Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3364/2007-4
Relator: ISABEL TAPADINHAS
Descritores: ADMINISTRADOR
CONTRATO DE TRABALHO
SUSPENSÃO DE CONTRATO DE TRABALHO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/04/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I- Se o trabalhador já vinculado à pessoa colectiva é nomeado administrador da entidade patronal, o contrato individual de trabalho suspende-se enquanto durarem aquelas funções.
II- Contudo, se esse trabalhador continua a exercer as mesmas funções que até aí, nos mesmos termos e condições, sendo remunerado, por tal exercício, com as quantias fixadas ab initio, e continuando a usufruir dos mesmos benefícios, nomeadamente utilização de carro e telemóvel, e não tendo poderes de representação da entidade patronal, não se verifica essa suspensão do contrato de trabalho, já que esta pressupõe que o trabalhador exerça exclusivamente as funções de administrado.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

Relatório
(LM) instaurou, em 16 de Setembro de 2005, acção emergente de contrato individual de trabalho com processo comum contra Flygt Portugal, Tecnologia da Água e do Ambiente, SA pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 12.745,83, acrescida de juros de mora vencidos no valor de € 127,45 e dos juros de mora vincendos até integral pagamento.
Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese, o seguinte:
- celebrou com a ré um contrato de trabalho, na sequência do que o autor iniciou as suas funções em 1 de Dezembro de 2003;
- embora tenha sido nomeado para exercer o cargo de administrador, por deliberação da assembleia geral da ré, em 14 de Janeiro de 2004, continuou a exercer exactamente as mesmas funções para as quais foi contratado;
- em 30 de Abril de 2005, renunciou ao cargo de administrador executivo na ré e fez cessar o seu contrato de trabalho com efeitos a 31 de Maio de 2005;
- a ré não lhe pagou a retribuição de Maio e o “subsídio de representação” nem as férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal de 2005.
Realizada a audiência de partes e não tendo havido conciliação foi ordenada a notificação da ré para contestar, o que ela fez por excepção – incompetência material do Tribunal – e por impugnação concluindo pela sua absolvição da instância ou do pedido com a condenação do autor como litigante de má fé e pela procedência do pedido reconvencional que deduziu.
Na contestação alegou, resumidamente, o seguinte:
- em 14 de Janeiro de 2005 o autor assumiu as funções de administrador da ré de modo que, mesmo que tivesse sido contratado como funcionário da ré, tal contrato cessou nos termos do art. 398º, nº2 do Cód. das Sociedades Comerciais;
- o vínculo que ligou o autor à ré, desde 14 de Janeiro de 2004 até 30 de Abril de 2005, consubstancia um “contrato de administração”, não estando o autor juridicamente subordinado à ré.
Na resposta o autor concluiu pela improcedência da excepção e do pedido reconvencional e pediu a condenação da ré como litigante de má fé.
Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção deduzida e não admitiu o pedido reconvencional.
Instruída e julgada a causa, foi proferida sentença cuja parte dispositiva se transcreve:
Nestes termos, julgando a acção parcialmente procedente, condeno a Ré a pagar ao Autor as seguintes quantias:
a) € 3.705 a título de retribuição correspondente ao trabalho prestado no mês de Maio de 2005;
b) € 6.683,42 a título de proporcionais de férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal tendo em conta o trabalho prestado no ano de cessação do contrato.
c) os juros moratórios respectivos, vencidos desde 31 de Maio de 2005, à taxa de 4% e nos juros vincendos, à taxa legal, até integral pagamento;
Custas por ambas as partes, na proporção do decaimento.
Inconformada, a ré veio interpor recurso de apelação dessa decisão, tendo sintetizado a sua alegação nas seguintes conclusões:
(…)
Nas suas contra-alegações o autor pugnou pela manutenção do julgado.
O Ex.º Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer a fls. 475vº, no sentido de ser confirmada a sentença recorrida.
Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.
Como se sabe, os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes e decididas pelos tribunais inferiores, salvo se importar conhecê-las oficiosamente – tantum devolutum quantum appelatum (Alberto dos Reis “Código do Processo Civil Anotado” vol. V, pág. 310 e Ac. do STJ de 12.12.95, CJ/STJ Ano III, T. III, pág. 156).
Tratando-se de recurso a interpor para a Relação este pode ter por fundamento só razões de facto ou só razões de direito, ou simultaneamente razões de facto e de direito, e assim as conclusões incidirão apenas sobre a matéria de facto ou de direito ou sobre ambas (Amâncio Ferreira, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 3a ed., pág. 148).
No caso em apreço, não existem questões que importe conhecer oficiosamente.
As questões colocadas no recurso delimitado pelas respectivas conclusões (com trânsito em julgado das questões nela não contidas) – arts. 684º, nº 3, 690º, nº 1 e 713º, nº 2 do Cód. Proc. Civil – restringem-se a três, a saber:
1ª- modificação da matéria de facto que vem fixada da 1ª instância no que concerne ao facto provado 23.;
2ª - inexistência entre apelante e apelado de qualquer vínculo de natureza laboral;
3ª- extinção do contrato do mantido com o apelado com fundamento no art. 398.º do Cód. Soc. Com..
Fundamentação de facto

A 1ª instância deu como provada a seguinte matéria de facto:
1. A ré remeteu ao autor, que a recebeu, a carta junta a fls. 10 dos autos, datada de 13.10.2003, indicando-lhe, nomeadamente, que:
Na sequência das negociações que temos mantido com V.Exas, confirma-se o interesse da Flygt Portugal SA em admiti-lo para o exercício do cargo de administrador–executivo da sociedade, reportando à administração, com o vencimento mensal bruto de 4.000,00 € (quatro mil euros), acrescidos de 1.000,00 € (mil euros) em ajudas de custo (provisoriamente nestes termos, até ser transferido para o salário (até 2 anos) ambos os valores são 14 meses anuais), cargo esse que envolverá a coordenação da área comercial da empresa, ficando esta sociedade a aguardar, consequentemente, que V.Exa manifeste idêntica disponibilidade, a fim de ser formalizada a mencionada admissão.
Após um ano ao serviço da sociedade, o salário bruto será reajustado para 4.850 € (…), mantendo-se o valor das ajudas de custo acima mencionadas.
A função acima referida terá direito a um veículo, BMW 320 D, para uso total (mudando todos os 3 anos, ou 100.000 kms), com as despesas de combustível, manutenção e portagens; assim como telemóvel com chamadas e aluguer pagos.
Participação num Seguro Doença para consultas, tratamentos e medicamentos (próprio e família) e seguro de acidentes de trabalho.
As despesas de restaurantes, hotéis e outras necessárias ao bom desempenho do cargo também serão por conta da sociedade, contra a apresentação das respectivas facturas.
(…)
Anualmente, existirá um “generoso” bónus sobre as vendas, na base dos objectivos da Empresa.
As partes prescindem do período experimental (Duração ilimitada – sem termo).
O funcionário admitido durante o período de 2 (dois) anos não se poderá transferir para uma empresa concorrente da Flygt, sob pena de pagar uma indemnizar de 25.000 € (vinte e cinco mil euros).
O local sede para o exercício da função é na Abóboda.
2. O autor aceitou exercer a actividade indicada pela ré, nos termos e condições indicados nessa carta, tendo iniciado as suas funções em 1 de Dezembro de 2003.
3. No exercício dessas funções o autor procedia, nomeadamente, à coordenação da área comercial da empresa ré, contactando com clientes e efectuando determinadas visitas, definindo ainda os objectivos comerciais para cada mês.
4. Em 31 de Dezembro de 2003 a ré pagou ao autor a quantia ilíquida de € 4.107,39, sendo € 3.000 a título de “vencimento” e € 1.107,39 a título de “ajudas de custo – Nacional”, conforme documento junto a fls. 174 dos autos.
5. Em 14 de Janeiro de 2004 realizou-se uma assembleia geral da ré, presidindo à reunião o Presidente de Mesa, a Senhora (M), “Administradora – Delegada”, tendo sido deliberado que o “conselho de administração para o mandado de 2004 fosse constituído pelos seguintes membros:
- (M), casada, residente em Rua ..., concelho de Cascais;
- (B), casado, residente em ..., Suécia;
- (E), casado, residente em Solna, Suécia;
- (J), residente em ..., Suécia e
- (LM), (…) residente em (…) Sintra.
(…) Mais foi deliberado por unanimidade designar Presidente do Conselho de Administração e simultaneamente Administrador- Delegado a D. (M), a quem eram delegados todos os poderes de gestão corrente da sociedade, obrigando sozinha com a sua assinatura a sociedade nos seus actos e contratos.
Ao administrador Eng. (LM), face à circunstância de exercer a sua actividade em Portugal e em full-time na Flygt Portugal foi deliberado qualificar as suas funções como administrador executivo, conforme acta nº 18 cuja cópia foi junta a fls. 96 a 100.
6. A ré é uma sociedade matriculada na C.R.Comercial com o nº 16.738, estando inscrita por apresentação nº 32, de 08/06/2004, a nomeação do conselho de administração supra aludido em 5, conforme documento junto a fls. 13 a 21 dos autos.
7. O autor continuou a exercer as mesmas funções que até aí, nos mesmos termos e condições.
8. Pelo exercício dessas funções a ré pagou ao autor as seguintes quantias ilíquidas:
- em 31/01/2004, € 4.000 a título de “vencimento”, € 1.223,64 a título de “ajudas de custo – Nacional” e € 1.333,33 a título de “Retroactivos Sujeitos a IRS”, conforme documento de fls. 175;
- em 28/02/2004, € 4.000 a título de “vencimento” e € 1.056,78 a título de “ajudas de custo – Nacional”, conforme documento de fls. 176;
- em 30/04/2004, € 4.000 a título de “vencimento”e € 1.191,33 a título de “ajudas de custo – Nacional”, conforme documento de fls. 177;
- em 31/05/2004, € 4.000 a título de “vencimento”, € 1.191,33 a título de “ajudas de custo – Nacional” e € 503,70 a título de “Reembolso de Despesas”, conforme documento de fls. 178;
- em 30/06/2004, € 4.000 a título de “vencimento”, € 1.134,60 a título de “ajudas de custo – Nacional”, € 125,98 a título de “Reembolso de Despesas” e € 4.000 a título de “Subsídio de Férias”, conforme documento de fls. 179;
- em 31/07/2004, € 4.000 a título de “vencimento”, € 1.248,06 a título de “ajudas de custo – Nacional” e € 125,98 a título de “Reembolso de Despesas”, conforme documento de fls. 180;
- em 31/08/2004, € 4.000 a título de “vencimento”, € 61.05 a título de “subsídio de alimentação”, € 624,03 a título de “ajudas de custo – Nacional” e € 125,98 a título de “Reembolso de Despesas”, conforme documento de fls. 181;
- em 30/09/2004, € 4.000 a título de “vencimento”, € 116.55 a título de “subsídio de alimentação”, € 1.191,33 a título de “ajudas de custo – Nacional” e € 125,98 a título de “Reembolso de Despesas”, conforme documento de fls. 181A;
- em 31/10/2004, € 4.000 a título de “vencimento”, € 111 a título de “subsídio de alimentação”, € 1.134,60 a título de “ajudas de custo – Nacional” e € 125,98 a título de “Reembolso de Despesas”, conforme documento de fls. 182;
- em 30/11/2004, € 4.000 a título de “vencimento”, € 116,55a título de “subsídio de alimentação”, € 2.827,02 a título de “ajudas de custo – Nacional” e € 125,98 a título de “Reembolso de Despesas”, conforme documento de fls. 183;
- em 30/11/2004, € 4.000 a título de “Subsídio de Natal” e € 125,98 a título de “Reembolso de Despesas”, conforme documento de fls. 184;
- em 30/01/2005, € 4.850 a título de “vencimento”, € 1.159,60 a título de “ajudas de custo – Nacional” e € 125,98 a título de “Reembolso de Despesas”, conforme documento de fls. 185;
- em 27/02/2005, € 4.850 a título de “vencimento” e € 1.159,60 a título de “ajudas de custo – Nacional” conforme documento de fls. 186;
- em 31/03/2005, € 4.850 a título de “vencimento”, € 1.159,60 a título de “ajudas de custo – Nacional” e € 4.850 a título de “subsídio de férias”, conforme documento de fls. 187;
- em 30/04/2005, € 4.850 a título de “vencimento”, € 1.159,60 a título de “ajudas de custo – Nacional” e € 125,98 a título de “Reembolso de Despesas”, conforme documento de fls. 188;
9. Em 22 de Abril de 2005, pelas 11:05 horas, CD enviou ao autor, entre outras pessoas, o e-mail cuja cópia foi junta a fls. 25, com esse teor.
10. Em 25 de Abril de 2005, pelas 16:13, horas o autor enviou a CD o e-mail cuja cópia foi junta a fls. 23 e 24, com esse teor, indicando, nomeadamente, que:
(…) pelo que a minha demissão e renúncia se afiguram inevitáveis, tanto mais que nunca me foi providenciada a carta de efectividade como estava acertado no acordo inicial, nem nunca a minha posição foi salvaguardada perante os espanhóis na hipótese de uma venda e tomada de controle por eles.
11. Em 25 de Abril de 2005, pelas 22:40 horas, CD enviou ao autor o e-mail cuja cópia foi junta a fls. 22 e 23, com esse teor, indicando-lhe, nomeadamente, que Talvez não se aperceba que todos os dias me ocupo da Flygt no que diz respeito à questões que têm a ver com “obrigar a sociedade” e que são da competência do administrador delegado. Essas questões têm que ser tratadas aqui no dia a dia e não em Madrid.
12. No dia 30 de Abril de 2005 o autor comunicou à ré conforme consta da carta datada de 30 de Abril de 2005, cuja cópia foi junta a fls. 26 e 27, que a ré recebeu, indicando, nomeadamente, que “renúncia ao cargo de administrador executivo” da ré, cargo “que exerço desde Janeiro de 2004”, mais indicando:
- (…) Nos e-mails que quinzenalmente, ultimamente escrevia ao CEO, dando-lhe consta dos problemas existentes na empresa, referia a necessidade de eu ser salvaguardado com relação a uma possível retaliação por parte da TFB Flygt Espanha, quando a empresa fosse adquirida, mas nunca uma tal salvaguarda, ou carta me foi escrita. Como também nunca me foi escrita a carta acordada com a minha admissão e entrada para a Flygt Portugal, Dezembro de 2003, em que eu seria funcionário efectivo da empresa apesar de deter o cargo de Administrador Executivo; .
- dado que ainda tenho um mês de 2005 para gozar férias, esse mês será gozado no período que por lei tenho de dar à empresa como pré-aviso (1 mês, ou até ao final do mês seguinte à apresentação da demissão). Deste modo desligar-me-ei da empresa a 31 de Maio de 2005.
13. De 20 de Abril de 2005 a 29 de Abril de 2005 o autor gozou férias, fazendo-o com o conhecimento de CD.
14. Em 1 de Maio de 2005 e durante todo o mês o autor não exerceu qualquer actividade para a ré.
15. A ré enviou ao autor a carta cuja cópia foi junta a fls. 28 dos autos, datada de 27 de Maio de 2005, com esse teor, indicando ao autor que devia devolver à ré os instrumentos de trabalho que lhe foram disponibilizados por esta empresa, e que se encontram na posse de V. Exa., nomeadamente o aparelho de telemóvel marca Nokia e a viatura automóvel com a matrícula 14-...-VS, imprete-rivelmente até à referida data limite de 31 de Maio de 2005, data em que se procederá ao acerto final de contas.
16. O autor entregou à ré a viatura e o telemóvel no dia 31 de Maio de 2005.
17. O autor e CD trocaram entre si os e-mails cujas cópias foram juntas a fls. 152 (em 09/03/2005), 156 (em 25/04/2005), 157 (em 02/05/2005), 160 (em 06/05/2005), 163 -164 (em 25/01/2005), 165-166 (em 22/03/2005) e 167 e 168 (em 01/04/2005).
18. Em 21 de Maio de 2004 realizou-se uma assembleia geral da ré, presidindo à reunião o Presidente de Mesa, a Senhora (M), “Administradora – Delegada”, tendo sido deliberado conforme consta da acta nº19, cuja cópia foi junta aos autos a fls. 101 e 102.
19. Médicos do Serviço Nacional de Saúde emitiram os “certificados” cujas cópias foram juntas a fls. 317 a 338, declarando que (M) padeceu de “doença profissional” no período de 31 de Janeiro de 2004 a 11 de Fevereiro de 2004 e de “doença natural” desde 12 de Fevereiro de 2004, ininterruptamente, até 21 de Outubro de 2005.
20. O autor é engenheiro.
21. O autor não é licenciado em Direito.
22. Antes de 1 de Dezembro de 2003 o autor trabalhava para a Shell Portuguesa, estando ligado a essa empresa por um contrato de trabalho por tempo indeterminado.
23. O autor estava convencido que era necessária a celebração de um acordo escrito para integrar os quadros da ré, como trabalhador “efectivo”.
Fundamentação de direito

Quanto à 1ª questão:
(…)
Improcedem, pois, nesta parte, as conclusões do recurso.
Quanto à 2ª questão:
Entendeu-se na decisão recorrida que entre as partes foi celebrado um contrato de trabalho e que foi na sequência desse contrato que o autor iniciou o exercício de funções para a ré, em 1 de Dezembro de 2003.
A apelante discorda desse entendimento e defende que entre as partes nunca existiu qualquer vínculo de natureza laboral entre a recorrente e que o período entre 1 de Dezembro de 2003 e 13 de Janeiro de 2004 correspondeu a um período de adaptação do apelado às funções que iria exercer de administrador executivo.
Vejamos, então, de que lado está a razão.
O contrato de trabalho é legalmente definido - art. 1.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho aprovado pelo Decreto-Lei nº 49.408, de 24 de Novembro (RJCIT também designado por LCT) 10.º do Cód. Trab., aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto que entrou em vigor em 1 de Dezembro de 2003 (art. 8º nº 1 e 3º nº 1 da lei preambular) e 1152.º do Cód. Civil - como o contrato pelo qual uma pessoa se obriga mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta.
São três, essencialmente, os elementos que melhor retratam a fisionomia da figura:
- a prestação típica: o prestador está obrigado à actividade, em si mesma, e não apenas adstrito a determinado resultado pretendido;
- a retribuição, ou seja a subordinação económica do trabalhador ao dador do trabalho que se revela pelo facto de aquele receber deste uma remuneração certa, calculada em função do tempo de trabalho e,
- a subordinação jurídica em que fica o empregado resultante de este, na prestação da sua actividade quer intelectual, quer manual, estar sujeito às ordem direcção e fiscalização da pessoa servida, sendo irrelevante que essa sujeição seja real e efectiva ou simplesmente potencial.
A subordinação jurídica é o elemento típico do contrato de trabalho que nos permite distingui-lo de outros contratos afins (o contrato de prestação de serviços, contrato de mandato, o contrato de sociedade o contrato de comissão o contrato de agência etc) visto que esta não existe nas diversas modalidades que a prestação de serviço pode revestir - o prestador do trabalho não coloca a disponibilidade da actividade, que é capaz de desenvolver, sob o controlo e orientação daquele com quem contratou, antes se vincula a proporcionar um certo resultado da actividade que, de forma autónoma, por si orientada, irá executar para atingir esse resultado.
Essencialmente, consiste a subordinação jurídica no dever legal do trabalhador de acatar e cumprir as ordens ou instruções que, em cada momento, lhe sejam dirigidas pelo empregador, emitidas por este no uso do seu poder de direcção da empresa, directivas essas que são vinculativas para aquele segundo a obrigação de obediência consagrada na lei. Nas palavras de Monteiro Fernandes a subordinação jurídica consiste “numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dento dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem” e que existe sempre que relativamente à entidade patronal exista “um estado de dependência potencial, conexo à disponibilidade que o patrão obteve pelo contrato” (“Direito do Trabalho”, vol. I, 7ª ed. pág. 105).
O apuramento desta subordinação jurídica não pode ser encontrado através do método subsuntivo, devendo sê-lo através do método tipológico, que consiste na procura de indícios que permitam uma aproximação ao modelo típico. “Os elementos deste modelo que assumam expressão prática na situação a qualificar, serão tomados como outros tantos indícios de subordinação que, no seu conjunto, definirão uma zona mais ou menos ampla de correspondência e, portanto, de maior ou menor proximidade entre o conceito e a situação confrontada” (Monteiro Fernandes, ob. cit. pág. 118).
Como no plano prático não é sempre fácil surpreender, de forma clara e inequívoca, tal elemento, torna-se necessário o recurso a critérios acessórios (índices ou tópicos) reveladores do mesmo (neste sentido, Monteiro Fernandes ob. e loc. cits., Bernardo Lobo Xavier, “Curso de Direito do Trabalho”, 1992 pág. 303, Meneses Cordeiro, “Manual de Direito do Trabalho”, 1991 pág. 532 e Mota Veiga, “Lições de Direito do Trabalho”, 4ª edição da pág. 364, cujos ensinamentos vamos seguir de perto).
A prestação de trabalho debaixo de ordens, com sujeição a orientações e controlo do modo da prestação constitui traço indelével da existência de um contrato de trabalho subordinado.
No contrato de trabalho, o prestador de trabalho obriga-se a prestar a sua actividade laboral, o trabalho em si mesmo, e não propriamente um preciso resultado do trabalho.
Havendo contrato de trabalho, normalmente, os instrumentos de trabalho e as matérias-primas, para além dos produtos acabados, serão pertença do dador de trabalho e os riscos inerentes à utilização dos mesmos correrão por conta daquele.
Se o local de trabalho se situar em estabelecimento pertença do empregador ou em local por este determinado, há indício de se tratar de contrato de trabalho.
O mesmo sucede se a remuneração for estipulada em função de determinada unidade de tempo - mês, semana, dia, hora, etc. - e se a mesma for devida em quantitativo certo e acompanhado de subsídios complementares.
Outro tanto se diga da existência de um horário, dentro do qual a actividade deva ser exercida, que é um elemento que, por regra, não deixa de estar presente quando se está em face de um contrato de trabalho, pese embora uma certa flexibilidade que neste campo, por vezes se permite.
Acresce que, havendo contrato de trabalho, o modo de cumprimento do contrato realiza-se em prestações duradouras e de execução continuada, ainda que, em certos casos, submissas a certos limites temporais.
Além disso, os riscos ligados ao exercício da actividade desenvolvida, no caso de contrato de trabalho, correm por conta do dador de trabalho, o que já não se verifica no trabalho prestado fora de tal condicionalismo.
Indicativo da existência de contrato de trabalho é ainda o facto de o prestador de trabalho exercer em regime de exclusividade, para uma determinada entidade, a sua actividade laboral.
Também a observância dos regimes fiscais, de segurança social e de seguro obrigatório, próprios do trabalhador por conta de outrem, são indicações da presença de contrato de trabalho.
Como dificilmente se pode conceber que não exista contrato de trabalho se o trabalhador exerce a sua actividade, formando equipa com outros trabalhadores subordinados ou estando sujeito a prestar o seu trabalho nas mesmas condições dos primeiros.
Nas situações opostas àquelas que se deixam descritas e sem necessidade de expressamente se chamarem à colação, teremos indicações premonitórias de um contrato de prestação de serviços, constituindo o mandato uma das modalidades desse contrato – art. 1155.º do Cód. Civil.
Vejamos, pois, agora, a que conclusão nos conduz a matéria de facto considerada assente.
No caso em apreço, impõe-se, antes de mais, a análise da declaração escrita formulada pela apelante ao apelado, em 13 de Outubro de 2003 (ponto 1 dos factos provados), uma vez que tal declaração consubstancia uma proposta contratual, que foi aceite pelo apelado, sem alterações, obrigando o proponente, nesses precisos termos, devendo considerar-se o contrato concluído em face da actuação do apelado, que iniciou o exercício de funções em conformidade com as condições fixadas nessa proposta – arts. 228.º e 234.º do Cód. Civil.
Através dessa proposta a apelante manifestou o interesse em admitir o apelado para o exercício do cargo de administrador–executivo da sociedade, reportando à administração.
A expressão utilizada (“admissão”), apesar de usualmente se utilizar quando alguém passa a desempenhar um contrato de trabalho ao serviço de outrem, não é determinante na qualificação da relação contratual, como o não é o nomen juris que eventualmente as partes atribuíssem a um contrato que firmassem.
No entanto, este indício é corroborado pelo facto de, no exercício daquele cargo, o apelado reportar à administração, o que pressupõe a existência de subordinação jurídica, típica do contrato de trabalho, reporte este, adiante-se, desde já, rodeou toda a actividade desenvolvida pelo apelado, como evidenciam os e-mails mencionados nos ponto 17 dos factos provados, designadamente os de fls. 163 a 168 que mais não são do que uma prestação de contas do apelado à Presidente do Conselho de Administração e Administradora Delegada, CD, pessoa em quem foram delegados todos os poderes de gestão corrente da sociedade, obrigando sozinha com a sua assinatura a sociedade nos seus actos e contratos (ponto 5 dos factos provados).
Existem ainda outros indícios que nos levam a idêntica conclusão, a saber:
- o facto de partes prescindirem do período experimental, cláusula que só se compreende no âmbito de um contrato de trabalho e que não tem qualquer cabimento noutro tipo contratual, nomeadamente no contrato de mandato;
- o facto de o funcionário admitido durante o período de dois anos não se poder transferir para uma empresa concorrente da Flygt, sob pena de pagar uma indemnização, cláusula que, constituindo uma limitação da liberdade de contratar é usualmente fixada no âmbito de contratos de trabalho, quando está em causa o exercício de funções na área comercial, como acontece no caso, funções essas que pressupõem uma aquisição de conhecimentos a nível de clientela, por exemplo;
- o facto de a apelante ter fixado o local de trabalho (na Abóboda).
- a remuneração acordada: vencimento mensal bruto de € 4.000,00, acrescido de € 1.000,00 em ajudas de custo, aquele e estas pagas 14 vezes por ano, à semelhança do que acontece quando estamos perante um contrato de trabalho, em que a retribuição, certa, é paga 14 vezes ao ano, aí se incluindo a retribuição relativa a férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, embora, no caso, este índice não seja particularmente relevante porquanto também é usual no contrato de mandato.
Como se vê, as obrigações que a apelante fez constar no referido documento escrito são próprias de um contrato de trabalho.
É verdade que, no caso sub judice, se pode dizer que os índices da subordinação jurídica não são de tal modo abundantes que não faça sentido qualquer discussão sobre a questão colocada na acção e no recurso.
Em todo o caso, a verdade é que as indicações que os factos nos fornecem são no sentido da existência de um contrato de trabalho e não de um contrato de outra natureza, mal se percebendo, como pode a apelante defender que o período entre 1 de Dezembro de 2003 e 13 de Janeiro de 2004 correspondeu a um mero período de adaptação do apelado às funções que iria exercer de administrador executivo.
O facto de ser ter concluído que entre as partes foi celebrado um contrato de trabalho, acarreta, naturalmente, a improcedência das conclusões do recurso, quanto a esta questão.
Quanto à 3ª questão:
Em 14 de Janeiro de 2004 o apelante passou formalmente a integrar o Conselho de Administração tendo as suas funções sido qualificadas como administrador executivo, facto este que foi inscrito no registo (pontos 5 e 6 dos factos provados).
Na decisão recorrida entendeu-se que, face ao disposto no art. 398.º, nº 1 do Cód. Com., o contrato de trabalho existente entre as partes era nulo, funcionando a invalidade apenas para o futuro, produzindo o contrato os seus efeitos até à declaração de nulidade.
Na tese da apelante, porém, a admitir-se que tivesse sido celebrado um contrato de trabalho entre as partes, o mesmo cessou, necessariamente, com a nomeação do apelante para administrador da sociedade.
Dispõe o art. 398.º do Cód. Com., nos seus nºs 1 e 2, o seguinte:
1 – Durante o período para o qual foram designados, os administradores não podem exercer, na sociedade ou em sociedades que com esta estejam em relação de domínio ou de grupo, quaisquer funções temporárias ou permanentes ao abrigo de contrato de trabalho, subordinado ou autónomo, nem podem celebrar quaisquer desses contratos que visem uma prestação de serviços quando cessarem as funções de administrador.
2 – Quando for designado administrador uma pessoa que, na sociedade ou em sociedades referidas no número anterior, exerça qualquer das funções mencionadas no mesmo número, os contratos relativos a tais funções extinguem-se, se tiverem sido celebrados há menos de um ano antes da designação, ou suspendem-se, caso tenham durado mais do que esse ano.
Adiante-se, desde já, que a norma constante do transcrito nº 2 na parte em que considera extintos os contratos de trabalho, subordinado ou autónomo, celebrados há menos de um ano, contado desde a data da designação de uma pessoa como administrador, como consequência da incompatibilidade entre o exercício das funções de administração e o desempenho de funções como trabalhador foi declarada formalmente inconstitucional por ser uma norma considerada como “legislação do trabalho” – na medida em que dispõe inovatoriamente em sede de causas de caducidade do contrato de trabalho – e não ter sido dada aos organismos representativos dos trabalhadores a possibilidade de intervirem no processo legislativo (Ac. do Trib. Constitucional nº 1018/96, de 9.10.96, BMJ 460, pág. 238).
Como acabámos de ver, durante o período para o qual foram designados, os administradores não podem exercer na pessoa colectiva quaisquer funções temporárias ou permanentes ao abrigo de contrato de trabalho, subordinado ou autónomo, por tal lhes estar vedado pelo art. 398.º do Cód. Soc. Com.
Como se ponderou no Ac. do STJ de 30.09.04 (AD 522, pág. 1074), em grande parte transcrito na decisão recorrida nestes casos, para além de ser igualmente muito difícil detectar em termos fácticos uma situação de subordinação jurídica, a eventual coexistência desta com a aludida qualidade social implica a nulidade do contrato de trabalho por violação da proibição constante do art. 398º do Cód. Soc. Com.- art. 280º do Cód. Civil - com os efeitos previstos no art. 15º do RJCIT – e actualmente no art. 116.º do Cód. Trab. - ou seja, apenas produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução).
E no Ac. do STJ de 11.02.04 (Revista nº 405/03 da 4ª Secção.), decidiu-se que o citado preceito do art. 398.º, nº 1 é incontornável, por imperativo, implicado a nulidade do contrato de trabalho que o administrador celebre, ainda que confirmado em assembleia geral da sociedade anónima, sendo a deliberação desta também nula de acordo com o que dispõe o art. 56º, n.º 1, alínea d) do Cód. Soc. Com.
Sendo, porém, o trabalhador já vinculado à pessoa colectiva nomeado administrador da entidade patronal, o contrato individual de trabalho suspende-se enquanto durarem aquelas funções (Ac. do STJ de 26.02.97, CJ/STJ, Ano V, T., I, pág. 286).
No caso em apreço, verifica-se, contudo, que embora a apelado tenha sido nomeado como administrador, o certo é que ele continuou a exercer as mesmas funções que até aí, ou seja as funções de coordenador da área comercial da empresa, contactando clientes e efectuando visitas e definindo os objectivos comerciais para cada mês, nos mesmos termos e condições, pagando a apelante ao apelado, pelo exercício dessas funções, as quantias fixadas ab initio e continuando o apelado a usufruir dos mesmos benefícios, nomeadamente utilização de carro e telemóvel, que a apelante, curiosamente considerou como “instrumentos de trabalho que lhe foram disponibilizados por esta empresa” (pontos 3, 6, 8 e 15 dos factos provados).
De resto, como já se adiantou, a pessoa que tinha poderes de representação da apelante não era o apelado mas a Presidente do Conselho de Administração e Administradora Delegada, (M), tendo a assembleia deliberado delegar nesta “todos os poderes de gestão corrente da sociedade, obrigando sozinha com a sua assinatura a sociedade nos seus actos e contratos” e era precisamente a ela que o apelado reportava, como também já tivemos oportunidade de ver.
O apelado, esse não tinha quaisquer poderes de gestão ou de representação da sociedade, o que contraria o disposto nos arts. 405.º a 412.º do Cód. Soc. Com. (neste sentido veja-se Brito Correia “Os Administradores das Sociedades Anónimas, 1993, pág. 544, citado pelo apelado).
Conclui-se, assim, que não obstante ter sido formalmente nomeado administrador, o apelado continuou subordinado à apelante.
Tendo o apelado logrado provar a manutenção do vínculo de subordinação jurídica evidente se torna que o contrato de trabalho não se suspendeu (neste sentido veja-se o Ac. desta Relação de 18.12.85, BTE, 2ª série, nºs 5-6/88, pág. 953).
De resto, ainda que se possa afirmar que o apelado passou a ter a qualidade formal de membro do Conselho Administrativo, o certo é que isso não basta para afastar o contrato de trabalho: há que ver o que efectivamente se passa (Ac. desta Relação de 13.07.88, CJ, Ano XIII, T. IV, págs. 150 e 151).
Ora, na prática o que se verificou foi que o apelado continuou a exercer a sua actividade como trabalhador subordinado, de modo que a única conclusão que se pode extrair é a de o contrato de trabalho coexistiu com o de prestação de serviços e não que se suspendeu – a suspensão do contrato de trabalho pressupõe que o trabalhador exerce exclusivamente as funções de administrador (Ac. do STJ de 25.07.86, AD 304º, pág. 579).
Improcedem, pois, as demais conclusões do recurso, sendo de manter a decisão recorrida embora por fundamentos diversos.
Decisão
Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas da apelação pela apelante.
Lisboa, 4 de Julho de 2007

Isabel Tapadinhas
Natalino Bolas
Leopoldo Soares