Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10063/20.7T8LRS.L1-6
Relator: AGUIAR PEREIRA
Descritores: PROCESSO ESPECIAL
MAIOR ACOMPANHADO
PROCEDIMENTO CAUTELAR
ARROLAMENTO
REQUISITOS FORMAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/04/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Sem prejuízo da respectiva legitimidade para a acção, pode ser requerido por descendente que nisso tenha interesse, como preliminar de uma acção de acompanhamento de maior, um procedimento cautelar de arrolamento de bens alegadamente pertencentes ao futuro beneficiário; 
2. O artigo 891.º n.º 2 do Código de Processo Civil tem por objectivo a adopção de medidas cautelares que antecipem as medidas de acompanhamento a decretar e não a adopção de medidas provisórias e urgentes de protecção à pessoa e/ou património do futuro beneficiário;
3. A procedência do pedido cautelar de arrolamento dos bens de maior futuro beneficiário das medidas de acompanhamento depende da verificação cumulativa dos requisitos gerais dos procedimentos cautelares e da prova da verificação de sério risco de extravio ou dissipação dos bens sua propriedade. 
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: EM NOME DO POVO PORTUGUÊS, OS JUÍZES DESEMBARGADORES DA 6ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA, ACORDAM:

I – RELATÓRIO 
a) EC requereu providência cautelar de arrolamento contra H, Ldª e JC, alegando, em síntese, o seguinte:
1. A e F, pais do requerente e requerido JC, intentaram contra a requerida H, Ldª, acção declarativa (881/17.9T8CSC) visando a sua condenação a reconhecer a nulidade de contratos de compra e venda e de arrendamento da fração “C” correspondente ao primeiro andar direito de um imóvel para habitação sito na Rua LM em Odivelas e a declaração de serem eles os seus donos e legítimos proprietários, com o consequente cancelamento de registo efectuado em contrário.
Era o ora requerente quem acompanhava a evolução do referido processo em Tribunal, o que sucedeu pelo menos até à audiência de julgamento que teve lugar em março de 2019 e do qual, a partir de então, não mais teve qualquer notícia.
Em maio de 2020 o progenitor do requerente sofreu uma queda próximo da sua residência, tendo estado hospitalizado entre 15 e 20 dias, após o que o ora requerido JC o levou para um lar de repouso para idosos no Pinhal Novo, sem informar desse facto o ora requerente ou a mãe de ambos.
No início de setembro de 2020 o requerido JC começou a pressionar a mãe para abandonar a sua habitação sita na fração acima identificada, acabando esta por dar entrada no mesmo lar de repouso para idosos onde se encontrava o marido, tendo o requerente tido conhecimento de que o requerido JC a levara a assinar documentos cujo teor e alcance ela não podia compreender.
Tendo visitado em 20 de novembro de 2020 os seus pais apercebeu-se o requerente que eles – em especial o seu pai – já não se encontravam na posse de todas as suas faculdades.
O requerente soube, entretanto, que a acção declarativa 881/17.9T8CSC tinha findado por transacção celebrada entre a sociedade ora requerida e os seus progenitores em 8 de outubro de 2020, através da qual estes desistiram do pedido contra uma das rés e reconheceram que o direito de propriedade sobre o imóvel pertencia à sociedade aqui requerida, tendo tal transacção sido homologada por sentença de 19 de outubro de 2020.
Porém, os progenitores do requerente não têm conhecimento, nem terão compreendido o seu alcance, de qualquer documento que o requerido JC lhes tenha apresentado para assinar, incluindo a transação em causa, sendo certo que eles não estão em condições de exercer de forma consciente os seus direitos no que respeita à alienação do seu património.
Veio igualmente a saber que, por intervenção do requerido JC, estava em vias de se concluir a venda do outro imóvel propriedade de seus pais, sito na Serra da Luz, freguesia da Pontinha, concelho de Odivelas, em área urbana de génese ilegal, pelo valor de 40.000 €, e que tudo se estava a processar sem conhecimento dos seus pais.
Mais alega haver fundado receio de dissipação do património dos seus progenitores por parte do requerido JC e conclui pedindo o arrolamento dos dois imóveis mencionados, como preliminar do processo de acompanhamento de maior dos seus pais que pretende intentar e em que se apresentará como acompanhante de ambos e eventual acção declarativa de anulação de poderes de administração que tenham sido concedidos a seu irmão JC.
Com a petição inicial não foi junta qualquer prova documental relativa ao estado de saúde e capacidade de discernimento de A e F nem prova documental relativa ao direito de propriedade do imóvel sito na Serra da Luz – Pontinha – Odivelas.
b) Sem audiência dos requeridos, o arrolamento foi liminarmente indeferido por manifestamente improcedente, nos termos e com os fundamentos seguintes:
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 403.º do Cód. Processo Civil, “havendo justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou de documentos, pode requerer-se o arrolamento deles”.
Ainda, nos termos do n.º 2 da referida norma legal, «O arrolamento é dependência da acção à qual interessa a especificação dos bens ou a prova da titularidade dos direitos relativos às coisas arroladas».
Finalmente, o artigo 404.º, n.º 1, do Cód. Processo Civil confere legitimidade para o efeito a qualquer pessoa que tenha interesse na conservação dos bens.
O aqui requerente actua sublinhando que não age no seu interesse, mas antes no interesse dos seus progenitores, que tenciona passar a acompanhar por via de uma futura nomeação judicial para o efeito. É, portanto, esse, o prisma que deve nortear a presente decisão.
(i) Desde logo, no que concerne ao primeiro dos imóveis, imediatamente se verifica uma impossibilidade jurídica de se arrolar como bem próprio (dos seus pais), ao tempo da propositura do presente procedimento, um imóvel que, por via de uma sentença judicial já transitada em julgado [o que se apreende pela consulta directa do processo em causa por via do sistema Citius], se encontra já transmitido para a esfera jurídica de um terceiro (e sem que aquela mesma tenha sido objecto de anulação, em sede própria).
(ii) Já no que diz respeito ao segundo imóvel, imediatamente se apreende que não é o respectivo arrolamento que se erige como o meio processual adequado a fazer cessar qualquer situação de perigo em que se encontrem os bens dos progenitores do ora Requerente – com efeito, o artigo 891.º, n.º 2, do Cód. Processo Civil estatui que, no âmbito do processo de acompanhamento de maior, a qualquer momento podem ser requeridas ou decretadas oficiosamente as medidas cautelares que a situação justificar.
Se o aqui requerente lograr que aí se indiciem as circunstâncias de saúde que aqui alega que correspondem àquelas em que se encontram os seus pais, obtendo o suprimento do seu consentimento para a propositura daquelas acções, poderá lograr também a sua nomeação (ainda que provisória) como acompanhante, pelo menos ao nível da administração do património, expondo os factos que aqui narra, o que, de imediato, retirará os poderes a qualquer terceiro para a representação legal dos seus progenitores.
Neste procedimento, porém, o Requerente não junta qualquer documento clínico que indicie o estado de saúde dos seus pais, o qual, como parece objectivo, não pode ser comprovável por via testemunhal.
Mais ainda, desconhece-se se os pais do Requerente têm, realmente, algum interesse em agir que seja digno de uma protecção cautelar autónoma, como ocorre no arrolamento. Na verdade, só descritas todas as condições de vida destes é que, mesmo em abstrato, se compreenderia se o congelamento de uma eventual venda é o que melhor corresponderia aos seus interesses – sendo sabido que é usual que, em casos como o descrito, em que já existe internamento, as vendas de imóveis são, normalmente, o que permite a aquisição de recursos para a subsistência dos seus proprietários – é que, por outro lado, também não se alegam factos que, indiciados, pudessem revelar que o produto da eventual venda não corresponderia ao valor do bem ou que seria extraviado ou dissipado pelo segundo Requerido.
A matéria alegada é, em síntese, insuficiente para justificar um receio de dissipação não pretendida do imóvel dos progenitores do Requerente sito na Pontinha e/ou para demonstrar o interesse destes na respectiva conservação na sua esfera patrimonial.
Decisão:
Por todo o exposto, sendo o objecto do presente procedimento cautelar parcialmente impossível (por a tanto obstar o caso julgado formado no âmbito da acção n.º 881/17.9T8CSC) e, na outra parte, inexistindo no requerimento inicial a alegação de qualquer facto passível de, indiciado, demonstrar a justiça do prejuízo na sua venda, sendo ainda certo que, quanto aos progenitores do Requerente, todos os meios cautelares se mostrarão ao seu dispor no âmbito das eventuais acções de acompanhamento de maior que venham a ser intentadas, não estando preenchidos os requisitos previstos pelos artigos 403.º, nºs 1 e 2, e 404.º, n.º1, ambos do Cód. Processo Civil, conclui-se que o presente procedimento cautelar é manifestamente improcedente.
Nestes termos e pelo exposto, ao abrigo do disposto no artigo 590.º, n.º 1, do Cód. Processo Civil indefere-se liminarmente o procedimento cautelar requerido.
Custas pelo Requerente (artigo 527.º do Cód. Processo Civil)”.
c) Inconformado com tal decisão liminar veio o requerente do arrolamento interpor recurso que foi admitido como de apelação, com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo. 
O apelante remata as suas alegações de recurso com as seguintes CONCLUSÕES:
“1. A presente providência cautelar é apresentada em momento anterior à propositura do processo de acompanhamento de maior, em que o ora Requerente se apresentará como acompanhante, tendo esta providência a função de garantir e acautelar que o património dos progenitores do ora Requerente não seja dissipado pelo Requerido enquanto tem lugar o processo de acompanhamento de maior e eventual ação declarativa de condenação para anulação de qualquer procuração a este outorgada, garantindo assim a plena capacidade de exercício dos direitos de administração e alienação do seu património aos progenitores do aqui Requerente, de modo a que exista património para administrar após a decisão que nesse processo seja proferida e, mesmo que esta alienação se tenha, entretanto, verificado, continuará o perigo de dissipação dos bens dos progenitores do Requerente até que transite em julgado a decisão quanto ao acompanhamento daqueles, se inicie a ação de anulação destes negócios jurídicos e até que esta transite em julgado.
2. O ora Requerente tem interesse legítimo em que seja decretada a presente providência cautelar, uma vez que será o mesmo quem se apresentará como acompanhante dos seus progenitores na ação de acompanhamento de maior que será posteriormente apresentada, como forma de garantir que, após que aí sejam decretadas medidas de acompanhamento, que o património destes se mantenha inalterado de modo a poder garantir, efetivamente, a recuperação do seu pleno poder de administração e alienação sobre os mesmos.
3. Existindo a forte probabilidade da procedência do pedido de acompanhamento dos seus progenitores A e F, porquanto os mesmos não se encontram em condições de exercer, de forma livre, pessoal e autónoma, os seus direitos, não tendo condições para compreender qualquer documento que tenham ou possam a vir a assinar e/ou os seus efeitos, quer em função da sua idade, seja em função das sequelas dos acidentes vasculares cerebrais que sofreram, quer por se sentirem indefesos devido à constante pressão exercida pelo aqui Requerido para que respeitem, sem questionar, todas as suas instruções, bem como se verifica a forte possibilidade ser procedente uma ação que vise a nulidade de todos os negócios jurídicos celebrados pelos progenitores do ora Recorrente sem conhecimento e/ou sem compreensão do seu alcance por parte destes, como é o caso dos aqui relatados no âmbito do presente processo.
4. O ora Recorrente tem fundado receito que, por força da atuação já demonstrada pelo aqui Requerido, juntamente com a quase perfeição do negócio tendente à alienação do imóvel sito na (…) Serra da Luz, Pontinha, seja o património dos seus progenitores alienado a terceiros, sem autorização destes, onerando-os com a propositura de ações de anulação de negócios jurídicos após a consumação da violação dos seus direitos, sem se encontrarem em condições de, autonomamente, apresentarem e desenvolverem as ações judiciais necessárias para o efeito, encontrando-se igualmente preenchido o requisito do periculum in mora.
5. Mais, inexistindo decisão transitada em julgado quanto ao processo nº 881/17.9T8CSC, existe a possibilidade de se arrolarem bens de terceiro desde que esse arrolamento tenha sido requerido para evitar a venda ou dissipação e que entretanto a mesma tenha ocorrido e seja anulável, pois visa-se conservar a coisa para a ação de que o mesmo depende, impedindo, por exemplo a venda a terceiros; o arrolamento requerido garante que os bens fiquem conservados até ser produzida decisão na lide principal, podendo igualmente o arrolamento ser decretado ainda que o extravio, a ocultação ou a venda dos bens tenha já ocorrido.
6. Existe o justo receio da dissipação do património dos progenitores do Requerente, que se traduz no desconhecimento, por parte dos progenitores do Requerente, sobre qual o desfecho do processo referente a um direito controvertido, discutido no âmbito do processo 881/17.9T8CSC, entre estes e a Requerida, assim como na eminente alienação não autorizada do imóvel sito na (…), Serra da Luz, Pontinha pelo Requerido, encontrando-se preenchido o requisito do fumus boni iuris.
7. Devendo, para o efeito, ser apreciada a validade da prova testemunhal apresentada no sentido de poderem testemunhar sobre a existência da doença que afeta os progenitores do Requerido, facto que pode ser observável externamente por qualquer leigo, como poderão as mesmas testemunhar se estes se encontravam ou não em condições de celebrar os aludidos negócios, se os compreenderam, se dotaram terceiros de poderes de representação para o efeito, pelo que existe lugar à apreciação e produção de prova testemunhal no âmbito dos presentes autos, constituindo, nesta fase processual, a apresentação de documentação clínica que o Recorrente não dispõe de uma probatio diabólica que subverte o funcionamento do juízo cautelar que se encontra na génese do decretamento de qualquer providência (fumus boni iuris).
8. Existe interesse e legitimidade por parte do aqui Recorrente em apresentar a presente providência cautelar nominada de arrolamento, tanto mais que, para além da legitimidade poder ser auferida tendo em consideração quem demonstre ter interesse na conservação dos bens, como é o caso do aqui Recorrente, existe uma situação de conflitualidade sobre o direito e uma situação e incerteza objectiva e grave quanto ao direito de propriedade dos progenitores do ora Recorrente e da sua capacidade de administração e alienação dos mesmos.
9. Tanto mais que, somando-se o valor de 40.000,00 € (quarenta mil euros) referentes à alienação do imóvel da Pontinha, à transação no montante de 39.000,00 € (trinta e nove mil euros) no âmbito do processo nº811/17.9T8CSC, que perfaz o montante total de 79.000,00 € (setenta e nove mil euros), juntamente com o valor das suas reformas, à sua idade, à esperança média de vida e aos valores médios praticados em lares fora da área da grande Lisboa, para se verificar que estes valores em muito excedem a simples alienação de património para fazer face aos encargos mensais com um lar.
10. Visando os procedimentos cautelares obter uma composição provisória do litígio, quando ela se mostre necessária para assegurar a utilidade da decisão, a efetividade da tutela jurisdicional e o efeito útil da ação e verificando-se assim a incorreta interpretação efetuada pelo Tribunal Recorrido quanto aos artigos 403º nº1, 404º nº1, 362º nº1 e 364º nº1 do Código de Processo Civil, devendo ser revogada a douta Sentença Recorrida e substituída por outra que julgue verificados todos os pressupostos de aplicação da providência cautelar nominada de Arrolamento requerida no âmbito dos presentes Autos”.
d) Colhidos os vistos legais das Exmas. Senhoras Juízas Desembargadoras adjuntas cumpre agora apreciar e decidir.
A única questão colocada na presente apelação para este Tribunal da Relação é a de saber se, face à situação descrita pelo apelante no requerimento inicial, deve ser decretado o arrolamento dos dois imóveis por ele identificados, por estarem verificados os respectivos pressupostos.
II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Relevantes para a decisão são apenas os factos descritos no antecedente relatório, aqui dados por reproduzidos.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
a) É sabido que o arrolamento consiste na descrição, avaliação e depósito dos bens (artigo 406.º do Código de Processo Civil) e que ele está dependente de uma acção a que interesse a especificação dos bens ou a prova da titularidade dos direitos sobre as coisas arroladas.
No caso dos autos, sendo, como invocado, o arrolamento preliminar da acção de acompanhamento de maior dos alegados proprietários dos imóveis, pais do ora requerente, e supondo verificada a legitimidade do requerente para o efeito (cfr artigo 141.º do Código Civil), a especificação dos respectivos bens está prevista no artigo 902.º nº 1 do Código de Processo Civil ainda que, porque se trata de medida não essencial na economia do processo em causa, só venha a ter lugar após o trânsito em julgado da decisão de acompanhamento e a pedido do requerente, do acompanhado, do acompanhante ou do Ministério Público.
Se o reconhecimento judicial da necessidade de acompanhamento dos pais do requerente, enquanto medida de protecção do interesse dos acompanhados não os inibe do exercício dos seus direitos sobre os bens que forem sua propriedade, nas condições que o Tribunal vier a fixar na decisão de acompanhamento, nada obsta liminarmente à afirmação da legitimidade do requerente do arrolamento face ao disposto no artigo 404.º nº 1 do Código de Processo Civil.
b) Como procedimento cautelar, de natureza conservatória, que é, o arrolamento de bens depende da verificação de requisitos gerais e específicos enunciados nos termos conjugados dos artigos 362.º e seguintes e 403.º a 409.º do Código de Processo Civil, a saber:
- da prova sumária da existência actual do direito invocado relativo aos bens;
- da prova sumária dos factos em que se funda o receio do extravio ou dissipação dos bens;
- da prova, necessariamente mais consistente, acerca da concreta verificação de sério risco de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis.
c) Estando em causa neste procedimento cautelar de arrolamento o direito relativo a bens imóveis que não são propriedade do requerente, a prova sumária acerca do direito invocado deve incidir sobre a titularidade do direito de propriedade por parte dos beneficiários da acção de acompanhamento de maior a intentar, isto é, sobre a existência na esfera jurídica dos progenitores do ora requerente do invocado direito de propriedade, sendo também em relação a eles que importa aferir, face aos factos alegados, da existência de justo receio de extravio dos bens e do sério risco de lesão dos seus interesses.
d) Na decisão recorrida o indeferimento da providência de arrolamento quanto à fração do imóvel que era objecto da acção 881/17.9T8CSC assentou na circunstância de ele não pertencer aos progenitores do ora requerente na medida em que, à data da instauração do arrolamento – conforme consulta eletrónica dos autos respectivos por parte da Sr.ª Juíza de Direito – tinha transitado em julgado a sentença homologatória da transacção em que eles próprios reconheceram nessa acção que a fração era propriedade da sociedade H, Ld.ª, ora requerida.
O que equivale por dizer que não se mostra verificada, sequer em termos de probabilidade razoável, a existência do direito de propriedade em relação a tal imóvel, por parte de A e F, pais do requerente.
E se assim é, sendo cumulativos os requisitos da providência requerida, prejudicada fica a apreciação sobre o eventual justo receio de extravio ou dissipação dos bens e necessidade de adoptar quaisquer providências conservatórias, não devendo ser ordenado o requerido arrolamento.
Não cabendo neste procedimento cautelar de arrolamento a resolução de qualquer questão relativa a eventual vício da vontade expressa pelos proprietários da fração ao celebrar a transacção na referida acção, a decisão recorrida ao indeferir o arrolamento desse imóvel nenhuma censura merece.
e) No que se refere ao arrolamento do outro imóvel identificado pelo apelante como sendo propriedade dos seus progenitores – bem imóvel sito na Rua …, Serra da Luz na freguesia da Pontinha do concelho de Odivelas e inserido em Área Urbana de Génese Ilegal e relativamente ao qual nenhum documento existe nos autos comprovando o direito de propriedade invocado – o indeferimento da providência teve fundamentos diversos:
- numa primeira linha, a inadequação do meio processual utilizado, tendo em conta as regras específicas do processo de acompanhamento de maior – em especial o artigo 891.º nº 2 do Código de Processo Civil – que permitem a adopção em qualquer momento das medidas cautelares que mais se adequarem à defesa dos interesses dos beneficiários do acompanhamento; 
- num segundo momento, a inexistência de prova técnica adequada a comprovar a “incapacidade” dos proprietários dos imóveis cujo arrolamento se requer;
- por último a não alegação de factos passíveis de, sendo provados, demonstrarem o sério risco de lesão dos interesses dos progenitores do requerente na alegada venda do imóvel e a sua falta de interesse e vontade em realizar tal negócio.
f) Sobre o meio processual usado pelo requerente em defesa do alegado interesse dos seus progenitores, importa ter presente a distinção assinalada pela doutrina [1] entre as medidas provisórias e urgentes a que se refere o artigo 139.º nº 2 do Código Civil [2] e que são medidas impostas pelo Tribunal para protecção das pessoas ou do seu património, e as medidas cautelares a que alude o artigo 891.º n.º 2 do Código de Processo Civil [3], e que são medidas que antecipam as medidas de acompanhamento.
Na decisão recorrida foi invocado o artigo 891.º nº 2 do Código de Processo Civil que prevê a possibilidade de, em qualquer altura do processo, poderem ser requeridas e decretadas, mesmo oficiosamente, as medidas cautelares de acompanhamento que a situação apurada no processo justificar.
Só que a norma em causa, introduzida pela Lei 49/2018, de 14 de agosto, refere-se a medidas de acompanhamento que antecipem a decisão sobre a capacidade do maior para gerir o seu património e não a medidas provisórias e urgentes impostas para protecção do património do beneficiário.
Relativamente a estas é seguro não estar excluída a possibilidade de recurso autónomo aos procedimentos cautelares comuns em especial quando preliminares da acção de acompanhamento - nesse sentido Pedro Callapez in Processos Especiais, Vol. I, Maior Acompanhado, AAVV, coordenação de Rui Pinto e Ana Alves Leal, edição da AAFDL, 2020, pág. 105, nota 18)”.
Pelo que se entende que, em princípio, nenhum obstáculo existe na instauração de um arrolamento como preliminar de uma acção de acompanhamento de maior onde irão ser, em caso de procedência, relacionados os bens propriedade do beneficiário da medida.
g) Como foi atrás mencionado o decretamento do arrolamento depende da prova sumária do direito invocado relativo aos bens – com a especificidade no caso presente de serem de terceiros –, bem como da prova sumária dos factos em que se funda o receio de extravio ou dissipação dos bens e da prova mais consistente acerca da efectividade de um risco sério e actual de extravio ou dissipação dos bens.
No caso dos autos não foi junto documento comprovativo de serem os progenitores do requerente titulares do direito de propriedade sobre o imóvel sito na Serra da Luz – Pontinha, tendo o requerente apenas alegado que estaria iminente uma transacção de um imóvel pertencente aos seus progenitores.
Acresce que também não foi junta nem requerida a produção de prova pericial, nomeadamente médica, com base na qual pudesse vir a concluir-se que os progenitores do requerente não tinham capacidade nem discernimento para avaliar a natureza e consequência dos negócios de alienação onerosa dos imóveis e que estes estavam a ser realizados contra a sua vontade e em seu prejuízo.
h) Assim sendo, há que concluir, e em especial quanto ao sério risco de verificação de lesão dos direitos patrimoniais dos eventuais beneficiários do processo de acompanhamento de maior, estamos perante meras alegações decorrentes da interpretação pessoal dos factos feita pelo requerente, não havendo fundamento, como bem se decidiu na primeira instância, para considerar sequer indiciado o “receio de dissipação não pretendida do imóvel dos progenitores do requerente sito na Pontinha e/ou para demonstrar o interesse destes na respectiva conservação na sua esfera patrimonial”.
O presente procedimento cautelar de arrolamento é, pois, manifestamente improcedente, não merecendo censura a decisão de indeferimento liminar impugnada, que se confirma.
IV – DECISÃO
Termos em que julgando improcedente a apelação, confirmam integralmente o despacho de indeferimento liminar recorrido.
Custas pelo apelante.

Lisboa, 04-02-2021
Manuel Aguiar Pereira
Teresa Soares
Octávia Viegas
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[1] Miguel Teixeira de Sousa em “O regime de acompanhamento de maiores: alguns aspectos processuais” comunicação inserida no ebook intitulado “O novo regime jurídico do maior acompanhado” editado pelo Centro de Estudos Judiciários em 2019.
[2] “Em qualquer altura do processo, podem ser determinadas as medidas de acompanhamento provisórias e urgentes, necessárias para providenciar quanto à pessoa e bens do requerido.”
[3] “Em qualquer altura do processo, podem ser requeridas ou decretadas oficiosamente as medidas cautelares que a situação justificar”