Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4360/22.4T8LSB.L1-1
Relator: RENATA LINHARES DE CASTRO
Descritores: AÇÃO SOCIAL UT SINGULI
AÇÃO SOCIAL UT UNIVERSI
SUBSIDIARIEDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I.Considerando que a acção social ut singuli a que alude o artigo 77.º do CSC é subsidiária da prevista no artigo 75.º do mesmo código (acção social ut universi) apenas poderá aquela ser intentada caso a sociedade não tenha exercido o seu direito de acção, seja por não ter deliberado no sentido de agir judicialmente contra o respectivo gerente, seja por, apesar de o ter feito, não ter executado tal deliberação nos seis meses subsequentes à da sua aprovação.

II.Nessa medida, previamente à instauração da acção social ut singuli, deverá o sócio diligenciar no sentido de a sociedade tomar posição quanto a essa matéria seja pela inclusão da questão em assembleia geral já convocada ou a convocar, seja solicitando a convocação para esse efeito (recorrendo, se necessário for, à acção especial para convocação judicial de assembleia prevista no artigo 1057.º do CPC) - só depois podendo ele próprio agir judicialmente (porquanto não se trata de uma acção de natureza pessoal).


Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa.


I−RELATÓRIO


T..., intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum (ut singuli), contra M..., pedindo a condenação do réu no pagamento de uma indemnização à sociedade por quotas B … Lda, no valor de € 8.372.488,72, acrescida de valor a apurar em sede de liquidação de sentença, nos termos do artigo 77.º do CSC.

Em síntese[1], alegou que: - é sócio da mencionada sociedade (quota de 20% do capital social), tendo sido gerente da mesma até 29/10/2021; - o réu é sócio maioritário da sociedade (quota correspondente a 78% do seu capital social) e gerente único desde 29/10/2021; - nesse mesmo dia, o réu fez aprovar a alteração da sede social da sociedade para a Rua xxx, Lisboa, um edifício abandonado que não possui, sequer recetáculo postal; - o réu revela desinteresse pelos negócios da sociedade, tendo domicílio habitual no Irão e apenas se deslocando a Portugal ocasionalmente; - em 2016, o réu manifestou interesse em adquirir um conjunto de imóveis sitos na Rua de ..... ....., em Lisboa, designados Palácio dos CTT, tendo afirmado que asseguraria o financiamento total da operação de aquisição do mesmo; - em Maio desse ano, o objecto social da B … Lda foi modificado, passando a incluir a “conceção, edificação e exploração de empreendimentos turísticos e imobiliários, a exploração de estabelecimentos hoteleiros, a compra e venda de imóveis e a revenda dos adquiridos para esse fim, arrendamento, gestão e administração imobiliária”; - no dia 15/12/2016, o réu e P..., ambos na qualidade de gerentes da B … Lda, assinaram um contrato-promessa de compra e venda com a empresa CTT – Correios de Portugal, S.A., nos termos do qual se comprometia a comprar o Palácio dos CTT pelo preço de € 25.000.000,00; - o contrato-promessa incluía, na sua Cláusula Quarta, a obrigação para a B … Lda (promitente compradora) do pagamento de um sinal no montante de € 2.500.000,00 com a outorga do mesmo; − aquando da celebração deste contrato, o réu financiou a B … Lda, tendo aportado para a sociedade, a título de prestações suplementares, o montante de € 2.500.000,00; − o autor conformou-se e aceitou o negócio porquanto, tendo o réu referido que tinha capacidade financeira para avançar com o projecto, o demandante considerou que poderia ser um negócio interessante para a sociedade; - no entanto, ao fim de seis meses, o réu não conseguiu financiar o remanescente do preço (€ 20.000.000,00); − foi necessário prorrogar por duas vezes o prazo para a celebração do contrato de compra e venda com dois reforços de sinal no montante, cada um, de € 1.250.000,00, pagos em 08/06/2017 e em 12/09/2017; - nos termos da Cláusula Oitava do contrato-promessa, caso a escritura de compra e venda não fosse celebrada (e o pagamento de 20 milhões de euros devidos não fosse realizado) até ao dia 15/12/2017, os CTT – Correios de Portugal teriam o direito a resolver o contrato-promessa e a fazer seus os 5 milhões de euros pagos a título de sinal e respetivos reforços, o que colocaria a B … Lda, numa situação financeira gravíssima, da qual resultaria, certamente, a sua declaração de insolvência; - a partir de Novembro de 2017, numa derradeira tentativa de obter financiamento e evitar a ruína financeira da B … Lda, o réu procurou contrair um empréstimo junto do Novo Banco, S.A. no valor de € 20.000.000,00, o que não se concretizou; - o réu não conseguiu financiar a operação (nem através de capitais alheios nem de capitais próprios); - no dia 14/12/2017, a CTT – Correios de Portugal, a B … Lda e a G... formalizaram a cessão da posição contratual da B … Lda no contrato-promessa que esta celebrara com a CTT a favor da G..., representada pelo autor; - no dia 15/12/2017, a G... celebrou um contrato de financiamento com o Novo Banco no valor de € 20.000.000,00 (com o inerente sacrifício financeiro exigido à G... e ao autor, pessoalmente); - também nessa data, a G... e a CTT celebraram a escritura pública de compra e venda do Palácio dos CTT pelo preço de € 25.000.000,00 (dos quais, € 5.000.000,00 foram pagos pela B … Lda a título de sinal e reforços de pagamento, e € 20.000.000,00 pela G...); - o réu transmitiu ao autor que no prazo de 15 dias conseguiria aceder aos fundos necessários através dos quais a B … Lda compraria imediatamente o Palácio dos CTT à G... permitindo-lhe pagar o empréstimo que esta contraíra junto do Novo Banco; − o autor garantiu pessoalmente o empréstimo à G... para evitar a insolvência da B … Lda devido a decisões tomadas pelos restantes gerentes; a G... incorreu em diversas despesas na sequência da aludida operação; − o réu nunca obteve financiamento suficiente que permitisse à B … Lda comprar o Palácio dos CTT à G... como tinha prometido; − por isso a G..., em Maio de 2019, vendeu o imóvel a terceiros, tendo obtido uma mais-valia de € 4.056.604,09 (embora o imóvel, em apenas sete meses, tenha valorizado € 11.500.000,00); − se a B … Lda tivesse adquirido o Palácio dos CTT teria integrado no seu património uma mais-valia no valor de, no mínimo, € 8.372.488,72 e também teria auferido um montante elevado de receitas, resultantes da exploração desse conjunto de imóveis; − porém, a B … Lda não teve qualquer lucro com esta operação e, se não tivesse sido a intervenção do autor e da G..., a B … Lda teria perdido os € 5.000.000,00 que investira na compra do Palácio dos CTT (mantendo a obrigação de reembolsar esse montante ao réu e teria, provavelmente, entrado em insolvência); − esta situação ocorreu única e exclusivamente por causa da falta de diligência e cuidado do réu, na sua qualidade de gerente, ao não ter garantido, quando se precipitou para a compra do Palácio dos CTT, que lhe seria possível obter o financiamento necessário para finalizar a transação, comprando o mesmo quer aos CTT, quer à G, conforme se comprometera; − o autor destituiu da gerência da B … Lda o autor e P..., deixando a sociedade numa situação de quase abandono e sem gerar quaisquer receitas presentemente.

Regularmente citado, o Réu deduziu contestação, defendendo-se por excepção e por impugnação.
Invocou a excepção dilatória da falta de deliberação dos sócios, ou a recusa da mesma, sobre a acção de responsabilidade e a caducidade do direito de acção da sociedade (mesmo que intentada por um sócio em substituição desta “ut singuli”) e do efeito impeditivo das aprovações unânimes das contas de exercício com voto de confiança aos gerentes. Mais requereu que fosse proferida decisão prévia sobre o facto de o autor prosseguir com esta acção fundamentalmente interesses seus e diversos dos protegidos por lei (nos termos do n.º 5 do artigo 77º do CSC).

O Autor exerceu o contraditório quanto às invocadas excepções, alegando, para além do mais, ter já requerido, por duas vezes, a convocação de assembleias gerais, o que foi recusado pelo réu (pese embora o tenha feito com vista à deliberação de matéria distinta da aqui em causa), pelo que nunca seria satisfeita tal pretensão.

Foi realizada uma tentativa de conciliação, a qual se frustrou.

Em 25/06/2023, pelo tribunal a quo foi:
- Admitida a intervenção principal espontânea, por mera adesão, que havia sido requerida pelo sócio P...[2];
- Dispensada a realização da audiência prévia, nos termos previstos pelo artigo 592.º, n.º 1, al. b) do CPC;
- Proferido saneador sentença, pelo qual decidiu:julgo procedente a exceção dilatória de falta de deliberação prévia dos sócios ou recusa da mesma, com violação do carácter subsidiário da presente ação ut singuli e, em consequência, julgo o tribunal impedido de conhecer do mérito da causa, absolvendo o réu M... da instância – cfr. artigo 576º, nº 2, e 577º, do Código de Processo Civil.
 
Inconformados com tal decisão, vieram o Autor e o Interveniente Principal, em conjunto, interpor RECURSO, tendo, para o efeito, formulado as CONCLUSÕES que aqui se transcrevem:
A.A Sentença recorrida incorre num erro de direito na interpretação que faz do artigo 77.º do CSC, com a epígrafe “acção de responsabilidade proposta por sócios”.
B.O Tribunal a quo considerou que o trecho final desta disposição – “quando a mesma [a sociedade] a não haja solicitado” – configura um requisito de subsidiariedade da ação uti singuli, que deve ser interpretado do seguinte modo: “A ação social uti singuli é subsidiária da anterior, uma vez que só pode ser proposta nos termos do art.º 77.º n.º 1, parte final, do CSC, quando a ação não tenha sido proposta pela sociedade ou por a respetiva assembleia geral não ter deliberado nesse sentido, ou por ter deixado correr o prazo de seis meses sobre a deliberação sem propor a ação”
C.A interpretação restritiva que o Tribunal a quo deu às últimas palavras do n.º 1 do artigo 77.º do CPC não encontra qualquer apoio na letra da Lei, e carece de qualquer fundamento legal.
D.O texto do n.º 1 do artigo 77.º é claro e de fácil compreensão: “Independentemente do pedido de indemnização dos danos individuais que lhes tenham causado, podem um ou vários sócios […] propor ação social de responsabilidade contra gerentes ou administradores, com vista à reparação, a favor da sociedade, do prejuízo que esta tenha sofrido, quando a mesma a não haja solicitado”.
E.A interpretação correta da expressão “quando a mesma a não haja solicitado” é uma interpretação literal. Os sócios podem propor a ação social de responsabilidade contra os gerentes ou administradores quando a sociedade não tenha, por si, apresentado previamente uma ação de responsabilidade uti universi, nos termos do artigo 75.º do CSC. Se a sociedade o tiver feito, os sócios ficam impedidos de o fazer.
F.Esta interpretação não só vai plenamente ao encontro daquela que é, de forma cristalina, a letra da lei – que apenas estabelece que a ação de responsabilidade do gerente pode ser proposta pelos sócios “quando a [sociedade] a não haja solicitado” – como é também perfeitamente coerente de um ponto de vista teleológico: se a sociedade já instaurou uma ação uti universi nos termos do artigo 75.º do CSC, os sócios devem perder a legitimidade pata intentar ações uti singuli contra os gerentes.
G.A interpretação que o Tribunal a quo faz da expressão “quando a mesma a não haja solicitado” acrescenta desnecessária e infundadamente requisitos para a legitimidade do autor da ação uti singuli, estabelecendo, sem qualquer fundamento legal para tal, que os sócios apenas podem intentar a ação uti singuli se previamente (i) tiver ocorrido uma deliberação social que não tenha aprovado a instauração de uma ação uti universi, ou se (ii) tendo ocorrido uma deliberação social que tenha aprovado a instauração de uma ação uti universi, a sociedade não a tenha intentado no prazo de 6 meses.
H.Há vários problemas com este entendimento.
I.Em primeiro lugar, esta interpretação não tem qualquer reflexo na letra da Lei.
J.Em segundo lugar, não se compreende qual seria a utilidade destes supostos requisitos adicionais. O n.º 5 do artigo 77.º do CSC já desempenha a função de impedir a instauração de ações uti singuli por motivos fúteis, ao estabelecer que “se o réu alegar que o autor propôs a acção prevista neste artigo para prosseguir fundamentalmente interesses diversos dos protegidos por lei, pode requerer que sobre a questão assim suscitada recaia decisão prévia ou que o autor preste caução”.
K.E mais: a interpretação que o Tribunal a quo fez desta disposição não restringe, de nenhum modo, o número de situações em que a ação de responsabilidade uti singuli poderia, em abstrato, ser instaurada.
L.Em suma: o único efeito real desta novel interpretação do Tribunal a quo seria o de causar enormes atrasos na instauração de ações uti singuli. Caso acedêssemos a esta interpretação, o sócio que pretendesse intentar uma ação uti singuli ficaria completamente à mercê da iniciativa, organização e velocidade dos órgãos da sociedade, que, frequentemente, será ainda dirigida pelo gerente contra o qual se pretenderia intentar a ação de responsabilidade.
M.Não é realista pensar que o sócio que pretende intentar uma ação uti singuli tenha de ficar à espera que o gerente – e potencial réu nessa ação de responsabilidade – convoque uma Assembleia Geral, e, depois, possa ainda ter de aguardar que passem seis meses para poder, finalmente, agir. Em especial, quando a responsabilidade dos gerentes caduca ao fim de 5 anos, nos termos do artigo 174.º do CSC.
N.A solução aventada pelo Tribunal a quo revela-se particularmente desapropriada no caso sub judice, no qual, conforme descrito em sede de Petição Inicial e em Requerimento com a Ref.ª 42071620, apresentado no dia 28 de abril de 2022, o Primeiro Recorrente já havia pedido ao Recorrido, gerente da sociedade, que convocasse duas Assembleias Gerais; e, em ambos os casos, o Recorrido recusou-se a fazê-lo.
O.Não se entende de que modo é que o ordenamento jurídico do direito societário beneficiaria em adotar a interpretação restritiva aqui proposta pelo Tribunal a quo; o que se vê, com meridiana clareza, é que em situações-limite como a da sociedade B … Lda, em que o gerente age de má-fé e impede o regular funcionamento da sociedade, essa interpretação restritiva torna impraticável a imputação de responsabilidade ao gerente que descura e desrespeita os seus deveres legais.
P. Em suma, todas as razões levam a favorecer a interpretação literal da expressão “quando a mesma a não haja solicitado”, no n.º 1 do artigo 77.º do CSC, in fine; e a rejeitar a interpretação restritiva do mesmo preceito que lhe foi dada pelo Tribunal a quo.
Q. Cabe, no entanto, analisar as razões que levaram o Tribunal a quo à sua interpretação restritiva. O Tribunal a quo colhe esta interpretação restritiva diretamente de um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 15 de fevereiro de 2018 no âmbito do processo n.º 4318/15.0T8LRS.L1-6.
R.Mas esta citação não passa de obiter dicta no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa no âmbito do processo n.º 4318/15.0T8LRS.L1-6. Embora o acórdão mencione, de passagem, os requisitos de legitimidade das ações uti singuli nos termos do artigo 77.º do CSC, a decisão versa, na verdade, sobre uma ação uti universi.
S.Pelo que não podemos ver a passagem citada pelo Tribunal a quo como imbuída de qualquer vinculatividade jurisprudencial. O Tribunal da Relação de Lisboa não estava a decidir, para o passado ou para o futuro, sobre a interpretação do n.º 1 do artigo 77.º do CSC, mas apenas a realizar uma afirmação, no âmbito de um raciocínio acerca de um tema distinto.
T.Assim, o Tribunal a quo não se deveria ter apoiado neste aresto para fundar a sua interpretação do n.º 1 do artigo 77.º do CSC.
U.E, analisando a restante fundamentação produzida pelo Tribunal a quo, conclui-se que a sua interpretação restritiva do n.º 1 do artigo 77.º do CSC não assenta em qualquer outra fonte, para além do citado acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18 de fevereiro de 2018.
V.O Tribunal a quo limitou-se, no mais, a dizer que “o argumento avançado pelo autor de que o recurso a esta ação ut singuli se impõe pela alegada impossibilidade de comunicar com a sociedade e o seu gerente com vista à convocação de uma assembleia geral não colhe porquanto a lei prevê a forma de ultrapassar tal dificuldade por via da ação judicial com vista à Convocação de Assembleia de Sócios”.
W.Esta suposta solução, no entanto, não daria resposta aos problemas dos Recorrentes e da sociedade B … Lda. O que o Tribunal a quo propõe, tudo visto e ponderado, é uma interpretação da Lei que não tem reflexo na sua letra e que forçaria o sócio que quisesse intentar uma ação uti singuli em defesa dos interesses da sociedade a passar por uma verdadeira via sacra para conseguir alcançar o seu objetivo.
X.Esta interpretação choca frontalmente com a ratio legis do artigo 77.º do CSC, que visa dar aos sócios oportunidade de agir quando a sociedade não o faz. Ao restringir estes casos àqueles em que a sociedade falou em agir, mas não o fez, o Tribunal a quo coarta por completo os direitos dos sócios, e outorga ao gerente inúmeras possibilidades de obstar a que a ação seja instaurada.
Y.Por outro lado, a interpretação literal do n.º 1 do artigo 77.º do CSC in fine que os Recorrentes defendem tem largo respaldo jurisprudencial; veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 19 de outubro de 2004, no âmbito do processo n.º 04B3095, e o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora no dia 30 de janeiro de 2020 no âmbito do processo n.º 1048/14.3TBPBL-C.E1.
Z.Em suma, o Tribunal a quo errou na sua aplicação do n.º 1 do artigo 77.º do CSC, quando adotou uma interpretação restritiva segundo a qual a expressão “quando a mesma a não haja solicitado” teria o significado de “quando a ação não tenha sido proposta pela sociedade ou por a respetiva assembleia geral não ter deliberado nesse sentido, ou por ter deixado correr o prazo de seis meses sobre a deliberação sem propor a ação”.
AA.E, desse erro na aplicação da Lei, resultou o erro de decisão que determinou o sentido da sentença a quo: o Tribunal errou ao decidir julgar procedente a “exceção dilatória de falta de deliberação prévia dos sócios ou recusa da mesma, com violação do carácter subsidiário da presente ação ut singuli”, e, bem assim, errou quando decidiu julgar o tribunal “impedido de conhecer do mérito da causa, absolvendo o réu M... da instância”.
BB.Nestes termos e por estes fundamentos, deve a Sentença recorrida ser revogada, e substituída por outra que julgue improcedente qualquer “exceção dilatória de falta de deliberação prévia dos sócios ou recusa da mesma, com violação do carácter subsidiário da presente ação ut singuli”, e determine a baixa dos autos à primeira instância, para que prossiga o julgamento do mérito da causa.
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser revogada a Sentença recorrida, e substituída por Acórdão que:
a)-Julgue improcedente a “exceção dilatória de falta de deliberação prévia dos sócios ou recusa da mesma, com violação do carácter subsidiário da presente ação ut singuli”, e
b)-Determine a baixa dos autos à primeira instância, para que prossiga o julgamento do mérito da causa.”

O Réu apresentou CONTRA-ALEGAÇÕES, formulando como conclusões:
A.O Tribunal ad quo, julgou procedente a exceção dilatória de falta de deliberação prévia dos sócios ou recusa da mesma, por violação do carácter subsidiário da presente ação ut singuli e, em consequência, julgou-se impedido de conhecer do mérito da causa, absolvendo o Réu da instância.
B.In casu, o Tribunal a quo, considerou que se os sócios “pretenderem que a sociedade responsabilize os seus gestores por administração danosa, deverão deliberar a propositura de uma ação de condenação pelos prejuízos infligidos à sociedade”.
C.Decisão esta que vem aqui recorrida.
D.Neste contexto concreto, o Tribunal considerou que não existiu qualquer deliberação societária neste sentido, nem que os aqui Recorrentes tenham feito qualquer tentativa para que essa necessária deliberação ocorresse.
E.É importante notar que, como deixamos também aqui claro, a lei estabelece mecanismos para lidar com situações como a que foi descrita pelos Recorrentes, mas não foram utilizados neste caso concreto.
F.No entanto, como ficou aqui demonstrado, esta decisão, salvo melhor opinião, não merece qualquer censura.
G.Invoca o Recorrente que o Tribunal a quo aplicou de forma errada a Lei ao julgar procedente a exceção dilatória de falta de deliberação prévia dos sócios ou recusa da mesma por violação do caráter subsidiário da presente ação ut singuli.
H.É fundamental salientar que a ação ut singuli, embora possa ser instaurada por um sócio ou um grupo de sócios detentores de pelo menos 5% do capital social (conforme estipulado no artigo 77.º, n.º 1 do CSC), mantém a sua natureza de "ação social de responsabilidade contra gerentes ou administradores com vista à reparação a favor da sociedade do prejuízo que esta tenha sofrido".
I.Portanto, importa ressaltar que a ação em análise pode ser intentada sob a modalidade ut singuli, o que significa que um único sócio que detenha mais de 5% das ações pode fazê-lo nos seguintes cenários: (i) quando a ação não foi proposta pela sociedade porque recusada ou porque a assembleia geral da sociedade não deliberou nesse sentido ou (ii) quando tenha decorrido o prazo de seis meses a partir da deliberação sem que a ação tenha sido proposta.
J.No caso concreto, os Recorrentes não apresentaram qualquer pedido nem tomaram qualquer iniciativa para agendar uma assembleia geral de sócios com o objetivo de deliberar sobre uma ação de responsabilidade contra a administração, o que constitui um requisito fundamental para a presente ação.
K.Neste contexto, é importante salientar que os Recorrentes ocuparam o cargo de gerentes na sociedade B … Lda desde a sua constituição até 29 de outubro de 2021.
L.E, mesmo durante este período em que tiveram a oportunidade de convocar pessoalmente a assembleia geral mencionada, esta prerrogativa não foi por eles exercida.
M.Mais, conforme aqui demonstrámos, é inegável que, apesar da narrativa construída pelos Recorrentes, sobre a necessidade de responsabilizar o Réu, ora Recorrido, perante a B … Lda pelos danos decorrentes de sua gestão prejudicial, há evidências claras de que os Recorrentes aprovaram uma deliberação na qual atribuíram exclusivamente aos timings as causas do fracasso da transação.
N.Caso não fosse esse o cenário, seria expectável que os sócios aqui Recorrentes, tivessem no mínimo expressado o seu voto contrário ou, no limite, se abstido na referida deliberação.
O.No período compreendido entre dezembro de 2017 e a propositura da presente ação, os Recorrentes, que detinham a capacidade de agir pessoalmente, uma vez que pelo menos até 29 de outubro de 2021 ocuparam o cargo de gerentes, não empreenderam quaisquer ações para que ocorresse a necessária deliberação.
P.Apenas a recusa da Assembleia Geral em adotar essa medida, o que, ressalte-se, nunca aconteceu, poderia legitimar a sua ação na modalidade uti singuli. Esta conclusão emerge inequivocamente da interpretação conjugada dos artigos 75.º, n.º 1, e 77.º, n.º 1, ambos do Código das Sociedades Comerciais.
Q.por outras palavras, desde dezembro de 2017, quando se tornou evidente que o negócio não se concretizaria, até ao início de 2022, quando intentaram a presente ação, os Recorrentes não convocaram, nem requereram a convocação de uma Assembleia Geral para debater a questão.
R.Nem, importa notar, expressaram, em nenhuma das inúmeras Assembleias Gerais subsequentes, a necessidade urgente de tomar medidas legais contra as alegadas condutas prejudiciais do Réu, agora Recorrido.
S.É fundamental salientar que a mesma situação ocorreu nas assembleias gerais realizadas em 2019 e 2020 onde se aprovaram as contas anuais por unanimidade, e também houve uma votação unânime de confiança em todos os gerentes, como documentado nas atas juntas pelo Réu na sua Contestação.
T.Portanto, é absolutamente claro que os Recorrentes nunca tomaram quaisquer medidas para que a deliberação, que aqui se discute a sua necessidade, ocorresse.
U.Repetimos que não estamos perante um cenário em que a deliberação para discutir a responsabilidade do sócio, ora Recorrido, tenha sido recusada. Pelo contrário, estamos perante uma situação em que as contas anuais foram sucessivamente aprovadas, sem que algum dos recorrentes tenha alegado algum novo ponto ou a intenção de responsabilizar o Réu por qualquer motivo.
V.Na realidade, entendemos que a aprovação unânime das contas em todas as ocasiões constitui, de forma inequívoca, um obstáculo à proposição da presente ação, uma vez que não faria sentido que a sociedade intentasse uma ação de responsabilidade contra um único gerente (numa gerência plural) quando todos os sócios aprovaram por unanimidade as contas apresentadas e emitiram votos de louvor à sua atuação, deliberações que nunca foram impugnadas.
W.É relevante salientar que o argumento apresentado pelos Recorrentes, de que se tornou impossível contactar ou notificar formalmente o Sócio M... desde que este se tornou o único gerente da sociedade B … Lda, é manifestamente falso.
X.Ademais, e contrariamente ao que é alegado pelos Recorrentes, é importante notar que a opção de convocação judicial uma assembleia geral era exequível e adequada, e, de facto, foi adotada pelos Recorrentes, embora com um propósito distinto daquele que é objeto do presente processo.
Y.Deste modo, conclui-se que o Primeiro Recorrente intentou a presente ação sem a deliberação que os artigos 75.º e 77.º exigem (e que, mesmo aceitando a tese dos Recorrentes poderia ter sido promovida até 29/10/2021 sem qualquer impedimento), e, adicionalmente, baseando esta ação em atos de gestão que os próprios Recorrentes na ausência de alegações de novos factos, constitui um obstáculo à referida ação.
Z.Mas, sobre o alegado erro do Tribunal a quo, dir-se-á ainda o seguinte,
AA.Os Recorrentes argumentam que a interpretação adotada pelo Tribunal a quo da expressão "quando a mesma a não haja solicitado", conforme previsto na parte final do n.º 1 do artigo 77.º, acrescenta erroneamente requisitos desnecessários e infundados à legitimidade do autor da ação ut singuli.
BB.A doutrina tem vindo a reconhecer que só se pode intentar uma ação ut singuli quando a própria sociedade não tenha deliberado a ação ut universi, conforme previsto no artigo 75.º do CSC, demonstrando, assim, a sua natureza subsidiária.
CC.Portanto, é manifesta a natureza subsidiária da ação ut singuli em relação à ação ut universi.
DD.A ação ut singuli pode ser intentada, somente, de acordo com o prescrito no artigo 77.º, n.º 1 do CSC, na hipótese de a sociedade não ter requerido previamente a reparação dos danos, nos termos do artigo 75.º.
EE.Os sócios que pretendam intentar a ação social devem, em primeiro lugar, desencadear a iniciativa da sociedade em deliberar tal propositura, promovendo a deliberação exigida no n.º 1 do artigo 75º.
FF.Apenas no caso desta deliberação não ser favorável à propositura da ação, ou se aquela não for intentada no prazo de seis meses a contar da deliberação, estarão os sócios legitimados a recorrer à ação ut singuli.
GG.Isto porque, considerando a questão numa perspetiva de oportunidade e representatividade, é preferível resolver a questão no âmbito interno da sociedade.
HH.A razão deste preceito, contrariamente ao que os Recorrentes alegam, é ainda evitar ações puramente litigiosas e dilatórias em detrimento do exercício social.
II.Note-se que os Recorrentes em conjunto já intentaram mais de 25 ações contra o sócio Réu e/ou contra a sociedade B … Lda, demonstrando uma clara tendência para uma litigância excessiva com o único fito de paralisar toda e qualquer atividade da sociedade.
JJ.Pelo que, em jeito de conclusão, sempre se dirá que, conforme já demonstrado, e com suporte da nossa jurisprudência e doutrina, a ação ut singuli é subsidiária em relação à ação ut universi.
KK.Importa, portanto, concluir pela absoluta validade da decisão recorrida.
LL.Devendo ser proferida decisão que confirme na íntegra a douta e bem prolatada sentença aqui posta em crise.
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso interposto pelos Requerentes, ora Recorrentes e, em consequência, mantida e integralmente confirmada a douta sentença revidenda que não merece qualquer censura.
Como é de Lei e de JUSTIÇA!”

O recurso foi correctamente admitido, como sendo de apelação, com subida imediata nos autos e efeito devolutivo.
           
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

*
II–DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, ressalvadas as questões que forem de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, sem prejuízo de o tribunal ad quem não estar limitado pela iniciativa das partes, nem estar obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelo recorrente, desde que prejudicados pela solução dada ao litígio - artigos 5.º, n.º 3, 608.º, n.º 2, ex vi artigo 663.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC.
Assim, a questão a decidir consiste em saber se a acção social ut singuli prevista no artigo 77.º, n.º 1 do CSC (acção de responsabilidade proposta por sócios) tem que ser antecedida de uma deliberação dos sócios – seja de recusa da sociedade em instaurar a acção prevista no artigo 75.º do mesmo código, seja de aprovação de deliberação nesse sentido, mas sem que a mesma tenha sido executada nos seis meses subsequentes.

*
III–FUNDAMENTAÇÃO

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
1)A B … Lda é uma sociedade comercial por quotas, constituída em 2016, que tem como objeto social a “indústria de transportes por ar de passageiros, correio e carga por meio de serviços regulares ou por afretamento, assim como as respetivas peças e acessórios, o arrendamento de aeronaves a outras companhias em regime de casco nu ou em qualquer outra modalidade, a prestação de serviços de assistência técnica e planificação económica no ramo aéreo a terceiros incluindo, nomeadamente, companhias aéreas, e quaisquer atividades que, direta ou indiretamente, se relacionem com o transporte aéreo. Conceção, edificação e exploração de empreendimentos turísticos e imobiliários, a exploração de estabelecimentos hoteleiros, a compra e venda de imóveis e a revenda dos adquiridos para esse fim, arrendamento, gestão e administração imobiliária” – cfr. certidão permanente da B … Lda junta como Doc. 1 da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
2)O capital social da Sociedade é, desde a sua constituição e até à data presente, detido pelos seguintes sócios e nas seguintes proporções:
i.- M..., aqui Réu, titular de uma quota com o valor nominal de € 19.500,00 (dezanove mil e quinhentos euros), representativa de 78% do capital social;
ii.- T..., aqui Autor, titular de uma quota com o valor nominal de € 5.000,00 (cinco mil euros), representativa de 20% do capital social;
iii.- P... (doravante, P...”), titular de uma quota com o valor nominal de € 500,00 (quinhentos euros), representativa de 2% do capital social.
- cfr. certidão permanente da B … Lda junta como Doc. 1 da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
3)O Autor é titular de 20% do capital social da B … Lda e foi, até 29 de outubro de 2021, Gerente da mesma – cfr. certidão permanente da B … Lda junta como Doc. 1 da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
4)Por seu turno, o Réu é sócio maioritário da Sociedade sendo titular, desde a sua constituição, de uma quota correspondente a 78% do seu capital social.
5)O Réu é, outrossim, gerente da Sociedade desde a sua constituição, tendo-se tornado gerente único da mesma, desde 29 de outubro de 2021 – cfr. certidão permanente da B … Lda junta como Doc. 1 da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
6)A Sociedade não tomou a iniciativa de agir contra o Réu nos termos gerais para a responsabilidade dos membros da administração, previstos no artigo 72º do CSC.
7)Por isso o autor decidiu intentar a presente ação nos termos e para os efeitos previstos no artigo 77º do CSC por entender não ser expectável que a sociedade venha a atuar nos termos previstos em 6) por ser o Réu o seu gerente único e seu sócio maioritário.
8)Não houve nenhum pedido de agendamento de uma assembleia geral de sócios para deliberar sobre uma ação de responsabilidade contra a gerência ou especificamente contra o aqui Réu.

*
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Pela presente acção visa o autor responsabilizar o réu, enquanto gerente, para tanto tendo peticionado a condenação do mesmo no pagamento à sociedade B … Lda (da qual ambos, juntamente com o interveniente principal, são sócios) de uma indemnização no valor de €8.372.488,72, acrescida do valor a apurar em liquidação de sentença e que será correspondente ao das receitas que, desde 15/12/2017, seria expectável a sociedade auferir através da exploração do Palácio dos CTT.
Estamos em sede da chamada acção social ut singuli (acção de responsabilidade proposta por sócios), a qual se encontra prevista no artigo 77.º do CSC, cujo n.º 1 estatui: “Independentemente do pedido de indemnização dos danos individuais que lhes tenham causado, podem um ou vários sócios que possuam, pelo menos, 5% do capital social, ou 2% no caso de sociedade emitente de ações admitidas à negociação em mercado regulamentado, propor ação social de responsabilidade contra gerentes ou administradores, com vista à reparação, a favor da sociedade, do prejuízo que esta tenha sofrido, quando a mesma a não haja solicitado.”
O tribunal recorrido, sustentando-se no argumento segundo o qual a acção em apreço é subsidiária da prevista no artigo 75.º, defendeu que aquela apenas poderia ser intentada desde que a segunda não tivesse sido proposta pela sociedade, ou por a respectiva assembleia geral não ter deliberado nesse sentido, ou por ter deixado correr o prazo de seis meses sobre a deliberação sem propor a acção.
Segundo este preceito: 1- A acção de responsabilidade proposta pela sociedade depende de deliberação dos sócios, tomada por simples maioria, e deve ser proposta no prazo de seis meses a contar da referida deliberação; para o exercício do direito de indemnização podem os sócios designar representantes especiais. 2- Na assembleia que aprecie as contas de exercício e embora tais assuntos não constem da convocatória, podem ser tomadas deliberações sobre a acção de responsabilidade e sobre a destituição dos gerentes ou administradores que a assembleia considere responsáveis, os quais não podem voltar a ser designados durante a pendência daquela acção. 3- Aqueles cuja responsabilidade estiver em causa não podem votar nas deliberações previstas nos números anteriores.”
Os recorrentes insurgem-se sobre esta posição, defendendo que o artigo 77.º exige apenas que a sociedade não tenha instaurado qualquer acção ao abrigo do artigo 75.º do mesmo código.
Vejamos se assim é.
A responsabilidade dos gerentes/administradores pode ser assacada através da instauração de diferentes tipos de acções.
Desde logo mediante a propositura de uma acção social ut universi, a qual está prevista no artigo 75.º do CSC, sendo a mesma proposta pela própria sociedade (com vista a ser ressarcida pelos danos sofridos, e tendo subjacente os pressupostos da responsabilidade civil dos administradores), estando dependente de deliberação prévia dos sócios (tomada por maioria simples dos votos emitidos validamente) e tendo de ser proposta no prazo de seis meses a contar da deliberação que a autorizou;
Pode, também, ser instaurada uma acção social ut singuli, a qual vem prevista no artigo 77.º do CSC, e é proposta por sócios que representem, pelo menos, 5% do capital social (ou 2% no caso de sociedade emitente de acções admitidas à negociação em mercado regulamentado). Nesta, os sócios peticionam a condenação dos administradores no pagamento à sociedade da indemnização pelos prejuízos que à mesma foram causados (e não directamente aos próprios).
Como refere Maria Elisabete Gomes Ramos[3], “O art. 77.º dissocia a titularidade do direito à indemnização (encabeçado pela sociedade) da legitimidade activa para a efectivação processual do mesmo (a minoria legitimada surge como autora no processo). Se, do ponto de vista substantivo, a sociedade lesada é a credora do direito à indemnização, do ponto de vista processual, a legitimidade activa é (também) reconhecida aos sócios que não são credores da indemnização devida. Do ponto de vista substantivo, os sócios, ao abrigo do art. 77.º, reclamam um direito alheio (o direito da sociedade à indemnização) e não um direito próprio. No entanto, é direito próprio, fundado na participação social, o de os sócios promoverem a acção social de responsabilidade (art. 77.º).”

Por fim, o CSC prevê, ainda, uma terceira acção (acção sub-rogatória),prevista no seu artigo 78.º, atinente à responsabilidade directa dos administradores para com os credores sociais, mas na qual se visa igualmente um proveito directo da sociedade (nesta acção os credores substituem-se à sociedade).
No caso, como já referido, estamos sem margem para dúvida perante uma acção do segundo tipo dos elencados.
E, tal como defendido pela 1.ª instância, trata-se de uma acção subsidiária daquela que poderia ter sido intentada pela própria sociedade.
Com efeito, não obstante os sócios dela poderem lançar mão reunidos que estejam os legais requisitos para o efeito (desde logo a exigida percentagem na participação social), apenas o poderão fazer desde que a sociedade o não tenha feito, isto é, desde que esta última não tenha exigido a indemnização devida pelos gerentes/administradores (não tenha exercido o seu direito de acção).
Neste aspecto, inexiste controvérsia nos autos.
A discórdia prende-se antes com a questão de saber se, para além de tal acção não ter sido proposta, será ainda necessário que tenha existido alguma deliberação quanto a essa matéria, ou seja, deliberação no sentido da não instauração, ou, pese embora se tenha decidido em sentido contrário, a acção não tenha sido intentada nos seis meses subsequentes a essa tomada de posição.
A decisão recorrida respondeu afirmativamente e também nós assim o entendemos (apesar de não ignorarmos existir uma outra posição que defende ser apenas necessário que a sociedade não tenha, ela mesma, instaurado acção social de responsabilidade).

Como defendem Coutinho de Abreu e Maria Elisabete Ramos[4]: “Resulta da parte final do nº 1 do art. 77º o carácter subsidiário da ação social ut singuli. Se a sociedade intenta a ação (ação social ut universi), não podem os sócios (depois) intentá-la. (…) Há espaço para a ação social dos sócios se a sociedade delibera não propor ação ou se, deliberando propô-la, não a propõe no prazo de seis meses a contar da respetiva deliberação (cfr. art. 75º, 1).” E, continuam: “E enquanto não há deliberação sobre o assunto? // Em princípio, devem os sócios que pretendem a propositura da ação requerer a convocação de assembleia geral ou a inclusão do assunto na ordem do dia de assembleia já convocada ou a convocar (v. os arts. 375º, 2, 6, 378º, 189º, 2, 248º, 1, 2, 474º, 478º).”

Reiterando esta posição, escreveu ainda a citada Professora[5]: “Perante o teor do art. 77.º, n.º 1, há que recortar os casos em que a lei reconhece legitimidade activa ao sócio(s) para a acção social de responsabilidade. Deve admitir-se aos sócios minoritários o exercício da acção social de responsabilidade quando a sociedade delibera propor a acção social, mas, decorridos seis meses, esta deliberação não foi executada. Tendo sido deliberado pela maioria não propor a acção social de responsabilidade, a minoria (que saiu vencida na deliberação sobre a proposição da acção social de responsabilidade) pode imediatamente propor a acção social de responsabilidade, sem necessidade de esperar que se esgote o prazo de seis meses. O conflito endo-societário necessita de ser decidido por um terceiro imparcial.” Afirmando de seguida:A ausência de deliberação da sociedade sobre a acção social de responsabilidade associada a indícios de actos ilícitos e danosos praticados pelos administradores não são suficientes para fundar a legitimidade activa dos sócios minoritários. Estes hão-de solicitar a convocação da assembleia, ou a inclusão do assunto na ordem do dia de assembleia já convocada. (…) Convocada e realizada a assembleia, haverá espaço para a acção social proposta por sócio(s) se se verificar que: a) os sócios deliberam não propor a acção social de responsabilidade (art. 75.º, n.º 1); b) os sócios deliberam propor a acção, mas esta deliberação não é executada no prazo de seis meses (art. 75.º, n.º 1).

Igual entendimento defende Maria de Fátima Ribeiro[6] – “(…) resulta da ratio da figura que a possibilidade de actuação dos sócios está limitada aos casos em que a sociedade deliberou propô-la, mas não a propôs no prazo de seis meses fixado pelo n.º 1 do artigo 75.º do Código das Sociedades Comerciais. // Com a fixação deste prazo entre a deliberação e a propositura da acção, pretende-se sobretudo evitar que os administradores fiquem sujeitos a uma indefinição prolongada quanto à sua eventual responsabilização. E também é sua função permitir determinar claramente o momento a partir do qual pode ser afirmada a inércia da sociedade, nomeadamente para o efeito de se admitir que possa ter lugar o recurso à acção social «ut singuli». Mas é de excluir que a simples ausência de deliberação da sociedade sobre a acção social de responsabilidade legitime os sócios minoritários para intentarem a acção social «ut singuli». (…) nessas circunstâncias estes deverão solicitar convocação da assembleia geral ou a inclusão do assunto na ordem do dia de assembleia geral já convocada” (sublinhado nosso). Mais reforça a ilustre Professora que apenas depois de os sócios assim terem procedido, poderão agir judicialmente em prol da defesa da sociedade, defendendo mesmo que a promoção da acção ut singuli fora do quadro legal constitui violação do dever de lealdade do sócio[7].
Apenas na hipótese de estar inviabilizada a instauração da acção pela sociedade (por ter sido deliberada a sua não instauração ou, na hipótese contrária, não ter a mesma sido tempestivamente intentada), poderão os sócios exercer a acção social de responsabilidade prevista no citado artigo 77.º já que, enquanto tal posição não estiver assumida, sempre poderá a acção ser intentada pela sociedade (não se podendo afirmar existir inércia por parte desta).[8]
Estando em causa uma acção cuja finalidade é social (e não pessoal), já que se pretende a condenação dos gerentes/administradores no pagamento de indemnização pelos prejuízos causados directamente à sociedade (e não aos sócios individualmente considerados, sem prejuízo de, com a vantagem obtida para a mesma, ficarem reflexamente tutelados os interesses patrimoniais dos mesmos), compreende-se que seja a mesma subsidiária daquela que poderia/deveria ter sido intentada pela própria sociedade.
A posição doutrinária acabada de relatar, e que subscrevemos, mostra-se também vertida nos acórdãos do STJ de 03/05/2000 (Proc. n.º 171/2000, relator Francisco Lourenço) A acção social proposta pelos sócios, conhecida por acção social "uti singuli", que é subsidiária da anterior, uma vez que só pode ser instaurada quando a acção não tenha sido proposta pela sociedade, ou por a respectiva assembleia geral não ter deliberado nesse sentido, ou por ter deixado decorrer o prazo de 6 meses sobre a deliberação sem propor a acção”- e de 03/02/2009 (Proc. n.º 08A3991, relator Paulo Sá) – A acção social uti singuli é subsidiária da anterior, uma vez que só pode ser proposta nos termos do art. 77.º n.º 1, quando a acção não tenha sido proposta pela sociedade ou por a respectiva assembleia geral não ter deliberado nesse sentido, ou por ter deixado correr o prazo de seis meses sobre a deliberação sem propor a acção” -, e desta Relação de Lisboa de 15/02/2018 (Proc. 4318/15.0T8LRS.L1-6, relator Manuel Rodrigues) -Esta acção proposta por sócios é subsidiária da acção de responsabilidade proposta pela sociedade, uma vez que só pode ser proposta nos termos do art.º 77.º n.º 1, parte final, do CSC, quando a acção não tenha sido proposta pela sociedade ou por a respectiva assembleia geral não ter deliberado nesse sentido, ou por ter deixado correr o prazo de seis meses sobre a deliberação sem propor a acção (artigo 75º, n.º 1, do CSC).” – e de 22/03/2018 (Proc. n.º 996/08.4TYLSB-B.L1-8, relator António Valente)o direito do sócio demandar o administrador da sociedade, visando a reparação desta pelos prejuízos causados por tal administrador, só pode ser exercido no caso de a sociedade não deliberar propor a acção ou tendo deliberado propô-la o não fizer no prazo de 6 meses” (estando o primeiro aresto disponível in CJ, tomo II, 2000, e os demais in www.dgsi.pt).
A natureza subsidiária que caracteriza a acção prevista no artigo 77.º do CSC, por referência à aludida no artigo 75.º do mesmo código, não permite dissociar ambos os preceitos, cuja leitura e interpretação terão necessariamente de ocorrer em conjunto.
Na verdade, apenas a ela se poderá recorrer na eventualidade de a própria sociedade não ter exercido o seu direito de acção e, acrescentaremos, de estar demonstrado que não o irá exercer (pois, insiste-se, a lesada directa é a sociedade e não os sócios, razão pela qual sempre a mesma terá de ser chamada à acção – cfr. n.º 4 do artigo 77.º). Não poderá, assim, o sócio antecipar-se a uma eventual actuação da sociedade. A tomada de posição da sociedade, no sentido de que não irá propor qualquer acção nos moldes previstos pelo artigo 75.º do CSC é, aliás, a única forma de combater a insegurança e incerteza que, de outro modo, sempre existiriam quanto a essa matéria[9].
No caso, inexistiu qualquer assembleia geral que tenha deliberado sobre a eventual instauração (ou recusa) de acção nos moldes previstos pelo artigo 75.º do CSC e os recorrentes também não solicitaram que fosse a mesma convocada com tal finalidade.
Note-se que, para além de assistir ao sócio o direito de requerer à gerência a convocação de assembleia geral – artigos 375.º, n.º 2[10]  e 248.º n.º 2[11], ambos do CSC -, sempre os recorrentes poderiam ter lançado mão da acção especial para convocação judicial de assembleia, nos termos previstos pelo artigo 375.º, n.º 6 ex vi n.º 1 do artigo 248.º, ambos do CSC, e pelo artigo 1057.º[12] do CPC.[13]
Nas sociedades por quotas, a convocação judicial da assembleia geral de sócios depende da verificação dos seguintes requisitos: a) ter o interessado na convocação dirigido um requerimento escrito a qualquer dos gerentes, solicitando a convocação de uma assembleia geral; b) ter indicado com precisão, nesse requerimento, os assuntos a incluir na ordem do dia; c) ter justificado a necessidade da reunião da assembleia; e d) não ter a gerência da sociedade promovido a publicação da convocatória da assembleia geral nos 15 dias seguintes à recepção do requerimento ou ter indeferido, sem justificação pertinente, a convocatória.
A isto acresce que, como bem refere o apelado, até 29/10/2021, os recorrentes exerceram o cargo de gerentes da sociedade B … Lda pelo que, nessa qualidade, também eles poderiam ter convocado uma assembleia geral por forma a que fosse deliberada a eventual instauração da acção a que se reporta o artigo 75.º do CSC – cfr. artigo 248.º, n.º 3 – ou, pelo menos, ter requerido que, na ordem do dia de alguma das assembleias gerais entretanto convocadas, fosse o assunto aqui em causa incluído – artigos 248.º, n.º 2 e 378.º, n.º 1[14], ambos do CPC.
Porém, assim não decidiram fazer, pelo que só aos mesmos serão imputadas as consequências que dessa opção resultam (bem como do momento escolhido para interpor a presente acção), ou seja, de que não poderiam agir judicialmente nos moldes em que o fizeram por não estarem reunidos os requisitos necessários para o efeito.
Ao contrário do defendido pelos recorrentes, tal entendimento não contende minimamente com os direitos e a posição dos sócios, assim como não coarta a possibilidade de instaurar acções ut singuli.
Por fim, dir-se-á que:
- Ao acabado de defender não constitui obstáculo o disposto no n.º 5 do artigo 77.º - “Se o réu alegar que o autor propôs a acção prevista neste artigo para prosseguir fundamentalmente interesses diversos dos protegidos por lei, pode requerer que sobre a questão assim suscitada recaia decisão prévia ou que o autor preste caução” – porquanto a questão de que tratamos é prévia àquela a que este número se reporta;
- Igualmente não assume relevância o argumento dos recorrentes de que nunca a deliberação para instauração da acção de responsabilidade seria aprovada já que, uma recusa nesse sentido, seria precisamente o que permitiria desde logo aos mesmos lançar mão da acção prevista no artigo 77.º. Para além de, como referido na decisão recorrida, Também não colhe, como se viu, o argumento de que tal deliberação não seria aprovada por ser o réu, gerente visado pela pretendida ação de responsabilização, seu sócio maioritário, porquanto no nº 3 do artigo 75º citado o impede de votar, precisamente por se encontrar numa situação de conflito de interesses.

Termos em que terá a presente apelação de improceder.

***
IV−DECISÃO

Perante o exposto, acordam os Juízes desta Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pela apelante.


Lisboa, 09 de Abril de 2024- (acórdão assinado digitalmente)


Renata Linhares de Castro
Pedro Brighton
Manuela Espadaneira Lopes



[1]Nesta parte, no essencial, reproduziu-se o que consta do relatório da decisão recorrida.
[2]Intervenção essa requerida em 23/03/2022 e que não mereceu qualquer oposição.
[3]Minorias e a acção social de responsabilidade, I Congresso de Direito das Sociedades em Revista, Almedina, Coimbra, 2012, pág. 377.
[4]Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. I, IDET, Almedina, 2.ª edição, reimpressão, págs. 950/951.
No mesmo sentido, ANTÓNIO PEREIRA DE ALMEIDA, Sociedades Comerciais e Valores Mobiliários, Almedina, 7.ª edição, 2013, págs. 305/306, e INÊS FILIPA PEREIRA CABRAL FERREIRA, Da Responsabilidade Civil dos Administradores pela Violação do Dever de Diligência à Luz do Artigo 72.º do Código das Sociedades Comerciais, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 29/04/2011 (trabalho final de Mestrado), pág. 43, disponível online – “o art. 77.º, n.º 1, in fine revela o carácter subsidiário desta acção, isto é, os sócios só poderão intentá-la quando a sociedade não o tenha feito porque assim o deliberou ou deixou passar o respectivo prazo legal (acção social ut universi)”
Em sentido diverso, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Código das Sociedades Comerciais Anotado, Almedina, 4.ª edição, 2021, pág. 362 – “Os putativos proponentes não estão obrigados a requerer, previamente à propositura da ação, a convocação de assembleia geral ou a inclusão do ponto na ordem de trabalho na assembleia geral já convocada ou a convocar.” - e TIAGO SOARES DA FONSECA/ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, A natureza subsidiária da acção social ut singuli, RDS, 2 (2011), pág. 389, aqui se podendo ler que “a mera inacção da sociedade será, em princípio, suficiente para propor a acção ut singuli, sem prejuízo de, ponderando as efectivas circunstâncias do caso, tal direito poder ser considerado abusivo – artigo 334.º do Código Civil -, por exemplo, na hipótese de se demonstrar que, além do administrador envolvido, apenas o sócio que propôs a acção ut singuli tem conhecimento dos factos imputados.”
Igualmente defendendo a desnecessidade de prévia deliberação da assembleia geral, veja-se o acórdão do STJ de 26/02/2004 (Proc. n.º 04B3095, relator Oliveira Barros).
[5]Minorias …, obra citada, págs. 382/383.
[6]A função da acção social “ut singuli” e a sua subsidiariedade, Direito das Sociedades em Revista, Outubro de 2011, ano 3, vol. 6, págs. 176/177.
[7]Sustentando tal violação no facto de ser a acção proposta sem que estejam preenchidos os necessários requisitos (sem que exista indício de que a sociedade não pretenda intentar a acção e sem que tenha sido provocada a sua propositura por aquela) - obra citada, pág. 184.
Cfr., ainda, na mesma obra, fls. 181 - “só deste modo, depois de garantido que o colectivo de sócios ou o órgão de administração não querem tomar a iniciativa de, na prossecução do interesse social, responsabilizar os membros do órgão de administração em causa, pode e deve a defesa desse interesse ser confiada aos sócios minoritários. // Na verdade, se a estes sócios minoritários não for reconhecido o direito de obrigarem a assembleia geral a deliberar, num ou noutro sentido, relativamente à acção social de responsabilidade, só poderá afirmar-se com certeza a inércia da sociedade depois de decorrido o prazo de prescrição, que no nosso direito é de cinco anos, tal como fixado pelo n.º 1 do artigo 174.º do Código das Sociedades Comerciais.” – e fls. 183/184 - “é dever dos sócios que pretendam intentar acção social «ut singuli» submeterem o assunto da propositura da acção social de responsabilidade à assembleia geral de sócios, onde têm assento, permitindo assim que esse órgão possa definir concretamente o interesse social na matéria em apreço”. Razão pela qual defende que só depois de ter sido deliberado que a acção não será proposta ou, tendo sido deliberado propô-la, não o seja no prazo de seis meses, assistirá aos sócios o direito de recorrerem à acção social ut singuli.
[8]Mesmo o acórdão da Relação de Évora de 30/01/2020 (Proc. n.º 1048/14.3TBPBL-C.E1, relatora Florbela Moreira Lança), citado pelos apelantes, não deixa de mencionar que o recurso à acção prevista no artigo 77.º apenas poderá ocorrer desde que esteja inviabilizada a deliberação mencionada no artigo 75.º, mais se consignando que os sócios, nas condições mencionadas, poderão exercer judicialmente esse direito “se não puder ser exercido pela sociedade por falta de deliberação social que o permita” (sublinhados nossos).
[9]Temos, assim, dificuldades em subscrever a posição de PAULO OLAVO CUNHA, Direito das Sociedades Comerciais, Almedina, 7.ª edição, 2022, pág. 897, quando refere inclinar-se para a posição que defende ser “suficiente aguardar que a sociedade nada faça no prazo suficiente para requerer a assembleia geral, aprovar a propositura da ação e apresenta-la no tribunal (…) com um argumento de ordem prática: o de que não sendo proposta num prazo razoável tal ação em nome da sociedade, porque a maioria a rejeitaria, faz sentido conferir efetividade ao direito de os sócios o poderes fazer”. É que este autor não refere o que se deverá considerar como prazo razoável, sendo que, com posição defendida no presente acórdão, ultrapassada fica qualquer incerteza e insegurança que resultaria necessariamente da incógnita de a acção do artigo 75.º poder ainda ser intentada.
[10]Artigo 375.º do CSC: “1 - As assembleias gerais de accionistas devem ser convocadas sempre que a lei o determine ou o conselho de administração, a comissão de auditoria, o conselho de administração executivo, o conselho fiscal ou o conselho geral e de supervisão entenda conveniente. 2 - A assembleia geral deve ser convocada quando o requererem um ou mais accionistas que possuam acções correspondentes a, pelo menos, 5% do capital social. 3 - O requerimento referido no número anterior deve ser feito por escrito e dirigido ao presidente da mesa da assembleia geral, indicando com precisão os assuntos a incluir na ordem do dia e justificando a necessidade da reunião da assembleia. 4 - O presidente da mesa da assembleia geral deve promover a publicação da convocatória nos 15 dias seguintes à recepção do requerimento; a assembleia deve reunir antes de decorridos 45 dias a contar da publicação da convocatória. 5 - O presidente da mesa da assembleia geral, quando não defira o requerimento dos accionistas ou não convoque a assembleia nos termos do n.º 4, deve justificar por escrito a sua decisão, dentro do referido prazo de 15 dias. 6 - Os accionistas cujos requerimentos não forem deferidos podem requerer a convocação judicial da assembleia. 7 - Constituem encargo da sociedade as despesas ocasionadas pela convocação e reunião da assembleia, bem como as custas judiciais, nos casos previstos no número anterior, se o tribunal julgar procedente o requerimento.”
[11]Artigo 248.º do CSC: “1 - Às assembleias gerais das sociedades por quotas aplica-se o disposto sobre assembleias gerais das sociedades anónimas, em tudo o que não estiver especificamente regulado para aquelas. 2 - Os direitos atribuídos nas sociedades anónimas a uma minoria de accionistas quanto à convocação e à inclusão de assuntos na ordem do dia podem ser sempre exercidos por qualquer sócio de sociedades por quotas. 3 - A convocação das assembleias gerais compete a qualquer dos gerentes e deve ser feita por meio de carta registada, expedida com a antecedência mínima de quinze dias, a não ser que a lei ou o contrato de sociedade exijam outras formalidades ou estabeleçam prazo mais longo. 4 - Salvo disposição diversa do contrato de sociedade, a presidência de cada assembleia geral pertence ao sócio nela presente que possuir ou representar maior fracção de capital, preferindo-se, em igualdade de circunstâncias, o mais velho. 5 - Nenhum sócio pode ser privado, nem sequer por disposição do contrato, de participar na assembleia, ainda que esteja impedido de exercer o direito de voto. 6 - As actas das assembleias gerais devem ser assinadas por todos os sócios que nelas tenham participado.”
[12]Artigo 1057.º do CPC: “1 - Se a convocação de assembleia geral puder efetuar-se judicialmente, ou quando, por qualquer forma, ilicitamente se impeça a sua realização ou o seu funcionamento, o interessado requer ao juiz a convocação. 2 - Junto o título constitutivo da sociedade, o juiz, dentro de 10 dias, procede às averiguações necessárias, ouvindo a administração da sociedade, quando o julgue conveniente, e decide. 3 - Se deferir o pedido, designa a pessoa que há de exercer a função de presidente e ordena as diligências indispensáveis à realização da assembleia. 4 - A função de presidente só deixa de ser cometida a um sócio da sociedade quando a lei o determine ou quando razões ponderosas aconselhem a designação de um estranho; neste caso, é escolhida pessoa de reconhecida idoneidade.”
[13]Expediente ao qual, aliás, o autor já recorreu noutras situações, como o próprio admite (ao abrigo do disposto no artigo 1057.º do CPC e 375.º, n.º 6 ex vi artigo 248.º, ambos do CSC, o autor intentou acção para convocação judicial da assembleia geral com vista a “Deliberar sobre a destituição do Gerente M, com justa causa, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 257º, n.ºs 1 e 6 do CSC”).
[14]Artigo 378.º do CSC: “1 - O accionista ou accionistas que satisfaçam as condições exigidas pelo artigo 375.º, n.º 2, podem requerer que na ordem do dia de uma assembleia-geral já convocada ou a convocar sejam incluídos determinados assuntos. 2 - O requerimento referido no número anterior deve ser dirigido, por escrito, ao presidente da mesa da assembleia geral nos cinco dias seguintes à última publicação de convocatória respectiva. 3 - Os assuntos incluídos na ordem do dia por força do disposto nos números anteriores devem ser comunicados aos accionistas pela mesma forma usada para a convocação até cinco dias ou dez dias antes da data da assembleia, conforme se trate de carta registada ou de publicação. 4 - Não sendo satisfeito o requerimento, podem os interessados requerer judicialmente a convocação de nova assembleia para deliberar sobre os assuntos mencionados, aplicando-se o disposto no artigo 375.º, n.º 7.”