Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
14966/17.8T8SNT-F.L1-1
Relator: AMÉLIA SOFIA REBELO
Descritores: DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
CASO JULGADO
CAUSA PREJUDICIAL
VERIFICAÇÃO DE CRÉDITOS
PRAZO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – O despacho de indeferimento do pedido de notificação da lista de credores apresentada pelo Administrador da Insolvência não integra qualquer uma das decisões taxativamente previstas pelo art. 644º, nº 1 e 2 do CPC pelo que, não sendo imediatamente recorrível, só com o despacho de indeferimento do requerimento para impugnação da lista ou, na ausência deste (como é o caso), com a notificação de sentença de verificação e graduação de créditos desfavorável ao direito de crédito daquele credor requerente, este poderia recorrer do referido despacho interlocutório, nos termos do nº 2, al. d) e nº 3 da citada norma, respetivamente.
II - O incumprimento do prazo legal para apresentação da lista pelo Administrador da Insolvência, associado a subsequente preterição da notificação da mesma aos credores, consubstancia nulidade suscetível de influir na decisão da causa por preterição do contraditório, nulidade que cumpriria declarar pelo tribunal da 2ª instância se, entretanto, não se apresentasse sanada com a admissão do requerimento de impugnação da lista de créditos por despacho que é objeto do presente recurso.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I - Relatório
Nos autos de reclamação de créditos autuados por apenso ao processo de insolvência em que é insolvente T…., casado no regime de separação de bens com a credora e apelante S…., o credor Banco Comercial Português apresentou requerimento para impugnação da lista definitiva de créditos ali apresentada pelo sr. Administrador de Insolvência, impugnação que dirigiu ao crédito garantido por direito de retenção que naquela lista consta reconhecido em benefício da apelante.
Tal requerimento de impugnação de créditos foi admitido por despacho proferido em 28.05.2019.
É deste despacho que a apelante recorre, formulando as seguintes conclusões:
1 - A Apelante não se conforma com o douto despacho, proferido em 28/05/2019, que admitiu o requerimento apresentado pelo BCP, em 04.05.2018, ou seja, a “Impugnação da Lista de Credores Reconhecidos”.
2 - O requerimento apresentado em 04/05/2018, pelo impugnante Banco Comercial Português SA, é manifestamente intempestivo.
3 - Ao assim não entender, o Tribunal a quo violou o exato entendimento do disposto no n.º1, do art.° 130° do CIRE.
4 - O Tribunal a quo, ao admitir o requerimento de “Impugnação da Lista de Credores Reconhecidos”, apresentado em 04/05/2018, pelo Banco Comercial Português, SA, violou o exato entendimento do disposto no art.° 130°, n.º 1 do CIRE que impõe “aos interessados um particular ónus no acompanhamento da marcha do processo”, conforme foi aliás reconhecido pelo mesmo Tribunal, e no mesmo processo, por douto despacho proferido em 27/05/2018, já transitado em julgado, citando o Ac. RP de 11.04.2018.
5 -     Desde 12/01/2018, como dispõe o CIRE (cfr. art.°s 128°, 129° e 130°) que o Banco Comercial Português, SA, poderia e deveria exercer o seu alegado direito de impugnação da lista de credores reconhecidos.
6 - Foi o Banco Comercial Português, legalmente patrocinado por mandatário forense, que apresentou o pedido de insolvência do insolvente Tiago Silvestre, tendo no processo praticado diversos atos processuais.
7 - Reafirme-se, desde 12/01/2018 que o impugnante, Banco Comercial Português, SA, tinha a possibilidade (e obrigação) de conhecer a “Relação de Créditos Reconhecidos e Não Reconhecidos”.
8 - Podendo da mesma, querendo, apresentar a impugnação nos termos consagrados no CIRE (cfr. art.°s 129° e 130°).
9 - Ao assim não entender, o Tribunal a quo violou também o exato entendimento de tais preceitos legais.
10 - Por outro lado, o douto despacho proferido em 28/05/2019, ora recorrido, não teve em conta a decisão proferida em 27/05/2018, acima aludida, constituindo violação de caso julgado.
11 - Ao assim não entender, o Tribunal a quo violou também o exato entendimento dos preceitos legais consagrados nos art.°s 580°, n.° 1, 581°, n.°l e 620°, n.°l, todos do CPC..
12 - A fixação dos “Factos provados” foi efetuada pelo Tribunal a quo em violação do disposto no art.° 30 do CPC, ou seja sem que, sobre tal matéria as contrapartes (no caso a ora recorrente) se pronunciassem, e do consignado no art.° 4o, do mesmo diploma, ou seja, não sendo respeitado o princípio da igualdade das partes.
13 - De facto, o Tribunal a quo fixou como provados os factos alegados pelo BCP, SA, sem que sobre tal matéria as restantes partes (nomeadamente a ora recorrente) se pronunciassem, não sendo verdade, a título de exemplo, contrariamente ao afirmado pelo BCP, SA, que a não associação da parte implica que a mesma esteja impedida de recorrer, reclamar ou pedir a retificação de qualquer ato (sic).
14 - No parágrafo 1., dos “Factos provados”, deveria acrescentar-se “”sendo que foi indicado como interveniente associado o BCP, SA, e indicado como mandatário o mi. advogado …..”.
15 - No parágrafo 3., dos “Factos provados”, deveria acrescentar-se “no qual foi parte o BCP, SA ”.
 16- A factualidade fixada nos parágrafos 9. e 10., dos “Factos provados”, também não obedeceu ao princípio do contraditório tendo sido fixada em violação do disposto nos art.°s 3o e 4o do CPC...
17- Nomeadamente sendo expressos juízos de valor (cfr. “(...) pela gravidade dos factos narrados) pelo que ambos os parágrafos devem ser retirados.
18- Tão pouco obedeceu aos princípios do contraditório, da igualdade das partes e da necessidade do pedido a referência, ínsita no douto aresto recorrido, ao procedimento previsto no art.° 612° do CPC.
19- Atenta a factualidade constante dos autos não estão preenchidos os requisitos impostos pelo normativo invocado (art.° 612° CPC) nem tal foi peticionado pelo BCP, SA, no seu requerimento de 4.05.2018...
20- Ao assim não entender, o Tribunal a quo violou o exato entendimento do disposto nos n.0s 1, 2 e 3, do art.° 3º e art.° 4º, ambos do CPC.
21- Reafirme-se, de 2018/01/12 (data da apresentação da lista de créditos por parte do Sr. AI) até 27/04/2018 (data da apresentação do requerimento por parte do credor BCP para ser notificado) decorreu um lapso de tempo suficientemente longo, tendo em conta as caraterísticas do processo de insolvência, não tendo o BCP, SA (tanto mais que foi ele próprio o requerer a insolvência) dado cumprimento ao ónus imposto pelo regime do art.° 130°, n.º 1 do CIRE (conforme consignado no douto despacho proferido nos autos em 27/05/2018, transitado em julgado).
22- O crédito reclamado, objeto da impugnação apresentada pelo BCP, SA, sub judice, tem como fundamento a decisão proferida no processo de reclamação de créditos, que correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo de Execução de Loures-Juiz 2, com o n.0 4785/09.0TCLRS-A, no qual foi parte o ora impugnante, Banco Comercial Português, SA, legalmente patrocinado por bastante mandatário forense.
23- Ou seja, por douta sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo de Execução de Loures-Juiz 2, Proc. n.0 4785/09.0TCLRS-A, confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, já transitada em julgado ( processo no qual o Banco Comercial Português, SA, foi parte) foi reconhecido e graduado o crédito da ora recorrente.
24- O que agora, de novo, o mesmo BCP, pretende impugnar! Sendo certo que ao Tribunal está vedada a prática de atos inúteis, como dispõe o art.° 130° do CPC, que se invoca.
25- A admissão da requerida impugnação, a coberto do requerimento de 4.05.2018, implica a violação de caso julgado, caracterizada pela tríplice identidade, de sujeitos, de pedido e de causa de pedir.
26- Na ação supra identificada, tal como na “Impugnação” que agora se pretende admitir, as partes são as mesmas (identidade de sujeitos), o pedido e a causa de pedir são os mesmos (os mesmos títulos para fundamentar uma graduação de créditos que já foi reconhecida naquele processo, por douta sentença transitada em  julgado).    
27- Ao assim não entender, o Tribunal a quo violou também o exato entendimento do consagrado no art.° 619º, n.º 1 e art.°s 580° e 581° todos do CPC.
Finalizou requerendo a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que indefira, por intempestivo, o requerimento de “Impugnação da Lista de Credores Reconhecidos” apresentado em 04.05.2018, pelo Banco Comercial Português, SA.
O apelado Banco Comercial Português apresentou contra-alegações, que finalizou com as seguintes conclusões:
I. O douto despacho recorrido deve manter-se, pois consubstancia uma solução que consagra a justa e rigorosa interpretação e aplicação ao caso sub judice das normas e princípios jurídicos competentes;
II. Ao contrário do pretendido pela Recorrente, a aludida decisão não violou qualquer preceito legal, tendo toda a matéria sido apreciada de forma coerente, sendo inteiramente certa a argumentação e as considerações em que se baseia;
III. Veio a Recorrente interpor recurso do despacho que, face ao lapso na associação do Recorrido aos presentes autos apensos, admitiu a impugnação apresentada pelo Recorrido à lista elaborada pelo Sr. Administrador de Insolvência nos termos do artigo 129º CIRE.
IV. A impugnação apresentada pelo Recorrido versa precisamente sobre o alegado crédito da Recorrente, a qual, esposa do Insolvente, pretende ver reconhecido um crédito, com direito de retenção, sem juntar qualquer prova do direito que se arroga titular.
V. A Recorrente suporta o seu crédito numa sentença homologatória de transação celebrada entre esta e o Insolvente, intentada numa altura em que já viviam conjugalmente.
VI. A Recorrente não faz qualquer prova quanto ao pagamento do sinal inerente à celebração do alegado  contrato promessa; à existência de capitais próprios suficientes para pagar o sinal; ao incumprimento definitivo e que efetivamente é possuidora (única) do imóvel.
VII. Tudo indiciando que, para além do intuito de prejudicar credores com um negócio fictício, a Recorrente pretende também, com o presente recurso, aproveitar-se de uma omissão da Secretaria, para ver o seu crédito reconhecido e pago à frente de todos os restantes credores.
VIII. Em 09/01/2018, foi junto aos autos o substabelecimento sem reserva a favor do mandatário signatário.
IX. À data de 09/01/2018, não existiam quaisquer apensos ao processo principal.
X. O Recorrido desconhece a razão pela qual o seu mandatário não foi associado aos apensos do processo principal no sistema citius, no momento da sua criação, não obstante constar substabelecimento a seu favor.
XI. A não associação implicou que o mandatário do Credor Reclamante aqui Recorrido, estivesse impedido de recorrer, reclamar ou pedir a rectificação de qualquer ato.
XII. À excepção dos credores não reconhecidos, dos credores cujos créditos foram reconhecidos sem que os tenham reclamado, ou em termos diversos dos da respectiva reclamação, o CIRE não impõe, qualquer espécie de notificação aos “interessados”.
XIII. Ora, não sendo a lista de credores definitiva junta aos autos nos 15 dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações (como não foi no caso em apreço) é impossível a qualquer credor conseguir controlar a data da entrega da mesma em Tribunal.
XIV. É certo que a natureza urgente do processo de insolvência justifica, impõe assim aos interessados um particular ónus no acompanhamento da marcha do processo.
XV. Contudo, se o mandatário do Credor não estiver associado aos apensos por lapso/omissão da Secretaria torna impossível o acompanhamento da marcha do processo.
XVI. Lapso/Omissão confirmada pela própria Secretaria Judicial através da cota elaborada a 09/07/2018.
XVII. Esta omissão configura uma nulidade, já que a mesma influi, efectivamente, na decisão da causa (artigo 195.º, n.º 1, do CPC).
XVIII. Com efeito, bem andou o Tribunal ao admitir a impugnação apresentada pelo Credor em 04/05/2018, sanando assim a nulidade processual ocorrida.
XIX. Sendo certo que a fixação dos factos teve por base a matéria alegada nos requerimentos apresentados por ambas as partes.
XX.  É pois forçoso concluir como no douto despacho recorrido, admitindo a impugnação apresentada pelo Recorrido à lista elaborada pelo Sr. Administrador de Insolvência nos termos do artigo 129º CIRE.
II - Objeto do recurso
Considerando que o thema decidendum do recurso é balizado pelo objeto sobre o qual recaiu a apreciação do tribunal recorrido e, no âmbito deste, é definido pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que ex officio se imponha conhecer, na presente apelação, e de acordo com a ordem processualmente lógica das questões suscitadas, cumpre apreciar:
A) Se o despacho recorrido violou caso julgado formal formado por despacho anteriormente proferido nos autos, nos termos do arts. 580°, n° 1, 581°, n°l e 620°, n° l do CPC;
B) Se o despacho recorrido foi proferido com preterição do contraditório, nos termos dos arts. 3º e 4º do CPC.
C) Se o despacho recorrido não considerou factos disponíveis nos autos relevantes à apreciação da tempestividade da impugnação apresentada pelo credor Banco Comercial Português (doravante, BCP);
D) Se o requerimento do BCP para impugnação da lista de créditos foi tempestivamente apresentado nos autos nos termos do art. 130º, nº 1 do CIRE e por referência à concreta atividade/tramitação processual cumprida nos autos;
 E) Se no âmbito deste recurso cumpre conhecer da exceção do caso julgado material que nas conclusões do recurso a apelante opõe à admissibilidade do requerimento de impugnação da lista de credores apresentada pelo credor BCP, por referência à sentença proferida pelo Juízo de Execução de Loures no âmbito do processo nº 4785/09.0TCLRS-A.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Com relevância para a apreciação da matéria recursiva, da tramitação processual dos autos de insolvência e do respetivo apenso de reclamação de créditos resultam os seguintes factos:
1. Através de requerimento remetido a juízo em 31.07.2017 pelo Sr.Adovgado ….., o credor Banco Comercial Português instaurou processo especial de insolvência contra T…..
2. Por sentença proferida em 15.09.2017 foi declarada a situação de insolvência do requerido e fixado em 30 dias o prazo para a reclamação de créditos.
3. A sentença foi objeto de publicação no portal da plataforma digital Citius no dia 18.09.2017.
4. Através de requerimento que em 09.01.2018 dirigiu aos autos principais, o credor BCP, através do Sr. Advogado …, requereu a junção de substabelecimento sem reserva outorgado a favor deste, que juntou, a desassociação dos anteriores mandatários constituídos – Dr….e Dr. …. – da plataforma Citius, passando a associar-se apenas o Sr. Advogado …., e que dali em diante todas as notificações lhe fossem dirigidas. No caso de existirem processos apensos aos autos (principais) no âmbito dos quais o credor requerente seja parte, mais deu por reproduzido o antes requerido, designadamente, quanto à junção de substabelecimento sem reserva e ao pedido de associação do signatário.
5. Através de requerimento de 12.01.2018, o Sr. Administrador de Insolvência juntou a lista relação de créditos reconhecidos e respetiva qualificação, no montante total de € 1.417.720,01, dando origem ao apenso informático de reclamação de créditos (A).
6. Da referida lista constam os créditos reclamados pelo BCP e pela apelante, ambos qualificados como créditos com garantia sobre o único imóvel apreendido para a massa insolvente, correspondente ao descrito sob o nº 1005 da CRP de Sintra e inscrito sob o artigo urbano 5622 da freguesia de Colares, sendo o primeiro por hipoteca, e o segundo por direito de retenção reconhecido por sentença proferida no processo nº 4785/09.0TCLRS.
7. Através de requerimento que em 27.04.2018 dirigiu aos autos principais, o credor BCP apresentou exposição pela qual alegou que 1. Compulsados os autos verifica-se que o Sr. Administrador da Insolvência ainda não juntou a lista de todos os credores por si reconhecidos e a lista dos não reconhecidos., e concluiu e requereu 7. Nesta conformidade e atendendo ao facto de ainda não ter sido apresentada a lista de todos os credores e ainda à manifesta impossibilidade do Banco conseguir saber a data em que a mesma será apresentada, requer a Vª Exa. que uma vez junta aos autos a lista a que alude o artigo 129.º do CIRE seja o Reclamante notificado da mesma para, querendo, no prazo de 10 dias após a notificação proceder à impugnação da lista de credores reconhecidos.
8. Através de requerimento que em 04.05.2018 dirigiu ao apenso de reclamação de créditos (A), o credor BCP apresentou impugnação da lista de credores reconhecidos pugnando pela verificação do crédito da credora/apelante como subordinado, pelo não reconhecimento do direito de retenção que a esta foi reconhecido, e pela redução do seu montante ao montante por aquela efetivamente pago ao insolvente.
9. Pelo mesmo requerimento mais expôs questão prévia nos seguintes termos:
1. Em primeiro lugar, importa referir que se desconhece a razão pela qual o mandatário do Credor Reclamante não está associado ao processo principal e a todos os seus apensos no sistema citius, não obstante constar substabelecimento a seu favor.//2. A não associação implica que o mandatário do Credor Reclamante esteja impedido de recorrer, reclamar ou pedir a rectificação de qualquer ato.//3. Razão pela qual, o mandatário do Credor Reclamante desconhece todos os atos praticados nos apensos dos autos principais.//4. Dispõe o nº 1 do artigo 129.º do CIRE, que: Nos 15 dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações, o administrador da insolvência apresenta na secretaria uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos, ambas por ordem alfabética, relativamente não só aos que tenham deduzido reclamação como àqueles cujos direitos constem dos elementos da contabilidade do devedor ou sejam por outra forma do seu conhecimento.//5. Ora, à excepção dos credores não reconhecidos, dos credores cujos créditos foram reconhecidos sem que os tenham reclamado, ou em termos diversos dos da respectiva reclamação, o CIRE não impõe, qualquer espécie de notificação aos “interessados” (artigo 130.º do CIRE), devendo estes, querendo, nos 10 dias subsequentes ao prazo de 15 dias anteriormente referido impugnar a lista de credores reconhecidos, através de requerimento dirigido ao Juiz, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorrecção do montante ou da qualificação de créditos reconhecidos.//6. Ora, não sendo a lista de credores definitiva junta aos autos nos 15 dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações (como não foi no caso em apreço) é impossível a qualquer credor conseguir controlar a data da entrega da mesma em Tribunal.//7. Precisamente o que sucedeu nos presentes autos.//8. Sendo mais gravoso, o facto de o mandatário do Credor não estar associado aos apensos, não obstante constar substabelecimento a seu favor.//9. Com efeito, é forçoso concluir que face à manifesta impossibilidade do Banco conseguir saber a data em que a mesma foi apresentada, deveria o Reclamante (e todos os Credores) serem notificados da mesma para, querendo, no prazo de 10 dias após a notificação proceder à impugnação da lista de credores reconhecidos.//10. Apesar de tal não ter sucedido, o Reclamante teve agora conhecimento de que a lista a que alude o artigo 129º do CIRE, foi apresentada em 12/01/2018 – cfr.  documento nº 1 que ora se junta e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.//11. Pelo que vem agora e atendendo a todo o exposto, apresentar a sua IMPUGNAÇÃO DA LISTA DE CREDORES RECONHECIDOS.
10. Sobre o requerimento de 27.04 supra aludido em 7. recaiu despacho proferido em 27.05.2018 no apenso de reclamação de créditos (B), nos seguintes termos:
Diz o requerente que a lista a que alude o art.º 129º do CIRE não foi junta aos autos, o que não se releva correcto, já que a mesma foi apresentada em 12.01.2018, dando origem ao presente apenso.
É rigoroso que ocorreu fora do prazo a que alude o art.º 129º do citado diploma, todavia, tal circunstância não impõe que o tribunal notifique todos os credores da sua junção extemporânea para os fins a que alude o art.º 130º, n.º 1 do CIRE.
Cabe aos credores interessados e não avisados a consulta do processo com assiduidade, ou por outro meio, (contacto com o Sr. AI) com vista a aferir da sua efectiva junção.
O regime a que alude o art.º 130º, n.º 1 do CIRE, tal como se encontra consagrado, impõe “aos interessados um particular ónus no acompanhamento da marcha do processo; certo que só a sua especial diligência e atenção lhes dará a garantia de conhecer, com rigor, os tempos próprios dos actos e, por conseguinte, situar nos momentos ajustados e tempestivos o exercício das faculdades processuais que lhes sejam concedidas” (cit. Ac. RP de 11.04.2018).
Destarte, indefere-se a requerida notificação do credor requerente para se pronunciar sobre a lista de créditos reconhecida e junta.
11. O sobredito despacho foi notificado ao credor BCP através de expediente de 28.05.2018, na sequência do qual apresentou novo requerimento de 26.06.2018, insistindo (…) no teor do requerimento apresentado em 04/05/2018.
12. Em 08.07.2018 foi proferido despacho que, por referência ao requerimento do BCP de 04.05.2018, ordenou que, Em face do teor inicial do requerimento em referência, esclareça a secção a situação mencionada de não associação do mandatário ao processo principal e apensos, nos termos descritos.
13. Por cota lavrada em 09.07.2018 a secção lavrou nos autos a seguinte informação:
1. O substabelecimento a favor do Ilustre Mandatário deu entrada via citius a 09-01-2018, tendo sido o mesmo de imediato associado ao processo principal, como é prática nesta secção. Tanto é, que foi o Sr. Dr….o notificado a 14-02-2018 do despacho inicial de exoneração do passivo restante proferido nos autos principais a 09-02-2018.
2. Relativamente ao presente apenso, o mesmo foi criado pelo Sr. AI a 12-01-2018, sendo que o mandatário associado deveria ser o que consta da lista do 129.º do CIRE, não tendo logo de imediato sido o Sr. Dr. …. associado ao credor que representa.
3. Relativamente aos restantes apensos, B (Apreensão de bens) e C (Liquidação), tal como este apenso (A), foram criados pelo Sr. AI. Pelo que do apenso B apenas consta o credor BCP, SA, sem mandatário associado e do apenso C já constam os credores e os respectivos mandatários, mas estes vinham associados como legais representantes, pelo que os senhores advogados não conseguiriam visualizar ou aceder ao apenso via
citius.
4. Os apensos são criados e enviados automaticamente através do sistema citius, o que facilita a sua tramitação, mas dado o volume de requerimentos a ser tratados diariamente nem sempre é possível verificar e actualizar as “árvores de intervenientes”, que deveriam estar já correctas aquando da submissão dos requerimentos iniciais.
14. Sobre o req. de 04.05.2018 aludido em 9. recaiu despacho proferido em 19.09.2018 nos seguintes termos:
Em face do lapso na associação do credor BCP, S.A aos presentes autos apensos (conforme cota explicativa de 9.07.2018), o que terá contribuído para o seu desconhecimento da junção da lista a que alude o art.º 129º do CIRE, em detrimento dos demais credores em situação regular, admito o requerimento junto a 4.05.2018, até por força da factualidade ali narrada e aditada no R/ de 13.08.2018, a qual, nos termos do disposto no art.º 612º do CPC terá de objecto de prova nos presentes autos.
Assim, determino o seguinte: R/ 4.05.2018 e 13.08.2018 (ao qual aderem os demais credores R/ 16.08.2018 e 24.08.2018):
a. Notifique ao insolvente e à credora Suzi Ramos da Silva para contestar em 10 dias; (…).
15. Deste despacho foi interposto recurso pela aqui apelante, pedindo a revogação do despacho de admissão do requerimento de impugnação de créditos, despacho que foi anulado por acórdão desta Relação proferido nos autos de recurso em apenso D, por ser totalmente omisso na descrição fatual da questão pelo mesmo decidida.
16. Simultaneamente com o requerimento e alegações de recurso, a apelante apresentou resposta à impugnação apresentada pelo credor apelado BCP, no âmbito da qual, entre outras, opôs à impugnação do seu crédito a exceção do caso julgado material formado pela sentença de verificação e graduação de créditos proferida nos autos de reclamação de créditos apensos ao processo de execução nº 4785/09.0TCLRS.
17. Sobre o requerimento de 04.05.2018 recaiu o despacho objeto do presente recurso, proferido em 28.05.2019 nos seguintes termos:
I. Relatório
Em obediência ao Acórdão da Relação proferido no apenso D, profere-se nova decisão relativamente ao R/ apresentado neste apenso em 4.05.2018, atinente à admissibilidade da impugnação apresentada pelo credor BCP, S.A. relativamente ao crédito reconhecido a Suzy Ana Ramos da Silva.
II. Fundamentação
A) Factos provados:
Resulta dos autos a seguinte factualidade:
1. Por requerimento datado de 12.01.2018, o Sr. Al apresentou a lista de créditos reconhecidos a que alude o art.° 129° do CIRE.
2. A sentença que declarou a …. insolvente foi publicitada em 18.09.2017, tendo sido fixado um prazo de 30 dias para a reclamação de créditos.
3. Nesta lista o Sr. Al reconheceu a … um crédito no valor de €300.986,30 de natureza garantida por força de Direito de Retenção reconhecido em sentença proferida no processo 4785/09.0TCLRS.
4. Por requerimento de 27.04.2018, o credor BCP veio manifestar-se, referindo não ter sido apresentada a lista a que alude o art.° 129° do CIRE e requerendo: “Nesta conformidade e atendendo ao facto de ainda não ter sido apresentada a lista de credores e ainda à manifesta impossibilidade do Banco conseguir saber a data em que a mesma será apresentada, requer a V.a Exa. que uma vez junta aos autos a lista a que alude o artigo 129° do CIRE seja o Reclamante notificado da mesma para, querendo, no prazo de 10 dias após a notificação procederá impugnação da lista de credores reconhecidos.”
5. Sobre este requerimento, referido no ponto 4.. foi proferido o seguinte despacho:
“Diz o requerente que a lista a que alude o art.° 129° do CIRE não foi junta aos autos, o que não se releva correcto, já que a mesma foi apresentada em 12.01.2018, dando origem ao presente apenso.
É rigoroso que ocorreu fora do prazo a que alude o art.° 129° do citado diploma, todavia, tal circunstância não impõe que o tribunal notifique todos os credores da sua junção extemporânea para os fins a que alude o art.° 130°, n.°1 do CIRE.
Cabe aos credores interessados e não avisados a consulta do processo com assiduidade, ou por outro meio, (contacto com o Sr. Al) com vista a aferir da sua efectiva junção.
O regime a que alude o art.° 130°, n.° 1 do CIRE, tal como se encontra consagrado, impõe "aos interessados um particular ónus no acompanhamento da marcha do processo; certo que só a sua especial diligência e atenção lhes dará a garantia de conhecer, com rigor, os tempos próprios dos actos e, por conseguinte, situar nos momentos ajustados e tempestivos o exercício das faculdades processuais que lhes sejam concedidas” (cit. Ac. RP de 11.04.2018).
Destarte, indefere-se a requerida notificação do credor requerente para se pronunciar sobre a lista de créditos reconhecida e junta.
Notifique.”
6. Todavia o credor BCP apresentou um requerimento, datado de 4.05.2018, no qual veio impugnar a lista de créditos apresentada e invocar, como justificação da sua apresentação tardia, o seguinte:
“1. Em primeiro lugar, importa referir que se desconhece a razão pela qual o mandatário do Credor Reclamante não está associado ao processo principal e a todos os seus apensos no sistema citius, não obstante constar substabelecimento a seu favor.”
2. A não associação implica que o mandatário do Credor Reclamante esteja impedido de recorrer, reclamar ou pedir a rectificação de qualquer ato.
3. Razão pela qual, o mandatário do Credor Reclamante desconhece todos os atos praticados nos apensos dos autos principais (...)” Acrescentou que a apresentação tardia da lista de créditos reconhecidos e a não associação do credor aos autos condicionou, impossibilitando o controlo da dinâmica processual, nomeadamente, a data da entrega da lista de créditos no tribunal.
7. De imediato o tribunal procurou esclarecer a factualidade alegada, determinando que: “Em face do teor inicial do requerimento em referência, (R/ 4.05.2018) esclareça a secção a situação mencionada de não associação do mandatário ao processo principal e apensos, nos termos descritos.”
8. Na sequência deste despacho foi prestada a seguinte informação:
COTA: Em 09-07-2018 - Em face do teor inicial do requerimento com a referência 12291231 (04-05-2018), importa esclarecer o seguinte:
“1. O substabelecimento a favor do Ilustre Mandatário deu entrada via citius a 09-01-2018, tendo sido o mesmo de imediato associado ao processo principal, como é prática nesta secção. Tanto é, que foi o Sr. Dr. … notificado a 14-02-2018 do despacho inicial de exoneração do passivo restante proferido nos autos principais a 09-02-2018.
2. Relativamente ao presente apenso, o mesmo foi criado pelo Sr. Al a 12-01-2018, sendo que o mandatário associado deveria ser o que consta da lista do 129° do Cl RE, não tendo logo de imediato sido o Sr. Dr. …. associado ao credor que representa.
3. Relativamente aos restantes apensos, B (Apreensão de bens) e C (Liquidação), tal como este apenso (A), foram criados pelo Sr. Al. Pelo que do apenso B apenas consta o credor BCP, SA, sem mandatário associado e do apenso C já constam os credores e os respectivos mandatários, mas estes vinham associados como legais representantes, pelo que os senhores advogados não conseguiriam visualizar ou aceder ao apenso via citius.
4. Os apensos são criados e enviados automaticamente através do sistema citius, o que facilita a sua tramitação, mas dado o volume de requerimentos a ser tratados diariamente nem sempre é possível verificar e actualizar as “árvores de intervenientes”, que deveriam estar já correctas aquando da submissão dos requerimentos iniciais.”
9. Em aditamento ao requerimento de 4.05.2018 o credor BCP , S.A. veio apresentar o RJ 13.08.2018.
10. Este requerimento, pela gravidade dos factos narrados, teve a aderência espontânea de outros credores, nos termos que contam do teor dos RI 16.08.2018 e 24.08.2018.
B) De Direito
Questão a decidir:
Da extemporaneidade do requerimento datado de 4.05.2018, apresentado pelo credor BCP, S.A., impugnando o crédito de….
Dispõe o art.° 130° do CIRE que nos 10 dias seguintes ao termo do prazo fixado no n.° 1 do artigo 129° do mesmo diploma, ou seja, 15 dias após o termo do prazo das reclamações, inicia-se o prazo de 10 dias para os credores impugnaram os créditos constantes da respectiva lista.
Como é evidente, a aplicação destes normativos, tout court, pressupõe que o Sr. Al cumpra os prazos aí definidos.
Não havendo o escrupuloso cumprimento destes prazos por parte do Sr. Al, designadamente, pela apresentação tardia da lista de créditos, ou seja, após o prazo definido no n.° 1 do art.° 129° do CIRE, tem sido entendido, pacífico, que o prazo a que alude o art.° 130°, n.° 1 do mesmo diploma, de 10 dias, conta-se a partir da apresentação da lista de créditos no processo.
É a situação processual dos autos em apreciação, porquanto o prazo definido no art.° 129° do CIRE ocorreu em Outubro de 2017 e a lista de créditos reconhecidos só veio a ser junta em 12.01.2018.
Destarte, o prazo para a impugnação dos créditos constantes da lista de créditos reconhecidos teve início em 13.01.2018 e terminou em 23.01.2018 - cf. Art.° 130°, n.° 1 do CIRE.
Ocorre que, o credor BCP, S.A, não foi associado a este apenso, conforme se retira da cota explicativa da secção, transcrita no ponto 8 dos factos provados, situação pontual e anormal na tramitação geral dos processos por parte da secção e, por via disso, não pôde ver e consultar o teor deste apenso, nomeadamente, que a lista de créditos reconhecidos já se encontrava junta desde a data supramencionada.
Neste pressuposto, de falha do sistema, considerou-se no despacho revogado que a impugnação apresentada teria de ser atendida por tempestiva, entendimento que se mantém e melhor se explana.
Com efeito, se é rigoroso que o art.° 130° do CIRE impõe aos credores interessados e não avisados a consulta do processo com assiduidade, ou por outro meio, (contacto com o Sr. Al) com vista a aferir da sua efectiva junção, ou seja, “um particular ónus no acompanhamento da marcha do processo; certo que só a sua especial diligência e atenção lhes dará a garantia de conhecer, com rigor, os tempos próprios dos actos e, por conseguinte, situar nos momentos ajustados e tempestivos o exercício das faculdades processuais que lhes sejam concedidas” (cit. Ac. RP de 11.04.2018), tal ónus cessa quando os canais legalmente definidos para consulta, in casu, a plataforma digital, constituem, por qualquer modo, entrave, obstáculo ou engano da situação processual existente.
O credor impugnante veio alegar a impossibilidade de aceder ao presente apenso (reclamação de créditos) por facto que não lhe é imputável, apurando-se que o obstáculo à visualização do processo e, nomeadamente, à visualização da lista do art.° 129°, deveu-se à sua não associação ao processo por parte da secção.
Esta situação integra justo impedimento para a prática do acto nos termos do art.° 140° do CPC que define que: “Constitui «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do acto”.
Em face do supra exposto, e sem necessidade de mais considerandos, impõem-se concluir pela tempestividade da impugnação apresentada pelo credor BCP, S.A. em 4.05.2018, porquanto apenas em 27.04.2018 logrou manifestar-se e aceder ao processo e, considerando-se o início do prazo em 27.04.2018, em 4.05.2018 o prazo a que alude o art.° 130°, n.° 1 ainda não havia decorrido.
Sem prejuízo, o teor da factualidade explanada no requerimento de impugnação apresentado e os que lhe seguiram, indiciam um circunstancialismo enquadrável no art.° 612° do CPC, que tem de ser apurado nos presentes autos.
III.       Decisão
Pelo exposto, admito o R/ de 4.05.2018, no mais mantendo todo o teor do despacho de 19.09.2018 em referência nas diversas alíneas elencadas.
IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A) Da invocada violação do caso julgado formal formado pelo despacho proferido em 27.05.2018
Conforme art. 628º do CPC A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação., formando caso julgado. A insusceptibilidade de recurso ordinário ou de reclamação constitui assim um requisito formal do caso julgado, externo ao próprio teor da decisão. 
Dispõe o art. 580º, nº 1 e nº 2 do Código de Processo Civil que a exceção do caso julgado (assim como a exceção da litispendência) pressupõe a repetição de uma causa e visa evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior, produzindo um efeito de preclusão definitiva de novo e ulterior conhecimento judicial sobre a mesma questão.
Os limites do caso julgado são traçados pela sobejamente conhecida coexistência da tríplice identidade dos elementos identificadores da relação ou situação jurídica, processual ou material, definida pela decisão: sujeitos, objeto ou pedido, e fonte, título constitutivo ou causa de pedir.  Nos termos do art. 581, nº 2, 3 e 4 do CPC há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico, e há identidade de causa de pedir quando os factos jurídicos que fundamentam a pretensão são os mesmos.
Em contraposição com o caso julgado material previsto pelo art. 619º do CPC, que tem como objeto a sentença que, apreciando do mérito da ação, conhece da relação material controvertida, o art. 620º, nº 1 distingue o Caso julgado formal, que incide sobre As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.
Sob a epígrafe Casos julgados contraditórios prevê o art. 625º, nº 1 do CPC que Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar. Acrescenta o nº 2 que É aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual.
Tratando-se de caso julgado meramente formal, a estabilidade adquirida pela decisão é restrita ao processo onde foi proferida, ao qual se circunscreve aquele fenómeno da preclusão de nova decisão sobre a mesma questão. O caso julgado formal traduz a força obrigatória da estabilidade dos despachos e das sentenças que recaiam unicamente sobre a relação processual e, tal como o caso julgado material, manifesta-se em duas vertentes ou efeitos essenciais: um, de cariz negativo, que impede que o tribunal que a proferiu se volte a pronunciar sobre a concreta já decidida nos autos (sem prejuízo das alterações admitidas nos termos do art. 613º, nº 2 do CPC, restritas à rectificação de erros materiais, ao suprimento de nulidades e à reforma da sentença, nos termos consagrados nos artigos 614º a 616º do CPC); outro, de cariz positivo, a autoridade de caso julgado, que vincula o tribunal à decisão anteriormente proferida (nesse sentido, Rui Pinto, Revista Julgar, on line, novembro 2018, e acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20.10.2015, processo nº 231514/11.3YIPRT.C1).
No caso, a apelante exceciona e opõe o efeito de caso julgado ao despacho recorrido que recaiu sobre o requerimento de 04.05.2019 do apelado, invocando em fundamento o despacho proferido em 27.05.2018 que recaiu sore o requerimento de 27.04.2018 apresentado pelo mesmo sujeito processual.
Um e outro consubstanciam despachos judiciais que não são de mero expediente nem proferidos no âmbito de um poder discricionário, e duvidas não surgem quanto à natureza processual das questões sobre que versam cada um deles, estritamente atinente com a regulação da tramitação do apenso de reclamação de créditos. Dúvidas também não existem quanto à verificação do pressuposto qualidade e identidade de partes posto que, não só é o mesmo o autor de um e outro requerimento objeto dos despachos, como, no contexto processual da pluralidade subjetiva que caracteriza o processo de reclamação de créditos tramitado por apenso a insolvência, a par com o insolvente, todos os credores inscritos nas listas integram a relação processual subjetiva que naquele se constitui, assumindo a qualidade de partes numa relação concursal e, por isso, ao menos em abstrato, conflituantes entre si (posto que em sede de pagamento pelo produto da massa insolvente disponível para rateio, e para que tende a sentença de verificação e graduação de créditos, o reconhecimento do direito de crédito de uns pode importar a compressão ou até a supressão do pagamento de outros), independentemente da posição (ativa ou passiva) que ocupem na relação processual que entre si desenvolvam enquanto partes de um concreto litigio que, no âmbito do objeto do apenso de reclamação (para verificação e graduação) de créditos, submetam a apreciação.
Importa então aferir da invocada repetição de decisão por referência aos concretos fundamentos e pedidos deduzidos por um e outro requerimento que foram objeto dos despachos em questão, aferindo assim o objeto ou efeito jurídico que foi indeferido pelo proferido em 27.05.2018, e o que foi deferido pelo despacho recorrido.
Através do requerimento que em 27.04.2018 dirigiu aos autos principais, o apelado, alegando que Compulsados os autos verifica-se que o Sr. Administrador da Insolvência ainda não juntou a lista de todos os credores por si reconhecidos e a lista dos não reconhecidos., requereu que uma vez junta aos autos a lista a que alude o artigo 129.º do CIRE seja o Reclamante notificado da mesma para, querendo, no prazo de 10 dias após a notificação proceder à impugnação da lista de credores reconhecidos., pedido que justificou invocando ter já decorrido o prazo legal para o Sr. Administrador da Insolvência cumprir aquela junção e, nesse contexto, a manifesta impossibilidade do Banco conseguir saber a data em que a mesma será apresentada.
Sobre esse requerimento recaiu o despacho proferido em 27.05.2018 que, desfazendo o pressuposto erróneo em que laborava o credor apelado, consignou que a lista de credores foi apresentada em 12.01.2018 e deu origem ao apenso de reclamação de créditos, e indeferiu a requerida notificação do credor requerente para se pronunciar sobre a lista de créditos reconhecidos e junta. Em fundamento do dito indeferimento invocou que, apesar de a junção da lista ter ocorrido fora do prazo a que alude o art 129º do CIRE, tanto não impõe que o tribunal notifique todos os credores da sua junção extemporânea para os fins a que alude o art.º 130º, n.º 1 do CIRE, por entender caber aos credores interessados e não avisados o ónus de acompanharem a marcha do processo com diligente assiduidade e atenção de forma a conhecerem os tempos para o exercício das faculdades processuais que lhes sejam facultadas.
Posteriormente ao requerimento de 27.04.2018, mas antes da prolação do despacho que sobre ele recaiu e, por isso, antes de dele ser notificado, o credor apelado apresentou novo requerimento, agora para impugnação do crédito da apelante inscrito na lista de créditos reconhecidos pelo sr. Administrador da Insolvência, expondo em questão prévia à impugnação que a sua apresentação apenas naquela data se deveu ao facto de, por razões que desconhece e apesar de constar substabelecimento a seu favor, o mandatário do credor impugnante não estar associado aos apensos do processo de insolvência, incluindo o de reclamação de créditos e, por isso, desconhecer todos os autos praticados nos mesmos. Reproduzindo o teor do requerimento de 27.04.2018, mais alegou, reiterando, que (…) não sendo a lista de credores definitiva junta aos autos nos 15 dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações (como não foi no caso em apreço) é impossível a qualquer credor conseguir controlar a data da entrega da mesma em Tribunal, e que (..)  face à manifesta impossibilidade do Banco conseguir saber a data em que a mesma foi apresentada, deveria o Reclamante (e todos os Credores) serem notificados da mesma para, querendo, no prazo de 10 dias após a notificação proceder à impugnação da lista de credores reconhecidos. Finalizou a exposição em sede de questão prévia alegando que, apesar de não ter sido notificado da sua junção, (…) teve agora conhecimento de que a lista a que alude o artigo 129º do CIRE, foi apresentada em 12/01/2018. Prosseguiu com os termos da impugnação que dirigiu ao crédito da apelante.
Depois de notificado do despacho proferido em 27.05.2018 o credor apelado veio aos autos insistir pelo requerimento de 04.05.2018, na sequência do que o tribunal recorrido instou a secção a esclarecer da situação de não associação do mandatário do credor apelado ao processo principal e apensos, esclarecimento que a secção cumpriu confirmando que o apenso de reclamação de créditos foi criado automaticamente pelo Sr. Administrador da Insolvência em 12.01.2018 através do sistema citius (data em que remeteu o requerimento com o qual juntou aos autos a lista de créditos), sem que no dito apenso o Sr. Dr. …, que através de substabelecimento já constava dos autos principais como mandatário do BCP, SA, tenha sido associado ao credor que representa, associação que não foi logo feita pela secção porque o volume de requerimentos a ser tratados diariamente nem sempre permite atualizar a «árvore de intervenientes».  
O tribunal recorrido proferiu então despacho de admissão do requerimento de impugnação da lista de créditos apresentado pelo credor apelado recorrido, por tempestivo, e o que fundamentou no facto de o credor apelado não ter sido associado ao apenso de reclamação de créditos (no sistema informático, entenda-se), e de tal omissão não lhe ter permitido ver e consultar o teor do mesmo, nomeadamente, que a lista de créditos reconhecidos já se encontrava junta desde 12.01.2018, situação que a Mmª Juiz a quo configurou como justo impedimento previsto pelo art. 140º do CPC (no caso, para a prática do ato pelo credor impugnante no prazo de dez dias subsequente à junção da lista aos autos), correspondente ao entrave, obstáculo ou engano da situação processual existente decorrente da plataforma digital que constitui o canal de consulta do processo, e porque só em 27.04.2018 o credor impugnante logrou aceder ao processo.
Resumindo, o primeiro despacho indeferiu o pedido de notificação da lista de credores ao credor apelado (para que sobre ela se pudesse pronunciar nos termos do art. 130º, nº 1 do CIRE logo que fosse apresentada pelo sr. Administrador da Insolvência), e o segundo despacho admitiu o requerimento para impugnação da lista de credores que foi apresentado pelo credor apelado (nos termos do art 130º, nº 1 do CIRE, mas para além do prazo de dez dias subsequente à apresentação da lista de credores pelo Sr. Administrador da Insolvência).
Do descrito confronto resulta que não existe coincidência entre um e outro pedido formulado pelo credor apelado na medida em que, no imediato, cada um deles visa efeitos jurídicos distintos  – o primeiro, a notificação da lista de credores apresentada nos autos pelo Administrador da Insolvência para além do prazo legal para o efeito previsto (15 dias após o termo do prazo fixado na sentença para apresentação de reclamação de créditos), o segundo, de admissão do requerimento de impugnação da lista de créditos -, nem tão pouco coincidem os fundamentos de facto em cada um deles aduzido - ausência de junção as autos da lista de credores, no primeiro e, no segundo, desconhecimento da junção aos autos da lista de credores decorrente da ausência de associação do mandatário do credor no apenso de reclamação de créditos através do sistema informático operativo em vigor nos tribunais (para tramitação, cumprimento e consulta processual). Impõe-se por isso concluir pela ausência de repetição de decisão sobre a mesma questão e, assim, pela inverificação da tríplice identidade pressuposta pela invocada exceção de caso julgado formal, nada obstando, antes se impondo pelo dever de regulação dos autos, a apreciação da tempestividade ou intempestividade do requerimento de impugnação de créditos apresentado pelo credor posteriormente ao requerimento sobre o qual recaiu o despacho de 27.05.2018.
É porem evidente que entre o primeiro e o segundo despacho existe uma relação de prejudicialidade na precisa medida em que são processualmente conexos os objetos dos requerimentos sobre os quais incidem: com a notificação que foi requerida por req. de 27.4.2018, e que foi indeferida, o credor BCP pretendia vir a exercer a faculdade de impugnação da lista de credores; através do req. de 04.05.2018, que foi deferido, o credor veio exercer essa mesma faculdade.
Ora, conforme é referido por Rui Pinto (ob. cit.), o efeito positivo [do caso julgado ou a autoridade do caso julgado] admite a produção de decisões de mérito sobre objetos processuais materialmente conexos, na condição da prevalência do sentido decisório da primeira decisão. (…) .//.
Em termos de construção lógica da decisão, na autoridade de caso julgado a decisão anterior determina os fundamentos da segunda decisão; na exceção de caso julgado a decisão anterior obsta à segunda decisão.// [o] efeito negativo e o efeito positivo do caso julgado, i.e., a exceção de caso julgado e a autoridade de caso julgado, são duas faces da especial qualidade da decisão judicial transitada em julgado, nos termos do artigo 628.º: a “força obrigatória” da decisão judicial dentro do processo (cf. artigo 620.º) e fora dele, quando julgue do mérito (cf. artigo 619.º).//Ora, justamente por isso, deve entender-se que o enunciado do artigo 580.º, n.º 2, vale tanto para o efeito negativo, como para o efeito positivo do caso; ou seja se “[t]anto a exceção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior”, essa finalidade também surge na presença de objetos processuais materialmente conexos. (…) //Tudo visto, também por aqui se visa “obstar a que a situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença” (Ac. do STJ de 27-02-2018/Proc. 2472/05.8TBSTR.E1 (Fátima Gomes).//I. Nas relações de prejudicialidade entre objetos processuais o sentido de uma decisão anterior determina os fundamentos de uma decisão posterior; noutra perspetiva, a resolução da segunda questão está dependente da resolução de uma primeira questão. Ora, aqui, escreve Teixeira de Sousa, “o tribunal da ação dependente está vinculado à decisão proferida na causa prejudicial”.
Porém, o mesmo autor excetua desta relação concursal ou prejudicial vinculativa (de uma decisão sobre outra que lhe suceda sobre objeto materialmente conexo), o caso de a primeira decidir pela negativa. As coisas passam-se de modo diferente na situação de caso julgado negativo. Ao autor vencido não está vedado que repita o mesmo pedido, mas com diferentes causas de pedir: o que transitou foi que pelo primeiro e concreto fundamento o autor não tem o direito que alega, mas não transitou que ele não possa ter direito por qualquer outro fundamento fáctico não deduzido. Por ex.: pedido o despejo de locado com fundamento em causa resolutiva do artigo 1083.º, n.º 2, al. a), CC, se o tribunal não decretar o despejo, é óbvio que o autor pode repetir o pedido fundado noutros factos que consubstanciem outra causa resolutiva.//Mas, não se poderá opor ao autor um ónus de concentração de todos os fundamentos na dedução de um pedido, evitando-se a multiplicação de ações por outros tantos fundamentos?//A resposta é negativa: nada na lei portuguesa o determina, nem constitui má fé processual, salvo quando redunda efetivamente nalguma das categorias do artigo 542.º.
Aderindo in totum à citada posição, considerando que o primeiro despacho em confronto foi no sentido do indeferimento do pedido (de notificação), e que no segundo pedido (de admissão da impugnação) o credor apelado invocou fundamento novo no qual se ancorou o seu deferimento, resulta de todo o antes exposto que o despacho recorrido não repetiu nem contrariou o despacho anteriormente proferido porque a ele não estava vinculado, nem pela via da exceção do caso julgado, nem pela autoridade do caso julgado, que não se verificam.
Mas, ainda que se concluísse que o despacho recorrido repete ou contradiz despacho anteriormente proferido e que, nos termos do art. 613º, nº 1 e 3 do CPC, este era vinculativo para o tribunal recorrido, o objetivo da estabilidade assim visada conferir às decisões judiciais proferidas pelo juiz da causa não se estendia à presente instância recursória, para a qual o primeiro despacho apenas seria insuscetível de alteração caso houvesse alcançado a situação de trânsito em julgado nos termos do artigo 628º, o que não sucede. Com efeito, o caso julgado pressupõe antes de mais que a decisão transite em julgado e, conforme já referido, visa obstar à contradição prática entre duas decisões (concretamente incompatíveis), ou seja, que o tribunal decida de modo diverso sobre o direito, situação ou posição jurídica concreta, já definida por decisão anterior.
Ora, considerando que pelo seu objeto o despacho que indeferiu a requerida notificação não integra qualquer uma das decisões taxativamente previstas pelo art. 644º, nº 1 e 2 do CPC, daí decorre que não era imediatamente recorrível e que, nos termos do nº 3 da citada norma, só com o despacho de rejeição do requerimento para impugnação da lista ou, na ausência deste (como é o caso), com a notificação da sentença que fosse desfavorável ao direito de crédito do credor apelado, este poderia recorrer do referido despacho interlocutório, simultaneamente com o recurso da sentença, precisamente, com fundamento em violação do princípio do contraditório. Sem prejuízo, porém, do conhecimento oficioso da nulidade que por essa via fosse cometida, questão que remete para o objeto do recurso elencado sob o ponto D) e que infra retomaremos.
No sentido exposto, acórdão da Relação de Coimbra de 15.11.2016, proferido no processo nº 2002/14.0TBLRA-D.C1 e, com interesse para a questão da nulidade com fundamento na violação do contraditório, acórdão da Relação de Guimarães de 19.04.2018, proferido no processo nº 33/04.0TMBRG-K.G1 (ambos disponíveis no site da dgsi).
Termos em que se conclui pela não verificação da exceção ou da autoridade da força do caso julgado, com a consequente improcedência da apelação nesta parte.
B) Da Invocada violação do contraditório, nos termos dos arts. 3º e 4º do CPC
O princípio do contraditório, que com a amplitude prevista  pelo art. 3º do CPC excede o mero direito à defesa, constitui a garantia do exercício da faculdade reconhecida a cada uma das partes de participarem ativamente na construção das decisões judiciais, ainda que visando resultados diversos (na sua larga maioria opostos), prestando contributos de facto e de direito a partir dos quais o processo é construído e atinge o seu desiderato, de acordo com a tramitação processual legal aplicável, e sempre sem prejuízo da liberdade e independência do juiz na valoração da matéria de facto (salvo situações de prova plena ou vinculada), e na subsunção dos factos ao direito, através da determinação e interpretação da norma que entenda aplicável.
Alega a apelante que a decisão de facto que integra o despacho recorrido foi proferida sem o prévio cumprimento do contraditório, mas sem que o justifique ou concretize posto que não indica a concreta omissão ou atividade em que se consubstancia a dita preterição ou omissão do contraditório, o que tanto bastaria para nesta parte votar a apelação à improcedência, por falta de fundamentação.
Sem prejuízo sempre diremos que, percorrida a tramitação do apenso de reclamação de créditos, não se vislumbra uma qualquer omissão ou comissão de ato processual com a virtualidade de inquinar a decisão recorrida com o vício da nulidade por preterição do contraditório, do princípio da igualdade de armas das partes no processo, ou de qualquer formalidade essencial suscetível de influir no exame da causa (cfr. art. 195º do CPC). Desde logo porque o requerimento do credor BCP objeto daquele despacho foi oportunamente notificado à apelante nos termos do art. 221º do CPC, que dele assim tomou conhecimento (constatando-se que nessa fase a credora apelante sobre ele não se pronunciou). Acresce que os fundamentos de facto por aquele requerimento invocados e considerados em sede de fundamentação de facto da decisão recorrida – ausência de associação do mandatário do credor BCP no apenso de reclamação de créditos através da inscrição do mesmo na ‘árvore de intervenientes’ do suporte eletrónico ou informático do processo disponível no sistema operativo em vigor nos tribunais – decorrem dos elementos gráficos de cada processo (principal ou apenso) eletrónico, visíveis para os mandatários que nele constam associados, sendo certo que pela apelante não vem alegado que essa não era a sua situação. Acresce ainda que sobre aquele requerimento recaiu o despacho de 19.09.2018 (que foi anulado por decisão sumária proferida nos autos de recurso em apenso D), no qual o tribunal fez referência à cota lavrada pela secção em 09.07.2018, e desse despacho a apelante recorreu manifestando perfeito conhecimento do referido fundamento de facto invocado pelo credor BCP.
Finalmente, urge referir que os factos atinentes com a questão da tempestividade da impugnação apresentada pelo credor BCP correspondem aos descritos sob os nºs 1 a 8 da decisão recorrida, e estes limitam-se a descrever atividade processual realizada e patente  nos autos que, por isso e por ser do conhecimento da apelante, não carecia de ser objeto de qualquer contraditório, sendo que o teor da cota lavrada pela secção em 09.07.2018 não introduziu qualquer factualidade nova nos autos relevante e determinante para a decisão recorrida, antes consubstancia prestação de esclarecimento/justificação para a verificação do facto que vinha invocado pelo credor BCP – ausência de associação do respetivo mandatário no apenso de reclamação de créditos.
Termos em que se conclui pela ausência de violação do contraditório previsto pelo art. 3º do CPC e, consequentemente, pela improcedência da apelação nesta parte.
C) Da invocada omissão de factos relevantes para a decisão
Conforme conclusões do recurso, requer a apelante que à matéria de facto descrita sob o ponto 1 dos “Factos provados” seja acrescentando que, aquando da junção aos autos da lista de créditos pelo Administrador da Insolvência, foi indicado como interveniente associado o BCP, SA, e indicado como mandatário o mi. advogado Tiago Rodrigues Bastos.
Rejeita-se porém qualquer relevância de tal facto para apreciação da admissibilidade da impugnação, na precisa medida em que o respetivo quid se centra precisamente no facto de à data da junção das listas de créditos aquele Sr. Advogado já não representar o credor BCP, e no facto de o Sr. Advogado que o substituiu através de substabelecimento anteriormente apresentado nos autos principais não ter sido associado ao credor BCP no apenso de reclamação de créditos.
Mais reclama a apelante seja feito aditamento ao ponto 3 dos “Factos provados” da decisão recorrida para nele, e por referência ao processo de execução nº 4785/09.0TCLRS, passar a constar no qual foi parte o BCP, SA. Insurge-se ainda contra o descrito sob os pontos 9 e 10 daquela fundamentação de facto, alegando que a factualidade nela descrita também não obedeceu ao princípio do contraditório e viola o disposto no art. 612º do CPC. Ora, independentemente da bondade da inserção da matéria descrita sob os pontos 9 e 10 no âmbito do despacho que aprecia da admissibilidade da impugnação de créditos apresentada por requerimento de 04.05.2018, o certo é que o facto pretendido aditar e a descrição naqueles pontos contida constitui matéria para o efeito irrelevante, quer porque não tem qualquer relação lógico-jurídica com a questão que foi objeto de apreciação pelo despacho recorrido, quer porque efetivamente não influiu no sentido deste. Antes corresponde o facto pretendido aditar a fundamento atinente com a exceção de caso julgado material que, em sede de resposta, a apelante opôs à impugnação que o credor BCP dirigiu ao seu crédito, e que não foi nem tinha que ser objeto de apreciação pelo despacho recorrido; e os pontos 9 e 10 correspondem a considerações tecidas pela Mmª Juiz para justificar as notificações que, por despacho proferido em 19.09.2018, e que nessa parte não foi anulado no âmbito do recurso em apenso D, ordenou para cumprimento do contraditório tendo em vista a apreciação de eventual abertura do incidente de qualificação da insolvência e de cessação antecipada da exoneração do passivo restante, notificações que, para além de contenderem com os interesses do insolvente e só reflexa e positivamente com os interesses dos credores, integram-se no exercício dos poderes discricionários do Juiz, reforçados no processo da insolvência pelo princípio do inquisitório previsto pelo art. 11º do CIRE. Carece assim de sentido, por ausência de suporte, invocar que naquela parte o despacho recorrido violou o disposto nos arts. 3º, 4º e 612º do CPC, já que nenhuma decisão de facto ou de direito foi proferida relativamente a tais incidentes e, no âmbito do presente recurso, apenas vem questionada a bondade da admissão do requerimento de impugnação da lista, sendo que, conforme sumariado pelo acórdão da Relação de Guimarães supra citado, [o] dever de audição prévia só existe quando estiverem em causa factos ou questões de direito suscetíveis de virem a integrar a base de decisão;.
Termos em que se conclui quer pela ausência de omissão de matéria de facto relevante para o sentido da decisão, quer pela ausência de violação dos arts. 3º, 4º e 612º do CPC e, consequentemente, pela improcedência da apelação nesta parte.
D) Tempestividade do requerimento de impugnação de créditos apresentado pelo Banco Comercial Português
Para melhor compreensão da questão, procede-se a prévio mas breve enquadramento da legal tramitação do incidente de verificação de créditos por apenso a processo de insolvência.
Tendo em vista conferir celeridade ao processo de insolvência - execução universal para liquidação do passivo e do ativo do devedor falido - várias das alterações que pelo legislador foram introduzidas com o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas conduziram à simplificação desse mesmo processado, sendo que em determinadas matérias o foi através da manutenção e alargamento da desjudicialização de atos ou atividade subjacente ao processo, propósito que com maior expressividade se manifestou ou concretizou em sede de incidente de verificação do passivo (com interesse, acórdão da Relação do Porto de 10.01.2012 proferido no processo nº 444/11.2TBPRG-D.P1, disponível no site da dgsi).
Decorre do disposto nos arts. 128º e 129 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que as reclamações de créditos são (imperiosamente) endereçadas ao Administrador da Insolvência para que, em substituição dos requerimentos de reclamação de créditos apresentadas pelos credores, do apenso de verificação e graduação de créditos conste apenas a lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos, procedimento que, a par com o regime de prazos legais sucessivos com supressão de notificações, nos termos dos arts. 133º e 134º, nº 5 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, conduz a óbvia simplificação e celeridade processuais.
Assim, ao que ora interessa, de acordo com os prazos e tramitação legalmente previstos pelos arts. 128º e ss. do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, os credores da insolvência devem reclamar os seus créditos dentro do prazo para o efeito fixado na sentença declaratória da insolvência; nos 15 dias subsequentes ao termo do referido prazo o Administrador de Insolvência junta aos autos lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos; nos 10 dias seguintes qualquer interessado pode impugnar a lista de credores reconhecidos através de requerimento dirigido ao juiz e, nos 10 dias seguintes, qualquer interessado pode responder; no caso de a impugnação se dirigir a outro credor, o dito prazo de 10 dias inicia com a notificação da impugnação ao credor impugnado, a partir da qual este, e só este, tem a faculdade e o ónus de responder à impugnação sob pena de esta ser julgada procedente (salvo caso de erro manifesto por aplicação extensiva do art. 130º, nº 2 do CIRE).
Do descrito procedimento e cominações legais resulta que o legislador adotou o sistema de prazos legais sucessivos prevendo o início do prazo seguinte imediatamente a seguir ao termo do prazo que o precede sem necessidade de intermediação de notificação dos atos objeto de contraditório, e que reflete a natureza consultiva do processo de insolvência (e ao que não é alheio o facto de o mesmo se dirigir ao universo dos credores), bem plasmado em vários lugares do CIRE, desde logo nos arts. 26º, nº 2 e 133º do CIRE. Consequentemente, e ressalvando a exceção legal prevista pelo art. 129º, nº 4 do CIRE, do descrito regime legal resulta que não é processualmente devida a notificação da lista de créditos aos credores cujos créditos sejam reconhecidos pelo Administrador da Insolvência nos termos por eles reclamados; e mais resulta que a cada um dos credores identificados nas listas de créditos é concedida a faculdade de impugnar os créditos que a outros foram reconhecidos sob pena de aqueles serem julgados verificados através da homologação da lista; por sua vez, os credores impugnados são notificados da impugnação e dispõem em sequência de igual prazo para responder sob pena de a impugnação ser julgada procedente, constituindo esta notificação outra exceção ao regime legal dos prazos sucessivos.
Porém, o referido sistema legal de prazos sucessivos pressupõe que o inicio do primeiro prazo corresponda a uma data certa conhecida ou cognoscível por todos os interessados para que estes, com o grau de certeza e segurança que a matéria exige, possam prever e determinar o início do prazo seguinte, e assim sucessivamente. No caso, o prazo para apresentação de impugnação à lista de créditos (por credor não notificado nos termos do art. 129º, nº 4 do CIRE) tem o seu inicio imediatamente a seguir ao termo do prazo legal de 15 dias para o Administrador da Insolvência juntar essa mesma lista, sendo que este, por sua vez, inicia imediatamente a seguir ao termo do prazo fixado na sentença de declaração da insolvência para apresentação de requerimentos de reclamação de créditos e, este, inicia na data da publicação da referida sentença no portal Citius, data esta que permite a todos os interessados controlar o início e o termo dos prazos subsequentes.
O descrito regime e os respetivos pressupostos ficam porem prejudicados se o Administrador da Insolvência não cumprir com a junção da lista de credores no prazo legal para o efeito previsto (15 dias após o termo do prazo para reclamação de créditos), posto que, a partir daí, torna incerta, indeterminável e imprevisível a data do início do prazo para apresentação de impugnação à lista que, no mínimo, pressupõe que esta conste dos autos. Por outro lado, não é exigível que a mora do Administrador da Insolvência no cumprimento daquela obrigação resulte no agravamento da posição dos credores, onerando-os com a incerteza e o encargo de a ela obviar através da consulta diária dos autos, para aferir se a lista foi ou não entretanto junta, e em que data.
Nesse contexto, de incumprimento do prazo para junção da lista de créditos pelo Administrador da Insolvência, impõe-se que seja este a obviar às consequências do seu próprio incumprimento, procedendo à notificação da lista de créditos a todos os que nela constam inscritos, pois que só assim resulta potenciado o pretendido efetivo exercício do contraditório na medida em que, naquele cenário, não podem aplicar-se as regras (de prazos sucessivos e ausência de notificações) previstas pelos arts. 130º, nº 1 e 131º, nº 1 e ss. do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Assim, o que é expectável e devido, por legalmente previsto, é que a lista de créditos seja apresentada pelo Administrador da Insolvência até ao termo do prazo legal para o efeito previsto. Quando assim não suceda e quando aquele incumprimento não é colmatado com a notificação da lista de credores simultaneamente com a junção (tardia) da mesma aos autos, ocorre violação do principio constitucional do acesso à justiça previsto pelo art. 20º da CRP traduzida em omissão perturbadora do pleno e efetivo exercício do contraditório que, nos termos do art. 195º do CPC e caso não seja sanada até à prolação da sentença, produz a nulidade desta por idónea a influir no exame ou na decisão da causa.
É nessa ratio que se enquadra o espirito do legislador que, para além do que é princípio geral do direito, especificamente se manifesta no disposto no art. 129º, nº 4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, ao prever que todos os credores não reclamantes ou cujos créditos foram reconhecidos em termos diversos dos da respetiva reclamação devam disso ser avisados pelo Administrador da Insolvência através de carta registada, sendo inequívoco que a ausência do cumprimento de tal formalidade influi na decisão da causa uma vez que é apta a prejudicar o exercício do contraditório, com particular acuidade num contexto de pluralidade de relações processuais que se constituem (entre o devedor e os credores, e estes entre si) e pela repercussão que os atos processuais e os créditos de cada um deles detém a virtualidade de produzir nos demais, próprio de um procedimento concursal como o é o incidente de verificação e graduação de créditos por apenso a processo de insolvência, e enquanto instrumento para a subsequente fase de pagamentos que, de resto, constitui o objetivo do processo de insolvência liquidatário, com prévia organização da grelha/ordem de pagamento aos credores através da elaboração de mapa de rateio, em conformidade com o que for definido pela dita sentença.
Do que se conclui que o incumprimento do prazo legal para apresentação da lista, associado a subsequente preterição da notificação da mesma aos credores, consubstancia nulidade suscetível de influir na decisão da causa por preterição do contraditório, nulidade que no caso e ao menos relativamente ao credor BCP sempre cumpriria declarar se, entretanto, não se apresentasse sanada com o requerimento de impugnação da lista de créditos por este apresentada, cuja admissão constituiu o busílis submetido pelo presente recurso.
Corresponde o exposto ao sentido da decisão proferida pelo acórdão de Tribunal Constitucional nº 16/2018 de 10.01.2018, proferida no Processo nº 978/2016, no âmbito do qual se concluiu que [s]empre que o administrador da insolvência apresentar as listas dos créditos reconhecidos e não reconhecidos depois de volvido o prazo de quinze dias de que para o efeito dispõe, contado a partir do termo final do prazo para a reclamação de créditos fixado na sentença declaratória da insolvência, a regra do desencadeamento automático do prazo seguinte a partir do esgotamento do prazo imediatamente anterior deixa de poder funcionar; neste caso, o prazo para a impugnação da lista dos créditos reconhecidos só poderá iniciar-se com a prática do ato correspondente ao da sua efetiva apresentação na secretaria judicial e a possibilidade de o insolvente determinar, a partir da mera notificação da sentença que declara a insolvência, o termo inicial do prazo de que dispõe para exercer a faculdade prevista no n.o 1 do artigo 130.º do CIRE é, obviamente, eliminada.//Por isso, se a dispensa de notificação das listas dos créditos reconhecidos e não reconhecidos se mantiver nas situações em que o administrador da insolvência incumpre o prazo fixado no artigo 129.º, n.o 1, do CIRE, será somente através da diária deslocação à secretaria judicial, onde aquelas listas são entregues, que, ao contrário do que se prevê para o conjunto de credores a que alude o artigo 130.º, nº 2, o insolvente poderá tomar conhecimento, em momento compatível com o seu aproveitamento integral, do ‘dies a quo’ do prazo para impugnação dessas listas, faculdade que lhe é conferida pelo artigo 130.º, n.o 1, do referido diploma legal. (…)// Ao comprometer determinantemente o exercício pelo insolvente da faculdade de impugnação dos créditos reconhecidos pelo administrador da insolvência, a dispensa de notificação consentida pela norma impugnada afeta, em suma, uma projeção nuclear do princípio da proibição da indefesa, que assenta na inadmissibilidade de prolação de qualquer decisão sem que ao sujeito processual pela mesma afetado seja previamente conferida a possibilidade de discutir e contestar a pretensão que nela obtém procedência e se intensifica perante o efeito cominatório e/ou preclusivo associado à inação processual.
 E) Se no âmbito do presente recurso cumpre conhecer a exceção do caso julgado material que a apelante opõe ao exercício do direito de impugnação pelo credor Banco Comercial Português
Sob as conclusões 22ª a 27ª invoca a apelante a exceção de caso julgado material para fundamentar a pretensão que pelo presente recurso pretende fazer valer, de rejeição do requerimento de impugnação que o credor apelado dirigiu ao seu crédito. Ora, tanto consubstancia matéria de defesa excetiva pela qual a apelante pretende ver excluída a alegada repetição da apreciação judicial do direito de crédito e da garantia real que para ele reclama nestes autos, defesa que tem como prius processual lógico a prévia admissão do requerimento de impugnação, sendo que apenas sobre esta ultima questão se pronunciou o despacho recorrido, que por ele se absteve, e bem, de apreciar a invocada exceção material peremtória do caso julgado invocada pela apelante em sede de resposta à impugnação, cuja apreciação, não sendo o despacho em crise o momento processual próprio e adequado para o efeito, deverá ter lugar em sede de saneamento do incidente de verificação de créditos, depois de findos os articulados.
No descrito contexto, além do mais, a invocada exceção de caso julgado material surge no presente recurso como questão nova que, também por isso, não cumpriria conhecer.
 V- DECISÃO
Por todo o exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, manter a decisão recorrida.

Custas do recurso a cargo da apelante.
Lisboa, 26.11.2019
Amélia Rebelo
Manuela Espadaneira Lopes
Fernando Barroso Cabanelas