Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1180/2007-8
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: COMPETÊNCIA TERRITORIAL
REVOGAÇÃO
PROCEDIMENTOS CAUTELARES
APREENSÃO DE VEÍCULO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/15/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: I- Lei geral não derroga lei especial que já exista a não ser que o faça expressamente excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador (artigo 7.º do Código Civil).
II- Na fixação da palavra “ inequívoca” deve o intérprete ser particularmente exigente.
III- A existência de intenção inequívoca do legislador deve assentar em referência expressa na própria lei ou, pelo menos, num conjunto de vectores incisivos que a ela equivalham, recorrendo-se a uma menção revogatória clara, do género, “ são revogadas todas as leis em contrário, mesmo as especiais”.
IV- Não se verificando nenhuma das invocadas situações não se pode considerar revogado o artigo 21º do Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro pelo artigo 74.º do Código de Processo Civil com a redacção dada pela Lei n.º14/2006, de 26 de Abril.

(SC)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

 I - RELATÓRIO

S… – Instituição Financeira de Crédito, SA, com sede na Rua ., nº 5, 14º piso, Lisboa intentou contra Bruno .., residente na …., Santa Maria da Feira, procedimento cautelar para apreensão de veículo e respectivos documentos, sem audiência prévia do requerido, ao abrigo do disposto no art.º 15º do DL nº 54/75 de 12 de Fevereiro, pedindo seja ordenada a entrega imediata da viatura automóvel de marca Renault, modelo Megane B 1.4 16v PR, com a matrícula … assim como dos respectivos documentos entregando-se os mesmos ao fiel depositário que indicou.

Em síntese, alegou que o requerido deixou de cumprir as obrigações decorrentes do contrato celebrado com a requerente e não procedeu à devolução do veículo automóvel.  

Foi proferido despacho a julgar a […] Vara Cível incompetente em razão do território e ordenada a remessa do processo para o Tribunal de Santa Maria da Feira, por ser o territorialmente competente.

Não se conformando com tal despacho, dele recorreu a requerente, tendo as seguintes CONCLUSÕES:

1ª - O presente recurso vem interposto da decisão que considerou o Tribunal da Comarca de Lisboa territorialmente incompetente e ordenou a remessa dos autos de procedimento cautelar para apreensão de veículo, requerido nos termos do art.º 15º do DL 54/75 de 12/02 para o Tribunal Judicial da Comarca de Vila da Feira;

2ª - A requerente alegou sucintamente os seguintes factos:
 
- No dia 08/01/2006 celebrou com o requerido o contrato de financiamento para aquisição de uma viatura de marca Renault, modelo Megane B 1.4 16v PR, com a matrícula …;

- Como garantia do referido contrato foi acordada e inscrita a favor do mutuante reserva de propriedade sobre a mencionada viatura;

- O requerido incumpriu as obrigações que assumiu em virtude do referido contrato, nomeadamente não pagou as prestações convencionadas;

3ª - Entendeu o Mmº Juiz a quo que o tribunal da comarca de Lisboa não seria o tribunal territorialmente competente, sendo esse o Tribunal Judicial da Comarca de Vila da Feira, Porto, tribunal do domicílio do requerido, aplicando para o efeito o artº 74º do CPC, na redacção dada pela Lei nº 14/2006 de 26/04;

4ª - Ora, salvo o devido respeito, discordamos deste entendimento que, em nossa opinião, não faz a correcta interpretação da lei, não se aplicando tal regra geral de competência aos presentes autos;

5ª - O presente procedimento cautelar para apreensão de veículo foi instaurado ao abrigo do art.º 15º do DL nº 54/75 de 12/02, por se encontrar registada na Conservatória de Registo Automóvel a favor da recorrente a reserva de propriedade sobre a viatura financiada;

6ª - Assim, o dispositivo legal a aplicar ao caso sub judice para aferição da competência judicial será o DL 74/75 de 12/02, nomeadamente o seu art.º 21º;

7ª - A regra de competência plasmada no art.º 21º do referido diploma é especial face à regra geral de competência do art.º 74º do CPC e, como tal, prevalece sobre esta;

8ª - Deste modo, o art.º 21º do DL 74/75 de 12/02 não foi revogado pela Lei nº 14/2006 de 26/04, permanecendo em vigor;

9ª – Para além disso, a lei 14/2006 não apresenta um preâmbulo que esclareça a real intenção do legislador, face a disposições especiais.

10ª – Como refere Abílio Neto, no seu Código Civil Anotado, 1996, pág. 18: “ Quanto ao disposto no nº 3, o problema é, pura e simplesmente, de interpretação da lei posterior, resumindo-se em apreciar se esta quer ou não revogar a lei especial anterior (Vaz Serra, RLJ, 99º-334); na fixação dessa interpretação, dada a palavra “inequívoca”, deve o intérprete ser particularmente exigente (O. Ascensão, O Direito, p. 259).

11ª – Nenhuma incompatibilidade se verifica entre a nova redacção do artigo 74º do C.P.C. e o art.º 21º do Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro.
 
12ª – É necessário atentar ao facto de tal diploma legal se aplicar a um conjunto de situações residuais, em face da aplicação geral do art.º 74º do C.P.C.

13ª – Além do que se insere a referida norma especial num DL que apresenta uma visão protectora não tanto do consumidor, mas antes do titular da reserva de propriedade.

14ª – Aliás, apesar de se tratar de uma alteração legislativa recente, jurisprudência já existe que considera ainda em vigor o art.º 21º do DL 54/75, de 12.02, como sejam o acórdão proferido no âmbito do procº nº 7958/06-1, de 02.11.2006, da 1ª Secção e no processo 8753/06, de 26.10.2006, da 1ª Secção.

15ª - Como tal, o tribunal territorialmente competente para apreciar o caso sub judice é o da sede da proprietária, isto é, da recorrente, enquanto proprietária reservatária;

16ª – O DL 54/75, de 12.02 não estabelece regimes diferentes consoante os contratos que originaram a constituição de reserva e propriedade;

17ª – Ora, a constituição de reserva de propriedade pode fundar-se em contratos de alienação e outros, como sejam o financiamento para aquisição de bens, face à evolução verificada no comércio e nos meios de aquisição de bens para consumo;

18ª – Acresce que o nº 1 do artigo 18º do DL 54/75 exige é que seja proposta acção de resolução do contrato de cuja reserva de propriedade é garantia, sendo perfeitamente concebível que tal contrato seja um contrato de mútuo (Cfr. ac.RL de 20.10.2005, in www.dgsi.pt);

19ª – Sendo certo, aliás, que o decretamento do procedimento cautelar está apenas condicionado à existência de um registo de reserva de propriedade a favor da requerente e ao não cumprimento das obrigações cuja reserva é garantia e não à apreciação da natureza da acção a instaurar futuramente;

20ª – Ademais, na data da celebração do contrato de crédito foi constituído um pacto de aforamento constante da 15ª cláusula das condições gerais do contrato, o qual estabelece como foro competente a comarca de Lisboa para resolução de todos os litígios emergentes do contrato celebrado;

21ª - E atendendo ao disposto no art.º 100º do CPC (redacção do art.º 110º anterior à entrada em vigor da Lei 14/2006 de 26/04) às partes “é permitido afastar, por convenção expressa, a aplicação das regras de competência em razão do território…”;

22ª - Assim, considera a recorrente o referido pacto de aforamento contido na cláusula 15ª das condições gerais do contrato, junto aos autos, ser perfeitamente válido e eficaz, porquanto foi celebrado em momento anterior à entrada em vigor da Lei nº 14/2006;

23ª - Mais, no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da irretroactividade da lei, logo a nova Lei 14/2006 de 26/04 apenas retirou aos sujeitos jurídicos a possibilidade de celebrarem pactos de aforamento, e não que os pactos anteriormente celebrados deixariam de ser válidos, pois que isso atentaria claramente contra a segurança jurídica que subjaz ao referido princípio da irretroactividade da lei e consubstanciaria que estaríamos perante, não uma aplicação imediata da lei, mas uma aplicação retroactiva da mesma, o que não se aceita nem concebe;

24ª - Posto isto, e encontrando-se inscrita a favor da recorrente reserva de propriedade sobre a viatura que se requereu a apreensão, a sede desta se encontrar em Lisboa, bem como, estando sumariamente alegado que o requerido não cumpriu as obrigações que originaram a constituição da reserva de propriedade, sem prejuízo de se apresentarem outras provas, nomeadamente a prova testemunhal, julgamos que se encontram reunidos os pressupostos para a propositura da presente providência cautelar de apreensão de veículos, nos termos do art.º 15º do DL nº 54/75, o decretamento no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa;

25ª – Tal como bem referem os acórdão proferidos no âmbito dos processos 7958/06 e 8753/06, referidos na conclusão 14ª;

26ª - Pelo que, a procedência do presente recurso é manifesta;

Termina pedindo que seja anulada ou revogada a decisão recorrida.  

Dispensados os vistos legais, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO
A- Fundamentação de facto

Os factos a ter em conta são os que resultam do relatório do presente acórdão.

B- Fundamentação de direito

A questão colocada no presente recurso consiste em saber a que tribunal pertence a competência territorial para apreciar a decisão da providência cautelar de apreensão de veículo e respectivos documentos, regulada no art.º 15º e segs do DL nº 54/75 de 12 de Fevereiro.

O tribunal recorrido, ao conhecer oficiosamente da excepção de competência em razão do território, julgou-se incompetente e ordenou a remessa dos autos ao Tribunal Judicial da Comarca de Santa Maria da Feira, tribunal da área de residência do requerido, por entender que, de acordo com o art.º 74º nº 1 do CPC, a acção destinada a exigir a resolução do contrato por falta de cumprimento e também para os procedimentos cautelares como meios preventivos àquelas acções, propostas após a entrada em vigor da Lei nº 14/2006 de 26/04, é proposta no tribunal do domicílio do réu/requerido.

A agravante entende que a norma constante do art.º 74º do CPC não é a aplicável à providência cautelar requerida ao abrigo do art.º 15º do DL nº 54/75 de 12/02 porque, no que respeita à competência territorial, este diploma contém norma especial (art.º 21º) que não foi revogada pelo art.º 74º do CPC na sua actual redacção, segundo a qual “ o processo de apreensão e as acções relativas aos veículos apreendidos são da competência do tribunal da comarca em cuja área se situa a residência habitual ou a sede do proprietário”.
 
Dispõe o art.º 74º nº 1 do Código de Processo Civil, na redacção dada pela Lei nº 14/06, de 26/ de Abril, que “1. A acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento é proposta no tribunal do domicilio do réu, podendo o credor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o réu seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicílio do credor na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o réu tenha domicílio na mesma área metropolitana”. …”.

O requerido reside na área da comarca de Santa Maria da Feira (cf. contrato de financiamento para aquisição a crédito de fls. 24) e a presente acção deu entrada em 04 de Dezembro de 2006.

O artigo 6º da referida lei, sob a epígrafe “aplicação no tempo” estatui que “ a presente lei aplica-se às acções e aos requerimentos de injunção instauradas ou apresentados depois da sua entrada em vigor”.

A lei entrou em vigor em 1 de Maio de 2006 (1), aplicando-se a todas as acções “instauradas em juízo” a partir de tal data.

No entendimento do despacho recorrido, o tribunal competente para as acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações e também para os procedimentos cautelares, como meios preventivos àquelas acções, passou a ser o do domicílio dos réus/requeridos, uma vez que os presentes autos deram entrada em juízo após 01/05/2006 (data da entrada em vigor da Lei nº 14/2006 de 26/04) e, assim sendo, seria competente o Tribunal Judicial da Comarca Santa Maria da Feira, já que a norma expressamente considerada no artigo 21º do Decreto-Lei nº 54/75 não é aplicável à presente situação.

Todavia, o presente procedimento cautelar foi instaurado ao abrigo do disposto no artigo 15º do DL nº 54/75 de 12/02, diploma aplicável à reserva de propriedade, tendo sido celebrado entre o requerente e o requerido um contrato de financiamento para aquisição a crédito, que permitiu a este último adquirir um veículo automóvel, tendo, no entanto, sido constituída sobre o mesmo reserva de propriedade a favor da mutuante, ora agravante, a qual se encontra devidamente registada na Conservatória do Registo Automóvel competente – doc. fls. 26.

A legislação a aplicar ao caso concreto, será a que vem estipulada no DL nº 54/75 de 12/02, designadamente no seu art.º 21º que preceitua o seguinte:

“O processo de apreensão e as acções relativas aos veículos apreendidos são da competência do tribunal da comarca em cuja área se situa a residência habitual ou sede do proprietário”.

Ora, esta norma faz parte do supra citado diploma que constitui uma lei especial, a qual não tendo sido expressamente revogada pela Lei nº 14/2006 de 26/04, mantém a regra de competência territorial mencionada naquele citado art.º 21º.

A norma do artigo 21º do DL 54/75, de 12 de Fevereiro é uma norma de competência especial relativamente ao artigo 74º do Código de Processo Civil e, como tal, nos termos gerais de direito, prevalece sobre a lei geral.

O mencionado artigo 21º não foi revogado pela Lei nº 14/2006 e, por isso, permanece em vigor pois, conforme dispõe o nº 3 do artigo 7º do Código Civil “ a lei geral não revoga a lei especial, excepto se for outra a intenção inequívoca do legislador”.

Com a publicação da Lei nº 14/2006 o legislador pretendia, inequivocamente, revogar o artigo 21º do DL 54/75?

A resposta só pode ser negativa, pois, como bem refere a agravante, a Lei 14/2006 não revoga expressamente aquele artigo 21º; porquanto em momento algum de tal diploma é feita a necessária referência ou remissão àquele artigo ou mesmo ao DL 54/75, de 12 de Fevereiro.

Não tendo havido revogação expressa qual foi então a intenção do legislador da Lei nº 14/2006?

A Lei 14/2006 veio impor a irrenunciabilidade do direito de arguir a incompetência territorial do tribunal, assim como o conhecimento oficioso de tal matéria pelo tribunal.  

O pacto de competência celebrado deixou de ser reconhecido como válvula de afastamento da competência legal, na medida em que no momento em que o autor instaura a acção, o pacto extravasa os limites da autonomia contratual, consagrada no artigo 405º nº 1 do Código Civil, não lhe sendo reconhecida qualquer eficácia, sendo o mesmo nulo, por impossibilidade legal.

A celebração de convenções sobre a competência está genericamente sujeita às mesmas regras de formação (atinentes à declaração de vontade e aspectos conexos) e aos mesmos requisitos de validade de qualquer contrato substantivo. Por regra, os elementos constitutivos da convenção são regulados pelo direito material e a sua admissibilidade e efeitos são definidos pelo direito processual. (2)

As normas de fixação de competência têm carácter imperativo, sendo que a competência se fixa no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, conforme vem preceituado no artigo 22º da Lei 3/99, de 13 de Janeiro (LOFTJ).

O pacto de aforamento “não é mais do que uma norma definidora da competência territorial fundada em disposição legal que a consente (artigo 100º do C.P.C.) cuja aplicabilidade não pode deixar de ser encarada nos mesmos termos em que é encarada a aplicabilidade das demais normas atinentes à competência territorial. O pacto de aforamento não é, como também se disse, mais do que uma regra de competência cuja validade deve ser aferida à luz das regras de competência em vigor no momento em que a acção é proposta” (3).

 A existência de intenção inequívoca do legislador deve assentar em referência expressa na própria lei ou, pelo menos, em um conjunto de vectores incisivos que a ela equivalham, pelo que, quando se pretenda, através duma lei geral, revogar leis especiais, designadamente quando se vise firmar um regime genérico e homogéneo, há que dizê-lo, recorrendo à revogação expressa ou, no mínimo, a uma menção revogatória clara, do género, são revogadas todas as leis em contrário, mesmo as especiais (4).

Como refere Abílio Neto “ a lei que altera um regime geral não se presume que altere normas especiais que, para casos particulares, dispõem de modo diferente” (5).

No que toca ao nº 3 do artigo 7º do Código Civil, “ o problema é, pura e simplesmente, de interpretação da lei posterior, resumindo-se em apreciar se esta quer ou não revogar a lei especial anterior” (6).

Na fixação da palavra “inequívoca”, deve o intérprete ser particularmente exigente (7).

Deste modo, entendemos que nenhuma incompatibilidade se verifica entre a redacção do artigo 74º do C.P.Civil resultante da Lei 14/2006 e o artigo 21º do DL 54/75, de 12 de Fevereiro.

Daí se considerar o artigo 21º uma norma especial em relação ao artigo 74º do CPC.

E, como bem refere a agravante, a referida norma especial insere-se num DL que apresenta uma visão protectora não tanto do consumidor, mas antes do titular da reserva de propriedade. Nada indicia que o legislador não mantivesse a intenção de excepcionar, relativamente à regra geral, as situações de contratos com reserva de propriedade.

Assim, mantendo-se em vigor a reserva de propriedade sobre o veículo a favor da requerente, ora agravante, é inegável que não podemos deixar de entender que o proprietário não é outro senão a ora recorrente, até porque, como é sabido, neste tipo de contratos, a reserva de propriedade só deixa de existir quando se mostre integralmente cumprido o contrato que lhe deu origem.

E, no caso concreto, o contrato de financiamento para aquisição a crédito não foi cumprido pelo requerido. Logo, sendo a proprietária a agravante S…, SA e tendo esta a sua sede em Lisboa, é o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, o competente para a tramitação do presente procedimento cautelar de apreensão de veículo e documentos.

Neste sentido foi decidido pelo Acórdão da Relação de Lisboa nº 8753/06, da 1ª Secção de 26.10.2006, (Maria José Simões) não publicado.

Terminando, para concluir:  

- A lei geral não derroga lei especial que já exista, a não ser que o faça expressamente.

- O DL nº 54/75, de 12.02 é uma lei especial que, não tendo sido expressamente revogado pela Lei nº 14/2006, de 26.04, no que ao artigo 21º diz respeito, mantém a regra da competência territorial aí prefigurada.

- Encontrando-se inscrita a favor da agravante, reserva de propriedade sobre a viatura automóvel cuja apreensão foi requerida no âmbito de uma providência cautelar e situando-se a sede daquela em Lisboa, é o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa (no caso, a 9ª Vara Cível) o competente territorialmente para a tramitação da mesma.

III - DECISÃO

Pelo exposto, concede-se provimento ao agravo e revoga-se o despacho recorrido, julgando o Tribunal a quo o competente para a normal tramitação da providência cautelar.
Sem custas.

Lisboa, 15 de Fevereiro de 2007
Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais
Carla Mendes



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1.-Por força do art.º 2º da Lei nº 74/98, de 11 de Novembro.

2.-Miguel Teixeira de Sousa, in “ Competência Declarativa dos Tribunais Comuns”, Lex, pág. 100.

3.-Ac. RL de 14.09.2006 ( Salazar Casanova), in www.dgsi.pt

4.-Menezes Cordeiro, Da aplicação da lei no tempo e das disposições transitórias, em Cadernos de Ciência da Legislação, INA, nº 7, 1993, págs. 17 e ss, apud, Abílio Neto, Código Civil Anotado, 13ª edição actualizada, 2001, pág. 20.

5.-Código Civil Anotado, ediforum, edições Jurídicas, Ldª, 1996, pág. 18

6. -Vaz Serra, in RLJ, Ano 99º, pág. 334.

7.-Oliveira Ascenção, O Direito, pág. 259.