Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
12472/18.2T8SNT.L1-4
Relator: FILOMENA MANSO
Descritores: HORÁRIO DE TRABALHO
ALTERAÇÃO
ASSÉDIO MORAL
CONCILIAÇÃO ENTRE VIDA PRIVADA E VIDA FAMILIAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/23/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I– Encontrando-se estabelecido um horário móvel, a que o autor e os demais colegas estavam afectos e que este último vinha cumprindo em regime de horário rotativo, estava vedado à ré proceder unilateralmente à sua alteração, afectando o autor apenas ao turno da noite.

II– Tendo a conduta da ré sido determinada pelo facto do autor, ao ser-lhe negada a alteração da sua folga para o sábado e domingo, ter comunicado ao seu superior hierárquico que não iria mais prestar trabalho suplementar e nos dias de folga, a mesma surge como “punição” pela posição assumida pelo trabalhador, tanto mais que a ré não podia ignorar que, com a afectação do autor exclusivamente àquele horário, iria colocá-lo numa situação mais gravosa em relação ao cumprimento das suas responsabilidades parentais, mormente no que toca à possibilidade de privar com o filho menor durante a semana, possibilidade esta que estava prevista no acordo de regulação do poder paternal (o Autor encontrava-se divorciado da mãe do menor), uma vez que quando este saísse da escola o autor teria de iniciar o seu trabalho.

III– Mostram-se, assim, verificados os requisitos do assédio moral, uma vez que ocorre um comportamento ilícito da ré, indesejado, tomado em consequência de reivindicação feita pelo autor, com intenção de “castigá-lo”, que lhe causou perturbação e humilhação perante os colegas
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–RELATÓRIO:


AAA intentou a presente acção com processo comum contra BBB, Lda. pedindo se condene a Ré a pagar ao Autor a quantia de €5.722,50, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Alega, em síntese, que celebrou um contrato de trabalho com a Ré, folgando ultimamente ao Domingo e à Segunda, trabalhando quase sempre mais de 40 horas por semana. O Autor tem um filho menor de 12 anos, estando divorciado da progenitora e, por forma a conciliar o tempo com a sua família, solicitou à Ré a alteração dos dias de folga, pretendendo que passassem a ser ao Sábado e ao Domingo. A Ré negou ao Autor tal alteração ao que este comunicou que não faria trabalho suplementar de forma regular e quase diariamente como até então sucedida. Após esta comunicação, o Autor foi colocado pela Ré no turno da noite, sendo que só os trabalhadores que estão de “castigo” é que fazem este turno. O Autor viu-se forçado a escolher entre ir trabalhar e ir buscar e estar com o seu filho menor de 12 anos. A situação também gerou comentários depreciativos ao Autor, e este inclusive esteve de baixa, após o que resolveu o contrato com justa causa, mediante carta recebida pela Ré no dia 04 de Agosto de 2017, devendo a Ré ser condenada no pagamento dos créditos laborais vencidos e na indemnização devida pela justa causa de resolução, esta no montante de €3.536,50.

Conclui que a Ré violou as suas garantias legais e convencionais ao não permitir que este conciliasse a vida profissional com a vida familiar e ao desrespeitar os limites previstos para a prestação de trabalho suplementar.

Convocadas as partes para a audiência a que alude o artigo 55º do Código de Processo do Trabalho, não se revelou possível a respectiva conciliação.

A Ré apresentou contestação alegando que a sua actividade é o serviço público de passageiros, laborando em serviço contínuo, incluindo sábados e domingos.

O Autor sabia que os sábados e domingos são distribuídos por todos os motoristas, sendo que a exigência do Autor de folgar nestes dois dias implicaria que alguns trabalhadores deixassem de ter tempo com a sua família. Acrescenta que do acordo de regulação do poder paternal não constava que o menor teria de passar o sábado e o domingo com o filho. Aduz ainda que o Autor indisponibilizou-se ilegalmente para prestar trabalho suplementar, apenas trabalhou no horário nocturno de 15/06 a 29/07/2017, e há muito que se mostrava desinteressado do trabalho e não colaborava com colegas. Defende finalmente que a rescisão unilateral causou à Ré prejuízos sérios, tendo a Ré compensado nas contas finais a indemnização a que tem direito por falta de aviso prévio, tendo ainda ficado credora do Autor.

Conclui pela improcedência da acção, declarando-se legalmente compensada nos créditos das contas finais do Autor, a indemnização por aviso prévio a que tem direito.

Na sequência de convite para o efeito, a Ré apresentou contestação aperfeiçoada com reconvenção em tudo idêntica à contestação primeiramente apresentada, concluindo pela formulação de um pedido reconvencional no montante de €1.416,00, a título de indemnização por falta de aviso prévio.

O Autor apresentou resposta na qual pugnou pela improcedência da reconvenção, uma vez que demonstrou factualmente os motivos que levaram à resolução do contrato de trabalho com justa causa.

Foi proferido despacho saneador, no qual foi admitida a reconvenção, e foi fixado o objecto do litígio com dispensa da enunciação dos temas da prova.

Procedeu-se a julgamento, após o que foi proferida sentença na qual foi exarada a seguinte

DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente e improcedente a reconvenção, e em consequência decide-se:
a) Julgar verificada a justa causa na resolução empreendida pelo trabalhador;
b) Condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia de €2.445,50 (dois mil quatrocentos e quarenta e cinco euros e cinquenta cêntimos) a título de indemnização por antiguidade, acrescida de juros mora desde a citação até integral pagamento à taxa legal;
c) condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia ilíquida de €2.655,00 (dois mil seiscentos e cinquenta e cinco euros), a título de créditos salariais em falta, acrescida de juros de mora desde a data do respectivo vencimento até integral
pagamento à taxa legal;
d) absolver a Ré do demais peticionado;
e) Absolver o Autor do pedido reconvencional formulado pela Ré.
Condenam-se as partes no pagamento das custas da acção e reconvenção na proporção do decaimento (cfr. arts. 537º nºs 1 e 2 do C.P.C.)
Registe e notifique. 
                  
Inconformada, interpôs a Ré recurso desta decisão no qual formulou as seguintes
(…)

CONCLUSÕES:
Contra-alegou o Autor pugnando pela manutenção do julgado.

Admitido o recurso e subidos os autos a esta Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas respectivas conclusões, são as seguintes as questões a resolver:
1.- Da caducidade do exercício do direito de resolução do contrato;
2.- Da verificação de justa causa para a resolução.

II–FUNDAMENTOS DE FACTO

A 1ª instância considerou assentes os seguintes factos:
1.- O Autor celebrou contrato de trabalho a termo certo com a Ré, no dia 1 de Dezembro de 2011, junto à p.i como doc n.º 1, a fls. 11 verso a 13, e que se dá por integralmente reproduzido (art. 1º da p.i.).
2.- Aquando da celebração do contrato de trabalho, as partes convencionaram na respectiva cláusula 6ª: “O trabalho terá a duração semanal correspondente aos trabalhadores do mesmo sector de actividade, sendo actualmente de 40 horas semanais, com horário móvel, obrigando-se o Segundo Outorgante (Trabalhador) a cumprir todas as regras de funcionamento dos tacógrafos instalados nos autocarros que lhe forem distribuídos para trabalhar.” (art. 3º da p.i.).
3.- A actividade da R. é o transporte público de passageiros e aluguer de autocarros com condutor, para excursões de grupos de pessoas, serviço de empresas, escolas, realizando carreiras de serviço público, laborando em serviço contínuo sábados e domingos incluídos (art. 3º da contestação).
4.- A Ré tem ao seu serviço cerca de 20 motoristas de serviço público, parte dos quais com mulher e filhos (art. 4º da contestação).
5.- A actividade da R. varia conforme a procura, tendo acréscimo sazonal, aumentando no Verão e diminuindo na época baixa de Outono/Inverno (art. 7º da contestação).
6.- As carreiras têm praticamente horários sempre iguais, em todos os dias, semanas e meses, mas os restantes serviços são imprevisíveis e devem ser feitos conforme os pedidos dos clientes ou os contratos celebrados (art. 8º da contestação).
7.- Há dias em que a Ré não ocupa todos os seus motoristas, e noutros, maior parte, esgota a sua capacidade de realização dos serviços, em função da procura, pelo que o serviço implica a realização de trabalho suplementar, pago com os acréscimos legais (art. 9º da contestação – resposta explicativa).
8.- E alguns horários têm de ser feitos em diferentes horários diurnos ou nocturnos, sendo estes pagos com acréscimo (art. 10º da contestação).
9.- A quase totalidade dos motoristas, disponibiliza-se para fazer serviço nocturno ou trabalho suplementar (art. 11º da contestação em parte).
10.- O Autor tem um filho nascido em 01 de Outubro de 2007, portanto menor de doze anos, e está divorciado da progenitora do filho, o que é do conhecimento da Ré (art. 8º da p.i.).
11.- Por ordens directas da Ré, o Autor e os seus colegas de trabalho trabalhavam quase sempre mais do que 40 (quarenta) horas semanais, sendo que entre Março de 2015 e Agosto de 2017 o Autor trabalhou semanalmente e gozou as folgas discriminadas nos registos juntos pela Ré a fls. 78 verso a 95, e 97 verso a 130, e que se dão por reproduzidos (arts. 5º em parte e 6º da p.i. – resposta explicativa).
12.- O Autor deu a conhecer à Ré o acordo de regulação de responsabilidades parentais, com a finalidade de demonstrar os dias em que o menor ficava à guarda do Autor, para que assim pudesse organizar os períodos de trabalho, de forma a conciliar o tempo com a sua família, em especial, com o filho menor de idade (art. 9º da p.i.).
13.- Pode ler-se no acordo de regulação do poder paternal datado de 16/10/2013 junto à pi. a fls. 13 verso e 14, na sua cláusula 5ª: “O pai privará com o menor sempre que quiser e mediante contacto prévio com a mãe. O menor passará com o pai dois dias por semana, que correspondem às suas folgas semanais a indicar à mãe com a antecedência possível.” (art. 18º da contestação).
14.- O Autor gozava dois dias de folga por semana, que no início do contrato eram gozadas à quarta e à quinta-feira, e ultimamente, a pedido do Autor para poder estar com o seu filho, eram ao Domingo e à Segunda-feira, tendo o seu chefe prometido que assim que possível gozaria as folgas ao Sábado e ao Domingo tal como pretendia o Autor (art. 4º da p.i. – resposta explicativa).
15.- Em finais de Maio de 2017, dado que o filho já frequentava o ensino básico o que o obrigava a ter aulas durante a semana, pretendendo estar com o filho, cuja  guarda lhe cabia por acordo aos fins de semana, também aos Sábados, após alguma insistência, o Autor solicitou pela última vez à Ré a alteração dos dias das folgas que estavam convencionados ser ao Domingo e à Segunda- Feira, pretendendo que passassem a ser ao Sábado e ao Domingo (art. 10º da p.i.).
16.- A Ré, passados poucos dias, respondeu, verbalmente, no sentido de não conceder no pedido feito pelo Autor, recusando-se, no entanto, a formalizar por escrito, a sua resposta (art. 11º da p.i.).
17.- Os sábados e domingos são distribuídos por todos os motoristas de modo a que possam ter tempo coincidente com as suas famílias (art. 15º da contestação).
18.- substituição da Segunda pelo Sábado como dia de folga implicaria que algum colega deixasse de ter sábado ou domingo com a família (art. 17º da contestação).
19.- Após insistência por parte do Autor, a Ré, por carta datada de 28 de Junho de 2017, formalizou a sua resposta ao pedido do Autor, nos termos da carta junta à p.i como doc. nº 3 , a fls. 14 verso, e que se dá por reproduzida (art. 12º da p.i.).
20.- Perante a resposta negativa da Ré, o Autor comunicou ao seu superior hierárquico que não contasse mais com o ele para prestar trabalho suplementar, o que até aí sucedia quase diariamente (art. 14º da p.i.).
21.- Comunicou ainda ao superior hierárquico, que não voltaria a trabalhar nos dias de descanso (art. 15º da p.i.).
22.- Após a comunicação acima referida, o Autor que tinha um horário de trabalho rotativo, passou exclusivamente a trabalhar no turno da noite o qual não tinha trabalho suplementar (art. 17º da p.i. – resposta explicativa).
23.- Os serviços do período nocturno foram efectuados por alguns colegas, ao longo de décadas, com boa vontade (art. 24º da contestação em parte).
24.- Entre o dia 15 de Junho de 2017 e o dia 29 de Julho de 2017, o Autor passou a prestar a sua actividade, exclusivamente, no turno da noite, que se inicia em regra  entre as 16h30 e as 17 horas, e termina à 1 ou 2 horas do dia seguinte (art. 18º da
p.i.).
25.- No seio da empresa este horário é entendido pelos trabalhadores, quando não solicitado expressamente pelos mesmos, como um horário a que estão sujeitos os trabalhadores que estão de “castigo” (art. 19º da p.i. – resposta explicativa).
26.- É prática da Ré, sempre que algum trabalhador ao seu serviço não acate ordens, passar a trabalhar exclusivamente no turno da noite, até que a Ré altere o horário novamente (art. 20º da p.i.).
27.- Durante dois ou três sábados do mês de Julho de 2017, o Autor comunicou à Ré a sua impossibilidade de trabalhar no período da noite, porque precisava de ir buscar e estar com o seu filho menor de doze anos (art. 24º da p.i.).
28.- Solicitou, então, que fosse atribuído um novo horário de trabalho, pelo menos naqueles dias, pedido esse que foi negado, mantendo-se o Autor no turno da noite (arts. 25º e 26º da p.i.).
29.- O Autor viu-se forçado a escolher entre trabalhar e ir buscar e estar com o seu filho menor de doze anos aos Sábados (art. 27º da p.i.).
30.- Perante tal cenário, o Autor optou por faltar ao trabalho para estar com a sua família, designadamente com o seu filho, com quem não podia estar durante a semana dado o seu horário e as obrigações escolares do seu filho (art. 28º da p.i.).
31.- Desesperado com a situação, em 11 de Julho de 2017 o Autor apresentou uma queixa na Autoridade Paras as Condições no Trabalho (ACT), solicitando junto desta entidade, que interviesse no sentido de ver garantidos os seus direitos enquanto trabalhador e enquanto pai de um filho menor de 12 anos, junta em cópia à p.i. como doc. nº 6, a fls. 38, e que se dá por reproduzida (art. 29º da p.i.).
32.- Cada autocarro é distribuído a um motorista, trabalhando este isolado no seu posto de trabalho, razão pela qual, quando o A. falhava, não tinha de imediato outro colega para o substituir (art. 31º da contestação).
33.- A colocação do Autor no horário nocturno gerou comentários de alguns dos seus colegas que diziam: “ainda estás de castigo”, “para durar tanto tempo é porque fizeste algo muito grave” (art. 32º da p.i.).
34.- O Autor ficou perturbado e entrou de “baixa médica” desde o dia 31 de Julho de
2017 (art. 36º da p.i. em parte).
35.- Por carta datada de 03 de Agosto de 2017, recebida pela Ré em 04 de Agosto, o Autor comunicou à Ré a resolução do contrato com invocação de justa causa, conforme carta junta à p.i. como doc. nº 8, a fls. 40 a 43, e que se dá por reproduzida (arts. 37º e 39º da p.i.).
36.- Pela mesma comunicação, o Autor peticionou o pagamento de todos os créditos laborais vencidos e os créditos devidos pela cessação do contrato de trabalho, com a inclusão de indemnização, bem como fosse entregue o certificado de trabalho e o modelo RP5044 devidamente preenchido e assinado (art. 40º da p.i.).
37.- O Autor auferia mensalmente quantia de €641,00 (seiscentos e quarenta e um euros) de vencimento base, acrescida do montante de €16,00 a título de diuturnidades, e da quantia de €51.00 a título de complemento (arts. 44º e 45º da p.i. e 41º da contestação).

III–APRECIAÇÃO

Vem a Ré/Apelante suscitar no recurso a questão do que denomina “extemporaneidade” do exercício do direito do Autor resolver o contrato de trabalho, alegando que a resolução ocorreu quando já haviam decorrido mais de 30 dias sobre os factos que a fundamentam.

Vejamos então.

A questão colocada reconduz-se a saber se o direito do Autor resolver o contrato com invocação de justa causa caducou por terem decorrido mais de 30 dias entre o envio do escrito rescisório e os factos invocados nessa missiva como fundamento de resolução.

A resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador com fundamento em justa causa depende da observância das formalidades previstas no art. 395 do CT.

Nos termos do nº1 desta norma “O trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com a indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos”.

Daqui decorre que o exercício desse direito pelo trabalhador deve ser exercido no mencionado prazo de 30 dias, contados a partir do conhecimento dos factos que motivam a resolução, pela forma descrita no citado dispositivo legal.

Trata-se de um prazo de caducidade, como decorre do nº2 do art. 298 do C. Civil, nos termos do qual “quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição”.

Estatui o art. 33 do mesmo Código que “a caducidade é apreciada oficiosamente pelo Tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo, se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes” (nº1); mas “se for estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes, é aplicável à caducidade o disposto no art. 303” (nº2).

Assim, em matéria sujeita à disponibilidade das partes o Tribunal não pode conhecer oficiosamente da caducidade, necessitando esta, para ser eficaz, de ser invocada por aquele a quem aproveita.

É o caso. Com efeito, a resolução do contrato de trabalho, enquanto forma de cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, sempre que este entenda que ocorre motivo que preenche a justa causa, corresponde ao exercício de um direito que está apenas dependente do seu entendimento, estando na sua inteira disponibilidade.

Aproveitando a caducidade do direito de resolver o contrato à empregadora, sobre esta recaía o ónus de alegação e prova dos factos que a fundamentam, por constituírem factos extintivos do direito invocado pelo trabalhador, nos termos do art. 342, nº2 do CC.

Porque toda a defesa deve ser deduzida na contestação, exceptuando os incidentes que a lei manda deduzir em separada (art. 573, nº1 do CPC), é neste articulado que esta questão deve ser suscitada, sob pena de ficar precludida a possibilidade de o fazer.

Ora, analisando a contestação, verifica-se que a Ré não suscitou esta questão na contestação, só o tendo feito posteriormente, em sede de recurso.

É sabido que os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais, visando apreciar e modificar decisões já proferidas sobre questões que tenham sido anteriormente suscitadas, e não incidir sobre questões novas, a menos que sejam questões de conhecimento oficioso o que, já vimos, não é o caso.

Assim sendo, porque a questão em causa não foi invocada, oportunamente, perante o Tribunal a quo, está esta Relação impedida de a apreciar.

Não se toma, pois, conhecimento desta questão.

2.– Da verificação de justa causa na resolução do contrato de trabalho

Vejamos agora se o Autor/Apelado resolveu com justa causa o contrato de trabalho que o vinculava à Apelante desde 1.12.2011.

A sentença recorrida concluiu pela afirmativa.

A Apelante discorda. Alega que se dedica ao transporte público de passageiros e aluguer de autocarros com condutor, laborando em serviço contínuo, sábados e domingos incluídos. O horário de trabalho a que o Autor estava afecto – trabalho por turnos – folgando ao domingo e 2ª feira, não era incompatível com a regulação do poder parental, uma vez que nele se refere que “o menor passará com o pai dois dias por semana, que correspondem às suas folgas semanais. Aliás, a pedido do Autor, e tentando aceder ao pedido por este formulado, as folgas que eram às 4ª e 5ª feiras, passaram a ser ao domingo e 2ª feira. O Autor sabia que, para lhe ser concedida folgas aos sábados e domingos, como era sua pretensão, teria de tirar o sábado a outro colega, sendo que todos os seus colegas têm família e também mulher e filhos.

Acresce que, acedendo à reivindicação do Autor de deixar de prestar trabalho suplementar, foi colocado no turno da noite, onde esta situação não ocorria.

Conclui pela não verificação de justa causa.

Vejamos se lhe assiste razão.

Dispõe o art. 394º, n.º 1 do CT de 2009 que, ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.

A declaração de resolução do contrato deve ser feita por escrito, com a indicação sucinta dos factos que a justificam, nos trinta dias subsequentes ao conhecimento desses factos (art. 395º, n.º 1 do CT), sendo apenas atendíveis para justificar a resolução, os factos invocados nessa comunicação.

O art. 394º, n.º 2 do mesmo diploma enuncia, a título exemplificativo, alguns dos comportamentos da entidade empregadora constitutivos de justa causa de resolução do contrato e que, nos termos do art. 396º, n.º 1, conferem ao trabalhador o direito a uma indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos.

Entre esses comportamentos figura, com pertinência para o caso em apreço, a violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador (alínea b) do n.º 2 do art. 394º).

O art. 394º, n.º 4 do CT diz-nos, por seu turno, que a justa causa deve ser apreciada nos termos do n.º 3 do art. 351º, com as necessárias adaptações. Quer isto dizer que, na apreciação da justa causa, o tribunal deve atender ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que se mostram relevantes.

Assim, à primeira vista, para que um trabalhador possa resolver o seu contrato de trabalho, com direito a indemnização, é necessário que a conduta da entidade empregadora configure um comportamento culposo que pela sua gravidade e consequências torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

Este requisito já constava expressamente do n.º 2 do art. 101º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo DL 49.408, de 24/11/69 [LCT], para a rescisão imediata do contrato tanto pelo trabalhador como pela entidade empregadora, nos seguintes termos: “constitui, em geral, justa causa qualquer facto ou circunstância grave que torne imediata e praticamente impossível a subsistência das relações que o contrato de trabalho supõe, nomeadamente, a falta de cumprimento dos deveres previstos no art. 20º”. Posteriormente, tanto no DL 372-A/75, de 16/7, como no DL 64-A/89, de 27/2 [LCCT], como no CT de 2003, como no CT de 2009 o conceito de justa causa foi definido, respectivamente, nos arts. 10º, n.º 1, 9º, n.º 1, 396º, n.º 1 e 351º, n.º 1 destes diplomas, com referência apenas ao despedimento decretado pela entidade empregadora, como sendo o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

Há jurisprudência que entende que é à luz deste mesmo conceito legal de justa causa que deve ser examinado o comportamento da entidade empregadora invocado pelo trabalhador para a resolução do contrato com direito a indemnização . Não é, portanto, um mero conflito entre as partes, ou mesmo uma qualquer ofensa de uma à outra, que pode consubstanciar justa causa de resolução imediata do contrato de trabalho, com direito à indemnização. É necessário que esse conflito configure uma das situações legalmente integráveis no âmbito da justa causa de resolução e bem assim que ao trabalhador, dada a gravidade e consequências dessa situação, torne imediata e praticamente impossível a manutenção da relação de trabalho.

Quer isto dizer que, segundo a referida jurisprudência, o trabalhador só pode resolver o contrato de trabalho, sem observância de pré-aviso, e com direito a indemnização, se se verificar um comportamento que seja imputável à entidade empregadora, a título de culpa, e que esse comportamento, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a manutenção do vínculo laboral.

Devemos, contudo, ter presente, na apreciação desta questão, que enquanto o empregador dispõe de sanções intermédias (conservatórias) para reagir a uma determinada infracção ou a determinado incumprimento do trabalhador, este, quando lesado nos seus direitos, por qualquer incumprimento do empregador, não tem formas de reacção alternativas à resolução: ou executa ou resolve o contrato. Neste contexto, pode dizer-se que o rigor com que se aprecia a justa causa invocada pelo empregador não pode, de modo algum, ser o mesmo com que se aprecia a justa causa quando invocada pelo trabalhador.

Daí que haja quem rejeite a tese que defende que a noção legal de justa causa de despedimento por parte do empregador e a noção de justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador devem obedecer aos mesmos critérios de apreciação. Para o Prof. Júlio Vieira Gomes, os dois conceitos de justa causa (a invocada pelo empregador e a invocada pelo trabalhador) não são absolutamente simétricos. E para o Prof. João Leal Amado a ideia de configurar a justa causa como uma categoria genérica, aplicável, nos mesmos termos, para o trabalhador e entidade empregadora era de facto acolhida pela LCT, mas foi completamente aniquilada pela Constituição; esta ao acentuar a estabilidade do emprego no que toca ao despedimento (promovido pelo empregador) e a liberdade de trabalho no que toca à rescisão (por iniciativa do trabalhador), tornou nítido que os valores em presença diferem profundamente, consoante o contrato cesse por iniciativa de uma ou de outra das partes.

Embora os dois conceitos de justa causa (a invocada pela empregador e a invocada pelo trabalhador) não devam considerar-se simétricos, embora o trabalhador não disponha das formas de reacção alternativas de que dispõe o empregador, entendemos que não basta verificar-se um simples incumprimento, qualquer infracção ou qualquer falta imputável ao empregador, a título de culpa, para o trabalhador poder resolver com justa causa o seu contrato de trabalho, com direito a indemnização. Para existir justa causa é necessário que se verifique uma infracção grave imputável ao empregador, a título de culpa, que torne inexigível para o trabalhador a manutenção da sua relação contratual, devendo o limiar da gravidade do incumprimento do empregador (na resolução do contrato com justa causa) situar-se abaixo do limiar da gravidade do incumprimento do trabalhador (no despedimento com justa causa).

Não se impõe que a infracção seja de tal forma grave em si mesma e nas suas consequências que torne imediata e praticamente impossível a manutenção da relação de trabalho. Basta que a conduta do empregador seja grave e que face a essa gravidade e reiteração se torne inexigível para o trabalhador a manutenção do seu contrato de trabalho.

Posto isto, por carta datada de 3.8.2017 e recebida pela Ré em 4.8.2017, que se encontra junta a fls 40-43, o Autor resolveu o contrato de trabalho, invocando justa causa com os seguintes fundamentos:
- recurso ilegítimo ao trabalho suplementar, por banda da Ré, incluindo falta de gozo das folgas semanais;
- recusa de alteração dos dias de folga, de forma a que o Autor pudesse conciliar as suas obrigações profissionais com as responsabilidades parentais;
- alteração dos seu horário de trabalho/assédio moral.

Relativamente ao recurso ao trabalho suplementar por parte da Ré ficou provado:
3.– A actividade da R. é o transporte público de passageiros e aluguer de autocarros com condutor, para excursões de grupos de pessoas, serviço de empresas, escolas, realizando carreiras de serviço público, laborando em serviço contínuo sábados e domingos incluídos (art. 3º da contestação).
5.– A actividade da R. varia conforme a procura, tendo acréscimo sazonal, aumentando no Verão e diminuindo na época baixa de Outono/Inverno (art. 7º da contestação).
6.– As carreiras têm praticamente horários sempre iguais, em todos os dias, semanas e meses, mas os restantes serviços são imprevisíveis e devem ser feitos conforme os pedidos dos clientes ou os contratos celebrados (art. 8º da contestação).
7.– Há dias em que a Ré não ocupa todos os seus motoristas, e noutros, maior parte, esgota a sua capacidade de realização dos serviços, em função da procura, pelo que o serviço implica a realização de trabalho suplementar, pago com os acréscimos legais (art. 9º da contestação – resposta explicativa).
8.– E alguns horários têm de ser feitos em diferentes horários diurnos ou nocturnos, sendo estes pagos com acréscimo (art. 10º da contestação).
11.– Por ordens directas da Ré, o Autor e os seus colegas de trabalho trabalhavam quase sempre mais do que 40 (quarenta) horas semanais, sendo que entre Março de 2015 e Agosto de 2017 o Autor trabalhou semanalmente e gozou as folgas discriminadas nos registos juntos pela Ré a fls. 78 verso a 95, e 97 verso a 130, e que se dão por reproduzidos (arts. 5º em parte e 6º da p.i. – resposta explicativa).

Considera-se trabalho suplementar o prestado fora do horário de trabalho (art. 226, nº1 do CT).

Por seu turno, entende-se por horário de trabalho a determinação das horas de início e termo do período normal de trabalho diário, bem como dos intervalos de descanso (art. 200, nº1 do CT).

O período normal de trabalho – diz-nos o art. 198 do CT – é o tempo de trabalho que o trabalhador se obriga a prestar, medido em número de horas por dia e por semana.

Estipula também o art. 203, nº1 do CT que o período normal de trabalho não pode exceder oito horas por dia e quarenta horas por semana.

Preconiza também o art. 232, nº1 do CT que o trabalhador tem direito a, pelo menos, um dia de descanso por semana. A este dia de descanso obrigatório é adicionado o tempo de repouso mínimo de 11 horas seguidas, estabelecido no art. 204, o qual se considera integrado no dia de descanso complementar se este for contíguo ao dia de descanso obrigatório (art. 233, nºs 1 e 2 do CT).

No caso vertente o Autor não alegou qual o seu horário de trabalho, tendo-se apenas provado que tinha um horário de trabalho rotativo, tendo, ultimamente, passado a trabalhar no turno da noite.

No entanto, analisados os documentos de fls 78v a 95 e 97v a 130, a que alude o ponto 11 da matéria de facto, verifica-se que o Autor, no período compreendido entre Março de 2015 e Agosto de 2017, prestou, com muita frequência, trabalho para além das 8 horas diárias e 40 horas semanais, havendo semanas em que o trabalho efectuado atingia as 68 horas e as 10/12 horas diárias, sendo que também se constata que, inúmeras vezes, o trabalho era prestado em dia de folga semanal obrigatória ou complementar.

O art. 227 do CT define as condições de prestação de trabalho suplementar. Assim, nos termos do seu nº1 o trabalho suplementar só pode ser prestado quando a empresa tenha de fazer face a acréscimo eventual e transitório de trabalho e não se justifique para tal a admissão de trabalhador- É ainda exigível a prestação de trabalho suplementar em caso de força maior ou quando seja indispensável para prevenir ou reparar prejuízo grave para a empresa ou para a sua viabilidade.

Ora se bem que das folhas de registos diários juntas aos autos resulte que, em algumas semanas, o trabalho prestado ficava aquém das 40 horas semanais, o que desses mesmos registos se retira é que, na maior parte das semanas esses limites eram largamente ultrapassados, o que permite concluir que o recurso ao trabalho suplementar por banda da Ré não tinha carácter excepcional, mas correspondia antes à necessidade de ocorrer a exigências do normal funcionamento da empresa Ré, sendo que esta se absteve de alegar (e provar) a verificação de qualquer das situações previstas no nº2 do art. 227 do CT, que legitimam o recurso ao trabalho suplementar em cada um dos dias em que este foi prestado.

A Constituição da República Portuguesa preceitua que “Todos os trabalhadores têm direito ao repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal (art. 59), e que a integridade moral e física das pessoas é inviolável (art. 25, nº1), que todos têm direito à protecção da saúde (art. 64, nº1) e que todos têm direito a um ambiente de vida humana sádio e ecologicamente equilibrado (art. 66, nº1).

Estamos, pois, perante direitos fundamentais, porque figuram entre os direitos, liberdades e garantias (capítulo I, título II DA Parte I) ou porque são direitos fundamentais de natureza análoga (art. 17), de natureza social (capítulo II do título III).

E é indiscutível que o direito ao repouso, à tranquilidade e ao sono se inserem no direito à integridade física e a um ambiente de vida humana sádio e ecologicamente equilibrado, integrando o direito à saúde e à qualidade de vida.

Por sua vez, nos termos do disposto no art. 70, nº1 do C Civil, a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça à sua personalidade física ou moral, e nos termos do art. 14 e sgs. do CT são salvaguardados os direitos de personalidade dos trabalhadores, nos quais se incluem o direito ao repouso diário, ao limite máximo da jornada de trabalho e ao descanso semanal.

In casu, é patente que os limites diários e semanais da jornada de trabalho foram desrespeitados reiteradamente pela empregadora, sem que esta lograsse demonstrar qualquer das situações excepcionais previstas na lei que legitimem essa prática em cada um dos dias em que aqueles limites foram ultrapassados, pelo que há violação por esta de direitos e garantias do trabalhador.

Invoca o Autor ainda outro fundamento para a resolução e que se traduz no facto da Ré, entidade patronal, ter desatendido o seu pedido de alteração das folgas para o sábado e domingo, ao invés das que lhe foram concedidas (ao domingo e 2ª feira) de modo a poder estar como o seu filho menor de 12 anos de idade.

O direito dos trabalhadores à conciliação da actividade profissional com a vida familiar tem guarida constitucional, estando contemplado no art. 59, nº1, b) da CRP.

Assim, e para concretização de tal princípio constitucional, o Código do Trabalho prevê vários instrumentos, nomeadamente e no que aqui pode interessar, o regime de horário flexível e o trabalho a tempo parcial.

Dispõe o art. 56 do CT que o trabalhador com filho menor de 12 anos de idade, que com ele viva em regime de comunhão de mesa e habitação, tem direito a trabalhar em regime de horário flexível, entendendo-se por horário flexível “aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário”.

A este propósito Maria do Rosário Palma Ramalho (Direito do Trabalho, Parte II – situações laborais individuais, 3ª ed.) refere que “se o trabalhador pretender exercer esse direito, é ainda ao empregador que cabe fixar o horário de trabalho (art. 56º, nº3 corpo), mas deve fazê-lo dentro dos parâmetros fixados pela lei (art. 56º, nº3, alíneas a), b) e c) e nº4 (...)”.

Acresce que o horário de um trabalhador não pode ficar apenas subordinado a interesses particulares deste, por muito relevantes e respeitosos que sejam, havendo ainda que ponderar e conciliar os interesses do colectivo dos trabalhadores e os da própria organização económica onde o trabalhador está inserido.

Por seu turno, no horário a tempo parcial, salvo acordo em contrário, o período normal de trabalho corresponde a metade do praticado a tempo completo numa situação comparável (art. 55, nº3 do CT).

O acesso a qualquer destes regimes requer, segundo o art. 57 do CT, que o trabalhador o solicite à entidade empregadora, observando-se as formalidades previstas nesta norma.

Ora, e desde logo, no caso vertente não se vislumbra que o trabalhador tenha solicitado qualquer um destes instrumentos de apoio à parentalidade.

O que o mesmo pretende configura-se, outrossim, a alteração do seu horário de trabalho, fixando-se as folgas ao fim de semana.

É ao empregador que cabe estabelecer o horário de trabalho, inscrevendo-se esta atribuição no quadro dos poderes de direcção e organização do trabalho que a lei lhe reconhece no art. 97 do CT.

A Lei atribui ao empregador o direito de alterar, unilateralmente, o horário de trabalho de um seu trabalhador, apenas não o podendo fazer se este tiver resultado de acordo expresso em sede do contrato individual de trabalho (art. 217, nºs 1 e 4 do CT).

Assim, cabendo à entidade patronal definir o horário de trabalho, este apenas podia ser alterado, a pedido do trabalhador, se fosse logrado o acordo da entidade empregadora.

In casu, a Ré, no intuito de aproximação aos interesses do trabalhador, alterou, a pedido deste, as folgas que eram gozadas às 4º e 5ª feiras para o domingo e 2ª feira, indeferindo o pedido deste para que estas recaíssem exclusivamente aos fins de semana, ou seja, ao sábado e domingo. E fê-lo porque, laborando em serviço contínuo, sábados e domingo incluídos, havia que distribuir estes dias por todos os motoristas de modo a que possam ter tempo coincidente com as suas famílias, sendo que a substituição da 2ª feira pelo sábado como dia de folga do Autor implicava que algum colega deixasse de ter sábado ou domingo com a família (pontos 17 e 18 da matéria assente).

Assim, além da Ré não estar obrigada a alterar as folgas do Autor a seu pedido, acresce que a recusa está sustentada em motivos justificados que se prendem com a distribuição das folgas aos fins de semana por todos os trabalhadores da empresa.

Há, pois que concluir, contrariamente àquele que foi o entendimento da 1ª instância, que esta actuação da Ré não se mostra ilícita.

Já quanto à alteração do horário de trabalho do Autor a que alude o ponto 22, que tinha um horário rotativo, para o turno da noite, merece reparo.

Com efeito, na cl. 6ª do contrato de trabalho as partes convencionaram: “O trabalho terá a duração semanal correspondente aos trabalhadores do mesmo sector de actividade, sendo actualmente de 40 horas semanais, com horário móvel, obrigando-se o Segundo Outorgante (Trabalhador) a cumprir todas as regras de funcionamento dos tacógrafos instalados nos autocarros que lhe forem distribuídos para trabalhar”.

Resulta assim que foi fixado contratualmente um horário móvel, que não pode deixar de se reportar ao regime de horário rotativo que vigorava na Ré, a que o Autor e os demais colegas estavam afectos e que este último vinha cumprindo. Assim, estando este horário individualmente acordado, estava vidado à Ré alterá-lo para um horário fixo, afectando-o apenas ao turno da noite.

Esta conduta é, pois, ilícita.

Vejamos agora se a mesma configura ainda um caso de assédio moral, como pretende o Autor.

A figura do “mobbing” só foi consagrada com o Código do Trabalho de 2003 que no seu art. 24, nº2 definia o assédio moral como “todo o comportamento indesejado relacionado com um dos factores indicados no nº1 do artigo anterior, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de afectar a dignidade da pessoa ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.”

Como refere Júlio Gomes (Direito do Trabalho, vol.I, 2007, pág. 428) “O mobbing ou assédio moral ou ainda, como por vezes se designa, terrorismo psicológico, caracteriza-se por três factores: a prática de determinados comportamentos, a sua duração e as consequências destes”, sendo usual associar-se à figura a intencionalidade da conduta persecutória, o seu carácter repetitivo e a verificação de consequências na saúde física e psíquica do trabalhador e no próprio emprego, que se pode manifestar numa baixa de produtividade e, quiçá, no abandono.
Ainda de acordo com este Autor (ob. citada, pág. 431), é possível distinguir em função da motivação da conduta, duas modalidades de assédio moral:
- O assédio emocional/psicológico (decorrente, por exemplo, de animosidade, antipatia, inveja, desconfiança ou insegurança, em regra dirigido à obtenção de um efeito psicológico na vítima, desejado pelo assediante (animus nocendi);
- O assédio estratégico, merecedor de especial atenção e que se reconduz a uma técnica perversa de gestão, dirigida a objectivos estratégicos definidos, com frequência utilizada como meio para contornar as proibições de despedimento sem justa causa e, por outro lado, como instrumento de alteração das relações de poder no local de trabalho (por exemplo, com o fito de levar o trabalhador a aceitar condições laborais menos favoráveis) ou para implementar determinados padrões de cultura empresarial e/ou de disciplina.

O CT de 2009 manteve a figura do assédio, estabelecendo o seu art. 29, nº1 que :
“Entende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.”

Como realça a doutrina, uma abordagem ao preceito assente apenas no seu elemento literal revela-se demasiado abrangente, pelo que se impõe uma interpretação que delimite a sua esfera de aplicação.

Como acentua Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 17ª ed., 2014, pág. 173) “a definição do art. 29 não parece constituir o instrumento de diferenciação que é necessário, uma vez que “nela cabem, praticamente, todas as situações que o mau relacionamento entre chefes e empregados pode gerar.”

Adianta este Autor (ob. cit., pág. 174) que, tendo em conta o texto da lei e a jurisprudência, é possível identificar os seguintes traços estruturais da noção de assédio no trabalho:
a)- Um comportamento (não um acto isolado) indesejado, por representar incómodo injusto ou mesmo prejuízo para a vítima (...);
b)- Uma intenção imediata de, com esse comportamento, exercer pressão moral sobre o outro (...);
c)- Um objectivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável, consistente na obtenção de um efeito psicológico na vítima, desejado pelo assediante (...)”.

Atentas estas considerações vejamos agora se a conduta da empregadora, ao alterar o horário de trabalho do Autor, afectando-o apenas ao turno da noite e não a um horário rotativo, como até ali, integra assédio moral.

A nossa resposta – adianta-se – é afirmativa.

Com interesse para apreciar esta questão mostram-se provados os seguintes factos:
24.– Entre o dia 15 de Junho de 2017 e o dia 29 de Julho de 2017, o Autor passou a prestar a sua actividade, exclusivamente, no turno da noite, que se inicia em regra  entre as 16h30 e as 17 horas, e termina à 1 ou 2 horas do dia seguinte (art. 18º da
p.i.).
25.– No seio da empresa este horário é entendido pelos trabalhadores, quando não solicitado expressamente pelos mesmos, como um horário a que estão sujeitos os trabalhadores que estão de “castigo” (art. 19º da p.i. – resposta explicativa).
26.– É prática da Ré, sempre que algum trabalhador ao seu serviço não acate ordens, passar a trabalhar exclusivamente no turno da noite, até que a Ré altere o horário novamente (art. 20º da p.i.).
33.– A colocação do Autor no horário nocturno gerou comentários de alguns dos seus colegas que diziam: “ainda estás de castigo”, “para durar tanto tempo é porque fizeste algo muito grave” (art. 32º da p.i.).
34.– O Autor ficou perturbado e entrou de “baixa médica” desde o dia 31 de Julho de
2017 (art. 36º da p.i. em parte).

O comportamento da Ré, ao alterar unilateralmente o horário de trabalho do Autor, colocando-o exclusivamente a cumprir o turno da noite, consabidamente mais penoso, é ilícito, como vimos, sendo que aquela o assume sempre que algum trabalhador ao seu serviço não acata ordens.

Este comportamento foi determinado pelo facto do Autor, sendo-lhe negada a alteração da sua folga para o sábado e domingo, comunicou ao seu superior hierárquico que não iria mais prestar trabalho suplementar e nos dias de folga, surgindo assim como “punição” pela posição assumida pelo trabalhador, tanto mais que não podia ignorar que, com a afectação do Autor exclusivamente a este horário, iria coloca-lo numa situação mais gravosa em relação ao cumprimento das suas responsabilidades parentais, mormente no que toca à possibilidade de privar com o menor durante a semana, possibilidade esta que estava prevista no acordo de regulação do poder paternal (o Autor encontrava-se divorciado da mãe do menor), uma vez que quando este saísse da escola o Autor teria de iniciar o seu trabalho.

Este comportamento ocorreu entre o dia 15.6.2017 e 29.7.2017, originando comentários vexatórios por parte dos seus colegas de trabalho, causando-lhe perturbação que determinou a sua entrada de “baixa médica” desde o dia 31.7.2017.

E não se diga que este horário foi distribuído ao Autor unicamente pelo facto de este se recusar a efectuar trabalho suplementar., sendo que no turno da noite este não ocorria. É que já vimos que o recurso ao trabalho suplementar, nos termos em que estava implementado na Ré, de forma reiterada, constituía uma prática ilícita, pelo que a continuidade da mesma não pode justificar a necessidade de alteração do horário de trabalho do Autor.

Mostram-se assim verificados os requisitos do assédio moral, uma vez que ocorre um comportamento ilícito da Ré, indesejado, tomado em consequência de reivindicação feita pelo trabalhador, com intenção de “castiga-lo”, que lhe causou perturbação e humilhação perante os colegas.

Verifica-se assim a violação ilícita e culposa por banda da Ré de garantias legais e convencionais do Autor, relativas à protecção do horário individual acordado, às condições de prestação de trabalho suplementar e ao direito à respectiva integridade física e moral que, apreciadas globalmente pela gravidade que assumem integram justa causa de resolução do contrato. Com efeito, mostra-se inexigível a um trabalhador médio, colocado na posição real do Autor, que mantenha a sua relação laboral, tanto mais que, contrariamente ao que sucede com o empregador, e perante um incumprimento contratual, o trabalhador não dispõe de um leque de sanções a aplicar, restando-lhe apenas a resolução do contrato.
Improcede, pois, a apelação da Ré.

IV–DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a sentença recorrida, ainda que fundamentação algo diversa.

Custas pela Apelante


Lisboa, 23 de Outubro de 2019

                                                      
Filomena Manso                                                     
Duro Mateus Cardoso                                                     
Albertina Pereira