Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5634/2008-7
Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO
Descritores: CONTRATO DE ADESÃO
CLÁUSULA SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL
EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/17/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I- As cláusulas limitativas de responsabilidade não podem revestir uma abrangência tal que acabem por esvaziar, na prática, o direito fundamental do consumidor à reparação dos danos, protegido constitucionalmente pelo artº 60º, nº 1, da Constituição da República
II- Basta que o predisponente inclua no contrato de adesão uma cláusula em que se exclua ou limite a sua responsabilidade, sem ressalva dos casos de dolo ou culpa grave, para a mesma se encontrar necessariamente ferida de nulidade, independentemente de tal corresponder, ou não, ao caso concreto em análise.
III- A obrigação de indemnizar, no âmbito da responsabilidade contratual, não depende da expressão pecuniária referente ao preço da prestação exigido pela faltosa e satisfeito pela cumpridora, nem do eventual desequilíbrio entre este e o montante indemnizatório devido.
IV - Havendo lugar ao integral ressarcimento dos prejuízos que resultaram para a A. da não adjudicação da sua proposta, fica reposta a situação que existiria se não houvesse incumprimento contratual, não fazendo sentido, neste pressuposto, que a Ré tenha que arcar com o custo das despesas – necessárias para a sua apresentação a concurso – que, sempre e forçosamente, correriam por conta daquela.
(LES)
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa ( 7ª Secção ).

I – RELATÓRIO.
Intentou M…., Lda., com sede…, a presente acção declarativa de condenação com processo ordinário, contra T…, SA, com sede…., pedindo a condenação da ré a pagar à autora a quantia de € 32.912,19 (trinta e dois mil, novecentos e doze euros e dezanove cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros até ao efectivo e integral pagamento, e € 50.000,00 (cinquenta mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros até ao efectivo e integral pagamento.
Alegou essencialmente que, no dia 16 de Fevereiro de 2004, celebrou com a ré um contrato de transporte para efectuar o envio e entrega de uma carta de porte, de Lisboa para o Funchal, que continha a proposta elaborada pela autora no âmbito de um concurso público, cujas propostas tinham de ser apresentadas até ao dia 19 de Fevereiro de 2004, tendo-se a ré obrigado a entregá-la no destinatário até ao dia 17 de Fevereiro de 2004. No dia 2 de Março de 2004, a autora recebeu uma comunicação do destinatário da proposta, procedendo à sua devolução, por ter sido recebida fora do prazo estipulado.
 Pelo facto da proposta não ter sido entregue atempadamente, sofreu danos pelos quais deve ser indemnizada.
Regularmente citada, veio a ré contestar, alegando essencialmente que admite o atraso na entrega da referida carta, sendo que seguiu criteriosamente todas as diligências para o evitar e não tinha conhecimento que se tratava de uma proposta para concurso público e respectivo prazo de entrega, bem como os danos alegados pela autora. A sua responsabilidade encontrava-se, de qualquer forma, limitada nos termos das cláusulas contratuais firmadas entre as partes. 
Em sede de réplica a A. pugnou pela posição afirmada na p.i..
Procedeu-se ao saneamento dos autos conforme fls. fls. 176 a 182.
Realizou-se audiência de julgamento, tendo sido proferida a decisão de facto de fls. 338 a 340.
Foi proferida sentença que julgou a presente acção parcialmente procedente, condenando-se a Ré a pagar à A. uma indemnização por danos patrimoniais no montante de € 22.762,00 (vinte e dois mil, setecentos e sessenta e dois euros), e por danos não patrimoniais no montante de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), ambas acrescidas de juros de mora à taxa legal 4%, desde a data da citação, até integral e efectivo pagamento.
Apresentou a Ré recurso desta decisão, o qual foi admitido como de apelação ( cfr. fls. 419 ).
Juntas as competentes alegações, a fls. 422 a 457, formulou a Ré. apelante as seguintes conclusões :
1º - Na presente demanda, veio a A. reclamar da ora recorrente o pagamento da quantia de € 32.912,19, a título de danos patrimoniais sofridos com o atraso na entrega da mercadoria, e da quantia de € 50.000,00, a título de danos morais.
2º -  O Tribunal a quo decidiu condenar a ora recorrente no valor de € 22.762,00, a título de danos patrimoniais e € 7.500,00, referente a danos não patrimoniais.
3º - O montante correspondente aos lucros cessantes correspondia exclusivamente à margem de lucro da A. sobre determinados fornecimentos de bens que só seriam por esta efectuados caso os mesmos lhe fossem adjudicados por concurso público, o que, ao contrário do pretendido pelo Tribunal a quo, não era certamente seguro.
4º - A A. não era titular de nenhum direito, na medida em que, para isso acontecer, a sua proposta teria que ter sido a escolhida pela entidade adjudicante.
5º - Nos termos e para os efeitos do artº 563º, do Cod. Civil, sob a epígrafe – nexo de causalidade - , “ a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. “.
6º - No presente caso, não se pode admitir a existência de nexo de causalidade entre a suposta lesão e o tipo de dano alegado, não sendo devidos quaisquer lucros cessantes. 
7º - Conforme se pode comprovar pelo Programa do Concurso Público, o critério de adjudicação adoptado foi o da proposta economicamente mais vantajosa e não a do preço mais baixo, nada indicando que a proposta da Medijope seria a adjudicada.
8º - Não existe nexo de causalidade entre o pretenso cumprimento defeituoso e os alegados danos sofridos pela A., requisito essencial para determinar a verificação da obrigação de indemnizar.
9º - A A. não era titular de qualquer direito ao fornecimento dos produtos ao Serviço Regional da Saúde, EPE, da Região Autónoma da Madeira já que nunca poderia demonstrar que a adjudicação ( parcial ) do contrato administrativo a seu favor teria lugar e que, consequentemente, teria direito aos eventuais lucros provenientes para si de tal contratação.
10º - A adjudicação dos concursos públicos não depende de uma lógica de adjudicação sucessiva porque assim estes não respeitariam a sua função de prossecução do interesse público, nem teriam razão de ser.
11º - Não havendo previsibilidade, não existe causalidade adequada entre o facto e o dano pelo que não igualmente bem o tribunal a quo quando condenou a ora recorrente a indemnizar a A. no montante de € 2.500,00, alegadamente dispendida com a elaboração da proposta.
12º - Sempre seria absolutamente inconciliável o ressarcimento cumulativo dos alegados lucros cessantes e dos montantes supostamente despendidos com a elaboração da proposta.
13º - Não se vislumbra quaisquer danos não patrimoniais susceptíveis de resultar para a A. no atraso da entrega da mercadoria, na medida em que a apresentação a concurso público depende somente da iniciativa económica do recorrente.
14º - Não existe nexo de causalidade entre a actuação da recorrente e os danos alegados pela A., condição sine qua non do instituto da responsabilidade civil, pelo que deve ser julgado procedente por provado o presente recurso, revogando-se a sentença recorrida.
15º - Ainda que alguma responsabilidade pudesse ser assacada à Ré, esta teria sempre de ser atendida de acordo com os limites estabelecidos nos termos e condições gerais de transporte da recorrente no que concerne a atrasos nas entregas.
16º - A T… não agiu com dolo ou culpa grave na execução do contrato de transporte pois o atraso da mercadoria deveu-se a factores externos à T… que esta não pode controlar em absoluto, sendo a limitação da responsabilidade válida, não contrariando o espírito da alínea c), do artº 18º, do Decreto-lei nº 446/85, de 25 de Outubro.
17º - É desadequado e desproporcional que a Ré, por um serviço de transporte pelo qual cobra a quantia de € 19,19 seja responsabilizada por lucros cessantes no montante global de € 30.262,00.
18º - Pesando a mercadoria um quilograma, a indemnização devida pela Ré à A., para o caso de atraso na mercadoria, nunca seria superior a € 10,00, pelo que deve ser revogada a sentença recorrida.
19º - A M… ao contratar o transporte não informou a Ré que a mercadoria era constituída por uma proposta elaborada pela A., no âmbito do Concurso Público Comunitário nº C CP 200 40008, de aquisição de material de hemodinâmica, do Serviço Regional de Saúde, EPE, da Região Autónoma da Madeira.
20º - Se a A. tivesse informado a ora recorrente que a mercadoria era constituída por uma proposta com data limite de entrega, ter-lhe-ia aconselhado contratar um serviço de transporte seguro. É com o intuito de excluir por completo qualquer tipo de risco, que a T… aconselha os seus clientes a celebrar serviços de transporte específicos, adequados às características de cada mercadoria.
21º - Não estão preenchidos os pressupostos da aplicação do instituto da responsabilidade civil, pelo que a sentença recorrida ao julgar parcialmente procedente a acção, enferma de manifestos erros de julgamento, tendo violado o dispsto nos artsº 562º, 563º, 496º, do Cod. Civil, artº 18º, alínea c), do Decreto-lei nº 446/85, de 25 de Outubro e artigo 5º, do Decreto-lei nº 321/89, de 25 de Setembro ( alterado pelo Decreto-lei nº 279/95, de 26 de Outubro ).
A apelada apresentou resposta, pugnando pela improcedência do recurso.
 
II – FACTOS PROVADOS.
            Encontra-se provado nos autos que :
A autora, anteriormente designada M…, Lda., tem por objecto a importação, representação e comercialização de produtos, nomeadamente, armazenagem e venda de produtos de medicina técnica, biotecnológicos, procedimentos de diagnóstico, aparelhos médicos e equipamentos médico-hospitalares – (A).
No dia 16 de Fevereiro de 2004, no exercício da sua actividade comercial, a autora celebrou com a ré um contrato de transporte para efectuar o envio e entrega de uma carta de porte, de Lisboa para o Funchal – (B).
As propostas para o concurso referido no artigo 1º da base instrutória tinham de ser apresentadas na Secretaria da Área Económica do Serviço Regional de Saúde, E.P.E., até às 16.00 horas do dia 19 de Fevereiro de 2004 – (C)
A autora celebrou com a ré um contrato de distribuição expresso, denominado “ G… ”, que garantia a entrega do objecto ao destinatário no dia seguinte à recolha – (D).
À carta de porte foi atribuída a referência 790395609 – (E).
A proposta para concurso chegou ao destino no dia 26 de Fevereiro de 2004 – (F).
A autora deu conta da ocorrência ao Departamento de Reclamações da ré, apresentando reclamação por carta registada com aviso de recepção, datada de 8 de Março de 2004 – (G).
O Programa de Concurso Público em causa nos autos é o que consta de folhas 28 e seguintes dos autos – (H).
A proposta elaborada pela autora era parcial, dizendo respeito às posições 1 (Manifold 2 vias), 2 (Válvula Anti-Retorno), 3 (Seringa Injecção Manual Contraste 10 cc), 4 (Seringa para Injector Medrad 150 ml), 5 (Tabuleiro Est. de Cateterismo Cardíaco), 9 (Guias Teflonadas Pontas Rectas em “J”), 16 (Prolongador Alta Pressão M/F LL 1200 PSI 120 CM) e 18 (Stents Montados Metálicos de vários tamanhos) – (I).
Foram estabelecidos como preços unitários os seguintes valores: Posição 1 – € 6,00; Posição 2 - € 5,50; Posição 3 – € 9,00; Posição 4 – € 8,00; Posição 5 – € 80,00; Posição 9 – € 7,50; Posição 16 – € 3,00 e Posição 18 – € 800,00 – (J).
De acordo com o relatório final do júri do concurso, a compra dos produtos foi adjudicada pelos seguintes valores unitários: Posição 1 – € 3,83; Posição 2 - € 7,00; Posição 3 - € 4,14; Posição 4 - € 9,08; Posição 5 - € 61,00; Posição 9 - € 7,00; Posição 16 – € 2,30 e Posição 18 – € 1.000,00 – (L).
Foi adjudicada a compra de 20 unidades dos produtos que ocupavam a segunda posição, 150 unidades dos que ocupavam a quarta posição e 125 unidades dos que ocupavam a décima oitava posição – (M).
O envio postal da proposta custou à autora € 19,19 (dezanove euros e dezanove cêntimos) – (N).
A ré é uma sociedade comercial que tem por objecto, entre outros, o exercício da actividade de transporte de mercadorias em território nacional – (O).
Da carta de porte consta que se trata de transporte de “documentos” – (P)
Os termos e condições que regulam o contrato de transporte celebrado entre autora e ré encontram-se a folhas 120 e seguintes dos autos – (Q).
As cláusulas contratuais encontram-se pré-estabelecidas e estão transcritas no verso do talão pré-formulado que titula o contrato transporte – (R).
A autora limitou-se a aceitar as cláusulas contratuais – (S).
Em 9 de Março de 2004 a ré creditou a favor da autora o valor do serviço prestado – (T)
Tendo emitido em 15 de Março de 2004 a nota de crédito n.º 666476, no valor de € 19,19 (dezanove euros e dezanove euros) – (U).
A referida carta continha a proposta elaborada pela autora no âmbito do Concurso Público Comunitário n.º CCP200 40008, de aquisição de material de hemodinâmica, do Serviço Regional de Saúde, E.P.E., da Região Autónoma da Madeira – (1º).
No dia 2 de Março de 2004, a autora foi confrontada com a comunicação do destinatário da proposta, a entidade adjudicante, nos termos da qual procedia à devolução da proposta enviada, uma vez que a mesma havia sido recepcionada, fora do prazo estipulado para o efeito – (3º).
A autora enviou ainda um fax e outra carta registada com aviso de recepção à ré, salientando o facto de não ter obtido qualquer justificação para ocorrido, bem como, dando conta da sua intenção de ser ressarcida dos danos sofridos em virtude do incumprimento do contrato – (5º).
A autora não obteve, até à presente data, qualquer explicação para o sucedido nem qualquer resposta da ré relativamente à reclamação apresentada – (6º).
A ré sabia que o prazo de entrega era um elemento essencial do contrato, sem o qual este não teria sido celebrado – (7º).
Os produtos referentes às primeiras sete posições eram de origem inglesa e da ultima de origem alemã – (8º)
Todos os produtos apresentavam uma elevada qualidade, devidamente comprovada pelos certificados identificados na proposta – (9º).
Se a proposta tivesse sido tempestivamente apresentada teriam sido adjudicadas à autora pelo menos as compras dos produtos qualificados nas posições 2, 4 e 18 – (10º).
A autora tem nesses produtos uma margem de lucro de 20% do valor apresentado – (11º).
A entidade adjudicante procede à abertura de concurso público para aquisição deste tipo de produtos todos os anos – (12º).
Em virtude da qualidade, adequação e preço dos produtos apresentados a concurso pela autora, as referidas vendas têm vindo a ser adjudicadas anualmente à autora, desde o ano 2000 – (13º).
A elaboração da proposta em causa implicou quatro dias de trabalho de uma funcionária administrativa, de uma funcionária financeira e de um gerente/consultor – (14º).
Os quatro dias de trabalho daqueles três funcionários da autora ascendem, pelo menos, ao valor de € 2.500 (dois mil e quinhentos euros) – (15º).
A entrega tardia da proposta foi do conhecimento generalizado no sector de actividade da autora – (16º).
A entrega tardia da proposta prejudicou a imagem, prestigio e reputação da autora junto do Serviço Nacional de Saúde, E.P.E. – (17º).
A entrega tardia da proposta prejudicou a imagem, prestígio e reputação da autora junto dos seus outros clientes e fornecedores – (18º).
A ré desconhecia que se tratava de uma entrega de proposta para concurso público – (19º).
Aquando da celebração do contrato a autora tinha pleno conhecimento das cláusulas contratuais – (20º).

III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.
São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar :
1- Limitação de responsabilidade da Ré, prevista nos termos e condições gerais do contrato de transporte. Aplicação do regime previsto na Lei das Cláusulas Contratuais Gerais.
2- Nexo de causalidade entre o atraso na entrega da carta de porte e a perda da margem de lucro nos fornecimentos que seriam assegurados à A. pela adjudicação da sua proposta - devolvida por intempestiva.
3 – Alegada desproporcionalidade entre a indemnização atribuída à A. e o custo do serviço contratado à Ré.
4 – Ausência de informação, pela A. à Ré, quanto à importância do cumprimento do prazo de entrega.
5 – Acumulação, a título indemnizatório, do ressarcimento dos lucros cessantes com os montantes despendidos pela A. na elaboração da proposta a concurso.
6 – Danos não patrimoniais.
Passemos à sua análise :
1- Limitação de responsabilidade da Ré, prevista nos termos e condições gerais do contrato de transporte. Aplicação do regime previsto na Lei das Cláusulas Contratuais Gerais.
Invoca a recorrente que, sendo-lhe assacada alguma responsabilidade, esta teria sempre de ser atendida de acordo com os limites estabelecidos nos termos e condições gerais de transporte da recorrente no que concerne a atrasos nas entregas, uma vez que a T… não agiu com dolo ou culpa grave na execução do contrato de transporte, devendo-se o atraso da mercadoria a factores externos que não podia controlar em absoluto e sendo a limitação da responsabilidade válida, não contrariando o espírito da alínea c), do artº 18º, do Decreto-lei nº 446/85, de 25 de Outubro.
Apreciando :
Não subsistem dúvidas de que nos encontramos aqui perante um contrato de transporte aéreo nacional, revestindo a natureza dum contrato de adesão[1], que se encontra, nessa medida, sujeito ao regime consignado no Decreto-lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-lei nº 220/95, de 31 de Agosto e pelo Decreto-lei nº 249/99, de 7 de Julho[2].
Invoca a Ré uma série de cláusulas limitativas da sua responsabilidade – por si prévia e unilateralmente elaboradas, em termos inflexíveis e totalmente tipificados, à disposição do sim ou não do aderente - que afastam, no seu entender, a “ responsabilidade por perdas ou danos consequencias especiais, incluindo nomeadamente danos futuros, lucros cessantes, perdas de mercados, perda de utilização do conteúdo da mercadoria, perda de oportunidade negocial, ou outras perdas indirectas que resultem de atraso ou entrega mal efectuada ou extravio da mercadoria “[3].
Cumpre agora apreciar da sua validade jurídica.
Diga-se, desde logo, que as cláusulas limitativas de responsabilidade não podem revestir uma abrangência tal que acabem por esvaziar, na prática, o direito fundamental do consumidor à reparação dos danos, protegido constitucionalmente pelo artº 60º, nº 1, da Constituição da República[4].
O mesmo se aplica em relação às cláusulas cujo funcionamento determine a atribuição de indemnização em montante ridículo, meramente simbólico[5], em confronto com os danos sofridos pela lesada[6].
Por outro lado,
A aplicação do artº 809º, do Cod. Civil[7], proíbe a convenção donde resulte a irresponsabilidade da devedora, tornando o incumprimento sem consequências sancionatórias[8].
 Constitui objecto de ampla controvérsia doutrinária a questão de saber se esta disposição legal  impedirá, igualmente, a estipulação de cláusulas meramente limitativas da responsabilidade[9].
Na situação sub judice
Está directamente em apreciação a invocada nulidade das cláusulas contratuais limitativas de responsabilidade constantes do contrato, em consequência da cominação prevista na alínea c), do artº 18º e artº 12º, do Decreto-lei nº 446/85, de 25 de Outubro[10].
Sustenta precisamente a apelante que, pelo facto de não haver agido com dolo ou culpa grave – únicas situações previstas na norma -, ter-se-á por válida a limitação de responsabilidade estabelecida no contrato, excluindo-se, desta forma, o dever de indemnizar quanto ao pedido de condenação em lucros cessantes.
Esta defesa apresentada pela Ré não pode ser acolhida.
O que constitui objecto do controlo rigoroso exigido pela disposição legal em referência é a própria cláusula em si e não a sua invocação face a um determinado quadro factual.
Isto é,
Basta que o predisponente inclua no contrato de adesão uma cláusula em que se exclua ou limite a sua responsabilidade, sem ressalva dos casos de dolo ou culpa grave, para a mesma se encontrar necessariamente ferida de nulidade, independentemente de tal corresponder, ou não, ao caso concreto em análise[11].
Conforme é salientado por Joaquim de Sousa Ribeiro in “ Responsabilidade e Garantia em Cláusulas Contratuais Gerais “, pags. 26 a 28 : “ …o juízo acerca da validade da cláusula exoneratória depende apenas do seu conteúdo, dos pressupostos de irresponsabilização nela previamente definidos, não ficando condicionado pela forma de imputação do facto lesivo no caso decidendo. “[12].
Quaisquer das cláusulas invocadas pela Ré no sentido de limitar a sua responsabilidade encontram-se efectivamente feridas de nulidade dado que, na sua formulação abstracta, podem, à partida, abranger situações de culpa grave[13] por parte da predisponente no cumprimento defeituoso da sua prestação, à luz do estabelecido na alínea c), do artº 18º, do Decreto-lei nº 446/85, de 25 de Outubro[14].
Sem prejuízo do referido supra,
Sempre se dirá que se encontra absolutamente demonstrada, in casu, a culpa grave  no incumprimento da prestação pela transportadora.
Vejamos:
A Ré celebrou com a A. um contrato de transporte com distribuição postal, denominado “ G…”, que garantia, segundo o expedidor, a entrega do objecto ao destinatário no dia seguinte à recolha.
Ou seja, a particularidade deste serviço consistia especificamente na celeridade imprimida à entrega da missiva, através da fixação dum prazo certo e improrrogável: esta chegaria às mãos do destinatário no dia imediato ao supra indicado[15].
Acontece que a carta porte objecto do negócio chegou ao ser destino dez dias após a citada entrega.
Esta circunstância configura manifestamente uma situação de incumprimento do contrato por parte da Ré, uma vez que a sua conduta não logrou obter o resultado negocial[16] a que se havia vinculado[17].
Trata-se dum atraso clamoroso, que aniquila as finalidades prometidas e prosseguidas por este serviço, contrariando frontalmente os objectivos e interesses específicos de quem a ele recorreu.
Presumindo-se a natureza culposa do incumprimento (artº 799º, do Cod. Civil), assiste, de qualquer forma, ao devedor a faculdade de, expondo factos, elidir essa presunção, através da subsequente prova, cujo ónus lhe incumbe.
Face à não realização da prestação devida, competia à Ré justificar esta ocorrência através da demonstração dos motivos de força maior, imprevisíveis e incontroláveis, impeditivos do pontual cumprimento e reveladores da sua empenhada diligência na satisfação do interesse contratual da contraparte.
Acontece que
A Ré nada provou que justificasse tal dilação, sendo certo que sabia que o prazo de entrega era um elemento essencial do contrato, sem o qual este não teria sido celebrado.
Na contestação apresentada, a Ré limitou-se a alegar, em termos genéricos e conclusivos, que “ …esta actividade implica a deslocação de mercadorias pelos mais variados locais e o seu manuseamento por inúmeras pessoas, incluindo funcionários totalmente alheios à R., comportando múltiplos riscos que, apesar de todos os esforços envidados da Ré para os minimizar são impossíveis de eliminar por completo,… ( sendo certo que ) seguiu criteriosamente as suas melhores práticas, esforços e diligências para evitar  que tal atraso se verificasse. “[18].
Isto é,
A A. recorreu a um serviço específico, que garantia a entrega da missiva no prazo máximo de 24 horas; a Ré publicitou-o[19] e fez-se pagar pelo mesmo, comprometendo-se ao cumprimento do citado prazo ; a carta de porte em causa, em vez de ter sido entregue no prazo acordado, chegou ao destino dez dias depois; a Ré, admitindo o atraso, nada alegou, em concreto, que o justificasse[20].   
Daqui só pode resultar que, como se afirmou supra, a Ré agiu efectivamente com culpa grave[21] no incumprimento contratual em que incorreu[22].
Por todos estes motivos,
a cláusula em referência ter-se-á – conforme o decidido pelo Tribunal a quo – que considerar nula, por violação do disposto no artº 18º, alínea c), e nos termos do artº 12º, do Decreto-lei nº 446/85, de 25 de Outubro.
2- Nexo de causalidade entre o atraso na entrega da carta de porte e a perda da margem de lucro nos fornecimentos que seriam assegurados à A. pela adjudicação da sua proposta - devolvida por intempestiva.
Alega a recorrente que o montante correspondente aos lucros cessantes reporta-se exclusivamente à margem de lucro da A. nos fornecimentos de bens, que só seriam por esta efectuados caso os mesmos lhe fossem adjudicados por concurso público, o que não era seguro, nada indicando que a proposta da M… seria a preferida.
Não existe, portanto, nexo de causalidade entre o pretenso cumprimento defeituoso e os alegados danos sofridos pela A., requisito essencial para determinar a verificação da obrigação de indemnizar.
Apreciando :
Encontra-se assente como provado que :
Se a proposta em causa tivesse sido tempestivamente apresentada, teriam sido adjudicadas à autora, pelo menos, as compras dos produtos qualificados nas posições 2, 4 e 18 –, tendo esta, quanto a esses produtos, uma margem de lucro de 20% do valor apresentado –.
Esta factualidade, dada como demonstrada[23], é por si só suficiente para o estabelecimento do indispensável nexo de causalidade entre a entrega tardia da encomenda e a não adjudicação da proposta enviada a concurso público.
Foi efectivamente dado como provado que, desde que a proposta da A. tivesse dado entrada junto da destinatária dentro do prazo fixado no concurso, a entidade competente teria deliberado no sentido da adjudicação a seu favor de determinados fornecimentos, a que corresponderia a atribuição comercial duma margem de lucro.
Cai, assim, pela base toda a argumentação expendida pela Ré quanto à afirmação da falta de nexo de causalidade entre a entrega tardia da carta de porte e a não adjudicação da proposta da A., com todas as consequências jurídicas associadas[24].
3 – Alegada desproporcionalidade entre a indemnização atribuída à A. e o custo do serviço contratado à Ré.
Alega a apelante que é desadequado e desproporcional que a Ré, por um serviço de transporte pelo qual cobra a quantia de € 19,19 seja responsabilizada por lucros cessantes no montante global de € 30.262,00.
Apreciando :
A obrigação de indemnizar, no âmbito da responsabilidade contratual, não depende da expressão pecuniária referente ao preço da prestação exigido pela faltosa e satisfeito pela cumpridora, nem do eventual desequilíbrio entre este e o montante indemnizatório devido.
O artº 798º, do Cod. Civil, estabelece que o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor, sem que se condicione tal responsabilidade à equiparação, ou sequer ponderação, entre o valor da contrapartida satisfeita pelo lesado e o montante dos danos cobertos pelo dever de indemnizar[25].
Acrescente-se, a propósito, que
a excessiva onerosidade para o devedor prevista no 566º, nº 1, “ in fine “, do Cod. Civil, refere-se diferentemente a situações de manifesta desproporção entre o interesse do lesado, que importa recompor, e o custo da reparação natural para o responsável[26].
Na situação sub judice a reconstituição que se exige – dar à A. tudo aquilo que perdeu em consequência da ostensiva ineficiência dos serviços da Ré, que falharam rotundamente no cumprimento do resultado negocial assegurado à contraparte – nada tem que ver com o preço fixado no contrato, sendo em qualquer circunstância realizada através duma prestação de carácter pecuniário. 
Improcede a apelação neste ponto.
4 – Ausência de informação, pela A. à Ré, quanto à importância do cumprimento do prazo de entrega.
Alega a recorrente que a M…, ao contratar o transporte, não informou a Ré que a mercadoria era constituída por uma proposta elaborada pela A., no âmbito do Concurso Público Comunitário nº C CP 200 40008, de aquisição de material de hemodinâmica, do Serviço Regional de Saúde, EPE, da Região Autónoma da Madeira.
Se a A. tivesse informado a ora recorrente que a mercadoria era constituída por uma proposta com data limite de entrega, ter-lhe-ia aconselhado contratar um serviço de transporte seguro. É com o intuito de excluir por completo qualquer tipo de risco, que a TNT aconselha os seus clientes a celebrar serviços de transporte específicos, adequados às características de cada mercadoria.
Apreciando :
Não impendia sobre a A. o dever contratual – principal ou acessório - de informar a Ré acerca da especial importância do cumprimento do prazo de entrega acordado[27].
A relevância do factor urgência na entrega já resultava directamente da natureza do serviço proposto pela Ré,[28] a que a A. confiadamente aderiu – o qual garantia a entrega do objecto ao destinatário no dia seguinte à recolha.
A circunstância de existir outra modalidade de prestação a cargo da Ré, rodeada de garantias superiores à presente, não prejudica a natureza igualmente urgente deste serviço, uma vez que esta opção do utente significava, por si só, em termos razoáveis, que se encontrava especialmente interessado na satisfação do seu pedido naquele tempo útil – 24 horas – e não passados dez dias.
Não pode logicamente a Ré pretender ilibar-se de responsabilidade pela má prestação deste seu serviço - cujos termos prometidos foram nitidamente desrespeitados - com o argumento de que dispunha dum outro, ainda melhor e menos falível, que não foi usado e poderia tê-lo sido.
Improcede, igualmente, a apelação neste particular.
5 – Acumulação, a título indemnizatório, do ressarcimento dos lucros cessantes com os montantes despendidos pela A. na elaboração da proposta a concurso.
Alega a apelante que é absolutamente inconciliável o ressarcimento cumulativo dos alegados lucros cessantes e dos montantes despendidos com a elaboração da proposta.
Apreciando :
O Tribunal a quo condenou a Ré no pagamento à A. da quantia devida a título de lucros cessantes - resultante do facto da sua proposta não ter ganho o concurso a que se destinava -, cumulativamente as despesas suportadas pela concorrente com a respectiva elaboração.
Entendemos que assiste efectivamente razão, neste ponto, à apelante.
Com efeito,
Havendo lugar ao integral ressarcimento dos prejuízos que resultaram para a A. da não adjudicação da sua proposta, fica reposta a situação que existiria se não houvesse incumprimento contratual[29].
Não faz assim sentido, neste pressuposto, que a Ré tenha que arcar com o custo das despesas – necessárias para a sua apresentação a concurso – que, sempre e forçosamente, correriam por conta da A.[30].
Sendo a A. indemnizada quanto aos montantes que deixou de auferir com a intempestividade da apresentação da sua proposta a concurso, não há fundamento para o ressarcimento dos custos – que lhe competia suportar em virtude da sua iniciativa contratual – uma vez que estes acabam, assim, por não constituir uma verdadeira e efectiva diminuição patrimonial[31].
A A. gastou aquela verba para poder vir a beneficiar dos lucros resultantes da adjudicação da proposta; tendo a Ré que cobrir, coercivamente, o montante total correspondente a tais lucros, a quantia pecuniária despendida integra-se no exercício corrente da actividade comercial desenvolvida pela proponente, não consubstanciando qualquer prejuízo desta.
Procede a apelação neste ponto.
6 – Danos não patrimoniais.
Sustenta a recorrente que não há quaisquer danos não patrimoniais resultantes para a A. do atraso da entrega da mercadoria, na medida em que a apresentação a concurso público depende somente da iniciativa económica do recorrida.
Apreciando :
Encontra-se provado, a este propósito, que :
A entrega tardia da proposta foi do conhecimento generalizado no sector de actividade da autora e prejudicou a imagem, prestigio e reputação da autora junto do Serviço Nacional de Saúde, E.P.E. e junto dos seus outros clientes e fornecedores.
Vejamos :
A obrigação de indemnizar definida na sentença recorrida assenta em responsabilidade contratual.
Encontra-se maioritariamente aceite, quer na jurisprudência, quer na doutrina, a atribuição do direito indemnizatório por danos de natureza não patrimonial no âmbito da responsabilidade meramente contratual, verificados que se encontrem os requisitos gerais enunciados no artº 496º, nº 1, do Cod. Civil[32].
Foi dada como provada a afectação da imagem, prestigio e reputação da autora junto do Serviço Nacional de Saúde, E.P.E. e junto dos seus outros clientes e fornecedores, em consequência da entrega tardia da proposta[33].
Tal resultou, directa e causalmente, do incumprimento culposo (grave) do contrato de transporte pela Ré.
Tais danos são indemnizáveis nos termos gerais do artº 496º, nº 1, do Cod. Civil[34].
A verba fixada pelo Tribunal a quo é equilibrada.
Improcede a apelação neste tocante.

IV - DECISÃO :
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, alterando-se a sentença recorrida, condenando-se a Ré a pagar ao A. o montante de € 27.762,00 ( vinte e sete mil, setecentos e sessenta e dois euros ), acrescido de juros de mora, desde a data da citação até ao efectivo e integral pagamento, à taxa legal, e absolvendo-se na parte sobrante.
Custas pela apelante e pela apelada na proporção do decaimento.

Lisboa, 17 de Julho de 2008.
        
 
( Luís Espírito Santo ).                                                    

( Isabel Salgado ). 

( Roque Nogueira ).

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[1] Sobre este ponto, vide Prof. António Menezes Cordeiro, in “ Manual de Direito Comercial “, Volume I, pags. 532 a 533.
[2] Sobre os fundamentos, contexto e natureza dos contratos de adesão, vide o interessante acórdão da Relação de Lisboa de 11 de Junho de 1992 ( relator Luís Fonseca ), publicado in Colectânea de Jurisprudência, Ano XVII, tomo III, pags. 201 a 202.
[3] Vide cláusulas 11. alínea d), 11.4, 12.2,  dos “ Termos e Condições “ junto a fls. 120 a 130.
[4] Neste mesmo sentido, vide acórdão do Tribunal Constitucional nº 152/90, de 3 de Maio de 1990 ( relator Bravo Serra ), publicado in www.tribunalconstitucional.pt., onde se salienta que resulta da Lei Fundamental que os consumidores têm direito à reparação de danos, pelo que cláusulas de limitação dessa reparação, de tal sorte que impeçam a ressarcibilidade de toda uma categoria de danos podem assumir, em determinados casos, ofensa de ordem pública, se grosseiramente violarem o direito àquela reparação, designadamente no domínio de prestações por empresas que por escopo têm o fornecimento de serviços e tendo em vista um particular ( de notar, não obstante, que a norma legal em causa não se encontrava sujeita ao DL 446/85, de 25 de Outubro, por força da ressalva contida na alínea a), do seu nº 3 ).. Sobre este mesmo ponto, vide António Pinto Monteiro, in “ Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil “, pags. 328 a 332, onde se conclui pela inadmissibilidade de cláusulas de exoneração de responsabilidade, por razões de ordem pública social, tendo em conta o postulado – legal e constitucional – de protecção do consumidor.  
[5] Vide Almeida e Costa, in “ Direito das Obrigações “, pag. 538.
[6] Como acontece, no caso concreto, com a cláusula 11.4, do acordo junto a fls. 120 a 130, avocada pela Ré, donde resulta o montante indemnizatório de € 10,00 ( dez euros ) – artº 99º, da contestação.
[7] Refere-se o preceito à impossibilidade legal da renúncia antecipada ao : direito ao ressarcimento de todos os prejuízos emergentes do incumprimento culposo ( artsº 798, 801º, nº 4 e 804º ) ; direito a beneficiar da presunção do incumprimento culposo do devedor ( artº 799º, nº 1 ) ; direito à resolução do contrato sinalagmático por virtude do incumprimento ilícito do outro contraente ( artº 801º, nº 2 ) ; direito à redução ou à resolução no contrato sinalagmático, no caso de se verificar inexecução ilícita parcial ( artº 802º ) ; direito a reclamar indemnização do devedor quando o não cumprimento seja devido a acto do seu representante legal ou a acto de terceiro por ele utilizado na satisfação da prestação ( artº 800º, nº 1 ) ; direito ao “ commodum “ de representação ( artº 803º ) ; e direito a que, estando o devedor em mora, seja ele a suportar o risco pela perda fortuita da prestação ( artº 807º ).
[8] Em comentário ao acórdão da Relação de Lisboa de 6 de Abril de 1989 ( relator Costa Raposo ), publicado in Colectânea de Jurisprudência, Ano XIV, tomo II, pags. 124 a 127, enfatiza o Prof. António Menezes Cordeiro, in “ Manual de Direito Comercial “, Volume I, pag. 421, a possibilidade de, por via jurisprudencial e com base dos princípios gerais, ser suprida, neste domínio, a eventual ausência dum diploma sobre cláusulas contratuais gerais.
[9] Sobre esta matéria vide Prof. Inocêncio Galvão Telles, in “ Direito das Obrigações “, pags. 423 a 437, onde se salienta que o que é inadmissível é a estipulação de cláusulas de irresponsabilidade, que retiram toda a força coerciva à obrigação jurídica ; António Pinto Monteiro, in “ Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil “, pag. 245, referindo o autor que não se justifica a nulidade das cláusulas de exclusão e limitação da responsabilidade por simples culpa leve, excepto se a sua invalidade se justificar, no caso concreto, em atenção aos princípios gerais de controlo da liberdade contratual : boa fé, ordem pública, bons costumes, proibição de negócios usurários, etc. ; acórdão da Relação do Porto de 21 de Setembro de 1992 ( relator Azevedo Ramos ), publicado in Colectânea de Jurisprudência, Ano XVII, tomo IV, pags. 237 a 240 ; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Maio de 1996 ( relator Sousa Inês ), publicado in BMJ nº 457, pags. 325 a 340. Em sentido oposto, vide Prof. Antunes Varela, em anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Novembro de 1985 ( relator Campos Costa ), publicada na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 124º, nº 3803, pag. 49 ; Prof. Pessoa Jorge, in “ A Limitação Convencional da Responsabilidade Civil “, publicado in BMJ nº 281, pags. 5 a 32, onde se refere que : “ Estamos convencidos de que a solução irrealista e pouco sensata da lei, ao proibir em termos categóricos e absolutos os pactos de limitação de responsabilidade, irá sendo corrigida pelo bom senso e pelo sentido das necessidades económicas e sociais, de que a jurisprudência se há-de fazer eco. Mas, não obstante esta esperança, temos de partir do princípio de que, em face da nova lei civil, as cláusulas de exclusão ou limitação da responsabilidade são nulas “.
[10] Onde se estabelece que: “ São em absoluto proibidas, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que : ( … ) Excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por não cumprimento definitivo, mora ou cumprimento defeituoso, em caso de dolo ou culpa grave “.
[11] Cumpre atentar em que se trata de cláusulas absolutamente proibidas, que podem inclusivamente ser objecto de acções inibitórias, nos termos dos artº 24º a 34º, do Decreto-lei nº 446/85, de 25 de Outubro. A sua simples presença no contrato obriga ao seu forçoso afastamento (vide Menezes Cordeiro, in “ Manual de Direito Comercial “, Volume I, pag. 418).
[12] Precisamente no mesmo sentido, vide Almeno de Sá, in “ Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas “, pags. 218 a 230, onde se salienta que : “ …a valoração haverá de fazer-se tendo como referente, não o contrato singular ou as circunstâncias do caso, mas o tipo de negócio em causa e os elementos que normativamente o caracterizam, no interior do todo do regulamento contratual genericamente predisposto. (… ) Não interessa, assim, neste contexto, o modo de utilização da cláusula em concreto, pois o que está fundamentalmente em causa são os interesses que normalmente estão presentes no campo dos destinatários potenciais da regulação abstracta predisposta. ( … ) Tarefa do julgador é a de, pura e simplesmente, declarar válida ou inválida determinada cláusula, com a consequente aplicação do direito dispositivo aplicável, em caso de opção pela invalidade, e não a de ajustar os termos do contrato, em ordem a definir ex novo um próprio e autónomo arranjo negocial. “.
[13] Das alíneas c) e d), do artº 18º, da LCCG, retira António Pinto Monteiro apoio legal, de índole sistemático, para concluir pela justificação, a fortiori, da validade de princípio da cláusula de exclusão de responsabilidade por simples culpa leve, em contratos negociados ( artº 809º, do Cod. Civil ) – vide “ Contratos de Adesão : O Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais, instituído pelo Decreto-lei nº 446/85, de 25 de Outubro “, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 46, pags. 733 a 769. Contra esta posição, vide Luís Menezes Leitão, in “ Direito das Obrigações “, Volume II, pags. 277 a 279 ; Antunes Varela, in “ Das Obrigações em Geral “, Volume II, pags. 128 a 131, onde salienta que “ esses direitos ( os referenciados no artº 809º, do Cod. Civil ) constituem a armadura irredutível do direito de crédito, neles residindo a força intrínseca da juridicidade do vínculo obrigacional. “ ; ainda neste sentido, vide Ana Prata, in “ Cláusulas de Exclusão e Limitação da Responsabilidade Contratual “, pag. 572, onde refere : “  a regra proibitiva do artº 809º vale qualquer que seja a gravidade da culpa do devedor inadimplente e a sua justificação encontra-se na própria natureza jurídica da obrigação. “.
[14] Na cláusula 11ª, alínea c), do documento junto a fls. 120 a 130, apenas se ressalva a “ acção ou omissão dolosa da T…  ou dos seus agentes no exercício das respectivas funções. “.
[15] As brochuras juntas pela Ré ( documentos de fls. 256 a 257 e 273 a 284 ) são elucidativas ao consignarem G… – Entrega no dia seguinte à recolha, em quase todos os destinos da Europa. ( … ) Inclui entrega porta-a-porta. “.
[16] Trata-se duma obrigação de resultado e não de meios. Sobre este ponto, vide Almeida e Costa, ob. cit. supra, pag. 733.
[17] Cfr. artº 762º, nº 1, do Cod. Civil.
[18] Cfr. artsº 4º a 6º, da contestação, onde, no fundo, a Ré nada explica a respeito das razões que teriam estado na base do atraso na entrega da carta de porte da A..
[19] Os termos utilizados são categóricos : “ somos o mais rápido e fiável operador de transportes expresso “ ( fls. 256 ) ; “ As nossas equipas de profissionais são especialistas em entregas seguras, garantidas e fiáveis, mesmo nos lugares mais inóspitos e com as encomendas mais difíceis – quer sejam muito grandes, valiosas ou sensíveis, ou mesmo perigosas. Desde transportar um baleia, até entregar documentos em mão, tudo é possível. Para garantir uma resposta rápida e eficaz, a T…dispõe de uma equipa especializada em serviços “ por medida “ que, apoiada por uma estrutura com muitos anos de experiência, está disponível 24 horas por dia, 365 dias por ano. “ ( fls. 256/verso ).
[20] Não havendo inclusive respondido à reclamação apresentada pelo utente.
[21] Sobre este ponto, vide interessante acórdão da Relação de Lisboa de 14 de Março de 1996 (relator TorresVeiga), publicado in Colectânea de Jurisprudência Ano XXI, tomo II, pags. 81 a 84, onde se conclui ser possível, por permitida, a convencionada irresponsabilização por culpa leve – na área da responsabilidade contratual –, mas absolutamente proibida a isenção de responsabilidade derivada de dolo ou culpa grave.
[22] A prestação deste serviço impõe, enquanto pressuposto para a concessão da respectiva licença, que a Ré disponha de meios técnicos e humanos adequados ao cumprimento dos requisitos essenciais (alínea b), do artº 7º,  e alíneas b) e c), do artº 18,  do Decreto-Lei nº 150/2001, de 7 de Maio, na redacção que lhes foi conferida pelo Decreto-lei nº 116/2003, de 12 de Junho).
[23] Que não foi, enquanto tal, objecto de impugnação pela recorrente.
[24] As considerações doutrinárias e jurisprudenciais, profusamente referenciadas pela recorrente, só seriam relevantes caso não tivesse ficado assente – com ficou -, a factualidade que configura precisamente o questionado nexo de causalidade.
[25] Inclusivamente o incumprimento dum contrato gratuito pode, como é óbvio, gerar a obrigação de indemnizar.
[26] Vide Pires de Lima e Antunes Varela, in “ Código Civil Anotado “, Volume I, pag. 582.
[27] A Ré não refere qual o fundamento legal desta exigência, nem a sua justificação prática, mormente atendendo à enorme fiabilidade e segurança que anunciava, com profusão e generalidade, para todas e cada uma das modalidades dos serviços que oferecia.
[28] Que deverá razoavelmente presumir a importância da entrega rápida, seja do que for, na perspectiva e no interesse do utente que adere ao “ G… “.
[29] Isto é, se não tivesse existido atraso na entrega da carta de porte.
[30] A condenação da Ré, nestas circunstâncias, no pagamento dos denominados danos emergentes só seria possível se as despesas em apreço tivessem sido imputadas no apuramento da verba devida a título de lucros cessantes, diminuindo o seu valor em correspondência.
[31] Faria sentido o ressarcimento dessas despesas se, por hipótese, não fosse possível estabelecer o nexo de causalidade entre a entrega tardia da proposta e a sua não adjudicação no concurso, soçobrando, nesse pressuposto, a obrigação de indemnizar em relação aos lucros cessantes.
[32] Por todos, vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Novembro de 1998, (relator Garcia Marques), publicado in Colectânea de Jurisprudência/STJ, Ano VI, tomo III, pags. 124 a 130 ; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Maio de 2001 (relator Quirino Soares), publicado in Colectânea de Jurisprudência/STJ, Ano IX, tomo II, pags. 71 a 75 ; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Novembro de 1997 (relator Machado Soares), publicado na Colectânea de Jurisprudência/STJ, Ano VII, tomo III, pags. 140 a 143 ; o acórdão da Relação do Porto de 5 de Fevereiro de 2001 (relator Mário Cruz), publicado in Colectânea de Jurisprudência, Ano XXVI, tomo I, pags. 205 a 208 ; Prof. Mário Júlio Almeida Costa, in “ Direito das Obrigações “, pag. 396; Prof. Inocêncio Galvão Telles, in “ Direito das Obrigações “, pag. 383.
[33] Outrossim neste ponto a recorrente não impugnou a decisão de facto.
[34] Relativamente à susceptibilidade duma pessoa colectiva ser titular dum direito indemnizatório por danos de natureza não patrimonial, vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Novembro de 1998 (relator Garcia Marques), publicado in Colectânea de Jurisprudência/STJ, Ano VI, tomo III, pags. 124 a 130, onde se conclui que tais danos não se reportam, obviamente, a dores físicas ou morais, mas à perda de prestígio ou reputação.