Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
11232/2008-9
Relator: FÁTIMA MATA-MOUROS
Descritores: INQUÉRITO
PRISÃO PREVENTIVA
FUNDAMENTAÇÃO
INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA
INSUFICIÊNCIA DO INQUÉRITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/05/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: 1. Cumpre a obrigatoriedade de fundamentação exigida nos termos do art. 97.º/5 do CPP, o despacho do juiz de instrução que, para efeitos de reapreciação de medida de coacção mormente a de prisão preventiva, não se limitando a repetir uma fórmula genérica, antes tendo assumido uma apreciação concretizada do caso, apresentando fundamentação concisa, mas ainda assim suficiente, porquanto exercida com recurso a remissão para outro despacho anteriormente proferido nos autos sobre a matéria.
2. O despacho que indefere a inquirição das testemunhas arroladas pelo arguido, tendo em vista a substituição da sua prisão preventiva por medida não privativa da liberdade, não põe em causa o direito do arguido arrolar testemunhas ao inquérito.
3. A lei não reconhece, porém, ao arguido o direito de ver as testemunhas por si arroladas serem inquiridas pelo juiz de instrução, durante a fase de inquérito. As diligências do inquérito são realizadas pelo MP sendo também o MP quem decide sobre a pertinência de tal prova nesta fase do processo.
3. Isto não significa que o juiz de instrução esteja impedido de assegurar as diligências que se lhe afigurem indispensáveis à boa decisão da medida de coacção a impor ao arguido, integrando esta reserva da sua competência. Indispensável é que as considere pertinentes.
4. O despacho que indeferiu a inquirição das testemunhas arroladas pelo arguido recorrido não violou o direito previsto no art. 61.º n.º 1 alínea g) do CPP, não configurando, tão pouco, a nulidade pela insuficiência de inquérito a que alude o art. 120.º n.º 1 alínea d) do CPP.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9a Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório
1. No inquérito NUIPC 233/08.1TDLSB-C, recorre o arguido G… do despacho que manteve a sua prisão preventiva, proferido em 31/10/2008, pelo juiz de instrução criminal, cujo teor aqui se reproduz:

G…, vem pelas razões que se refere de fls. 989 a 994, que aqui se dão por reproduzidas, requerer a substituição da medida de coacção de prisão preventiva a que se encontra sujeito nos autos e a sua substituição pela medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica.
Mais solicita que seja levantada a apreensão sobre a quantia em dinheiro que lhe foi apreendida e sobre os demais bens que lhe foram apreendidos e que aquela e estes lhe sejam entregues.
Juntou documentos.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido do requerido ser indeferido.
Considero não ser pertinente para a apreciação do requerido a inquirição das testemunhas indicadas.
Cumpre decidir:
O arguido G..., encontra-se preso preventivamente à ordem destes autos, por ter sido essa a medida de coação que lhe foi imposta por despacho de fls. 620 a 626 dos autos.
Compulsados os autos e pese embora o alegado pelo arguido, verifica-se que se mantêm inalterados os pressupostos de facto e de direito que determinaram a aplicação ao arguido da medida de coacção de prisão preventiva, supre referida, constantes do despacho supra mencionado, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, sendo que não ocorreu entretanto qualquer situação que infirme o que do referido despacho consta.
Assim sendo e ao abrigo do disposto nos arts. 191.º. 192.º, 193.º, 194.º, 202.º n.º 1ª), b) e c) do CPP, mantenho a medida de coacção supra referida, pelo que e consequentemente, continuará o arguido G..., a aguardar em prisão preventiva os ulteriores termos do processo, por ser a única medida de coacção proporcional, ajustada e adequada às exigências cautelares que no caso se fazem sentir, sendo qualquer outra designadamente a proposta pelo arguido, inadequada e insuficiente a acautelar os perigos que no caso se verificam.
Notifique.

2. Da motivação apresentada no recurso, por via do qual pugna pela revogação do despacho recorrido e sua substituição por outro que permita ao arguido aguardar em liberdade os ulteriores termos do processo (ainda que com apresentações ou obrigação de permanência na habitação vigiada por meios de controlo à distância), conclui o recorrente:

1 - O douto despacho recorrido faz, com o devido respeito, interpretação ou valoração inconstitucional do art. 204.º alíneas a), b) e c) do CPP, uma vez que não existe nos autos matéria fáctica que aponte para a existência dos requisitos cominados nessas mesmas alíneas (in casu perigo de fuga, perigo de perturbação do decurso do inquérito ou perigo para a aquisição ou veracidade da prova, ou ainda perigo de continuação da actividade criminosa) sendo certo que tais requisitos se não podem presumir, antes devem resultar da condição concreta dos arguidos ou do eventual posicionamento processual por parte dos mesmos, como jurisprudencialmente vem sendo entendido pelas instância superiores.
2- Os escassos indícios nos autos existentes quanto a alegada cumplicidade do arguido aqui recorrente em crime de tráfico de produto estupefaciente, bem como do circunstancialismo que antecedeu e rodeou a sua detenção, não pode fazer presumir, por si só, que existam todos os perigos a que alude o mencionado art. 204.º do CPP e que de modo genérico foram aflorados no douto despacho recorrido já que os mesmos perigos não podem ser presumidos tout court pelo douto Tribunal de Instrução.
3 - E mesmo que atenta a nacionalidade do recorrente (cidadão brasileiro), algum receio de fuga pudesse subsistir (muito embora o arguido se encontre mais que inserido social e profissionalmente no nosso País, tendo família estável e constituída, com um filho de 4 meses a cargo), a tal perigo o Tribunal poderia obstar, colocando o recorrente em regime de prisão domiciliária (com obrigação de permanência na habitação – nos termos do disposto no art. 201.º do CPP), - razão pela qual mal se mostra ter sido violada, no recorrido despacho, a norma ínsita no art. 201.º do CPP.
4 – O disposto no art. 202.º n.º 1 do CPP não é de aplicação automática. O comando em causa diz que o juiz pode impor ao arguido a prisão. Não é obrigado a tal e só a deve ordenar quando se revelarem inadequadas ou insuficientes outras medidas de coacção menos gravosas. O despacho recorrido mostra-se omisso a tal propósito, valorando em nosso entender, em demasia, a gravidade e a censurabilidade da conduta do arguido e os perigos genéricos do art. 204.º do CPP.
5 – O douto despacho ora em crise violou, ainda, o comando do art. 193.º n.º 2 do CPP, uma vez que a prisão preventiva como medida de coacção reveste natureza residual ou subsidiária ou seja, apenas a aplicar em ultima ratio e, assim também por imposição constitucional (maxime o art. 28.º n.º 2 da Lei Fundamental).
6 – Violados foram pois os comandos dos arts. 193. n.º2, 202.º n.º 1b) e 204.º alíneas a) b) e c) do CPP.
7 – Violado foi ainda o princípio constitucional ínsito no art. 28.º n.º 2 da Lei Fundamental.
8 – Mostrando-se ainda violado, por manifesto erro de interpretação ou de análise o disposto no art. 97.º n.º 5 do CPP dada a apontada nulidade – por falta de fundamentação – do despacho recorrido.
9 – Ao recusar a inquirição de testemunhas em tempo indicadas pelo arguido, o douto e recorrido despacho violou o disposto no art. 61.º n.º 1 alínea g) do CPP, cometendo ainda a nulidade de insuficiência de inquérito a que alude o art. 120.º n.º 1 alínea d) dó CPP.

3. Respondeu o Ministério Público, sustentando em síntese que nenhuma nulidade foi cometida no despacho recorrido ao indeferir a inquirição das testemunhas arroladas pelo arguido à sua situação económica e inserção profissional, por impertinentes, já que mesmo considerando assente que o arguido efectuava os trabalhos invocados no seu requerimento em nada se alterariam os pressupostos determinantes da necessidade da sua sujeição a prisão preventiva, porquanto essa inserção profissional não se teria revelado como suficientemente desmotivadora da actuação criminosa do tráfico de estupefacientes. Não se trata de não reconhecer ao arguido o direito de indicar testemunhas, simplesmente, o arguido não pode impor que as mesmas sejam ouvidas pelo juiz de instrução no âmbito de uma fase processual, como o inquérito, dirigida pelo MP. No que respeita aos factos indiciados e perigos a acautelar, sustentou o MP que, ao não ter recorrido do despacho subsequente ao primeiro interrogatório que considerou suficientemente indiciada a prática do crime de tráfico de estupefacientes, o arguido conformou-se com essa indiciação, não podendo agora pô-la em causa, no âmbito de uma apreciação de um pedido de substituição da prisão por medida menos gravosa, formulado ao abrigo do disposto no art. 212.º do CPP. Na apreciação deste requerimento o juiz apenas tem de verificar se se alteraram, designadamente se atenuaram os pressupostos determinantes da sujeição do arguido à medida de coacção mais gravosa, sendo que a decisão que aplica a prisão preventiva, apesar de não definitiva, é uma decisão intocável e imodificável enquanto subsistirem os pressupostos que a ditaram, o que se verifica no caso em presença.

4. O digno Procurador junto deste Tribunal da Relação pronunciou-se no sentido da não alteração da situação que conduziu à aplicação da prisão preventiva, reiterando os fundamentos aduzidos pelo MP em primeira instância contra a procedência do recurso.

5. Foi cumprido o disposto no art. 417.º/2 do CPP, não tendo havido resposta.

6. Cumpridos os vistos legais nada obsta a que se decida.

II - Fundamentação

1. Cumpre decidir, sendo três as questões colocadas no recurso:
a) A nulidade do despacho recorrido;
b) A violação do direito do arguido previsto no art. 61.º n.º 1 alínea g) do CPP e a nulidade da insuficiência de inquérito a que alude o art. 120.º n.º 1 alínea d) dó CPP;
c) Apreciação se a prisão preventiva do arguido deve, ou não, ser substituída por obrigação de permanência na habitação.

a) Pretende o recorrente que o despacho recorrido é nulo, por falta de fundamentação.
Nos termos do art. 97.º/5 do CPP, os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão. Nada impede, porém, que a fundamentação se faça por remissão. «Mesmo os actos decisórios mais solenes e importantes podem remeter a respectiva fundamentação para a promoção anterior», como tem sido admitido, inclusivamente pelo Tribunal Constitucional (Acs. TC n.º 189/99, 396/2003, cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, em anotação ao art. 97.º).
É certo que o despacho recorrido não se caracteriza pela exuberância na argumentação usada. A sua leitura atenta permite, porém, concluir com a segurança necessária, que o juiz a quo não se limitou a repetir uma fórmula genérica, antes tendo assumido uma apreciação concretizada do caso, ao assumir que na sequência do despacho que decretou a prisão do arguido «não ocorreu qualquer situação que infirme o que do referido despacho consta», fazendo suas (dando-as por reproduzidas) as considerações expressas no referido despacho proferido na sequência do primeiro interrogatório, o que significa que entendeu manter-se a forte indiciação pela prática de crime de tráfico de estupefacientes e a verificação dos perigos de fuga, de continuação da actividade criminosa e de perturbação do inquérito.
Com efeito, do teor do despacho em causa resulta patente a remissão, na fundamentação da decisão tomada, para o despacho que decretou a prisão preventiva do arguido na sequência do seu primeiro interrogatório judicial, evidenciando um raciocínio argumentativo perfeitamente compreensível ao aceitar, e fazer seus, os fundamentos apontados para a sujeição do arguido a prisão preventiva no despacho que decretou esta medida de coação, considerando que se mantinham intocados os respectivos pressupostos e acrescentando ainda ser a prisão a única medida proporcional, ajustada e adequada às exigências cautelares do caso, «sendo qualquer outra, designadamente a proposta pelo arguido, inadequada e insuficiente a acautelar os perigos que no caso se verificam». Não se verifica, assim, o invocado vício de falta de fundamentação. O despacho em crise apresenta fundamentação concisa, mas ainda assim suficiente, porquanto exercida com recurso a remissão para outro despacho anteriormente proferido nos autos sobre a matéria. Ou seja, o despacho recorrido é curto e conciso, mas nem por isso omisso na fundamentação.

b) Pretende ainda o recorrente que o despacho recorrido, ao indeferir a inquirição das testemunhas arroladas pelo arguido, viola o direito do arguido previsto no art. 61.º n.º 1 alínea g) do CPP, configurando ainda a nulidade pela insuficiência de inquérito a que alude o art. 120.º n.º 1 alínea d) dó CPP.
Vejamos:
No que respeita à inquirição das testemunhas requerida pelo arguido no mesmo requerimento em que solicitava a substituição da sua prisão por obrigação de permanência na habitação, ainda que vigiada electronicamente, o juiz a quo referiu considerar «não ser pertinente para a apreciação do requerido a inquirição das testemunhas indicadas» e de seguida, em sede já de apreciação do requerido, sublinha que, diferentemente do alegado pelo arguido, se mantêm inalterados os pressupostos de facto e de direito que determinaram a aplicação ao mesmo da medida de coacção de prisão preventiva. Do teor do despacho proferido decorre, pois, com evidência, que o juiz de instrução não admitiu, naquele momento, a possibilidade de substituição da prisão decretada na sequência do primeiro interrogatório realizado dois meses antes, por qualquer outra medida de coacção, designadamente a obrigação de permanência na habitação sob vigilância electrónica. Daí que não houvesse razão para se ouvir testemunhas arroladas pelo arguido.
Com efeito, no seu requerimento o arguido arrolou cinco testemunhas para prova do alegado quanto à sua actividade profissional, à sua inserção sócio profissional e à sua relação com a empresa E… e ainda «face ao disposto no art. 61, n.º 1 alínea g) do CPP e art. 32.º n.º 1 da CRP».
Certo é que as referidas circunstâncias referentes à actividade e inserção sócio-profissional do arguido, mesmo a serem verdadeiras, não se revelaram suficientes, aos olhos do juiz de instrução, para substituir a prisão preventiva decretada por qualquer outra medida, nomeadamente a obrigação de permanência na habitação
Terá sido correcto o juízo formulado sobre a pretensão de inquirição das testemunhas apresentada pelo arguido?
A prisão preventiva decretada ao arguido baseou-se em fortes indícios de prática de crime grave e na verificação de perigos que só a medida de coacção mais gravosa podia acautelar. A pretensão do arguido revelou-se, assim, naquele momento, como manifestamente desadequada no entender do juiz a quo. E, com efeito, perante a indiciação de crime grave, perpetrado numa actuação estruturada só interrompida pela detenção recente, importando assegurar a efectiva cessação da mesma de forma a impedir a sua revitalização, perigo sempre latente em actividades tão altamente rentáveis como a abraçada pelo recorrente até ser detido (como também foi sublinhado no despacho subsequente ao seu primeiro interrogatório) impõe-se concluir pela manifesta desadequação da sustentação da sua pretensão com base na prova da sua situação económica ou socio-profissional. Não será, com efeito, a sua situação profissional que permitirá, pelo menos neste momento ainda tão próximo da intervenção policial que o forçou a suspender a actividade criminosa, considerar reunidas as condições suficientes para justificar a substituição da prisão pela obrigação de permanência na habitação, ainda que sujeita a vigilância electrónica.
Sustenta, ainda, o recorrente que ao indeferir a inquirição das testemunhas arroladas pelo arguido, o despacho recorrido viola o seu direito previsto no art. 61.º n.º 1 alínea g) do CPP, configurando ainda a nulidade pela insuficiência de inquérito a que alude o art. 120.º n.º 1 alínea d) do CPP. Não tem, porém, razão. Desde logo, porque, conforme sublinha o MP na resposta apresentada ao recurso, não está em causa o direito do arguido arrolar testemunhas ao inquérito. Simplesmente, a lei não lhe reconhece o direito de ver as testemunhas por si arroladas serem inquiridas pelo juiz de instrução, durante a fase de inquérito, uma fase do processado sob a direcção do MP. As diligências do inquérito são realizadas pelo MP e não pelo juiz de instrução, sendo pois também o MP quem decide sobre a pertinência de tal prova para a descoberta da verdade nesta fase do processo que lhe cabe dirigir. Não se pretende com isto dizer que o juiz de instrução esteja impedido de assegurar as diligências que se lhe afigurem indispensáveis à boa decisão da medida de coacção a impor ao arguido, sendo esta matéria da sua competência. Todavia, como acima já se deixou claro, no caso sub judice, o juiz de instrução considerou impertinentes as inquirições solicitadas, para os efeitos requeridos, entendendo que, perante a subsistência dos pressupostos que determinaram a prisão do arguido, não seria a audição de testemunhas à sua situação sócio-profissional que permitiria sustentar a substituição da medida de coacção mais gravosa pela obrigação de permanência na habitação. Note-se que logo no despacho subsequente ao primeiro interrogatório, cujo teor foi dado integralmente por reproduzido no despacho recorrido, se considerou que a obrigação de permanência na respectiva residência não inibiria o arguido de manter os contactos necessários ao prosseguimento da actividade de tráfico de estupefacientes.
Não se trata de sufragar qualquer restrição ao princípio do contraditório, da fundamentação fáctica ou sequer da subsidiariedade da prisão preventiva como parece também pretender o recorrente. Trata-se, sim, de considerar que, mesmo a comprovar-se testemunhalmente a sua invocada situação sócio-profissional, o perigo de continuação da actividade criminosa detectado nos autos não permitiria a substituição da sua prisão, pelo menos nesta primeira fase subsequente à detenção.
Eis quanto basta para impor a improcedência do recurso, também neste segmento, nenhuma nulidade tendo sido cometida no despacho recorrido ao indeferir a inquirição das testemunhas indicadas pelo arguido.

Conclui-se, assim, que a decisão de manutenção da prisão, apesar de concisa e proferida num estilo telegráfico, mostra-se, porém, suficientemente fundamentada, justificada se revelando também a não inquirição pelo juiz de instrução das testemunhas arroladas ao requerimento em que pedia a substituição da sua prisão por obrigação de permanência na habitação.

Mas - resta apreciar - serão de acolher os fundamentos que ditaram a manutenção da medida de coacção mais gravosa, indeferindo-se a pretendida substituição por outra medida, designadamente a obrigação de permanência na habitação vigiada por meios electrónicos?

c) Retomando a decisão recorrida os fundamentos invocados no despacho que decretou a prisão do arguido, importará, pois recordar aqui também o teor daquele primeiro despacho proferido na sequência do primeiro interrogatório do arguido:

Julgo válida a detenção dos arguidos porque efectuadas em flagrante delito. Foi respeitado o prazo a que alude o art. 141° n.° 1 do Código de Processo Penal.Indiciam os autos, fortemente, a prática pelos arguidos, em co-autoria material no que se refere aos arguidos P… e G… e deste também em co-autoria material com os restantes arguidos, de um crime de tráfico de substâncias estupefacientes, p. e p. pelo art° 21°, n.° 1 do DL 15/93 de 22/01, com referencia à tabela IB anexa. Os factos que se consideram indiciados são os seguintes: Resulta dos autos que, pelo menos desde o mês de Março de 2008, que o arguido V… se vinha dedicando à venda de estupefacientes na zona da Praça do Chile, em Lisboa, usando a pensão …, sita no n° …, 2°, da Rua …, por si gerida e onde residia, para aí guardar os estupefacientes que depois eram vendidos nessa artéria e artérias limítrofes.
Quando o arguido V.,.. se abastecia de estupefacientes guardava-os na casa da sua sogra, a arguida M…. Esta procedia à guarda do estupefaciente mas também os transportava para a indicada pensão ou para local onde se encontrasse com o V....O arguido V… controlava a actividade de venda de estupefacientes, angariando os produtos e entregando-os a terceiros para estes os venderem.A arguida C…, companheira do arguido V…, também trazia os estupefacientes da casa da sua mãe, a arguida M… , para a pensão.Nesta pensão parte dos estupefacientes eram embalados pelos arguidos V…, C… e M…. Já divididos os estupefacientes eram entregues pelo arguido V… ao arguido A… para este os vender na rua aos consumidores.A arguida M…, tratada pelo nome de “…” auxiliava o A… na descrita actividade, também vendendo a terceiros estupefacientes.O arguido G... era o fornecedor dos estupefacientes que o arguido V... depois revendia. O arguido G...adquiria a cocaína no Brasil e importava-a para Portugal através de indivíduos que contratava para o efeito e que para ali viajavam trazendo no regresso o estupefaciente dentro do organismo.Em data não apurada o arguido G...acordou com o arguido P... a ida deste ao Brasil para aquele fim.No dia 22-08-2008 o arguido P... viajou para o Brasil onde lhe foi entregue a cocaína adquirida pelo arguido G... e regressou no dia 01-09-2008.No período compreendido entre 22-08-2008 e 01-09-2008 o arguido G...manteve várias conversas telefónicas para o Brasil tendo falado com o indivíduo que entregou o estupefaciente ao Pedro e com este.No dia 01-09-2008, pelas 06H30 já o arguido G... se encontrava no Aeroporto de Lisboa à espera do arguido P.... Pelas 07H00 o arguido G...telefonou ao Pedro e este disse-lhe que já estava a passar na Alfândega. Pelas 08HSO os arguidos encontraram-se e viajaram juntos até à casa do arguido G…, na Rua de …., em Lisboa, onde vieram a ser interceptados pela PSP. Na busca à casa do arguido G...foram apreendidos vários artigos em ouro e a quantia monetária de 8690 €, provenientes da actividade ilícita em investigação. O arguido P... foi transportado ao Hospital de S. José onde veio a evacuar um total de 66 "bolotas" com cocaína, com o peso bruto de 565,12 gramas. Este estupefaciente destinava-se a ser entregue pelo P... ao arguido Gilson, o qual, depois, o revenderia a outros indivíduos, e entregaria à consignação a mesma ao arguido V....Também no dia 01-09-2008, a partir das 18H00, a PSP deu cumprimento aos mandados de busca emitidos nos autos.Os arguidos V..., C..., A... e M...encontravam-se na pensão sita no 2° andar do n° … da Rua …., tendo ali sido encontradas e apreendidas:No quarto onde estavam os arguidos V... e M...6 embalagens com 1,98 gramas de cocaína, as quais se destinavam a ser vendidas pelos arguidos a terceiros, e um rolo de sacos plásticos destinados ao embalamento da cocaína;No quarto da arguida C... uma embalagem de cocaína (0,24 gramas) a qual se destinava a ser vendida pelos arguidos a terceiros;Ao arguido A..., que estava no seu quarto, foi apreendida uma embalagem com 0,16 gramas de cocaína, a qual se destinava a ser vendida pelos arguidos a terceiros;Foi ainda apreendida a quantia monetária de 491,85 euros, proveniente de anteriores vendas de estupefacientes.Na casa da arguida M…, onde esta se encontrava, foram apreendidas várias embalagens de cocaína com o peso bruto de 349,18 gramas, para além de uma bolota de haxixe, com 37,66 gramas, a quantia de 4266,20 €, uma balança com resíduos de estupefacientes e um rolo de sacos plásticos.Os estupefacientes, ali guardados pela arguida, destinavam-se a serem vendidos pelo arguido V..., a quem pertenciam.O dinheiro era proveniente de vendas de estupefacientes. A balança era utilizada pelos arguidos para pesar o estupefaciente e rolo de sacos para o embalar.Na residência do arguido V... situada na Guarda (Rua do …, n.º …. …, ….., ….) foram apreendidas, pertença do arguido, uma botija de gás pimenta, quatro botijas de ar comprimido, uma pistola de ar comprimido.Na descrita actividade os arguidos utilizavam telemóveis para combinarem encontros e entregas de estupefacientes.Para tal o arguido V... utilizou o n.º 93…… e 9……., a arguida M...o n.º 92……., os arguidos M...e A... os n.º 96…….. e 96…….., o arguido G...o n.º 91……., respectivamente interceptados nos autos sob os alvos 36226M, 1N984M, 1N983M, 1N841M, 1N983M, 36583M, 36584M, 1N986M.Estes factos têm como prova os seguintes elementos: a confissão de todos os arguidos, à excepção dos arguidos P... e G..., declarações destes arguidos quanto ao grau de intervenção do arguido G...; os relatórios de vigilância de fls. 404-405, 412, 454, documentos de fls. 136, 475 a 479, 487 a 490, o auto de detenção de fls. 458 a 462, os autos de apreensão de fls. 464, 483 a 484, 514 a 516, 541 a 544, 564, fotografias de fls. 406 a 410, 414 a 416, 456, 457, 491 a 495, 524 a 527, testes rápidos de fls. 469, 471, 518, 520, 521, 522, 546, 548, 550; as transcrições das sessões juntas nos diversos apensos.Para além do crime de tráfico de estupefacientes considera-se também fortemente indiciada a prática pelo arguido V... de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86..º, n.º 1, al. d) da Lei n.º 5/2006.De acordo com todos estes elementos de prova é possível concluir que esta actividade decorre há alguns meses, sendo seguro sob o ponto de vista probatório que pelo menos desde final de Abril deste ano todos os arguidos se dedicavam a tal actividade.É também consabido que para aaqueles que não são toxicodependentes, como é o caso nos autos dos arguidos G..., P... e V..., que esta actividades gera de forma fácil lucros avultados, é exemplo disso a quantia monetária e os objectos em ouro que foram apreendidos nos autos, designadamente aos arguidos G...e V…. O arguido G...negou a prática do crime, no que foi altamente contrariado pelo depoimento dos demais arguidos, designadamente pelo depoimento dos arguidos V…. e M….. Ainda que estes arguidos se tivessem calado, certo é que, das intercepções telefónicas levadas a cabo nos autos, nos objectos apreendidos, nas vigilâncias efectuadas, nas transferências de dinheiro feitas para o Brasil, sempre se consideraria uma forte indiciação dos arguidos G...e P... relativamente ao crime de tráfico de estupefacientes. Também o arguido P... negou a prática do crime, sendo certo que na versão que contou a este tribunal, entrou em diversas contradições, contradições essas que nos levaram a concluir que a versão por este apresentada nenhum sentido fazia, tanto mais que existem conversas telefónicas tidas entre o G...e o P…, quando este se encontrava no Brasil, facto que é confirmado pelo próprio G…. Relativamente aos restantes arguidos, todos eles confessaram a prática dos factos que lhes são imputados, sendo que os arguidos C..., M...e A... são toxicodependentes assumidos, e tudo o que fizeram visava apenas uma coisa: a satisfação da sua necessidade de consumo. Já relativamente à arguida M…, que admitiu os factos que lhe são imputados, hão logrou este Tribunal compreender de forma cabal as razoes que a levaram a tal atitude, sendo certo que dos autos não resulta o mínimo indicio de que a mesma tivesse algum proveito económico ou de outra natureza com a guarda e o transporte do estupefaciente. Assim, em face do exposto, parece-nos por demais evidente que se verifica em concreto o perigo da continuação da actividade criminosa por parte de todos os arguidos, perigo esse que relativamente aos arguidos toxicodependentes deriva desta situação e da necessidade premente de fazerem face ao seu consumo e quanto aos demais, com excepção da arguida M…, dos lucros que de tal actividade obtinham. Acresce também que os arguidos V…, M... e A... cumpriram já penas de prisão por crimes relacionados com estupefacientes, os primeiros tráfico e o ultimo furtos decorrentes da sua necessidade de consumo. Relativamente aos arguidos G... e P..., acrescem os perigos de fuga, uma vez que são cidadãos estrangeiros e com vínculos familiares e outros no Brasil, e os perigos de perturbação do decurso do inquérito, por serem estes as pessoas que conhecem aqueles que no Brasil lhes forneceram a cocaína. Pelo exposto, e para acautelar os supra mencionados perigos, e no que se refere aos arguidos P..., G... e V…., considera-se que apenas a medida de coacção de prisão preventiva é adequada e suficiente a pôr fim aos referidos perigos, sendo qualquer outra medida de coacção, designadamente, a sugerida pelas defesas, desadequadas a tal fim, porquanto não é o facto de estes arguidos permanecerem fechados nas suas casas que os impedirá de continuarem a manter os necessários contactos no meio do tráfico de estupefacientes. Nestes termos, deverão estes arguidos aguardar em prisão preventiva os ulteriores trâmites processuais - cf. art.°s 191°, 192°, 193°, 196°, 202°, n.° 1, ai. a) e 204 al.s a), b) e c), do Código de Processo Penal. No que diz respeito aos arguidos C..., M...e A..., o perigo da continuação da actividade criminosa existe, mas é preciso ter em conta que o envolvimento dos mesmos nos factos será menor, uma vez que estes se assumem como consumidores de cocaína e tudo o que fizeram visava esse consumo. Assim, quanto a estes arguidos, parece-nos suficiente sujeitar os mesmos à medida de coacção proposta pelo MP, a saber, obrigação de se apresentarem semanalmente, aos domingos, no posto policial das suas áreas de residência (art.°s 191°, 192°, 193°, 196°, 198° e 204° aI. c), do Código de Processo Penal). Consigna-se que não se pode acompanhar o requerido pela defesa quanto a estes arguidos, em face da actual redacção do CPP, que impede o JIC de aplicar medida de coacção superior à promovida pela MP, considerando o legislador, dada a inserção sistemática das medidas de coacção, que a sujeição a tratamento é mais gravosa do que a apresentação periódica.Por fim, e no que se refere à arguida M…, tendo em conta que, apesar de existir algum perigo de continuação da actividade criminosa, este é atenuado com a prisão do arguido Victor, por um lado, e por outro porque foi apenas o vínculo familiar a este arguido que a levou a aceder ao pedido que este lhe fez, considero que o TIR responde de forma adequada a pôr termo ao mencionado perigo. Passe mandados de condução dos arguidos G..., P... e V… ao EP.
Seguindo-se a determinação das diliências habituais.
O arguido está, portanto, preso por perigo de fuga, mas não só. A razão da sua prisão reside também nos perigos de perturbação do inquérito e de continuação da actividade criminosa. O perigo de perturbação assenta na discrepância das suas declarações relativamente às proferidas por outros arguidos que ficaram em liberdade. Por sua vez, o perigo de continuação da actividade criminosa, não desaparece com a permanência na habitação em situações como a dos presentes autos, em que o arguido constitui precisamente uma das figuras centrais da estrutura montada para o exercício da actividade criminosa de tráfico de estupefacientes importados do Brasil a que vinha activamente dedicando o seu tempo. Note-se que a sua detenção se dá precisamente na sequência do regresso do Brasil de um co-arguido que fora àquele país buscar a droga (mais de 0,5 Kg de cocaína em peso bruto) adquirida pelo aqui recorrente
O arguido foi, assim, sujeito a prisão preventiva, deferindo-se a medida de coacção promovida pelo MP, por se considerar que existiam fortes indícios da prática de crimes de tráfico de estupefacientes, punível com pena de 4 a 12 anos de prisão, ocorrendo, em concreto, os perigos de fuga, continuação da actividade criminosa e de perturbação do inquérito.
O circunstancialismo fáctico descrito no despacho subsequente ao primeiro interrogatório do arguido mostra-se suportado de prova indiciária abundante e indicada igualmente no mesmo despacho com referência a autos de apreensão, de exame e avaliação, declarações, e documentos juntos ao processo, indícios que não foram infirmados entretanto.
Decorre ainda do despacho recorrido que também as exigências cautelares se mantêm, não ocorrendo nenhuma atenuação das mesmas, confirmando-se os fortes receios de fuga, continuação da actividade criminosa e de perturbação do inquérito afirmados como fundamento da decretação da sua prisão preventiva, perigos estes imputáveis ao próprio arguido, nos termos impostos pelo art. 204.º do CPP (versão revista).
Reafirma-se, como já acima se deixou consignado, que o despacho recorrido, apesar de exarado em estilo telegráfico, não deixa de conter a fundamentação necessária. Certo é que o requerimento apresentado pelo arguido, apesar de um pouco mais extenso, não deixa de resumir-se a uma alegação pelo menos tão modesta quanto a consignada no despacho judicial que sobre o mesmo recaiu, cingindo-se a citações doutrinárias referentes à excepcionalidade da prisão preventiva e à lacónica afirmação da sua discordância no que respeita à verificação dos perigos enunciados como determinantes da sua prisão bem como do crime considerado indiciado, sem, contudo, acrescentar qualquer razão válida e concretizada para a invocada discordância. As referências que faz e documentos que junta tendentes a demonstrar a proveniência lícita do dinheiro e jóias que lhe foram apreendidos, não anulam os elementos de prova em que assentou o juízo afirmado no despacho subsequente ao seu primeiro interrogatório e no mesmo logo discriminadamente revelados. Mesmo a aceitar-se que o arguido exercia outras actividades lucrativas ou remuneradas, para além do tráfico de estupefacientes fortemente indiciado, tal não fundamenta um juízo de atenuação dos pressupostos da prisão, apenas revelando que, para além da actividade ilícita o arguido exercia, em acumulação, também actividades lícitas, cuja remuneração não se revelou, porém, suficientemente desmotivadora da prática do crime
Por fim, o requerimento apresentado pelo arguido espraia-se em considerações referentes a outros casos pendentes em Tribunal que, para além de revestirem condicionantes necessariamente desconhecidas deste Tribunal, não podem naturalmente, servir de fundamento nos presentes autos.
Perante tudo o que acima fica exposto, conclui-se que a prisão preventiva do arguido se revela adequada, necessária e proporcional à gravidade da conduta criminosa e perigos a acautelar nos autos, sem prejuízo, naturalmente, da presunção de inocência de que beneficia.
Verificam-se, assim, todos os pressupostos da aplicação da prisão preventiva, mostrando-se o despacho impugnado respeitador do regime legal aplicável, designdamente os arts. 27°, 28.º e 32° da Constituição e arts. 191°, 193°, 202° e 204° do Código de Processo Penal, e não se registando violação dos arts. 1°, 13°, 32 e 205, ou qualquer outro da Lei Fundamental e arts. 97- 5, 120-1, 201.º, 374- 2 e 379- 1- C), olu qualquer outro do C.P.P.
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III – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da 9ª secção deste Tribunal da Relação em:
a) Negar provimento ao recurso, mantendo o despacho recorrido.
b) Fixar a tributação em 5 UCs (art. 513.º n.º 1 e 514.º n.º 1 do Código de Processo Penal e art. 87.º n.º 1 al. b) do Código das Custas Judiciais).
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pela relatora – art.º 94º, nº 2 do CPP)

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Lisboa, 5 de Fevereiro de 2009
Maria de Fátima Mata-Mouros
João Abrunhosa