94, Processo 32500).
Foi decidido pelo Colendo Supremo Tribunal Administrativo em 2/06/2011, no Processo 103/11, que, com vénia ao seu Relator, passamos a citar, concordando inteiramente com o decidido, «I – Nos termos do art. 26º do anterior Estatuto Disciplinar (de 1984), a aplicação duma pena expulsiva pressupunha a prévia certeza de que a infracção «sub specie» inviabilizava a manutenção da relação funcional.
II– O juízo de prognose acerca dessa inviabilidade partia, como condição necessária, da gravidade objectiva da falta.
III– Mas essa condição necessária não era suficiente, pois a infracção disciplinar devia também revelar que, fosse pela especial personalidade do arguido, fosse pelas repercussões da falta no futuro, definitivamente se rompera a possibilidade da relação funcional persistir.
IV– Os factos caracterizadores desse «plus», acrescente à gravidade objectiva da falta, tinham de ser levados à acusação – para serem discutidos e, se fossem verdadeiros, neles se estribar o juízo de prognose sobre a inviabilidade da manutenção da relação funcional.
V– Assim, padece de violação de lei o acto que aplicou uma pena expulsiva sem que da acusação, e para além da gravidade da falta, constassem quaisquer factos caracterizadores daquela inviabilidade.»”.

No caso, em face do que foi alegado pelo Autor, incluindo o facto de o Réu lhe ter dito que iria intentar a ação e até que o havia feito, e tendo em atenção o próprio conteúdo da decisão administrativa de demissão, não vemos que seja já possível formular um juízo técnico no sentido da inviabilidade daquela, sendo certo que, a ter estudado o caso, como na Contestação diz ter feito, não alega agora o Réu quaisquer razões de facto ou de direito que nos permitam concluir que esta ação iria improceder, tão pouco existindo motivo para pensar que seria atendida a defesa deduzida em eventual contestação apresentada pela entidade administrativa demandada.

Pelo contrário, impressiona a circunstância de a decisão administrativa, datada de 29 de abril de 2013, ser praticamente omissa quanto aos factos imputados ao ora Autor, estando apenas referenciado o “posterior comportamento de incumprimento do seu próprio compromisso de proceder à entrega da casa de guarda e garagem, identificados nos autos, sitos no Parque florestal do Chã da Macela, até ao dia 15 de abril de 2013, isto quando, sublinhe-se, até se menciona, na parte final da decisão, que a notificação da mesma ao arguido, ora Autor, “deverá ser protelada até a obtenção de despacho conjunto a determinar a devolução da casa de guarda que ocupa, sita no Parque Florestal do Chã da Macela, em Santa Cruz da Lagoa”. Portanto, do que nos é dado ver, o Autor, Mestre Florestal Principal, do quadro regional da ilha de São Miguel, a exercer funções no Serviço Florestal do Nordeste, estaria a ser forçado a entregar a casa de guarda e respetiva garagem que ocupava, isto quando ainda não existia o, pelos vistos necessário, despacho conjunto a determinar a devolução dessa casa.

Não se descortina, face aos elementos constantes dos autos, que os factos descritos na decisão administrativa a impugnar pudessem consubstanciar a violação de deveres de assiduidade, pontualidade ou correção (entendido este último, naturalmente, como um dever de boa educação e urbanidade). E, sendo duvidoso que o Autor já estivesse obrigado a entregar a casa de guarda e garagem, na falta de despacho conjunto que o determinasse, também não parece seguro afirmar que terá incorrido na violação de deveres de obediência e isenção (estando este dever intrinsecamente ligado ao princípio da subordinação ao interesse público).

De qualquer modo, como vimos, mesmo que existisse uma infração disciplinar, nem nos parece forçoso, ante a escassa matéria de facto descrita na decisão impugnada, concluir que aquela justificasse a conclusão de que quedava inviabilizada a manutenção do vínculo jurídico-funcional então existente.

Embora nos pareçam patentes as insuficiências na exposição e concretização da matéria de facto alegada na Petição Inicial, apenas consentem que o Autor seja convidado a supri-las, alegando designadamente contra quem iria intentar a ação administrativa, precisando qual o pedido que iria formular, explicitando quais os factos concretos integrantes da respetiva causa de pedir, bem como as específicas razões de direito que serviriam de fundamento a essa sua pretensão e que exporia na petição inicial dessa ação (não se confundindo com as razões de direito atinentes à responsabilidade civil profissional em que se funda a presente ação), incluindo os factos atinentes à sua nomeação ou celebração do seu contrato de trabalho em funções públicas (juntando, conforme for o caso, o respetivo despacho e termo de aceitação da nomeação ou o respetivo contrato); mais alegando, nos pontos essenciais, o sucedido no procedimento disciplinar, incluindo a data em que foi notificado da decisão de decisão administrativa a impugnar, e qual o requerimento probatório que se propunha apresentar na ação a intentar.

Sempre se dirá, quanto à questão do prazo de propositura da ação administrativa dita de impugnação do despedimento, nem sequer ter sido alegado quando é que o Autor foi notificado da decisão a impugnar, inferindo-se que o terá sido em fins de maio de 2013 (pelo menos antes de fins de março de 2014, inícios de abril de 2014), o que é relevante na medida em que, conjugado com a lei aplicável ao caso, levará a concluir que a ação administrativa em vista já não seria viável a partir de determinado momento, porquanto teria decorrido o prazo (de caducidade de 1 ano) para que pudesse ter sido instaurada com alguma probabilidade de êxito. No sentido de o prazo de impugnação do despedimento ser de um ano, veja-se Pedro Miguel Ferraz, in “O prazo de impugnação de despedimento para os trabalhadores que exercem funções públicas”, disponível em https://portal.oa.pt/upl/%7Bb14ea724-e56d-4ef5-99fc-bf5ae6ced38d%7D.pdf, aqui se citando, para melhor enquadramento do caso, as respetivas conclusões:
“1. A Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, e a Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, alteraram radicalmente o paradigma da relação jurídica de emprego público que até aí vigorava. O despedimento, conceito típico do direito do trabalho e até então apenas admitido para relações contratuais reguladas exclusivamente pelas normas de direito privado, foi importado para os trabalhadores vinculados por contrato de trabalho em funções públicas.
2. A transposição deste conceito de direito privado não alterou a competência dos tribunais Administrativos e Fiscais para decidir sobre impugnações de actos de despedimento, nem afastou a aplicabilidade genérica do Código de Processo nos tribunais Administrativos.
3. Contudo, o legislador não foi claro quanto ao prazo de que dispõem os trabalhadores que exercem funções públicas para impugnar o acto administrativo de despedimento. Pode, pois, compreensivelmente, questionar-se se os prazos previstos no artigo 58.º do CPTA mantêm a respectiva aplicabilidade ou se, pelo contrário, o prazo em vigor é o previsto no artigo 274.º, n.º 2 do RCTFP.
4. O entendimento que representa a continuidade do regime vigente até 2008 (por nós apelidado de clássico) é o de que são aplicáveis os prazos previstos no artigo 58.º do CPTA.
Com efeito, o Estatuto Disciplinar dos trabalhadores que Exercem Funções Públicas continua a não prever o prazo para reagir à sanção disciplinar expulsiva, sucedendo o mesmo com a Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, e a Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, quanto ao despedimento colectivo e ao despedimento por extinção de trabalho.
Assim sendo, é defensável o recurso à norma geral do artigo 58.º do CPTA, considerando-se, por conseguinte, que o trabalhador em funções públicas tem o prazo de três meses para impugnar o acto administrativo de despedimento, a não ser no caso de um despedimento verbal, que não tenha sido precedido do competente procedimento disciplinar, que será impugnável a todo o tempo.
Consequentemente, à luz deste entendimento clássico, o artigo 274.º, n.º 2 do RCTFP dirigir-se-ia apenas ao despedimento por inadaptação, única modalidade de despedimento prevista neste diploma legislativo.
5. não obstante o entendimento clássico atribuir aos contratados, nomeados e em comissão de serviço um tratamento semelhante e permitir uma leitura mais fácil dos diplomas legais, cremos que um exercício de interpretação revela ter o legislador adoptado solução distinta.
Por um lado, a sistematização do RCTFP, quando comparada com o Código do trabalho (no qual foi baseada a elaboração daquele), revela que as normas da Subsecção III da Secção IV do Capítulo VII do título II do RCTFP (referentes à ilicitude do despedimento) apresentam uma natureza genérica e, como tal, não limitada ao despedimento por inadaptação.
Por outro lado, a contraposição do artigo 271.º com o artigo 272.º do RCTFP revela o carácter mais abrangente do primeiro em relação ao segundo, que, por referência expressa, apenas é aplicável ao despedimento por inadaptação.
Por fim, a própria redacção legal do artigo 271.º revela claramente que o legislador não visou disciplinar apenas o despedimento por inadaptação na supra referida Subsecção do RCTFP.
6. Entendemos, portanto, que o artigo 274.º, n.º 2 do RCTFP (que consta da Subsecção acima referida) é directamente aplicável a qualquer modalidade de despedimento, a menos que a legislação que regule a respectiva modalidade disponha em sentido contrário.
7. Por conseguinte, o prazo de caducidade de um ano será o actualmente em vigor, quer para o despedimento por inadaptação, quer — face ao silêncio do Estatuto Disciplinar — para o acto de despedimento enquanto sanção disciplinar expulsiva.
(…) 10. Assim sendo, deve concluir-se que a entrada em vigor do RCTFP consagrou um novo prazo de impugnação do acto administrativo de despedimento, tendo desta forma simplificado o respectivo regime: um trabalhador público vinculado por contrato terá sempre o mesmo prazo de um ano para reacção a qualquer acto de despedimento, independentemente da respectiva modalidade.
11. Justificava-se, no entanto, que o legislador apresentasse esta alteração de forma clara e evidente, favorecendo a segurança jurídica.
O facto de um tema como o que aqui nos debruçamos gerar tamanhas dúvidas comprova o quão grave e lamentável é o desacerto dos diplomas legais que, supostamente, visavam implementar uma coerente e sólida reforma da Administração Pública.”

Em suma, sendo indiscutível que o Réu não tinha que intentar a ação administrativa de impugnação da decisão de demissão do Autor se, após o necessário e cuidadoso estudo do caso, concluísse pela sua inviabilidade, o certo é que, no atual estado dos autos, não podemos considerar que assim tenha concluído, muito menos podendo este Tribunal da Relação considerar que essa ação, a ter sido intentada, estava votada ao insucesso. Portanto, à partida, o Réu, tendo (alegadamente) aceitado patrocinar o Autor nos termos descritos na Petição Inicial, estava obrigado a cumprir pontual e escrupulosamente o dever de, após análise cuidadosa da questão, intentar a ação em vista.

Por outras palavras, o Réu foi contratado para resolver, com a brevidade possível e necessária, um caso relativo à impugnação de decisão administrativa de discutível legalidade. Incumbia-lhe, pois, levar a cabo, com o seu saber, uma atividade tendente à satisfação da pretensão do Autor, seu cliente. E muito embora, como é evidente, não lhe fosse exigível o êxito, em particular a procedência da ação a intentar, impunha-se que tivesse atuado de forma eficaz e adequada em ordem à obtenção daquele objetivo. A sua atuação limitou-se, contudo, e isto a provar-se o que o Réu alegou, ao estudo do caso, o que, por ora, nos parece insuficiente para que possamos considerar ter atuado na defesa dos interesses legítimos do Autor, de acordo com o mandato assumido e os deveres legais, tendo em atenção os contornos fácticos e jurídicos conhecidos do caso que lhe confiado.

Não deixa, pois, nesta fase dos autos, de constituir uma solução jurídica plausível da questão em apreço considerar que o Réu incorreu em responsabilidade civil pelos danos (invocados) que daí possam ter resultado, sendo prematuro apreciar/concluir se está ou não verificado o indispensável nexo de causalidade adequada, muito menos circunscrever tais danos à perda de chance ou procurar quantificá-los.

Assim, procedem em parte as conclusões da alegação de recurso, impondo-se o prosseguimento dos autos, nos termos acima referidos, com a prolação de despacho nos termos do art. 590.º, n.º 2, al. b), e n.º 4, do CPC, sem prejuízo do que se passa a apreciar quanto à Interveniente Mapfre.

2.ª questão – Da cobertura temporal da apólice do seguro

Na sua alegação de resposta, em que requereu a ampliação do âmbito do recurso, a Interveniente Mapfre suscitou a questão da falta de cobertura temporal da apólice do seguro invocada pelo Réu (e que motivou o seu chamamento).

A este respeito, importa considerar a matéria de facto acima aditada e distinguir a apólice de ocorrência (em que, para fins de indemnização, o facto causador do dano ou prejuízo a terceiros deve ocorrer durante a vigência do contrato) da apólice de reclamações, também chamada “claims made” (que poderíamos traduzir como “reclamação feita”), que condiciona o pagamento da indemnização ao segurado à apresentação da “Reclamação”, mormente, no caso dos seguros em apreço, do “Pedido de Indemnização” por terceiros durante o prazo de vigência do contrato de seguro. Neste último caso, encontra-se ainda a apólice “claims made híbrida”, que possibilita a extensão da cobertura por um determinado período anterior ao início do contrato (as partes podem convencionar que a cobertura abranja riscos anteriores à data da celebração do contrato – cf. art. 42.º, n.º 2, da LCS). De salientar que a validade deste tipo de cláusulas está expressamente prevista no n.º 2 do art. 139.º da LCS. Atentemos no que dispõe este artigo, sob a epígrafe, “Período de cobertura”:
“1 - Salvo convenção em contrário, a garantia cobre a responsabilidade civil do segurado por factos geradores de responsabilidade civil ocorridos no período de vigência do contrato, abrangendo os pedidos de indemnização apresentados após o termo do seguro.
2 - São válidas as cláusulas que delimitem o período de cobertura, tendo em conta, nomeadamente, o facto gerador do dano, a manifestação do dano ou a sua reclamação.
3 - Sendo ajustada uma cláusula de delimitação temporal da cobertura atendendo à data da reclamação, sem prejuízo do disposto em lei ou regulamento especial e não estando o risco coberto por um contrato de seguro posterior, o seguro de responsabilidade civil garante o pagamento de indemnizações resultantes de eventos danosos desconhecidos das partes e ocorridos durante o período de vigência do contrato, ainda que a reclamação seja apresentada no ano seguinte ao termo do contrato.”
Sobre este preceito legal explica José Vasques, na “Lei do Contrato de Seguro Anotada”, 2016, 3.ª edição, Almedina, págs. 448-449, que não tem correspondência na legislação anterior, e que “ao contrário do que sucede com generalidade dos outros seguros de danos (art. 123.º), em que a cobertura é temporalmente delimitada (art. 37.º, n.º 2, al. e)) pelos danos sofridos pelas coisas seguras durante o período de vigência do contrato, no seguro de responsabilidade civil são configuráveis cláusulas de delimitação temporal da garantia que a circunscrevam atendendo ao momento:
a) da prática do facto gerador da responsabilidade (action commited basis);
b) da manifestação do dano (loss occurrence basis); Ou
c) da sua reclamação (claims made basis), independentemente de o facto gerador ter sido praticado antes do início da vigência do contrato (como resulta do n.º 3) e desde que o tomador do seguro ou o segurado não tivesse conhecimento do sinistro à data da celebração do contrato (art. 44.º, nº 2).
A lei impôs, de forma relativamente imperativa quanto aos riscos de massa (art. 13.º, e art. 5.º, n.º 4, do RJASR (…), que quando as partes tenham atendido à data da reclamação (claims made basis) para a delimitação temporal da cobertura, o segurador garantirá, no mínimo (art. 13.º, n.º 1), o pagamento de sinistros desconhecidos das partes e ocorridos durante a vigência do contrato, ainda que a reclamação seja apresentada no ano seguinte ao termo final do contrato – se prejuízo desta extensão legal da cobertura cessar quando a questão seja regulada em lei ou regulamento especial ou quando o risco esteja coberto por um contrato de seguro posterior.
O prazo de um ano, contado do termo final do contrato de seguro, não é um prazo de prescrição do direito do lesado (que, modificando o prazo legal, sempre seria nulo – art. 300.º do CC), mas apenas uma delimitação temporal da responsabilidade do segurador, subsistindo para além dele o direito do lesado perante o responsável nos termos previstos na lei geral, sem prejuízo da prescrição, que também se aplica aos direitos do lesado contrato o segurador (art. 145.º).”

Ainda sobre esta matéria, veja-se “A Delimitação Temporal da Cobertura da Apólice do Seguro de Responsabilidade Civil”, dissertação de Mestrado de Ângela Isabel Ramos Cunha Carvalho, orientada por José Vasques, disponível em https://repositorio.iscte-iul.pt, destacando-se a análise feita a respeito da Reclamação (“claims made basis”) nas págs. 53 e seguintes.

De referir que no caso de seguro de responsabilidade civil profissional, em particular pelo exercício da advocacia, o mais normal são estas apólices “claims made basis”. A título meramente exemplificativo, na jurisprudência veja-se o acórdão do STJ de 11-07-2019, no processo n.º 5388/16.9T8VNG.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt, citando-se, para melhor esclarecimento, as seguintes passagens do respetivo sumário:
«I. O seguro de responsabilidade civil profissional dos advogados tem natureza obrigatória.
II. A norma estatutária contida no artigo 99º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei nº 15/2005, de 26 de janeiro, tendo por finalidade a realização do interesse público de salvaguarda da posição do cliente do advogado ante uma eventual insolvabilidade deste profissional e de assegurar a efetividade do direito de indemnização do cliente/lesado perante atuação do advogado geradora de responsabilidade, consagra, no seu nº1, a obrigatoriedade de o Advogado celebrar um contrato de seguro (individual) de responsabilidade civil profissional por forma a cobrir os riscos do exercício da sua profissão liberal de advocacia.
III. Mas, para além deste contrato de seguro individual, consagra ainda, no seu nº 3, a existência de um seguro de grupo, igualmente obrigatório, mas com carácter supletivo.
Trata-se do contrato de seguro de responsabilidade civil profissional mínima de grupo celebrado pela Ordem dos Advogados, tomadora do seguro, no qual são segurados e beneficiários todos os advogados inscritos nesta Ordem e que é acionado sempre que o advogado não tenha celebrado o contrato de seguro individual previsto no nº1 do citado artigo 99º.
IV. Dispondo o ponto 7 das Condições particulares da apólice deste contrato de seguro que : “O segurador assume a cobertura de responsabilidade civil do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador de seguro ocorridos na vigência de apólices anteriores, desde que participados após o início de vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, cobertas pela presente apólice, e, ainda que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente apólice, e sem qualquer limitação”, estamos perante uma apólice de reclamação, também chamada “claims made”, segundo a qual o evento relevante para o acionamento do contrato durante a sua vigência, com vista ao pagamento de uma indemnização pela seguradora, é a reclamação e não o facto gerador do dano que está na sua base.»

Volvendo ao caso dos autos, atentando no clausulado do contrato de seguro em apreço, impõe-se concluir estarmos perante uma apólice “claims made”, tendo a presente ação sido intentada e a Interveniente Mapfre citada em 2019, quando a cobertura temporal do seguro já tinha terminado às 00.00h do dia 01-01-2018. O risco em apreço está coberto por contrato de seguro posterior celebrado entre a Ordem dos Advogados e Interveniente XL. Portanto, é evidente que aquela seguradora não devia ter sido admitida a intervir, mas, tendo-o sido, resta concluir que efetivamente não poderá ser considerada responsável pela indemnização reclamada, pelo que é correta a sua absolvição do pedido, embora por razões distintas das que foram referidas na decisão recorrida.

Das custas do recurso
Vencidos o Réu e a Interveniente XL Insurance Company SE (sucursal em Espanha), são responsáveis pelo pagamento das custas processuais do presente recurso, em partes iguais (artigos 527.º a 529.º, ambos do CPC).

***

IIIDECISÃO

Pelo exposto, decide-se conceder parcial provimento ao recurso de apelação intentado pelo Autor e, em consequência:
- Determinar o prosseguimento da presente ação contra o Réu e a Interveniente principal XL INSURANCE COMPANY SE (sucursal em Espanha), com a prolação de despacho de convite do Autor ao aperfeiçoamento da Petição Inicial, designadamente no tocante à identificação da entidade administrativa demandada, à indicação do pedido e da fundamentação de facto e de direito da ação que pretendia ter intentado no competente TAF, nos termos supra explanados;
- Manter a decisão recorrida no tocante à absolvição do pedido da Interveniente principal Mapfre - Seguros Gerais, S.A., mas com fundamentação diferente da constante da decisão recorrida;
- Condenar o Réu e a Interveniente principal XL INSURANCE COMPANY SE (sucursal em Espanha) no pagamento das custas do presente recurso, em partes iguais.

D.N.


Lisboa, 01-07-2021



Laurinda Gemas
Arlindo Crua
António Moreira


(Acórdão assinado eletronicamente)