Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
| ||
| Relator: | CRISTINA MARTINS DA CRUZ | ||
| Descritores: | INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA DOCUMENTO SUJEITO A SIGILO COMERCIAL TRANSMISSÃO DE EMPRESA OU ESTABELECIMENTO DEVER DE SUBSTANCIAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/19/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PROCEDENTE | ||
| Sumário: | I. O ónus da prova tem uma dupla função, ordenadora e decisória: estabelece quem deve provar o quê, definindo as consequências em caso de fracasso e indica o sentido do mérito da causa, em caso de dúvida, e depois de valorada toda a prova. II. A inversão do ónus da prova depende da verificação dos seguintes pressupostos: (i) que a factualidade que se pretende provar se encontre controvertida; (ii) o ónus de alegação e prova incumba à parte que invoca o facto para cuja prova é necessária a junção do documento; (iii) a junção não tenha lugar por comportamento culposo da parte sobre quem tal ónus não recaía e que (iv) a não junção tenha tornado impossível a prova ao onerado. III. O contrato de arrendamento pode integrar o conceito de unidade económica para efeitos do artigo 285.º do Código de Trabalho, nos termos balizados pelo Tribunal de Justiça da União em interpretação das Diretivas 75/129/CEE do Conselho, de 17 de fevereiro de 1975, e 2001/23/CE do Conselho, de 12 de março de 2001. IV. Sendo invocado pelo autor a eventual resolução do contrato de arrendamento e celebração de novo contrato no contexto de transmissão de estabelecimento, bem como a sobreposição de interesses e pessoas e de proximidade dos corpos gerentes das sociedades, transmitente e transmissária, e tendo as rés invocado os factos relativos à resolução do contrato de arrendamento e celebração de novo contrato, juntando os contratos, na parte que a eles se referem, bem como as assinaturas de quem outorgou tais escritos, de forma totalmente legível, não se alcançam quais os factos, controvertidos, que tal junção [sem a parte suprimida] permitiria provar. V. No contexto referido em IV., é nulo, por ininteligível, o despacho que, com a cominação de aplicação do ónus da prova, determine a junção integralmente legível de documento já constante dos autos [cuja por supressão, parcial, de texto não respeita às cláusulas referentes aos factos invocados nos articulados, e sobre os quais as partes, neles, não mostram divergência], sem indicar qual o(s) facto(s) que, no entender do Tribunal, ainda se consideraria(m) por provar. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa * I. Relatório 1. AA intentou a 30-08-2023, ação declarativa de condenação emergente de contrato de trabalho, contra HP Health Clubs Portugal, Lda. e HP Active Grande Lisboa, Unipessoal, Lda. Pediu que as rés sejam condenadas no pagamento da quantia total de € 108 728,55, acrescida de juros, legais vencidos e vincendos até integral pagamento. Invocou que celebrou contrato de trabalho com a 1.ª ré em janeiro de 2003 e que em maio de 2023, ocorrendo transmissão da unidade económica, lhe foi proposta a rescisão, com celebração de contrato com a 2.ª ré, e que não salvaguardava os créditos já vencidos (de que se declarava integralmente ressarcido perante a 1.ª ré). Sustenta que a gestão do ginásio de “Holmes Place Miraflores” pela 2.ª ré não implica qualquer alteração na identidade ou natureza do estabelecimento (16.º da petição inicial). Ainda que 1.ª ré resolva os contratos que terá com terceiros, com vista à locação do espaço, dos equipamentos de ginásio e de escritório, com o franquiador e outros fornecedores, para [que]1 os mesmos sejam automaticamente celebrados ex novo entre tais terceiros (20.º da p.i.) e a 2.ª Ré, tal não será possível sem que exista uma elevada sobreposição de interesses e de pessoas resultante da proximidade entre os corpos gerentes das sociedades transmitente e transmissária (21.º da petição inicial). Indicou testemunhas e juntou documentos. 2. As rés contestaram. 2.1 A 1.ª ré impugnou que haja transmitido o contrato de arrendamento. Pelo contrário, “foi obrigada a fazer cessar o arrendamento do imóvel em 30/06/2023” (15.º) e “não cedeu a sua posição de arrendatária à 2.ª Ré” (22.º) (conforme documento que se protesta juntar”. 2.2 A 2.ª ré invocou que iniciou a exploração do clube Holmes Place de Miraflores em 1 de julho de 2023, data em que entrou em vigor o contrato de arrendamento do respetivo espaço que a mesma celebrou com o senhorio (conforme documento, cuja junção protesta juntar) e na mesma data, iniciou a utilização de todo o branding Holmes Place no clube de Miraflores, através de licença contratada diretamente com a entidade concessora dos respetivos direitos (conforme documento, cuja junção protesta juntar). Não adquiriu à 1.ª ré a unidade económica que constituía o seu negócio no estabelecimento de Miraflores (17.º); Não foi a 1ª ré que transmitiu à 2.ª ré o arrendamento do espaço, nem o seu imobilizado, nem a carteira de clientes, nem os trabalhadores, nem a utilização da marca(18.º); adquiriu ex novo os seus direitos sobre o arrendamento do espaço, sobre a carteira de clientes, sobre os trabalhadores, e sobre a utilização da marca (19.º); não tendo obtido da esfera jurídica da 1° ré os referidos direitos, nem nunca negociado com esta as condições de obtenção dos mesmos (20.º); Sendo de referir que o trespasse obriga a forma escrita, conforme o previsto nos artigos 1129 n.° 3 e 219.° do Código Civil, o que não sucedeu (29.º); e por estes motivos não se pode falar em transmissão da unidade económica, pois a mesma não se verificou (30.º). 3. Em cumprimento de despacho de aperfeiçoamento [ref. 147630438] para que [na parte que agora importa] fossem alegados todos os factos, de forma suficientemente densificada, que integram os pressupostos legalmente previstos do instituto da transmissão do estabelecimento, o autor apresentou petição aperfeiçoada em que não altera a factualidade quanto à locação do espaço, como supra referida em 1.. Quanto aos meios de prova, requereu que, “ao abrigo do disposto no art. 429.º CPC, ex vi al. a), n.º 2 do art. 1.º do CPT, se digne ordenar a Ré HP ACTIVE GRANDE LISBOA, UNIPESSOAL LDA. para vir juntar aos autos: i. o correio eletrónico enviado da e recebido na conta de e-Mail “...”, durante o período de 1 de julho de 2023 a 23 de setembro de 2023; e, ii. os registos de entrada e saída ao serviço, ou de picagem do ponto, do Autor durante o período de 1 de julho de 2023 a 23 de setembro de 2023, para prova dos factos descritos no artigos 18.º-D e 18.º-E infra”. 4. As rés vieram juntar os documentos protestados (ref.ª 47958636 e 47965666), cf. ponto 2., parcialmente sublinhados [truncados], tornando, em tais segmentos, ilegível o respetivo texto. 4.1 O requerimento de junção da primeira ré tem o seguinte teor: «HP HEALTH CLUBS, PORTUGAL, S.A., tendo sido notificada para juntar os documentos que protestou juntar, vem requerer a junção aos autos da seguinte documentação: - doc. 1 – documento a que alude o art. 15º da contestação; - doc. 2 – documento a que alude o art. 18º da contestação; - doc. 3 – documento a que alude o art. 85º da contestação. Mais informa que já procedeu ao envio via CITIUS da contestação e respetivos documentos em formato editável aquando da sua apresentação.»; E o documento por si junto contém, (de forma não truncada) além da (i) identificação dos outorgantes, (ii) a transcrição da cláusula terceira (“revogação do contrato de arrendamento”, por mútuo acordo, que produzirá os seus efeitos no dia 30.06.2023”), e (iii) as assinaturas. É seguido o termo de autenticação dos outorgantes, BB e CC e qualidade em que intervêm (Vice-Presidente do Conselho de Administração e procurado da Sociedade Anónima Caixa…) e legal representante e gestora do Fundo (…). 4.2 O requerimento de junção da segunda ré tem o seguinte teor: «HP Active Grande Lisboa, Ré no processo à margem referenciado, vem requerer a junção aos autos dos documentos que protestou juntar na contestação: - Contrato de arrendamento do espaço explorado pela Ré em Miraflores–documento n.º 1; - Contrato de aluguer de equipamentos - documento n.º 2; - Contrato de concessão de licença de utilização da marca e direitos de propriedade intelectual "Holmes Place" à HP Active Portugal, Lda., e, bem assim, comunicação para efeitos de cedência de tais direitos à Ré HP Active Grande Lisboa, com efeitos a partir de 01/07/2023 - documento n° 3, protestando juntar em prazo não inferior a 10 dias, a respetiva tradução para língua portuguesa.». O «contrato de arrendamento para fins não habitacionais e Fianças» por si junto contém, (de forma não truncada) além da (i) identificação dos outorgantes, (ii) a transcrição da cláusula primeira (“objecto”) referente à fração que identifica, (iii) o prazo (com início a 01-07-2023) e (iv) as assinaturas. E é seguido do termo de autenticação dos outorgantes, BB e CC e qualidade em que intervêm (Vice-Presidente do Conselho de Administração e procurado da Sociedade Anónima Caixa…) e legal representante e gestora do Fundo (…). 5. O autor, a 27-02-2024 (ref.ª 48110381) veio pedir que, ao abrigo do disposto nos artigos 417.º e 429.º do Código de Processo Civil, se digne ordenar a 1.ª Ré, HP HEALTH CLUBS PORTUGAL, S.A., a vir juntar aos autos a versão integral, não truncada do acordo de revogação do contrato de arrendamento junto como documento 1-B com o requerimento ref. 47965666, e a 2.ª Ré, HP ACTIVE GRANDE LISBOA, UNIPESSOAL LDA., a vir juntar aos autos a versão integral, não truncada, do contrato de arrendamento junto como documento 1 com o requerimento ref. 47980889. Invocou que «a 1.ª Ré procedeu à junção do acordo de revogação do contrato de arrendamento relativo ao “Holmes Place Miraflores”, para prova do vertido no art. 15.º da sua Contestação, como documento 1-B do requerimento acima identificado. Sucede que o documento ora junto encontra-se extensivamente truncado (… e) omite do referido documento: (i) a identificação de uma parte contratante e respetiva assinatura; (ii) o conteúdo dos considerandos do acordo quase na sua integralidade; e, (iii) o clausulado do contrato, em particular a cláusula terceira relativa à revogação do contrato de arrendamento. 4. Por seu lado, com o seu requerimento de 15.02.2024 com a referência 47980889, a 2.ª Ré veio a juntar o contrato de arrendamento relativo ao “Holmes Place Miraflores”, como documento 1, que havia protestado juntar com a sua contestação e, à semelhança do documento junto pela 1.ª Ré, também este ora junto pela 2.ª Ré encontra-se extensivamente truncado, novamente, ao abrigo do disposto nos artigos 42.º do Código Comercial e 435.º do Código de Processo Civil. 6. Assim, a 2.ª Ré, ao abrigo do sigilo mercantil, omite do referido documento: (i) a identificação de uma parte contratual e respetiva assinatura; (ii) o texto relativo aos considerandos do contrato; e (iii) o clausulado do contrato». 6. O autor ampliou o pedido em articulado superveniente apresentado em 07-03-2024 (ref.ª 25193678), referente à rutura contratual entretanto ocorrida, ilícita, a que as rés responderam a 08-04-2024 (ref.ªs n.º 25399814 e n.º 25401077). Indica, a final, quanto à prova documental que “Protesta juntar a prova documental relevante”. 7. Foi proferido despacho saneador, com indicação do objeto do litígio, temas da prova e admitindo os meios de prova, para a instrução do processo. Relativamente ao objeto do litígio, indicou-se, inter alia, a existência de transmissão, por qualquer título, da unidade económica da 1.ª Ré para a 2.ª Ré e se as rés são solidariamente responsáveis pelo seu pagamento. Consignou-se constituir tema da prova a matéria de facto controvertida compreendida nos articulados, relativamente às circunstâncias da cessação da exploração do estabelecimento denominado “Holmes Place Miraflores”, por parte da 1.ª Ré e início da sua exploração por parte da 2.ª Ré e a transferência da 1.ª Ré para a 2.ª Ré de um conjunto de meios organizados, com o objetivo de esta (2.ª Ré) prosseguir a atividade económica que até à transmissão a 1.ª Ré prosseguia. 7.1 Na parte referente à instrução do processo, admitidos os róis de testemunhas e os documentos juntos aos autos, foram as rés notificadas para “juntarem aos autos o acordo de revogação do contrato de arrendamento relativo ao Holmes Place Miraflores e o contrato de arrendamento junto como documento 1 com o requerimento ref. 47980889, não truncados. De facto, conforme se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 13-10-2022, no Proc. 669/21.2T8EPS-A.G1, disponível em www.dgsi.pt. com cujos fundamentos se concorda e para os quais se remete: o segredo da escrituração mercantil não faculta às partes recusar a apresentação dos documentos quando se trate de apurar factos em que tenha interesse ou responsabilidade a pessoa a quem eles pertençam, na medida em que aquele segredo não pode subsistir em tal situação, sendo que, em todo o caso, face a um eventual conflito de interesses, por um lado, o do segredo comercial e, por outro, o do dever geral de colaboração com a administração da justiça, sempre o direito ao segredo deve ceder perante um interesse público superior, que é o da boa administração da justiça. Assim deverão as Rés juntar aos autos, no prazo de 10 dias, respetivamente, juntar aos autos o acordo de revogação do contrato de arrendamento relativo ao “Holmes Place Miraflores e o contrato de arrendamento junto como documento 1 com o requerimento ref. 47980889 não truncados, sob pena de não o fazendo ocorrer inversão do ónus da prova quanto aos factos que se pretendem provar com tais documentos, nos termos do disposto nos arts. 417.º, n.º2, in fine do CPCivil e 344.º, n.º2, do CCivil». 8. As rés recorreram do despacho referido em 7., na parte transcrita em 7.1.. 8.1 A ré HP Health Clubs Portugal, Lda. formulou as seguintes conclusões: I A Recorrente juntou aos autos o acordo de revogação do contrato de arrendamento referente aos espaço “Holmes Place Miraflores”- Doc 1-B junto com o requerimento com a referência 47965666 para prova de matéria alegada em sede de contestação, nomeadamente no seu artigo 15º onde é referido que a Recorrente foi obrigada a fazer cessar o arrendamento do imóvel onde funcionava o seu health club em 30/06/2023. II. O documento em referência consiste no acordo de revogação do contrato de arrendamento do espaço para prova da efetiva cessação deste contrato, o qual faz parte da escrituração mercantil da Recorrente, por se tratar de documento de suporte à sua contabilidade. III. E por tal motivo, encontra-se sujeita ao sigilo comercial previsto no artigo 435º do CPC e do art. 42º do Código Comercial, encontrando-se truncado relativamente a matéria que não tem qualquer interesse para o mérito dos autos. IV. O Autor, ora Recorrido, através do requerimento de 27/02/2024 com a referência 48110381 veio requerer a junção aos autos da versão integral do acordo, o que fez de forma infundada, conforme se demonstrará, e ao que a Recorrente se opôs, conforme melhor se infere do requerimento de 11/03/2024- com a referência 48233474. V. Não obstante, o Douto Tribunal, na sequência do requerimento do Recorrido, ordenou a notificação da Recorrente para proceder à junção aos autos do documento integral, não truncado, sob pena de, não o fazendo, ocorrer a inversão do ónus da prova quanto aos factos que se pretendem provar com tais documentos, proferindo o despacho de 26/06/2024– refª 151364394. VI. Apesar de o documento se encontrar parcialmente truncado, a Recorrente, através da junção do mesmo, faz prova suficiente da seguinte factualidade: - que este acordo foi assinado pelo Fundo de Investimento Imobiliário Fundimo e a 1ª Ré HP Health Clubs Portugal, S. A., ora Recorrente, encontrando-se ambas as partes devidamente identificadas e representadas; - que entre as partes vigorava um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, identificando-se o respetivo imóvel; - que a as partes acordaram a revogação do contrato de arrendamento com efeitos no dia 30/06/2023; - que as partes assinaram o acordo, produzindo este os seus efeitos. VII. Toda a demais informação que consta do contrato é irrelevante para a demonstração da matéria alegada pela Recorrente e para o mérito dos autos, e, que, por se encontrar sob reserva de sigilo comercial, a Recorrente não é obrigada a revelar. VIII. A Recorrente vinculou-se perante terceiros à confidencialidade sobre condições estabelecidas neste acordo, cujo incumprimento pode acarretar prejuízos sérios, sendo também por essa razão que se reservou ao sigilo comercial. IX. Acresce que o ónus da prova dos factos em questão pertence à 1ª Ré, ora Recorrente, por se tratar de matéria por si alegada, conforme consagrado no art. 342º do Código Civil, cabendo a esta decidir qual a prova que deve carrear para os autos em benefício da prova a seu cargo. X. Pelo que não assistia o direito ao Autor, ora Recorrido, em vir pedir a junção do documento integral, o que fez infundadamente. XI. Inclusivamente, o Recorrido alega que a mesma pessoa singular rubricou os três documentos – acordo de revogação do contrato de arrendamento, contrato de arrendamento e contrato de locação de equipamento- o que não é verdade, conforme se infere facilmente da análise dos documentos em questão, constatando-se claramente ser falso que exista uma assinatura comum nos três documentos. XII. Acresce que o argumento de que o documento integral serviria para prova do alegado pelo Recorrido nos artigos 16º, 20º e 21º da petição inicial também não colhe, pois a matéria invocada é meramente conclusiva, e desta forma o Recorrido não alega factos que justifique a junção do documento por si requerida. XIII. Acresce que este pedido, para além de infundado, seria também extemporâneo, pois a prova deve ser requerida no respetivo articulado, conforme obriga o art. 63º do CPT. XIV. Mas ainda que assim não fosse, o pedido do Recorrido jamais lograria o seu efeito, pois a informação sob sigilo atinente ao contrato ora junto jamais faria prova do que quer que fosse, relativamente a matéria alegada pelo Autor, ora Recorrido, o qual não alega, o que quer que seja, que se relacione com qualquer informação que possa constar da revogação do contrato de arrendamento. XV. Aliás o Recorrido não alega factos que fundamentem a necessidade da junção do documento, e neste pressuposto, o Requerido não cumpriu os requisitos previstos no art.429º, nº1 do CPT, ou seja não indicou os factos que pretende provar com a junção do documento, o que é fundamental para o Tribunal ter condições para aferir se a junção tem interesse para a decisão da causa, nos termos do art. 429º nº 2 do CPT. XVI. O Tribunal deferiu o pedido do Recorrido alicerçada na posição sustentada pelo Tribunal da Relação de Guimarães, nomeadamente no Acórdão proferido por este último em 13-10-2022, nº Proc. 669/21.2T8EPS-A, remetendo, sem mais, para os fundamentos da sua decisão. XVII. Na modesta opinião da Recorrente, desde logo, o entendimento sufragado neste aresto não faz uma correta aplicação das regras de resolução de conflitos de normas, em vigor no ordenamento jurídico português. XVIII. Na verdade, parece este Acórdão incorrer num exercício de Ponderação, para resolver o conflito emergente entre o dever geral de colaboração com a administração da justiça, que se presume referente à norma prescrita pelo artigo 417º CPC, (cfr. configurado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido a 08-03-2018, Processo nº 5408/10.0TBVFX-C L1, disponível em www.dgsi.pt) e a norma presente no art. 43º CCom. XIX. Ambas as normas são extraídas de preceitos legais, aprovados com a mesma força legal (veja-se o nº1 do art.112ºCRP), pelo que não se pode sustentar que uma prevalece sempre sobre a outra, ou vice-versa. XX. O segredo comercial, é uma questão de elevada relevância jurídica porquanto relacionada com os princípios básicos do comércio, os quais merecem toda a proteção jurídica, num estado de direito democrático e economia liberal, como é o caso português. XXI. Existe um conflito normativo quando, entre duas normas, exista simultaneamente: (a) uma incompatibilidade de consequências jurídicas, e (b) condições similares de aplicação (Cfr. David Duarte, in Legal Reasoning: The Methods of Balancing). XXII. No caso concreto, podemos determinar as consequências jurídicas das normas aqui em conflito, como sendo a obrigação de examinação do documento mercantil (artigo 417ºCPC) e a proibição de examinação do documento mercantil (art. 43ºC.Com.). XXIII. As condições de aplicação da norma do art. 417º CPC encontram-se reunidas quando em juízo, enquanto que as condições de aplicação da norma do artigo 43º C.Com., apenas estão reunidas quando em juízo, e a pessoa a quem os documentos pertençam não tenha interesse nem responsabilidade na questão em que tal exame seja exigido. XXIV. E, sendo este um típico caso de relação de consumpção entre condições de aplicação, ou relação de especialidade, isto é, no caso concreto, as condições de aplicação do art. 43º C.Com., são especiais, em relação às condições de aplicação do art. 117º CPC2, que são gerais, encontramos perante um conflito resolúvel, em primeira linha, pela regra Lex specialis derogat legi generali (art. 7º, nº 3 CC). XXV. A operação de ponderação prosseguida pelo Tribunal da Relação de Guimarães, cabe, e coube, ao legislador ordinário, que na altura em que legislou, confrontado com os dois valores em apreço, a saber: o direito ao segredo comercial e o dever de cooperação com a justiça, ponderou, e, na sua discricionariedade legislativa firmada pela legitimidade democrática, decidiu que, nem sempre, o direito ao segredo deve ceder perante o dever de cooperação com a justiça. XXVI. Decide o legislador ao abrigo das suas competências legislativas exclusivas, que nas situações prescritas nos artigos 42º e 43º do C.Com, e tanto assim é, que vem o próprio legislador reforçar esta sua opção artigo 435º Código do Processo Civil, ao esclarecer, de forma expressa, que nos casos em que o Código Comercial assim o entenda, é esta última legislação que prevalece sobre a lei processual geral. XXVII. Conclui-se assim, com a devida vénia, que o despacho do qual aqui se recorre, se apoia num Acórdão, cuja decisão não tem suporte legal. XXVIII. Uma eventual determinação, por parte do Tribunal, da apresentação de documentos relativos à escrituração mercantil, apenas pode ser exercida ao abrigo do art. 42º ou 43º do C.Com. XXIX. Resulta da previsão do art. 42º C.Com, que o mesmo apenas se aplica “em questões de sucessão universal, comunhão ou sociedade e no caso de insolvência.”, o que não se subsume ao caso concreto, sendo por isso legalmente inadmissível qualquer ordem judicial ao abrigo desta norma. XXX. Já quanto ao art. 43º, o mesmo é de aplicar apenas “quando a pessoa a quem pertençam tenha interesse ou responsabilidade na questão em que tal apresentação for exigida.”, não tendo o Tribunal justificado em que medida é que seria aplicável esta regra, pois o douto despacho limita-se a citar jurisprudência, sem concretizar minimamente a sua aplicação ao caso dos autos, isto é, sem referir para que efeito serve a junção do documento. XXXI. Nestes termos, não se depreende se a Recorrente teria efetivamente interesse ou responsabilidade na questão em que a exibição do documento foi exigida. XXXII. Mais ainda que fosse possível configurar uma eventual responsabilidade ou interesse da pessoa a quem o documento pertence, em concreto, o que não se concede, dir-se-á, por mero dever de patrocínio, que uma eventual determinação do Tribunal ao abrigo do artigo 43º C.Com., apenas seria admitida na qualidade de exame, e não de exibição ou junção aos autos. Exame esse que seria feito nas instalações da sociedade, com representantes dela, que poderiam controlar o uso da documentação e ajudar a selecionar o que poderia ser relevante para o processo” (Cfr Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido a 08-03-2018, Processo nº 5408/10.0TBVFX-C L1, disponível em www.dgsi.pt). XXXIII. Não sendo o art. 42º C.Com. aplicável in casu, e sendo que a remota e eventual aplicabilidade do art. 43º do mesmo diploma, que não se concede nem admite, apenas poderá conduzir a um exame do documento que foi requerido juntar aos autos, não se pode concluir por outra coisa que não seja a ilegalidade do despacho recorrido, na parte em que determina a junção aos autos de um documento mercantil, por violação dos referidos preceitos legais. XXXIV. Mais, o Tribunal não demonstra em que medida seria pertinente o acesso à informação confidencial, pois conforme já foi demonstrado, o acordo de revogação do contrato do arrendamento, nos termos em que foi junto aos autos, faz prova idónea e suficiente à demonstração da matéria em causa. Sobretudo à prova dos fatos que levaram a Recorrente a juntar o documento em cumprimento do ónus da prova que sobre si impende. XXXVI. A devassa do segredo mercantil ordenada pelo Tribunal afigura-se ilegal, pois revela-se absolutamente excessiva e totalmente injustificada face à prova pretendida pela Recorrente, a qual é apenas demonstrar a ocorrência da cessação do contrato de arrendamento do espaço onde explorava o seu health club. XXXVII. Sendo ainda de referir, que mesmo na perspetiva deste documento servir de prova a matéria invocada pelo Recorrido (o que, como vimos, não seria admissível), este não indica os factos da matéria por si alegada que pretendia provar com a junção documento integral. XXXVIII. Ficando também por demonstrar a impossibilidade de o Recorrido e, até mesmo do Tribunal, recorrerem a outros meios de prova sem a violar o sigilo mercantil da Recorrente. XXXIX. A decisão recorrida não é proporcional em face dos interesses conflituantes de colaboração com o tribunal, a que todas as partes estão sujeitos e devem obedecer, e o de proteção devida à escrituração mercantil da apelante, pois não se afigura indispensável podendo inclusivamente ser possível recorrer a outros meios de prova para a descoberta da verdade material. XL. Conforme demonstrado, a justificação (não) apresentada pelo Tribunal recorrido para a exibição do documento integral não encontra respaldo na matéria em discussão nos autos, nem na lei. XLI. Na verdade, não se demonstrou que a junção do documento, nos termos solicitados pelo Recorrente, tenha qualquer interesse para a boa decisão da causa, nomeadamente, em que medida esclarece sobre a matéria alegada pelas partes. XLII. Pois que, entendem os tribunais superiores que devem ser avaliados no caso concreto, pesando na balança os interesses em contradição, sua natureza e fins visados, dando prevalência ao princípio da descoberta material sobre o regime do sigilo mercantil quando apenas se revele injustificado ou desproporcionado por referencia à justiça material que se discute em cada lide. XLIII. Por último, discordamos da consequência estipulada pelo douto despacho para a falta de cumprimento do ordenado à Recorrente, ou seja, ocorrer a inversão do ónus da prova quanto aos factos que se pretendem provar com o documento nos termos do disposto no art. 417º, nº2 in fine do CPC e 344º nº 2 do CC. XLIV. Nos termos legais, para ocorra a inversão do ónus, conforme o previsto no art. 417. Do CPC e 344º nº 2 do CC devem ser demonstradas, cumulativamente, as seguintes circunstâncias: -a existência de um meio de prova, com relevância para a decisão da causa (pressuposto positivo do nexo de causalidade); - não restam outros meios de prova relevantes (pressuposto negativo do nexo de causalidade); XLV. Conforme acima referido, não foi demonstrado em que medida é que a junção do documento integral pudesse assumir relevância para a decisão da causa, pelo contrário, demonstrou a Recorrente que o documento junto foi suficiente a provar a cessação do contrato de arrendamento, mediante acordo firmado entre senhorio e arrendatária, XLVI. Já o Recorrente não logrou justificar a efetiva necessidade da junção do documento integral nem a inexistência de outros meios de prova relevantes que justificassem a inversão do ónus. XLVII. E por fim, não se demonstra que o incumprimento da Recorrente na não junção do documento pudesse de alguma forma ser considerado culposo, atendendo ao sigilo comercial a que tem direito nos termos supra expostos. Nestes termos e nos melhores de Direito, deve ser julgado procedente o presente recurso, revogando-se o despacho que ordenou a notificação da Ré, ora Recorrente, para proceder à junção aos autos do acordo de revogação do contrato de arrendamento relativo ao “Holmes Place Miraflores” não truncado, sob pena de, não o fazendo, ocorrer a inversão do ónus da prova datado; Subsidiariamente, se assim não se entender, mantendo-se a decisão que ordena a junção do referido documento, deve sempre ser revogada a parte do despacho que define a consequência do seu incumprimento, como sendo a inversão do ónus da prova quanto aos factos que se pretendem provar com tais documentos Assim se fazendo a costumada Justiça! 8.2 A ré HP Active Grande Lisboa, Unipessoal, Lda. apresentou as seguintes conclusões: A. A Apelante alegou, na sua Contestação que, em 1 de julho de 2023 entrou em vigor o contrato de arrendamento relativo ao espaço onde funciona o Holmes Place de Miraflores. (Cfr. art. 15º da Contestação) B. A Apelante alegou ainda que “não foi a 1ª ré que transmitiu à 2ª ré [aqui Apelante] o arrendamento do espaço” e que “a 2ª ré adquiriu ex novo os seus direitos sobre o arrendamento do espaço” (Cfr. arts. 17º e 18º da Contestação) C. Para prova dos factos alegados, a Apelante juntou autos, contrato de arrendamento do referido espaço, o que o fez sob a designação: documento 1. D. O contrato de arrendamento foi junto aos autos, apenas com os elementos necessários à prova dos factos alegados pela Apelante, como era seu ónus, E. Tendo sido os restantes elementos do contrato truncados, em função dos direitos e deveres de sigilo que a Apelante assumiu com terceiros. F. O contrato de arrendamento que a Apelante juntou aos autos, faz parte da sua escrituração mercantil, o que, por natureza (e por lei), o torna num documento secreto. G. O Apelado veio requerer a junção do referido documento na sua forma integral e não truncado, fundamentando a sua pretensão numa (alegada) mudança de paradigma relativa ao sigilo comercial, mudança esta que, como se demonstrou supra, não teve lugar. H. Apesar de (e apenas em sede de resposta) ter a Apelante invocado o seu direito ao sigilo, foi esta notificada pelo Tribunal a quo, para juntar aos autos o documento 1 na sua integralidade e sem estar truncado, “sob pena de não o fazendo ocorrer inversão do ónus da prova quanto aos factos que se pretendem provar com tais documentos, nos termos do disposto nos arts. 417º, nº2, in fine do CPCivil e 344º, nº2, do CCivil.” I. Porém, não tendo o Apelado especificado os factos que com o documento pretendia provar, nunca poderia ter sido ordenada a junção do mesmo aos autos, cfr. art. 429º, nº 2 a contrario. J. Isto porque, admitindo que a inversão do ónus da prova foi decretada ao abrigo do art. 430º CPC, (o que o Tribunal a quo não esclarece, como seria seu dever) sempre se sustentaria a incorreta aplicação deste artigo por via da interpretação sistemática. K. Com efeito, uma correta e legítima aplicação desta norma apenas faz sentido na sequência de um requerimento nos termos do artigo anterior, ou seja, do artigo 429º CPC. L. Requerimento este, que como já se demonstrou, não existiu, porquanto o requerimento do Apelado, não cumpre os requisitos do art. 429º, ao não especificar os factos que pretende provar com os documentos em poder da parte contrária. M. Sendo que o único facto que o Apelado alega no seu requerimento, i.e. de que “a mesma pessoa singular rubricou os três documentos”, apesar de ser um facto falso, é um facto configurado no próprio requerimento como já provado e notório, visto que o Apelado afirma ser “possível constatar que (…)” N. Não alegando mais factos suscetíveis de serem provados com a junção, na íntegra, dos documentos truncados. O. Mesmo que assim não fosse, nunca a Apelante poderia ver o ónus da prova invertido, porquanto, como ficou demonstrado nas alegações de recurso, a presente recusa, por ser lícita, por não se ter demonstrado quais os factos que se pretendiam provar e por não se ter demonstrado que tais provas ficariam irremediavelmente impossibilitadas pela recusa da Apelante, não cumpre os pressupostos para a aplicação do art. 344º, nº2. P. Isto porque, e como elucidado pelo Douto Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 03-12-2009, no âmbito do processo 4258/07.6TVLSB.L1-6, disponível em www.dgsi.pt, temos que “o art. 344.º, nº 2, do C.Civil, estipula, há “inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações”. Deste normativo decorre que este instituto exige a verificação de dois pressupostos: a) que a prova de determinada factualidade, por acção da parte contrária, se tenha tornado impossível de fazer; b) que tal comportamento, da mesma parte contrária, lhe seja imputável a título culposo.” Q. Pressupostos estes que, mais uma vez, ficaram por demonstrar e não se verificam. Senão vejamos: R. Não tendo sido alegados os factos que se pretendem provar com o documento em poder da Apelante, é impossível aferir acerca da impossibilidade ou não de o Apelado fazer tal prova por outros meios menos lesivos dos direitos da Apelante S. Já quanto ao segundo pressuposto, e sendo certo que o documento requerido pelo Autor está protegido pelo princípio do sigilo comercial, a recusa em apresentar o referido documento é lícita e exclui assim a culpa que o Apelante eventualmente teria na sua recusa. T. Acrescentando-se que o requerimento do Autor seria sempre extemporâneo nos termos do art. 63º do CPT. U. E sempre se diga, na remota (senão mesmo impossível) possibilidade de a junção do documento integral servir apenas para confirmar a matéria do Apelante, V. Que o documento, nos termos já apresentados, comprova o alegado pela Apelante quanto à celebração do contrato do espaço de Miraflores com efeitos a partir de 1 de julho de 2023. W. A Apelante tem o ónus da prova deste facto e juntou o documento nos termos em que entendeu ser necessário para o efeito, não se afigurando necessário levar aos autos informação sob sigilo, sobre condições contratuais em concreto do contrato, que em nada relevam. X. A Apelante juntou este documento para fazer prova de que havia celebrado ex novo um contrato com o senhorio com o objetivo de demonstrar que não existiu qualquer cedência do espaço por parte da 1ª ré. Y. O documento nos termos em que é junto faz prova cabal e suficiente da referida matéria, pois identifica as partes, concretiza objeto do contrato, a identificação do imóvel, e a data de produção de efeitos. Z. Demonstra-se assim que a exibição do documento integral se encontra longe de ser considerada imprescindível para a prova pretendida, de acordo com critérios de adequação e proporcionalidade, conjugando-se os interesses em jogo. AA. Ainda que se verificassem, o que não se concebe nem se admite, e apenas por mera cautela de patrocínio se considera, BB. “Importa também ter presente que o disposto no art. 519º, nº 1 do CPCivil [atual art. 417º NCPCivil], como enunciação de um princípio geral, que é, está também ele sujeito ao princípio da proporcionalidade, também chamado princípio da proibição do excesso, o qual se desdobra, por seu turno, em três subprincípios: “a) princípio da adequação, ou princípio da idoneidade; b) princípio da exigibilidade (também chamado da necessidade ou da indispensabilidade), ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias, porque os fins visados na lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos liberdades e garantias; c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa “justa medida”, impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas em relação aos fins obtidos.” CC. Face ao exposto, conclui-se também que no caso aqui em apreço, como aliás ficou exaustivamente demonstrado nas alegações, que nem a ordem de junção do contrato de arrendamento, nem a sanção da inversão do ónus da prova, se mostram legítimas à luz do princípio da proporcionalidade, que norteia a interpretação do dever geral de colaboração com a justiça. DD. É ainda certo que a lei protege o sigilo comercial, designadamente nos arts. 42º e 43º do CCom, sendo que o primeiro protege as sociedades contra a devassa por inteiro da sua escrituração mercantil, e o último protege as sociedades do exame dos documentos relativos à escrituração mercantil, nisto consistindo a diferença entre um dispositivo e o outro. EE. Sendo certo também que, e de acordo com o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães “a exibição ou exame dessa escrituração apenas é admissível nos casos que aí se encontram previstos [nos arts. 42º e 43º do CCom], ao permitir, o primeiro, a exibição judicial por inteiro dos livros de escrituração comercial e, o segundo, o exame judicial desses livros.” FF. Ora, o despacho aqui recorrido, não logrou, de modo algum, elucidar a base legal da sua ordem, limitando-se a invocar o dever geral de cooperação com a justiça, prescrito pelo art. 417º CPC. GG. O sigilo comercial é um valor-chave na organização de uma sociedade baseada na economia de mercado, como é a portuguesa, e por esse mesmo motivo, é um valor protegido legalmente e excecionado do dever geral de cooperação com a justiça, como ilustram os exemplos dos arts 435º CPC, quem tem por epígrafe justamente “Ressalva da escrituração mercantil”, e os já referidos arts. 42º e 43º CCom. HH. Assim sendo, o levantamento do sigilo comercial deve sempre ser ordenado com a mais cautelosa previdência, e sempre nos limites do legalmente previsto o que, salvo o devido respeito, não acontece no despacho aqui recorrido. II. Termos em que se impõe a revogação do despacho recorrido Face a todo o exposto, deve a presente apelação ser considerada totalmente procedente por provada, e em consequência seja: - o despacho apelado revogado, na parte em que ordena a junção aos autos do contrato de arrendamento, e ser substituído por um que reconheça o direito do Apelante ao sigilo comercial, nos termos do art. 42º CCom, conjugado com os arts. 417º e 435º CPC; - Caso assim se não entenda, deve ser revogado o despacho, na parte em que faz ocorrer inversão do ónus da prova, caso a Apelante não apresente o documento ordenado, por violação do art. 344º, n.º 2, CC. 9. A instância encontra-se suspensa por despacho de 26 de março de 2025 “até ao trânsito em julgado da decisão que julgue os recursos interpostos do despacho que admitiu meio de prova (entendendo-se que, no caso em apreço, esta solução poderá ser a que melhor se adequa à realização da justiça, com economia de meios”). 10. O Ministério Público proferiu douto parecer no sentido da procedência dos recursos. 11. Ao parecer do Ministério Público respondeu o recorrido [ref.ª 52024299] referenciando os pedidos/fundamentos que já mencionara em 5. * II. Questões a decidir: o âmbito do recurso é delimitado pelas questões de conhecimento oficioso bem como as suscitadas nas conclusões das apelantes, que in casu, são as da junção dos documentos na sua versão integral e da cominação (de inversão do ónus da prova) tal como advertida no despacho ora recorrido. * III. Fundamentação A questão suscitada em recurso prende-se com a necessidade de junção dos documentos referentes ao acordo do contrato de arrendamento das instalações em que funciona o estabelecimento em que o autor desempenhou funções [ginásio Holmes Place em Miraflores, Algés], celebrados pelas primeira e segunda rés, que, na versão do autor, operaram entre si a transmissão económica, por via da qual o contrato de trabalho do mesmo se terá transmitido entre as referidas rés. Factualidade que, em termos hipotéticos, é invocada pelo autor na petição inicial e que encontra acolhimento jurídico no artigo 285.º do Código do Trabalho3, nos termos do qual em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte da empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores (n.º 1), considerando-se unidade económica o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa e que mantenha identidade própria com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória (n.º 5). A determinação da unidade económica veio a ser preenchida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia mediante a adoção de um critério que se reconduzia à determinação de uma “entidade económica organizada de modo estável, cuja actividade se não limite à execução de uma obra determinada (acórdão de 19 de Setembro de 1995, Rygaard, C-48/94, Colect., p. 1-2745, n.º 20). O conceito de entidade remete assim para um conjunto organizado de pessoas e elementos que permitam o exercício de uma actividade económica que prossegue um objectivo próprio”4. Conjunto de elementos que poderá [ou não] abranger o contrato de arrendamento do espaço em que as rés, sucessivamente, desenvolveram a sua atividade. Do assim exposto resulta inequívoco que [a transmissão d] o contrato de arrendamento poderá integrar, como um dos seus elementos, a unidade económica. Pelo que, em conformidade com a «”doutrina da construção da proposição” jurídica (Stazbaulehre), ou “teoria das normas” (Normentheorie)»5 , nos termos das disposições conjugadas dos n.ºs 1 e 3 do artigo 341.º do Código Civil, o ónus de alegação e prova cabe ao autor. Sendo o articulado próprio para tal invocação a petição inicial, e em tal articulado serem invocados os respetivos meios de prova, o autor não invocou a transmissão do arrendamento, expressando, sob a forma de hipótese [“ainda que”] em torno de facto contrário, que é o da “resolução do contrato com elevada sobreposição de interesses e pessoas”6. Foram estes factos, contrários, de resolução e de novo arrendamento, que as rés invocaram nas suas contestações e para prova dos quais vieram a juntar os documentos, suprimindo as partes do texto que alegam estar sob sigilo. O que, aliás, o autor não colocou em crise vindo no seu requerimento de 27-02-2024 aceitar o teor do negócio documentado nos escritos (até porque nessa parte os documentos os revelam, cf. supratranscrito em 5.). Sem embargo, em sede de despacho-saneador, tendo considerando que integrava os tema da prova a matéria de facto controvertida compreendida nos articulados, relativamente às circunstâncias da cessação da exploração do estabelecimento denominado “Holmes Place Miraflores”, por parte da 1.ª ré e início da sua exploração por parte da 2.ª ré e a transferência da 1.ª ré para a 2.ª ré de um conjunto de meios organizados, com o objetivo de esta (2.ª ré) prosseguir a atividade económica que até à transmissão a 1.ª Ré prosseguia, ordenou-se a junção dos documentos sem a supressão das partes dos textos “truncadas”, com a cominação de inversão do ónus da prova, relativa “aos factos que se pretendem provar com tais documentos”. O ónus da prova pode assumir “uma função decisória (ónus de prova objetivo) indicando o sentido do mérito da causa em caso de dúvida do julgador, depois de produzida e valorada toda a prova, indica o sentido do mérito da causa [artigo 414.º do CPC]. Neste sentido se fala em regola di giudizio7, ou seja, regra que decide o sentido a adotar no julgamento, assegurando o cumprimento do dever [ou obrigação de julgar a que está adstrito o Tribunal, por lhe ser vedado o]8 non liquet (art.8º/1 CC). Assume, ainda, uma função ordenadora (ónus de prova subjetivo) na medida em que estabelece quem deve provar o quê, definindo as respetivas consequências em caso de fracasso”. São precisamente estes factos [compreendidos na definição de quem deve provar o quê] que a decisão ora sob censura não indica, não cumprindo o dever de substanciação a que estava obrigada por forma a tornar compreensível aos seus destinatários, o conteúdo da cominação decidida9. Por outro lado, a inversão do ónus da prova10 tem lugar no quadro do disposto no artigo 344.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil, conjugado com o inciso final do n.º 2 do artigo 417.º, por remissão do artigo 430.º, ambos do Código de Processo Civil. Da conjugação destas disposições resulta que, ressalvados os casos de existência de presunção ou dispensa ou liberação de prova, para que ocorra a inversão do ónus da prova, de harmonia com o n.º 2 do citado artigo 344.º do Código Civil, é necessário que, cumulativamente: i. a factualidade que se pretende provar se encontre controvertida; ii. o ónus de alegação e prova incumba à parte que invoca o facto para cuja prova é necessária a junção do documento; iii. a junção não tenha lugar por comportamento culposo da parte sobre quem tal ónus não recaía; iv. e que a não junção tenha tornado impossível a prova ao onerado (não sendo suficiente para o efeito uma eventual maior dificuldade dessa prova). Pressupostos da decisão que determine a inversão do ónus da prova, à qual se exige, ainda, a indicação do facto que se considerará por provado, pois só assim cumpre o ónus de fundamentação e, em rigor, de substanciação, que a torne inteligível [artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil (CPC)]. Não sendo inteligível qual o facto que resultaria provado com a inversão cominada, e em que medida o Tribunal a quo entendeu que o mesmo estaria controvertido, do que supra se deixou dito, importa concluir que: 1. A junção dos documentos já ocorreu; 2. As partes não estão em desacordo quanto à ocorrência da resolução do contrato de arrendamento nem a celebração de um novo, factualidade que foi a que determinou tal junção; 3. Os escritos juntos documentam exatamente o que foi invocado pela parte que os juntou, para prova dos factos que alegou, o que é admitido pela contraparte, não sendo as partes suprimidas as referentes à factualidade, alegada pela parte que as invocou. Para concluir não estarem verificados os pressupostos do despacho, e cominação, recorrido. Dir-se-á, ainda que, não tendo o despacho recorrido referido qual o facto controvertido que a cominação se destinaria a provar, veio o autor sustentar no requerimento de 27-02-2024 que faltam no primeiro documento [revogação do contrato de arrendamento] a identificação de uma parte contratante e respetiva assinatura; o conteúdo dos considerandos do acordo quase na sua integralidade; e, o clausulado do contrato, em particular a cláusula terceira relativa à revogação do contrato de arrendamento. E no segundo [contrato de arrendamento] se omite (i) a identificação de uma parte contratual e respetiva assinatura; (ii) o texto relativo aos considerandos do contrato; e (iii) o clausulado do contrato. Os documentos são meios de prova, com a função de demonstração da realidade de factos [artigo 341.º do Código Civil]. Como se deixou exposto em 4.1 e 4.2, ao invés do invocado pelo autor, ora recorrido, ambos refletem o teor do cerne dos contratos, - revogação e arrendamento - que foi a factualidade invocada nos articulados das rés, e diga-se, do próprio autor, como, ainda, as assinaturas constam dos contratos. Prejudicada fica, assim, a questão do reconhecimento do sigilo: o documento foi junto com a disponibilização do texto referente aos factos que se subsumem ao que foi indicado pelas partes. Dito de outro modo, a matéria do sigilo não incide sobre a natureza, tipo de contrato celebrado e identificação dos seus outorgantes, sobre o que as partes não estão em desacordo, que já foi disponibilizada nos documentos juntos, e que integram o objeto do litígio. Pelo que também nunca seria necessária a ponderação casuística de exibição integral dos documentos à luz dos artigos 42.º e 43.º do Código Comercial [o artigo 42.º prevê verdadeiramente a exibição integral da escrituração e inerente documentação, ao passo que o artigo 43.º está gizado para uma situação de exame (judicial) parcial ou parcelar de tal realidade], e que nos termos já definidos por estre Tribunal11, seria de indeferir. Por outro lado, relativamente à alegação de que “ainda que as rés celebrassem tais negócios, ação de tais contratos que uma e, levada sobreposição de interesses e de pessoas resultante da proximidade entre os corpos gerentes das sociedades transmitente e transmissária (21.º da petição inicial)”, o certo é que não só não foi alegado nem se alcança que tal resulte dos documentos juntos, ou do seu teor integral. Por último, e ainda, dir-se-á que a junção dos documentos (na sua versão integral) nunca se tornaria necessária para demonstrar a qualidade dos outorgantes, cujas assinaturas não foram suprimidas e cuja autoria, e qualidade em que outorgam, se encontram documentadas nas certificação das assinaturas constantes dos “termos de autenticação” aos mesmos anexos. O que faria falecer o pressuposto da “impossibilidade de prova”, reclamada pelo n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil. Procedem os recursos. As custas são suportadas pelo recorrido – artigo 527.º do CPC. * IV. Dispositivo Concede-se provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido. * Custas pelo recorrido. Lisboa, 19 de novembro de 2025. Cristina Martins da Cruz Alves Duarte Celina Nóbrega _______________________________________________________ 1. Ressalva nossa. 2. Artigo 417.º, do CPC, como resulta do contexto do alegado [nota nossa]. 3. Aprovado em anexo à Lei nº 7/2009, de 12-02. Doravante CT. 4. Acórdão do Tribunal de 11 de março de 1997, Süzen, C-13/95, EU:C:1997:141, n.º 13. A jurisprudência em referência, é constante e atual no referido TJ, apesar de haver sido proferida em interpretação [reenvio] da Diretiva 75/129/CEE do Conselho, de 17 de fevereiro de 1975, não alterada na parte em apreço pela Directiva 2001/23/CE do Conselho, de 12 de Março de 2001, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos, de que o artigo 285.º do CT é transposição. Como melhor consignado no respetivo considerando (8). 5. Rosenberg, Die Beweislast, p. 98 e ss., Apud João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, vol. I, Manual de Processo Civil, AAFDL (2022), pp. 492. 6. Para o que não considerou meio de prova relevante a junção dos contratos, a qual não requereu nas (duas) petições iniciais ou no articulado de resposta. 7. GIAN ANTÓNIO MICHELI, L’onere della prova, Verona, Padova : CEDAM, 1966, pp.141 e ss. Apud Nuno Salpico, “A inversão do ónus da prova devido a impossibilidade de prova culposamente causada (art.344º/2 CC)”, [em linha]. 8. Ressalva nossa. 9. Neste sentido, Lopes, José Mouraz “Gestão processual: tópicos para um incremento da qualidade da decisão judicial”, in Julgar, n.º 10, janeiro-abril 2010. 10. Lynce de Faria, A inversão do ónus da Prova no Direito Civil Português (2001), pp. 33 e segs. 11. Acórdão de 28 de setembro de 2016, processo n.º 1267/15.5T8FNC-B.L1-4. |