Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1411/05.0TBTVD-A.L1-6
Relator: FÁTIMA GALANTE
Descritores: GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
CRÉDITO
HIPOTECA
PRIVILÉGIO CREDITÓRIO
PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO GERAL
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/04/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I - Os créditos relativos a contribuições do regime geral de previdência e os respectivos juros de mora gozam privilégio mobiliário e geral e privilégio imobiliário sobre os bens imóveis.
II - Estes créditos, quando em concorrência com créditos garantidos por hipoteca incidente sobre o imóvel penhorado, devem, em reclamação de créditos, ser graduados nos termos do art. 749º do Cód Civil, a seguir aos créditos hipotecários.
III - O limite temporal a que se reporta o art. 734º do CCivil não abrange os juros devidos às instituições de segurança e de previdência social, sem prejuízo do disposto no artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, segundo o qual a prescrição do direito de crédito das instituições de segurança social relativo à taxa social única, incluindo o dos juros de mora ocorre em dez anos.
(sumário da relatora)
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
            I – RELATÓRIO
            Por apenso à execução que a C, S.A. move contra o executado V, Limitada, veio, o Instituto de Segurança Social, I. P. – Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Lisboa, Instituto Público, reclamar um direito de crédito no montante de € 54.131,21 relativo a contribuições em dívida no valor de € 45.037,45 e respectivos juros de mora.
Cumpridas as notificações previstas no artigo 866.°, do CPC, não foi deduzida qualquer impugnação aos créditos reclamados.
Foi proferida decisão que julgou reconhecidos os créditos reclamados, graduando-os da seguinte forma:
1.° - Crédito do Instituto de Segurança Social — Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Lisboa, Instituto Público e respectivos juros contados desde 26 de Junho de 2005;
2.° - Crédito exequendo.

Inconformados vieram apelar da sentença, a Exequente C e o Instituto de Segurança Social.
A) No essencial a CGA apresenta as seguintes conclusões:
a) A douta decisão recorrida graduou o crédito reclamado pelo Instituto da Segurança Social, antes do crédito exequendo;
            b) Considerou a decisão recorrida, que o crédito exequendo não estava garantido por hipoteca, mas apenas pela penhora, pelo que ao caso não se aplicava a doutrina do Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 363/2002 de 17 de Setembro;
            c) Porém, como se alcança dos autos, designadamente do requerimento executivo, do título executivo, e da certidão do registo predial junta aos autos e relativa ao prédio vendido, o crédito exequendo encontra-se garantido por hipoteca;
            d) A hipoteca foi registada;
            e) Nestas circunstâncias, o crédito exequendo, porque garantido por hipoteca sobre o imóvel penhorado e vendido nos autos, haverá de preferir, relativamente ao crédito reclamado pelo Instituto de Segurança Social.
            f) Deve, por isso, ser revogada a douta sentença recorrida, e substituída por decisão que gradue, em primeiro lugar, o crédito exequendo.

B) No essencial o ISS apresenta as seguintes conclusões:
a) O presente recurso vem interposto da sentença que limita a admissão dos juros reclamados pela Segurança Social a 2 anos, em virtude do disposto no art.° 734.° do C.C..
b) Nos termos dos art.°s 10.° e 11.° do DL 103/80, de 09.05, os privilégios creditórios da Segurança Social, por contribuições e juros de mora, são estabelecidos sem qualquer limitação temporal.
c) Os referidos preceitos constantes dos art.°s 10.° e 11.° do DL 103/80, de 09.05, constituem legislação especial que afasta a aplicabilidade da lei geral constante do 734.° do CC.
d) O crédito de juros da Segurança Social deve ser admitido sem a limitação temporal constante do art.° 734.° do C.C..
Termos em que, no provimento deste Recurso deve revogar-se a decisão recorrida sendo substituída por outra que admita a reclamação de créditos apresentada ela ora recorrente e consequentes juros sem qualquer limitação temporal.

Corridos os Vistos legais,
                       Cumpre apreciar e decidir

II -  FUNDAMENTAÇÃO
1. APELAÇÃO DA CGD
Está em causa a concorrência de um crédito do Estado com um crédito de um banco que instaurou a instância executiva e nomeou à penhora o imóvel sobre o qual já detinha hipotecária.
A sentença recorrida graduou o crédito da segurança social sobre o crédito do exequente.
A este respeito refere a sentença o seguinte:
“No caso concreto, foi reclamado um crédito referente a contribuições devidas sobre a remuneração convencional e o respectivo escalão e, nos termos do disposto no artigo 11.°, do ltecreto-Lei n.° 103/80, de 9 de Maio, as instituições da Segurança Social gozam de privilégio imobiliário geral relativamente aos imóveis existentes no património do devedor aquando da instauração da acção executiva.
Nos termos do Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 362/2002, de 17 de Setembro, publicado no Diário da República, Série 1-A, de 16 de Outubro de 2002, foi declarada a inconstitucionalidade com força obrigatória geral das normas constantes no referido artigo 11.° e do artigo 2.° do Decreto-Lei n.° 512/76, de 3 de Junho, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral conferido à Segurança Social prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751.° do Código Civil, o que não se verifica no presente caso, pois o crédito do exequente encontra-se garantido por penhora, tendo este, por isso, o direito de ser pago com preferência a qualquer credor, que não tenha garantia real anterior, nos termos do disposto no artigo 822.°, n.° 1, do Código Civil”.

1.1. Porém, ao contrário do que se afirma, o crédito exequendo está garantido por hipoteca registada e que, nos termos do disposto no art.° 693° do Código Civil, abrange, para além do crédito, os respectivo acessórios que constem do registo, e os juros relativos a três anos.
Durante anos, a jurisprudência discutiu a questão de saber se o privilégio imobiliário criado pelo art. 2º do DL 512/76, de 3/7, confirmado no art. 11º do DL 103/80, de 9 de Maio, preferia ou não, às garantias reais, ainda que constituídas e registadas anteriormente.
O Tribunal Constitucional, através do citado Acórdão nº363/2002, in DR I Série A, de 16/10, veio, finalmente, declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória, do art. 11º do DL 103/80, quando interpretado no sentido de conferir ao crédito da Segurança Social preferência sobre um direito de crédito garantido por hipoteca registada.
No caso dos autos, estando o crédito exequendo garantido por hipoteca registada anteriormente, impunha-se a decisão no sentido da prioridade dos créditos hipotecários ou penhoratícios sobre os créditos da Segurança Social[1].
Procede o fundamento do recurso.

2. APELAÇÃO DO ISS
A única questão a decidir no âmbito deste recurso, é a de saber se o privilégio de que o Instituto de Segurança Social beneficia, abrange todos os juros vencidos sobre as contribuições não pagas, como defende o Recorrente, ou apenas os relativos aos últimos dois anos, como sustenta a sentença recorrida.
Vejamos.
De acordo com o art. 734º do CCivil, o privilégio creditório abrange os juros relativos aos últimos dois anos, se forem devidos.
Contudo, o DL nº 512/76, de 3/7 veio estipular que os créditos pelas contribuições do regime geral de previdência e os respectivos juros de mora gozam:
- de privilégio mobiliário geral, graduando-se logo após os créditos referidos na al. a) do n.º 1 do art.º 747º do CCivil (art. 1º, n.º 1)
- de privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património das entidades patronais à data da instauração do processo executivo, graduando-se logo após os créditos referidos no art. 748º do CCivil (art. 2º).
O mesmo sucede, atento o DL n.º 103/80, de 9/5, nos art.s 10º e 11º, para os créditos das caixas de previdência por contribuições, também sem quaisquer restrições, para os juros de mora.
            Trata-se de diplomas especiais, que, assim, afastam as regras gerais, como resulta, a contrario, do disposto no art.º 7º, n.º 3, do CCivil.
Sublinhe-se, ainda, que, de acordo com o preâmbulo do DL nº 512/76, de 3/7, o escopo visado por este diploma é o de definir as garantias que assistem aos créditos por contribuições do regime geral de previdência e aos respectivos juros de mora, por forma a acautelar mais eficazmente os interesses da população beneficiária.
Por certo que se o legislador, que não desconhecia a limitação temporal estabelecida para os juros no art. 734º do CCivil, não estabeleceu qualquer limitação para os juros foi porque manifestamente não quis estabelecê-la.
Segundo Salvador da Costa[2], o limite temporal a que se reporta o art. 734º do CCivil “não abrange os juros devidos às instituições de segurança e de previdência social, sem prejuízo do disposto no artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, segundo o qual a prescrição do direito de crédito das instituições de segurança social relativo à taxa social única, incluindo o dos juros de mora, de conhecimento oficioso nos termos dos artigos 34.º e 259.º do Código de Processo Tributário, ocorre em dez anos”.
É esta, aliás, a orientação quase unânime da jurisprudência que, assim, vem entendendo que o privilégio de que gozam os créditos de contribuições à Segurança Social e respectivos juros de mora não está sujeito aos limites temporais fixados nos arts. 734º e 736º do CCivil.
Visando o Decreto-Lei n. 512/76, tal como os ns. 511 e 513 da mesma data, assegurar a cobrança das contribuições de forma mais rápida e eficaz e melhorar as regalias e os interesses dos beneficiários da Previdência, reforçando as garantias - já criadas anteriormente ao actual Código Civil - dos citados créditos, defraudados e frustrados seriam os seus objectivos se se entendesse que o privilegio de que aqueles gozam estava sujeito aos limites temporais fixados nos artigos 734 e 736, n. 1 do Código Civil[3].
Termos em que se conclui assistir razão à Recorrente.
I - Os créditos relativos a contribuições do regime geral de previdência e os respectivos juros de mora gozam privilégio mobiliário e geral e privilégio imobiliário sobre os bens imóveis.
II - Estes créditos, quando em concorrência com créditos garantidos por hipoteca incidente sobre o imóvel penhorado, devem, em reclamação de créditos, ser graduados nos termos do art. 749º do Cód Civil, a seguir aos créditos hipotecários.
III - O limite temporal a que se reporta o art. 734º do CCivil não abrange os juros devidos às instituições de segurança e de previdência social, sem prejuízo do disposto no artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, segundo o qual a prescrição do direito de crédito das instituições de segurança social relativo à taxa social única, incluindo o dos juros de mora ocorre em dez anos.

            III – DECISÃO
            Pelo exposto, julgam-se procedentes os recursos e, consequentemente, altera-se a sentença recorrida no sentido de que a ordem de graduação dos créditos ali reconhecidos passará a ser a seguinte:
1º O crédito exequendo, que goza de hipoteca, constituído pelo capital e pelos juros relativos a três anos;
2º O crédito reclamado pelo Instituto da Segurança Social e consequentes juros sem qualquer limitação temporal.
As custas ficam a cargo da Executada e Recorrida.
Lisboa, 4 de Fevereiro de 2010.
(Fátima Galante)
(Ferreira Lopes)
(Manuel Gonçalves)

[1] Neste sentido o Ac. STJ de 22-03-2007 (João Camilo), www.dgsi.pt/jstj
[2] Salvador da Costa, O Concurso de Credores, pags. 172 e 173
[3] Por todos o acórdão do STJ de 29/7/80 (Costa Soares), in www.dgsi.pt/jstj