Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
29811/15.0T8LSB.L1-1
Relator: JOÃO RAMOS DE SOUSA
Descritores: CONTRATO DE TRANSPORTE AÉREO
RESPONSABILIDADE CIVIL
BAGAGEM
DANOS
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/17/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1.O transporte de passageiros e bagagens em aeronave rege-se pela Convenção de Montreal, aprovada pelo Decreto 39/2002, de 27 de Novembro.

2.O regime legal de indemnização por atrasos no transporte de passageiros e extravio de bagagens consagrado na Convenção inclui danos patrimoniais e não patrimoniais.

3.A responsabilidade da transportadora aérea por todos os danos, está atualmente limitada a 4.150 direitos de saque especiais (passageiros) e 1.131 direitos de saque especiais (bagagens) como resulta dos arts. 24.1, 22.1, 22.2, 53.5 e 53.8. da referida Convenção.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


O Tribunal de Instância Local, Secção Cível (Lisboa), J14 da Comarca de Lisboa condenou a TAP, Transportes Aéreos Portugueses, S.A. (ré, recorrida) a pagar a Maria ... ... da ... e José dos ... ... (autores, recorrentes) um total de €2.820,00 (€1.410,00 a cada autor), acrescida de juros legais desde a data da citação, na ação por estes intentada; absolveu a ré do pedido remanescente. 
Os autores recorreram, pedindo a revogação da sentença, condenando-se a ré na indemnização de €5.100,00 a cada autor, conforme pedido. A ré impugnou a sentença a título subsidiário, pedindo que se julgue improcedente o recurso e se absolva a ré do pedido.
Dispensados os vistos, cumpre decidir se é de confirmar ou alterar a sentença, conforme solicitado pelos autores e pela ré.

Fundamentos

Factos

Provaram-se os seguintes factos, apurados pelo Tribunal a quo:

1. Os Autores são casados entre si.
2. No ano de 2015, os Autores decidiram fazer um cruzeiro de 7 dias pelas ilhas Caribbean, USA.
3. Para o efeito adquiriram, por intermédio de uma agência de viagens que contrataram para os representar no tratamento de tudo o que necessitavam para viajar, as respectivas passagens de avião à Ré, para se deslocarem do Porto a Miami USA para aí tomarem o navio que os levaria a fazer o referido cruzeiro.
4. Os Autores tinham reserva em dois voos da Ré, o TP nº 1929 Porto – Lisboa e o TP 229 Lisboa – Miami, ambos no dia 23.04.2015.
5. Nos termos acordados os Autores teriam que embarcar no voo (da Ré) TP 1929, do dia 23 de Abril de 2015, que sairia às 10.20 horas do aeroporto Francisco Sá Carneiro, Porto, e chegaria ao aeroporto de Lisboa às 11:10 horas.
6. No aeroporto de Lisboa tomariam o voo TP 0229 que sairia de Lisboa às 12:30 horas e chegaria a Miami Interntnl, FL às 16:55 horas.
7. Os Autores deslocaram-se para o aeroporto Francisco Sá Carneiro com duas horas de antecedência para estarem na porta de embarque às 10:05 horas.
8. Os Autores entraram para o avião que os transportaria ao aeroporto de Lisboa por volta das 10:06 horas.
9. O TP 1929, por razões não comunicadas pela Ré, atrasou e não levantou voo às 10:20 horas.
10. Por motivo desse atraso os Autores que deviam chegar ao aeroporto de Lisboa às 11:10 horas, para se apresentarem na porta de embarque às 11:30 horas para apanharem o voo TP 0229 com destino a Miami USA, chegaram às 12:10 horas.
11. Os Autores deslocaram-se para a porta de embarque para entrarem no avião TP 0229 e, apesar deste ainda se encontrar na pista, não lhes foi permitido o embarque por se apresentarem no local com mais de 30 minutos de atraso relativamente à hora fixada – 11:30 horas
12. Os Autores chamaram a atenção da funcionária que os atendeu e que não lhes permitiu a entrada para o voo TP 0229 para o facto de esse atraso decorrer de atraso de voo da TAP e de perderem o valor pago pela reserva do hotel, em Miami, para passarem a noite do dia 23 de Abril caso não lhes fosse permitido o embarque nesse voo.
13. Por motivo do referido atraso aos Autores não foi permitido o embarque no voo TP 0229, o que fez com que perdessem o voo operado pela Ré para Miami do dia 23 de Abril de 2015.
14. Os Autores solicitaram à funcionária que os atendeu informação sobre os procedimentos a adoptar de modo a não perder a viagem que organizaram.
15. A funcionária que os atendeu disse-lhes que fossem procurar o balcão da TAP, no interior do aeroporto.
16. Os Autores dirigiram-se ao balcão da TAP e comunicaram o atraso do voo TP 1929 e a perda do voo TP 0229, e informaram que já tinham pago o Hotel onde iriam ficar (em Miami) antes e depois da viagem de cruzeiro às ilhas Caribbean que iriam realizar e que tinham que entrar no navio no dia 25 de Abril, pelas 14.30 horas, e que se não fosse dada solução ao caso perdiam o interesse na viagem.
17. A TAP informou os Autores que tendo em conta as circunstâncias a única solução que tinha para lhes apresentar, para não perderem o navio onde teriam de entrar até às 14:30 horas do dia 25 de Abril, era a de viajarem nesse mesmo dia, à tarde, em voo da TAP para Madrid, ali pernoitando e, no dia seguinte (24-04) embarcarem num voo da American Airlines para Miami onde chegariam no dia 24- 04-2015, ao fim do dia.
18. E que esse voo com destino a Madrid sairia do aeroporto de Lisboa às 16:10 horas e que deveriam estar na porta de embarque às 15:30 horas.
19. Os Autores para não perderem a possibilidade de fazerem o cruzeiro aceitaram esta solução e seguiram para Madrid no voo TP1016.
20. Chegados a Madrid, por volta das 17: 35 horas, os Autores procuraram as respectivas bagagens e não as encontraram.
21. Nessas bagagens, além do vestuário e calçado, eram transportados os medicamentos da Autora e que esta toma diariamente por ser hipertensa e diabética e por sofrer da doença de Parkinson.
22. Preocupados com a falta das bagagens os Autores solicitaram a funcionários da TAP, no aeroporto de Madrid, informações sobre o seu paradeiro salientando que no interior de uma se encontravam medicamentos que a Autora devia obrigatoriamente tomar.
23. A Autora Maria ... devido aos referidos contratempos começou a sentir-se mal, trémula e com sensação de desmaio e foi encaminhada, por funcionário da TAP em Madrid, para um consultório médico no interior do aeroporto, a fim de lhe ser prestada assistência médica e medicamentosa.
24. O médico que a assistiu solicitou à Autora documento que certificasse as doenças de que referiu padecer.
25. A Autora não tinha consigo documento que o certificasse e telefonou à filha, que exerce medicina em Portugal, que por seu turno diligenciou pela colaboração da médica que assiste a Autora e que por telefone prestou as informações necessárias ao clínico Espanhol.
26. Após esse contacto e algumas contrariedades entre os dois médicos sobre as dosagens dos medicamentos (dado as dosagens dos medicamentos Espanhóis não corresponderem às dosagens dos medicamentos vendidos em Portugal), a Autora foi medicada.
27. Na posse da receita emitida pelo clínico Espanhol o Autor deslocou-se a uma farmácia e adquiriu os medicamentos que a Autora tinha de tomar.
28. Seguidamente os Autores foram conduzidos a um Hotel, pago pela Ré, onde pernoitaram.
29. Devido ao desaparecimento das suas bagagens os Autores não possuíam roupa íntima para trocar a que traziam, e não possuíam qualquer outra roupa, nem os produtos de higiene que se encontravam no interior daquelas.
30. No dia seguinte pela manhã, com as mesmas roupas e calçado do dia anterior, os Autores deslocaram-se para o aeroporto de Madrid para embarcar no voo da “AMÉRICA AIRLINES”.
31. Antes de embarcar no voo que os levaria a Miami os Autores procuram saber junto do balcão da América Airlines se as suas bagagens tinham aparecido.
32. Nesse balcão e quando fizeram o Chek-in os Autores foram informados por funcionários da América Airlines que não existiam bagagens em nome deles.
33. Ao chegarem ao aeroporto de Miami, na noite do dia 24-04-2015, os Autores constataram que as suas bagagens não se encontravam no local de levantamento.
34. Os Autores deslocaram-se ao balcão da American Airlines para tentar saber onde se encontravam as suas malas de viagem, sem êxito.
35. Os Autores deslocaram-se ainda ao balcão da TAP mas este já se encontrava encerrado.
36. Os Autores solicitaram ajuda ao motorista do hotel, que os aguardava no exterior, para os ajudar a encontrar as suas malas.
37. Acedendo ao pedido dos Autores o aludido motorista deslocou-se com aqueles ao interior do aeroporto e no balcão da América Airlines solicitou informações sobre as bagagens.
38. O referido balcão informou que as bagagens dos Autores não foram transportadas no voo da América Airlines.
39. A American Airlines criou no sistema universal “World Tracer” (sistema global de rastreamento de bagagem) um processo de perda de bagagem dos Autores.
40. Os Autores viram-se forçados a instalar-se no hotel sem roupas, sem calçado e sem os seus produtos de higiene pessoal.
41. No dia 25 de Abril de 2015, pela manhã, os Autores solicitaram a ajuda da funcionária da agência que lhes tratou da viagem, Juliana, que falava fluentemente o inglês, para averiguar o paradeiro das suas bagagens.
42. A sobredita funcionária disse aos Autores que as respectivas bagagens não tinham sido localizadas no aeroporto de Miami e que deveriam comprar algumas peças de vestuário.
43. Quando se encontravam a fazer compras os Autores receberam um telefonema da aludida Juliana que lhes disse que deviam deslocar-se para o aeroporto de Miami pois tinha sido informada que as suas malas já tinham sido localizadas.
44. No dia 25 de Abril de 2015 os Autores deslocaram-se ao aeroporto de Miami para procurarem as respectivas bagagens.
45. No aeroporto de Miami os Autores foram informados que as suas bagagens não haviam sido localizadas.
46. Dada a proximidade da hora do embarque no cruzeiro os Autores foram directamente do aeroporto para o local onde se encontrava atracado o navio.
47. Os Autores entraram no navio para fazerem a viagem de cruzeiro com início no dia 25 de Abril de 2015 e fim no dia 2 de Maio de 2015.
48. Durante o cruzeiro os Autores tentaram obter notícias, junto da funcionária da agência, Juliana, sobre o paradeiro das suas bagagens.
49. A sobredita funcionária referiu aos Autores que as suas malas seriam entregues ainda durante o cruzeiro, o que não aconteceu.
50. Após o cruzeiro os Autores deslocaram-se novamente ao aeroporto de Miami para saberem das suas bagagens e estas ainda não haviam sido localizadas.
51. Entre os dias 7/8 de Maio/2015 os Autores foram informados por Juliana que as suas bagagens tinham aparecido e que se encontravam no aeroporto de Miami.
52. Os Autores deslocaram-se ao aeroporto de Miami e verificaram que as suas malas aí se encontravam encostadas a uma parede.
53. Os Autores pegaram nas malas e dirigiram-se ao balcão da TAP para aí apresentarem reclamação.
54. Nesse balcão foram informados que deviam apresentar reclamação junto da TAP em Lisboa.
55. Os Autores regressaram a Portugal no dia 10 de Maio de 2015.
56. À chegada os Autores apresentaram uma reclamação junto do Balcão da TAP, SA.
57. Os Autores subscreveram e remeteram à Ré a correspondência datada de 15.05.2015, cuja cópia se mostra inserta a fls. 18v e 19, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
58. Os Autores não foram contactados pela Ré.
59. Os Autores programaram a mencionada viagem, que combinaram fazer com amigos, com antecedência e fizeram planos para que tudo corresse com normalidade.
60. Por essa razão solicitaram a uma agência de viagens para, em sua representação, tratar da compra dos bilhetes de avião, dos hotéis em que ficariam instalados e de tudo o que fosse necessário para poderem fazer o cruzeiro às ilhas Caribbean.
61. Os Autores sofreram aflição e incómodos com o atraso do voo que os transportou do Porto a Lisboa, com a perda do voo que os transportaria no dia 23-04-2015 de Lisboa a Miami, e com o facto de terem de pernoitar em Madrid e não no hotel que tinham reservado e por apenas terem chegado ao destino (Miami) no dia 24-04-2015 à noite.
62. Até à data da propositura da acção a Ré não forneceu aos Autores uma explicação e/ou justificação para o sucedido e não se propôs compensá-los.
63. Os Autores sofreram incómodo, ansiedade e angústia pelo desconhecimento do paradeiro das suas bagagens.
64. Os Autores sofreram mau estar físico por terem pernoitado em Madrid, no dia 23-04-2015, sem roupas para trocar e sem os seus produtos de higiene.
65. Os Autores sentiram perturbação por se verem privados de bens indispensáveis no lugar de férias distante do domicílio e sentiram- se desanimados pela perda de tempo decorrente das diversas diligências que encetaram para encontrar as bagagens e para substituir parte dos seus bens por outros que tiveram que adquirir.
66. A Autora viu-se privada da sua medicação, o que lhe provocou mau estar físico e psíquico e o que determinou que fosse assistida por um médico no aeroporto de Madrid.
67. A Autora viu-se obrigada a comprar medicamentos para substituir os que se encontravam no interior da sua bagagem.
68. O Autor sentiu-se angustiado por ver o estado de saúde debilitado da sua mulher temendo que, por força disso, a viagem tivesse que ser cancelada.
69. Por se tratar de um cruzeiro os Autores adquiriram vestuário e calçado para usarem nessa viagem e prepararam com detalhe as roupas que vestiriam e o calçado que usariam, nomeadamente nos salões de bailes.
70. O facto de os Autores entrarem no navio sem os seus pertences e de terem sido obrigados a comprar algum vestuário e calçado de inferior quantidade e qualidade relativamente ao que transportavam nas suas bagagens fez com que se sentissem envergonhados e inferiores relativamente aos demais passageiros.
71. Os Autores despenderam dinheiro com a compra de vestuário, de calçado e de produtos de higiene e beleza, e não fizeram outros gastos que pretendiam, designadamente prendas/lembranças para a família, o que lhes causou tristeza.
72. Os Autores gostam de dançar e durante a estadia no navio não o puderam fazer como desejavam para não surgirem diante dos outros com o mesmo vestuário e calçado, o que lhes causou desgosto e tristeza.
73. Não foi dada resposta à reclamação apresentada pelos Autores junto do Balcão da TAP.


Factos não provados

Com interesse para a decisão a proferir não resultou demonstrada qualquer outra matéria, nomeadamente que:

A)-No dia em que chegaram a Madrid os Autores procuraram, no exterior do aeroporto, um estabelecimento comercial onde pudessem adquirir vestuário, peças íntimas para usarem no dia seguinte, produtos de higiene pessoal, sem êxito.
B)-A Ré recebeu a correspondência cuja cópia se mostra inserta a fls. 18v e 19.
C)-As bagagens dos Autores seguiram no voo da Ré para Madrid e foram posteriormente entregues à American Airlines.

Análise jurídica

Considerações do Tribunal recorrido

O Tribunal a quo fundamentou-se, em resumo, nas seguintes considerações:

A responsabilidade civil do transportador aéreo internacional de passageiros emerge de um contrato de transporte aéreo, que implica para o transportador a obrigação de transportar o passageiro (e sua bagagem) de um determinado ponto de partida até ao seu destino final, são e salvo e no tempo acordado.

No atraso de bagagem relevante é o momento em que a bagagem é disponibilizada ao passageiro, independentemente de ter havido ou não atraso na execução do transporte aéreo.

A execução do transporte aéreo no tempo acordado é elemento essencial do respectivo contrato e o atraso traduz uma violação contratual, por cumprimento defeituoso do que foi contratado com o passageiro, gerando, consequentemente, responsabilidade civil do transportador aéreo.

De acordo com as convenções internacionais e o direito da UE, as transportadoras são responsáveis pelos passageiros e pela respectiva bagagem.

Em 28 de Maio de 1999, foi aprovada, em Montreal, uma Convenção para a Unificação de certas Regras relativas ao Transporte Aéreo Internacional que estabelece regras mundiais relativas à responsabilidade em caso de acidente de transporte aéreo internacional e à responsabilidade da transportadora em relação aos passageiros e à respectiva bagagem.

No plano comunitário, as disposições pertinentes da Convenção de Montreal sobre o transporte aéreo de bagagem foram recebidas e transpostas pelo Regulamento (CE) nº 2027/97, revisto pelo Regulamento (CE) nº 889/2002.

No plano interno, o governo Português aprovou a Convenção para a Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional (Convenção de Montreal), através do Decreto nº 39/2002 de 27 de Novembro.

A Convenção de Montreal estabelece um enquadramento jurídico actualizado e uniforme para reger a responsabilidade das companhias aéreas pelos danos causados aos passageiros, à bagagem e à carga nas viagens internacionais.

A sobredita Convenção prevê um regime de responsabilidade ilimitada em caso de morte ou de lesões corporais dos passageiros dos transportes aéreos e um regime de responsabilidade limitada por atrasos no transporte de pessoas, bagagens e mercadorias (cfr. artigos 21 e 22).

A existência de limites de responsabilidade uniformes para a perda, os danos ou a destruição da bagagem e para os prejuízos causados pelos atrasos, aplicáveis a todas as viagens efectuadas por transportadoras comunitárias, garante o estabelecimento de regras simples e claras para os passageiros e para as companhias aéreas e permite que os passageiros reconheçam a necessidade de fazerem ou não um seguro complementar.

Prescreve o artigo 19 da Convenção de Montreal “a transportadora é responsável pelo dano resultante de atraso no transporte aéreo de passageiros, bagagens ou mercadorias. Não obstante, a transportadora não será responsável pelo dano resultante de atraso se provar que ela ou os seus trabalhadores ou agentes adoptaram todas as medidas que poderiam razoavelmente ser exigidas para evitar o dano ou que lhes era impossível adoptar tais medidas”.

Para que exista obrigação de indemnizar é condição essencial que haja um dano.


Os Autores sofreram incómodo, ansiedade e angústia pelo desconhecimento do paradeiro das suas bagagens e sofreram mau estar físico por terem pernoitado em Madrid sem roupas para trocar e sem os seus produtos de higiene.


Os limites da responsabilidade das transportadoras aéreas ao abrigo da Convenção de Montreal foram objecto de revisão, nos anos 2009 e 2014, pela Organização da Aviação Civil Internacional (OACI) em função de um factor de inflação que corresponde à taxa acumulada de inflação desde a data da entrada em vigor da Convenção de Montreal.

Por efeito de tal revisão, no que respeita ao transporte de bagagem, em caso de atraso na sua entrega a responsabilidade da transportadora passou a estar limitada a 1131 direitos de saque especiais por passageiro (cfr. http://www.icao.int/ - site da Organização Internacional da Aviação Civil e http://cec.consumidor.pt/ - Site do Centro Europeu do Consumidor).

Posto que, o limite máximo da responsabilidade pela bagagem registada, estabelecido na Convenção de Montreal, passou a ser de 1.131DSE.

No caso concreto, considerando o conspecto factual apurado, inexiste declaração especial de interesse (efectuada pelos Autores na altura do registo das bagagens) na entrega no destino, pelo que não há lugar ao pagamento de montante complementar de indemnização.

No que se refere à bagagem, considerando o quadro legal aplicável (Convenção de Montreal) a responsabilidade da transportadora comunitária (Ré - TAP) mostra-se sujeita a um limite universal de 1131 direitos de saque especiais.

Como previsto na Convenção de Montreal este limite apenas não se aplica se os passageiros tiverem feito uma declaração especial na altura do registo das bagagens, indicando um interesse especial na sua entrega no destino (o que no caso não se verifica).

O Direito de Saque Especial, ou DSE, é uma unidade monetária internacional definida pelo Fundo Monetário Internacional (cfr. artigo 23, nº 1) e que corresponde actualmente (cfr. publicação no site do Banco de Portugal relativa à taxa de câmbio do Direito de Saque Especial do Fundo Monetário Internacional e por referência à data da prolação da sentença) a 1,24669 (cfr. https://www.bportugal.pt/pt- PT/Estatisticas/Dominios%20Estatisticos/Esta-tisticasCambiais/Paginas/Txcambi oDSE.aspx).

Importa ainda considerar que, como se decidiu no Acórdão do TJUE de 06.05.2010 (caso Walz v Clickair), no que respeita ao âmbito do limite de indemnização estabelecido no artigo 22, nº 2 da Convenção de Montreal, este abrange os danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes, “inter alia”, da perda de bagagem registada.


Tal acórdão constitui um marco importante na jurisprudência comunitária no sentido de os danos a ressarcir por atraso no âmbito do sistema de responsabilidade civil do transportador aéreo internacional de passageiros, estabelecido pela Convenção de Montreal, abarcarem quer os danos patrimoniais, quer os danos morais (sendo que anteriormente a jurisprudência em sede de atraso no transporte aéreo era maioritariamente contrária à compensação como regra dos danos não patrimoniais).

No plano da jurisprudência nacional cita-se o douto Acórdão prolatado pela Relação de Lisboa, em 25.09.2014, que tem como relator o Exmo. Sr. Desembargador António Martins (consultável em www.dgsi.pt), onde se decidiu:

«O transporte de bagagens em aeronave a título oneroso rege-se pela Convenção de Montreal, aprovada pelo Decreto 39/2002, de 27 de Novembro.

O regime legal de indemnização por extravio de bagagens consagrado na Convenção não distingue entre “danos relativos ao extravio da própria bagagem” ou “perda de bagagem”, sujeitos à indemnização e seu limite aí prevista, e “danos ocorridos na sequência do extravio da bagagem” ou “demais despesas”, não sujeitos a qualquer limitação.

A responsabilidade da transportadora aérea por todos os danos, na sequência de destruição, perda, avaria ou atraso de bagagens, está limitada a 1 000 direitos de saque especiais nos termos da referida Convenção, desde que o passageiro não tenha feito declaração especial de interesse na entrega no destino.

O termo «dano» utilizado na Convenção inclui tanto os danos materiais como os danos morais».

Assim, em jeito de síntese, a Convenção de Montreal foi aprovada pela União Europeia e materialmente recebida por esta, constituindo o seu sistema de responsabilidade civil do transportador aéreo por atraso parte integrante do ordenamento jurídico da União.

O regime de responsabilidade do transportador aéreo por atraso é regulado, quanto aos seus pressupostos e aos limites de indemnização, exclusivamente pela Convenção de Montreal.

A indemnização por atraso estabelecida pela Convenção de Montreal contempla todos os danos sofridos pelo passageiro, independentemente da sua natureza, abarcando os lucros cessantes e os danos morais.

A responsabilidade civil do transportador aéreo internacional de passageiros por atraso (incluindo o atraso de bagagem) é regulada pela Convenção de Montreal estabelecendo uma indemnização sujeita ao limite máximo de 1131 DSE [por efeito de revisão operada pela Organização da Aviação Civil Internacional (OACI)], actualizados, para o atraso de bagagens, por passageiro.
No caso, tomando em consideração o conspecto factual apurado, os incómodos, a tristeza e o sofrimento provocados aos Autores e a gravidade evidenciada pelos danos por si experimentados como consequência do (relevante) atraso verificado na entrega das suas bagagens (apenas após o final do cruzeiro e em momento próximo do seu regresso), deverá a indemnização a atribuir (a cada um dos Autores) fixar-se no seu limite máximo.

Flui do exposto que aos Autores assiste jus a uma indemnização no valor de € 1.410,00 (1131 DSE x 1,24669), cada (passageiro).

Pelo que a Ré se constituiu responsável pelo pagamento da quantia total de € 2.820,00.

Conclusões dos recorrente

A  isto, opõem os recorrentes as seguintes conclusões:

1)– Os AA. recorrem da douta sentença proferida nos autos acima identificados por, no seu entender e dada toda a matéria de facto dada como provada nos itens 1. a 33., 57., 61., 62., 64., 66., 67. e 68. (acima transcritos) da Fundamentação de facto, a mesma se mostrar omissa no que se refere à fixação do montante indemnizatório pelos danos (não patrimoniais) decorrentes do sucessivo atraso dos vôos que os deveriam ter transportado até Miami na hora prevista - 16:55 h do dia 23 de Abril de 2015 - o que, pelo contrário, só veio a ocorrer no dia 24 de Abril à noite, com todos os incómodos daí decorrentes, acima descritos e dados como provados na sentença ora recorrida.

2)–Com efeito, o valor indemnizatório de €2.820,00 fixado na sentença ora recorrida, apenas se refere aos danos decorrentes do extravio das bagagens, previstos no arto 22o, no 2 da Convenção de Montreal, nada dizendo dos danos decorrentes dos atrasos sucessivos dos vôos, estes previstos no nº 1, do art. 22 da dita Convenção.

3)–Ora, não se mostrando afastada a responsabilidade da Transportadora/Ré no atraso do transporte dos AA. ao destino contratado, teria a sentença recorrida de se pronunciar sobre a mesma para efeitos do disposto no art. 19 da Convenção de Montreal, com a necessária fixação de um montante indemnizatório adequado.

4)–Verifica-se omissão de pronúncia sobre questões que o Tribunal “a quo” devia conhecer.

5)–Essa omissão de pronúncia gera a nulidade parcial da sentença recorrida de acordo com o disposto no arto 615, nº 1, al. d) do C.P.Civil.

6)–Nulidade que pode, agora, ser suprida por esse Venerando Tribunal ao abrigo do disposto no arto 665, nº 1, do C.P.C..

7)Suprida a nulidade, como requerem os Autores, deve esse Venerando Tribunal revogar a sentença recorrida no que ao valor da indemnização fixada diz respeito, fixando-a agora, em cúmulo com o correspondente ao fixado para o extravio das bagagens, em € 10.000,00, em conformidade com o pedido.

8)–Por tudo o exposto, é manifesto que assiste aos ora Recorrentes o direito de interporem o presente recurso.


Conclusões da recorrida

Mas a recorrida conclui o seguinte:







Delimitação do objeto do recurso.

Salvo alguma questão de conhecimento oficioso, o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões dos recorrentes – arts. 608.2, 635.4 e 639 do CPC. São somente essas as questões que serão aqui apreciadas.
Importa assim decidir se a sentença incorreu em omissão de pronúncia relativamente a danos não patrimoniais decorrentes dos atrasos nos voos; se os autores contrataram com uma agência de viagens uma “viagem organizada” que incluía o transporte Porto – Miami; devendo ter demandada essa agência de viagens e não a Ré TAP.

A sentença examinou os danos não patrimoniais decorrentes do atraso nos voos.

Os recorrentes alegam que a sentença recorrida, na fixação do montante indemnizatório de €2.820,00 apenas teve em atenção os danos decorrentes do extravio das bagagens (art. 22.2 da Convenção de Montreal), nada dizendo sobre os danos decorrentes dos sucessivos atrasos dos voos (art. 2.1 da Convenção).  Teria assim havido omissão de pronúncia, nulidade que incumbiria suprir.

Vejamos.

Efetivamente, o art. 22 da Convenção trata dos limite da responsabilidade da transportadora aérea por atrasos, bagagens e mercadorias.  Distingue várias situações:

(1)-transporte de pessoas (danos por atraso), 
(2)-transporte de bagagens (danos por destruição, perda, avaria, ou atraso),
(3)-transporte de mercadorias (danos por destruição, perda, avaria ou atraso),
(4)-entrega de parte de mercadorias ou de qualquer objeto que faça parte da mesma (danos por destruição, perda, avaria ou atraso),
(5)-actos ou omissões nos casos 1 e 2, com a intenção de causar dano ou de forma imprudente ou com  a consciência de daí poder resultar dano,
(6)-disposições especiais relativas a custas despesas e juros (não abrangidas pela limitação).

O que é preciso aqui, com vista à correta aplicação deste artigo da Convenção de Montreal, é verificar se os danos morais que os autores sofreram resultam dos atrasos no transporte de pessoas e/ou no transporte das suas bagagens.

É preciso compreender que no presente caso os atrasos no transporte das bagagens estão intimamente ligados ao atraso no transporte dos passageiros.  Mas as bagagens também se atrasaram: foram para Miami conforme previsto, mas não seguiram com os passageiros conforme deviam. Os passageiros e as bagagens seguiram em voos diferentes, e quando chegaram a Miami os passageiros não receberam as bagagens como deviam, seguindo para o cruzeiro sem as roupas e sem os medicamentos que tinham trazido do Porto.  Por isso, tiveram de comprar novos medicamentos em Madrid e roupas em Miami, sofreram aflição e incómodos com  atraso no voo que os trouxe do Porto para Lisboa e com a ligação para Miami, onde não tinham as bagagens disponíveis – factos 61 e 63.

Houve assim atrasos no transporte de pessoas, mas também houve extravio temporário de bagagens necessárias para a viagem (só as receberam no fim do cruzeiro) – com os decorrentes danos morais, o que lhes dá direito a indemnização por atrasos quer no transporte de pessoas, quer no transporte de bagagens.

Essa indemnização está limitada, relativamente a cada passageiro, a DSE 4.150; e relativamente à bagagem de cada passageiro, a DSE 1.131. A Convenção de Montreal  prevê nos arts. 24.1, 53.5 e 53.8.d que o ICAO proceda à revisão dos valores inicialmente fixados no art. 22, como aconteceu.  Ou seja, o limite total pelo atraso no transporte de passageiros e pelo extravio das bagagens é de DSE 5.281.  Aplica-se a taxa de câmbio de 1,24669 face ao euro, conforme se refere na sentença.

O limite total é assim de €6.583,76 por passageiro.

É certo que a autora, por lhe terem sido extraviados os medicamentos, sentiu-se mal e teve de submeter-se a consulta médica em Madrid, pelo que sofreu um dano moral superior, que aqui se fixa em €5.5000,00; enquanto que ao marido fixa-se em apenas €4.500,00, tendo em conta os incómodos referidos e também a aflição que sofreu pelo estado de saúde da mulher.


Não havia que demandar a agência de viagens.

A recorrida alega que os autores deveriam ter demandado a agência de viagens e não a TAP, porque celebraram um contrato de “viagem organizada” com uma agência de viagem.  Mas não foi isso o que se apurou.

Os autores programaram uma viagem às Caraíbas, mas não compraram um pacote turístico à agência de viagens.  Apenas solicitaram à agência que, em sua representação, tratasse da compra dos bilhetes de avião e das reservas dos hotéis onde ficariam instalados – facto provado 60.  A agência de viagens não é responsável pelos atrasos no voo da TAP do Porto para Lisboa e pelo extravio das bagagens no trânsito para Miami, que só se deveu ao atraso daquele voo e que os impediu de tomar a ligação TAP de Lisboa para Miami e os levou a tentar como medida de recurso a ligação através de Madrid, conforme lhes foi aconselhado pela funcionária da própria TAP – factos provados  17-19.  Sendo estranha a atitude da TAP – companhia portuguesa de bandeira – que em vez de tudo fazer solucionar o problema que tinha causado aos nossos compatriotas (nomeadamente indemnizá-los ou até oferecendo-lhes outra viagem de substituição), antes tivesse agido como um comerciante de  má fé preocupado em eximir-se às suas responsabilidades, nem sequer apresentando aos autores uma justificação para o sucedido, nem se propondo indemnizá-los, nem sequer respondendo à reclamação que apresentaram junto do balcão da TAP ao terminarem a viagem, inclusive sacudindo a água do capote para uma qualquer agência de viagens,  – facto provado 61.

Também falece razão à ré TAP quando diz que os apelantes alegaram tão-somente danos resultantes do atraso na entrega da bagagem. Conforme resulta claramente dos factos provados 61 e 50 a 53, os danos morais dos passageiros resultaram tanto do atraso dos passageiros na chegada a Lisboa (que os impediu de seguirem diretamente para Miami, forçando-os a um desvio por Madrid), como do extravio temporário da bagagem, que só apareceu depois de terminado o cruzeiro de 7 dias nas Caraíbas.
Improcede assim o alegado pela ré TAP no seu recurso subsidiário.  Mas procede inteiramente o recurso dos autores.

Decisão:

Assim, e pelo exposto, acordamos em julgar inteiramente procedente o recurso dos autores e improcedente a ampliação do recurso apresentado pela ré TAP, que vai condenada na indemnização de €5.500,00 à autora e indemnização de €4.500,00 ao autor, tudo perfazendo €10.000,00.
Custas pela recorrida TAP, em ambas as instâncias.



Lisboa, 2017.10.17



João Ramos de Sousa
Manuel Ribeiro Marques
Pedro Brighton