Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10609/2007-6
Relator: FÁTIMA GALANTE
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
LITISCONSÓRCIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/24/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Sumário: I - Se o contrato-promessa de compra e venda, cuja alegado incumprimento definitivo fundamenta o pedido de condenação do Réu, tiver sido outorgado, do lado do promitente-comprador, não apenas pelo ora Réu, mas também por outra pessoa, é manifesto que o litígio existente entre os promitentes-compradores e o promitente-vendedor ora A. nunca poderia ser definitivamente composto, sem a presença, na acção, de todos os outorgantes do referido contrato-promessa, por o interesse em causa não comportar uma definição ou realização parcelar.
II - A relação jurídica material controvertida impõe, portanto, o litisconsórcio necessário natural de todos os intervenientes no contrato-promessa de compra e venda questionado na acção (cit. art. 28º-2 do CPC).
III - Sendo a acção, tendente à obtenção da resolução do contrato-promessa, apenas proposta contra um dos promitentes compradores, desacompanhado do outro, a preterição do litisconsórcio necessário natural activo determina a iliegitimidade passiva do Réu (art. 28º, nºs 1 e 2, do C.P.C.).
(F.G.)
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

            I – RELATÓRIO

            H, veio intentar contra A, acção declarativa de condenação com processo comum sob a forma sumária, pelos factos e fundamentos seguintes:
            O Autor e o Réu celebraram entre si em 27/12/1983, um contrato promessa de compra e venda de um imóvel identificado nos autos. Sucede que aquela promessa de compra e venda tinha como comprador o Réu nestes autos e um tal P. Acontece que a escritura definitiva de compra e venda não chegou a realizar-se, decorridos que estão 20 anos, pelo que o Autor não tem interesse em manter este contrato promessa.
O Autor pede, a final, que o Tribunal declare resolvido o contrato promessa de compra e venda celebrado com o Réu.

O Réu não foi citado para os termos da acção, tendo vindo a apurar-se, posteriormente, que faleceu.
Foi instaurado incidente de Habilitação de Herdeiros e o Réu substituído pelos seus herdeiros desconhecidos representados pelo Ministério Público.
           
Procedeu-se a julgamento com a observância das normas legais e foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, por não provada e em consequência absolveu os herdeiros incertos do Réu A do pedido de resolução do contrato promessa de compra e venda do imóvel inscrito na matriz cadastral rústica da freguesia de Palhais concelho do Barreiro sob o numero dezoito da secção “F” e de um prédio urbano junto.

            Inconformado, vem o A. apelar da sentença tendo, no essencial, formulado as seguintes conclusões:
1. A Sentença é nula, pois, dos cinco fundamentos exposto, nenhum se verificou de facto.
2. Misturando até opiniões fácticas, como se de fundamento jurídico se tratasse, apenas com o objectivo de não dar provimento à presente acção.
3. Tendo inclusive posto em causa, de facto, o documento autêntico junto com o n° 1 na petição inicial, apesar de não o afirmar explicitamente, pondo em causa a legitimidade activa do ora Apelante.
4. Foram assim violadas as alíneas b) e d) do n° 1 do al. 668º do CPC.
           
Corridos os Vistos legais,
                                   Cumpre apreciar e decidir.

Das conclusões do apelante – que nos termos dos artigos 690º, nº 1 e 684º, nº 3 do Código de Processo Civil delimitam o objecto do recurso – resulta que, no essencial, importa decidir se a sentença enferma de nulidade e se existe fundamento para declarar resolvido o contrato-promessa de compra e venda.

            II – FACTOS PROVADOS

1. Em 27/12/1983 foi celebrado contrato promessa de compra e venda de um imóvel inscrito na matriz rústica da freguesia de Palhais, concelho do Barreiro.
2. Este contrato tem o Réu como promitente-comprador e ainda o Sr. P.
3. Do referido contrato consta que “a escritura será outorgada assim que os vendedores tenham todos os documentos necessários para esse fim”.
4. A escritura definitiva de compra e venda nunca se chegou a realizar.
5. Isto durante mais de 20 anos.
6. Os AA entraram em contacto com o Sr. P encontrando-se em negociações.
7. O mesmo, tentaram os AA com o Réu, entrando em contacto com ele, oferecendo-lhe o dobro do sinal que tinha sido entregue à data da celebração do contrato promessa.
8. O R não foi citado para os termos da presente acção porque faleceu em 1/5/2001.

III – DO DIREITO:

            1. Da nulidade da sentença
            Alega o Apelante que a sentença é nula já que foram violadas as alíneas b) e d) do n° 1 do art. 668º do CPC.

1.1. De acordo com o art. 668º. nº1 b) do CPC, a sentença é nula quando careça de fundamentação de facto e/ou de direito ou deixe de se pronunciar sobre questões que devia conhecer.
Como refere Teixeira de Sousa “esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (artº 208º nº 1 do CRP; artº 158º nº 1)”. Porém, “o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (…) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (…); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível”[1].
A falta de motivação a que se refere a citada al. b) como refere Rodrigues Bastos[2] não é uma especificação eventualmente incompleta ou deficiente, mas a total omissão dos fundamentos de facto ou de direito, suporte da decisão. Esta nulidade só ocorre, portanto, se existe falta absoluta de motivação. Se a motivação é apenas deficiente, medíocre ou errada, a sentença fica sujeita ao risco de revogação ou alteração em via de recurso, mas nula é que nunca será.
Portanto, uma coisa é a falta absoluta de fundamentação e outra a fundamentação insuficiente, errada ou medíocre e só a primeira constitui o fundamento de nulidade a que se reporta a alínea b) do nº 1 do artigo 668º do CPC.
Como ensina Alberto dos Reis, “são na verdade coisas diferentes deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.”[3]

1.2. As questões a que se reporta a alínea d) do nº 1 do artigo 668º do CPC são os pontos de facto e/ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções.
No que tange à nulidade da decisão por omissão de pronúncia prevista no art. 668º, nº 1, al. d) do CPCivil, este vício só ocorre quando o juiz incumpre o comando do artigo 660º, nº 2, do mesmo diploma, segundo o qual" deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação”.
As questões a que se reporta a alínea d) do nº 1 do art. 668º do CPC, são os pontos de facto e/ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções. O tribunal deve, assim, conhecer de todas as referidas questões, mas não já de todos os argumentos expressados pelas partes. Não deve, aliás, confundir-se a omissão do conhecimento das questões propostas por quem recorre prevenida na al. d) do nº1º do art. 668º CPC com o não conhecimento de alguns dos argumentos utilizados pelas partes para defender as respectivas teses ou pontos de vista.

1.3. No caso vertente, embora a sentença recorrida suscite dúvidas quanto à legitimidade do A. que não alega factos que permitam concluir a que título o imóvel foi parar à sua posse, bem como quanto à legitimidade passiva, porque a acção foi intentada apenas contra uma dos promitentes vendedores, acaba por fundamentar a improcedência da acção e a absolvição dos RR do pedido, na circunstância de o A. não ter provado que a escritura não se realizou por culpa dos promitentes compradores, uma vez que a responsabilidade na marcação da mesma lhes cabia, pois do contrato-promessa consta que “a escritura será outorgada assim que os vendedores tenham todos os documentos necessários para esse fim”. Segundo a sentença recorrida, deveriam os RR ter sido interpelados para a celebração da escritura logo que a documentação estivesse em ordem e não consta dos autos que o tenham sido.
Refere, igualmente, a sentença recorrida que, não constando, do contrato promessa de compra e venda, a fixação de prazo para a celebração da escritura de compra e venda, a mora do promitente vendedor só surge depois da interpelação – art. 808º do CC. Mais adianta que o A. tinha de referir a razão da perda do interesse na celebração da escritura e que essa perda de interesse era devida a causa imputável aos promitentes compradores, o que não foi feito, concluindo que não existiu uma tentativa séria para resolução do contrato promessa de compra e venda uma vez que um dos promitentes compradores faleceu, desconhecendo-se as diligências efectuadas antes da propositura da acção, para resolução deste contrato promessa.

Portanto, embora a sentença aflore a questão da legitimidade das partes, verifica-se que conheceu de mérito, para concluir pela improcedência do pedido.
Pronunciou-se, assim, motivadamente e em concreto sobre o contrato-promessa dos autos, seus outorgantes, bem como sobre a inexistência de fundamentos que justifiquem a resolução do contrato promessa dos autos, pelo que não assiste razão ao Apelante que, aliás, também não concretiza os fundamentos da arguida nulidade.
Na verdade, a sentença encontra-se suficientemente fundamentada, quer sob o ponto de vista fáctico, quer sob o ponto de vista jurídico e, além disso, a decisão está em consonância com a respectiva fundamentação: dela constam os factos e as razões de direito em que o Tribunal alicerçou a sua decisão e esta aparece como consequência lógica daquela fundamentação.
Da leitura das alegações percebe-se que o que está em causa é antes uma alegada desconformidade entre os factos provados e o direito aplicável e entre o direito aplicável e o aplicado. Porém esta desconformidade insere-se já no âmbito dos erros de julgamento.
Em suma, o julgador resolveu todas as questões que cabia resolver no âmbito do processo.
Improcedem, assim, as invocadas causas de nulidade da sentença a que se referem as als. b) e d) do nº 1 do artº 668º do CPC.

            2. Da ilegitimidade
Pese embora a sentença recorrida tenha enveredado pela improcedência da acção, conhecendo de mérito, importa tecer algumas considerações no que tange à legitimidade das partes.
Na verdade, salvo se, no despacho saneador oportunamente proferido, o tribunal de primeira instância se tiver ocupado, em concreto, da questão da legitimidade das partes, não se quedando pela afirmação genérica, em termos tabelares, de que as partes seriam legítimas – caso em que a reapreciação, pela Relação, da questão da legitimidade envolveria violação do caso julgado formal constituído no saneador (cfr. o art. 510º, nº 3, 1ª parte, do C.P.C.) - pode e deve conhecer oficiosamente a legitimidade ou ilegitimidade das partes.
Como, no caso dos autos, tal não aconteceu, tendo o despacho saneador afirmado a legitimidade das partes em termos genéricos e tabelares, não se ocupando concretamente desta excepção dilatória, esta Relação não incorre em violação do caso julgado formal ao reapreciar, nesta sede, a questão da legitimidade das partes.

2.1. Quanto à legitimidade activa, afigura-se que está assegurada, já que o imóvel objecto do contrato promessa está registado em nome do A., que o adquiriu por sucessão, como consta da certidão junta aos autos, sendo certo que não foi posta em crise a presunção de que propriedade lhe pertence.
            Já se suscitam dúvidas no que tange à legitimidade passiva.
            Efectivamente, o contrato-promessa tem como promitentes compradores não só o Réu contra quem foi inicialmente proposta a acção, mas também P, afirmando o A. que não tem interesse em demandá-lo porque se encontra em negociações com o mesmo, para por termo ao contrato-promessa dos autos.
            Vejamos.
Neste âmbito, tem-se por seguro que, numa acção como a presente – em que o Autor formula, explicitamente, o pedido de resolução do contrato promessa em que figuram como promitentes compradores o Réu e P - um tal pedido deveria ter sido formulado contra ambos os promitentes compradores, isto porque o nº 2 do art. 28º do CPC impõe a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal, o que ocorre sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado.
Ora, não estando presente, na acção, o outro promitente-comprador, não é possível apreciar a globalidade da relação jurídica em causa e determinar a resolução do contrato.

2.2. Na verdade, além dos casos em que seja directamente imposto por lei ou por negócio jurídico, o litisconsórcio torna-se ainda necessário sempre que, pela natureza da relação material controvertida, a intervenção de todos os interessados seja essencial para que a decisão produza o seu efeito útil normal. O efeito útil normal da decisão, quando transitada em julgado, consiste na ordenação definitiva da situação concreta debatida entre as partes[4].
A pedra de toque do litisconsórcio necessário é (…) a impossibilidade de, tido em conta o pedido formulado, compor definitivamente o litígio, declarando o direito ou realizando-o, ou ainda, nas acções de simples apreciação de facto, apreciando a existência deste, sem a presença de todos os interessados, por o interesse em causa não comportar uma definição ou realização parcelar”. “Não se trata de impor o litisconsórcio para evitar decisões contraditórias nos seus fundamentos, mas de evitar sentenças – ou outras providências – inúteis por, por um lado, não vincularem os terceiros interessados e, por outro, não poderem produzir o seu efeito típico em face apenas das partes processuais»[5].
Entre os exemplos paradigmáticos, recolhidos da jurisprudência, de litisconsórcio natural (por contraposição ao litisconsórcio legal e ao litisconsórcio convencional), figuram, a anulação do contrato-promessa de compra e venda, que deve ser requerida por todos os promitentes compradores[6] ou a acção na qual se pede a declaração de nulidade de um contrato de compra e venda, em que é necessário demandar todos os intervenientes nesse negócio[7] .
Consequentemente, no caso dos autos, tendo o contrato-promessa de compra e venda (cuja alegada perda de interesse no cumprimento fundamenta o pedido formulado pelo Autor de resolução do contrato), sido outorgado, do lado do promitente-comprador, não apenas pelo Réu mas igualmente por P, é manifesto que o litígio existente entre os promitentes-compradores e os promitentes-vendedores, nunca poderia ser definitivamente composto, sem a presença, na acção, de todos os outorgantes do referido contrato-promessa, por o interesse em causa não comportar uma definição ou realização parcelar.
A relação jurídica material controvertida impõe, portanto, o litisconsórcio necessário natural de todos os intervenientes no contrato-promessa de compra e venda questionado na acção (cit. art. 28º-2 do CPC) [8].
Como assim, o Autor ora Apelante não podia ter instaurado a presente acção apenas contra um dos promitentes-compradores.
A preterição desse litisconsórcio necessário natural passivo determina a ilegitimidade passiva do Réu.

2.3. A despeito da preterição do litisconsórcio necessário, não se afigura ser de providenciar pelo suprimento da excepção dilatória da ilegitimidade, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 508º, nº 1, al. a), e 265º, nº 2, ambos do CPCivil.
De acordo com o art. 508º, nº 1, al. a), do C.P.C., findos os articulados, deve o juiz proferir despacho destinado a providenciar pelo suprimento de excepções dilatórias. O objectivo deste comando legal é evidente: tudo deverá ser feito para que a instância seja regularizada de modo a que seja possível o conhecimento do fundo da causa e o proferimento de uma decisão de mérito. Assim, perante a irregularidade ou a falta de preenchimento de pressupostos processuais, deverão ser tomadas todas as providências destinadas à respectiva regularização [9].
O juiz deve determinar a realização dos actos necessários à regularização da instância e, quando não o possa fazer oficiosamente, por se estar no campo da exclusiva disponibilidade das partes, convidar estas a praticá-los (art. 265º, nº 2 do CPC). Por conseguinte, confrontado com a falta de algum interessado com reflexos na legitimidade plural, caberia ao juiz convidar o A. a accionar os mecanismos processuais que permitam superar esse obstáculo ao natural prosseguimento da instância para a fase subsequente.
Porém, no caso dos autos, para além desta irregularidade, verifica-se a quase completa ausência de alegação de factos relevantes, na petição inicial, com vista à procedência do pedido, de resolução do contrato-promessa de compra e venda.

3.1. O direito de resolução dum contrato, enquanto destruição da resolução contratual, depende da verificação de um fundamento legal, correspondendo, nessa medida, ao exercício de um direito potestativo vinculado - art. 432.º C. Civil.
O direito à resolução é potestativo, pressupondo o incumprimento.
O incumprimento definitivo do contrato promessa tem, na sua origem a mora, traduzida na não realização da prestação, que ainda será possível, no prazo a que o contraente se vinculou. Assim, a obrigação considera-se não cumprida se o credor perder o interesse na prestação como consequência da mora; se, existindo mora, o devedor não cumprir no prazo, razoável, que o credor lhe fixar, mediante interpelação; se o devedor fizer uma declaração, clara, inequívoca e peremptória que não cumprirá o contrato[10].
Recai, então, sobre a parte que invoca o direito à resolução o ónus de alegar e demonstrar o fundamento que justifica a destruição do vínculo contratual.
Caberia ao promitente vendedor, a alegação e prova de que, obtida a documentação necessária à realização do negócio prometido, interpelara os promitentes compradores com vista à celebração da escritura de compra e venda, sendo que, apesar disso, estes se tinham recusado a cumprir. Porém, não consta dos autos que o tenham feito.
Depois, a invocada perda do interesse do credor (gerador do direito potestativo à resolução do contrato, nos termos do art. 808º CC), terá que apreciada objectivamente, o que significa que o valor da prestação deve ser aferido pelo tribunal em função das utilidades que a prestação teria para o credor, tendo em conta, a justificá-lo, «um critério de razoabilidade própria do comum das pessoas» e a sua correspondência à «realidade das coisas»[11]. Essa perda de interesse pode resultar da superveniente inutilidade da prestação ou até do prejuízo que esta traria para o credor. Perda de interesse que tem de ser real e efectiva não bastando uma mera diminuição de interesse em contratar. A demonstração tem de ser concreta, não sendo suficiente a mera alegação do credor nesse sentido.[12] Mas foi só isso que alegou.
Em suma, analisados os pressupostos da resolução, não pode deixar de considerar-se que a mera alegação e prova de que decorreram cerca de 20 anos sobre a data da celebração do contrato promessa, não constando do contrato promessa prazo para a realização do negócio prometido, desconhecendo-se as razões por que não foi celebrada a escritura, para além de não estarem nos autos todos os intervenientes do contrato promessa, sempre votariam a acção ao insucesso.

3.2. O princípio da economia processual ou o da prevalência das razões de mérito sobre as razões de forma não pode ser levado ao extremo de conduzir à sanação de nulidades processuais ou de excepções dilatórias insupríveis, conexionadas com o objecto do processo.
Dada a parca alegação de factos, quanto ao Réu demandado, e a ausência de matéria de facto quanto ao outro promitente comprador, estamos perante uma petição de tal modo deficiente que impossibilita que o tribunal se aperceba das verdadeiras razões fácticas em que o pedido se baseia, pelo que insanável, não cabendo ao juiz empreender qualquer diligência nesse sentido, tendo presente, não só, o disposto no art. 265º, nº. 2. do CPC, como ainda a limitação dos poderes do juiz e do autor, decorrente do constante do art. 508º, nº. 5 do CPC.
Conclui-se pela verificação da excepção dilatória de ilegitimidade passiva do Réu, por preterição do litisconsórcio necessário natural passivo, que conduz à absolvição do Réu da instância.

IV – DECISÃO

Termos em que julgando improcedente a apelação, mas revogando a sentença recorrida, julga-se verificada a excepção da excepção dilatória de ilegitimidade passiva do Réu, assim absolvendo o Réu da instância.

Custas pelo Apelante.

Lisboa, 24 de Janeiro de 2008.

(Fátima Galante)
(Ferreira Lopes)
(Manuel Gonçalves)

_________________________________________________________
[1] Teixeira de Sousa, In Estudos sobre o Processo Civil, pag. 221.
[2] 1 In Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, pag 246.
[3] Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 143.
[4] Antunes Varela “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., 1985, p. 165 a 167.
[5] Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1º, 1999, p. 58.
[6] Ac. do S.T.J. de 18/2/1988 (Meneres Pimentel) in BMJ nº 374, p. 410 e www.dgsi.pt/jstj.
[7] Ac. da Rel. de Coimbra de 17/4/1990, sumariado in BMJ nº 396, p. 447.
[8] Neste sentido Ac. desta Relação de 16.1.2007 (Rui Vouga), www.dgsi.pt/jtrl.
[9] Paula Costa e Silva, Saneamento e condensação no novo Processo Civil, “Aspectos do Novo Processo Civil”, 1997, p. 216.
[10] Ac. STJ de Fevereiro 2007 (Sebastião Povoas), www.dgsi.pt/jstj.
[11] Pessoa Jorge, “Ensaio sobre os Pressupostos da Resp. Civil”, pp. 20, nota 3; Galvão Telles, “Obrigações”, 4ª ed., pp. 235; Ac. STJ, 21/5/98, BMJ, 477º-468).
[12] Neste sentido o Ac. STJ de 28.5.2002, (Garcia Marques), www.dgsi.pt/jstj