Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2763/15.0T8VFX.L1-4
Relator: CELINA NÓBREGA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
DESCARACTERIZAÇÃO
PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/03/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE A SENTENÇA
Sumário: 1A descaracterização do acidente de trabalho com fundamento na 2ª parte do nº 1 do artigo 14º da LAT depende da verificação cumulativa dos seguintes elementos: 1º) existência de condições ou regras de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou pela lei; 2º) existência de acto ou omissão do sinistrado que viole essas condições ou regras; 3) que tal acto ou omissão seja voluntário e sem causa justificativa; e 4º) existência de nexo causal entre esse acto ou omissão e o acidente.

2A prova de tais elementos incumbe ao obrigado à reparação, de acordo com o nº 2 do artigo 342º do CC.

3Não é suficiente para descaracterizar o acidente de trabalho a circunstância de se ter provado que o trabalhador acedeu ao interior da máquina que vinha reparando há três semanas e em cujo período de tempo foi ligada e desligada consoante necessário, sem se ter certificado que esta estava desligada e tinha desligados os respectivos mecanismos de accionamento, sem que se tivesse alegado e provado que aquele sabia e tinha consciência que, nesse momento, ela estava ligada.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


AAA, serralheiro civil, residente na Rua  …, veio intentar acção emergente de acidente de trabalho contra BBB, S.A., com sede na Avenida … Lisboa, pedindo que a Ré seja condenada a reconhecer o acidente dos autos como acidente de trabalho e, em consequência:

- a pagar a quantia de 6.114,90€ (seis mil cento e catorze euros e noventa cêntimos) a título de indemnização por incapacidade temporária absoluta sofrida desde a data do acidente de trabalho a 04/02/2015 (quatro de fevereiro de dois mil e quinze) até à data da alta hospitalar e consequente consolidação do seu estado clínico em 10/09/2015 (dez de setembro de dois mil e quinze);
- a pagar a quantia de 11.700,19€ (onze mil e setecentos euros e dezanove cêntimos) a título de pensão anual e vitalícia, após o dia da alta, ou seja, a partir de 11/09/2015 (onze de setembro de dois mil e quinze);
- a pagar a quantia de 5.533,70€ (cinco mil quinhentos e trinta e três euros e setenta cêntimos) a título de subsídio por situações de elevada incapacidade;
- a pagar quantia até ao limite máximo de 5.533,70€ (cinco mil quinhentos e trinta e três euros e setenta cêntimos), a título de subsídio de obras de readaptação:
- a pagar 461,14€ (quatrocentos e sessenta e um euros e catorze cêntimos), a título de prestação suplementar mensal;
- a reembolsar 19,74€ (dezanove euros e setenta e quatro cêntimos) referentes à compra da tábua e transferência pelo Sinistrado;
- designar médico assistente ao sinistrado, aqui Autor;
- a reembolsar a quantia de 114,50€ (cento e catorze euros e cinquenta cêntimos), pelas despesas com consultas médicas;
- a reembolsar 833,03€ (oitocentos e trinta e três euros e três cêntimos), referentes a despesas em fisioterapia;
- a reembolsar a quantia de 930,64 devidos ao autor a título de despesas medicamentosas expendidas desde a data do acidente;
- a reparar, na quantia de 139,12€ (cento e trinta e nove euros e doze cêntimos) referente à compra de fraldas, cuecas de incontinência e resguardos de cama despendidos desde a data da alta hospitalar;
- reembolsar a quantia de 125,24€ devida a título de despesas com o transporte de ambulância e serviços dos bombeiros;
- a reembolsar a quantia de 53,15€ da compra de material para a casa de banho, adaptado à sua condição física;
- a pagar a quantia de 1.105,20€ referente a deslocações, em automóvel da família nas suas deslocações para as sessões de fisioterapia, consultas médicas e deslocações ao Tribunal;
- a disponibilizar as mais avançadas ajudas e dispositivos técnicos por forma a proporcionar as melhores condições ao sinistrado, mormente uma cadeira de rodas automática, almofada e colchão anti-escara, cama articulável entre outras que se demonstrarem necessárias;
- providenciar assistência médica e cirúrgica e bem assim serviços de reabilitação médica ou funcional para a vida ativa;
- prestar assistência medicamentosa e farmacêutica e cuidados de enfermagem;
- a disponibilizar, quando necessário, transportes para observação, tratamento, comparência a atos judiciais, bem como hospedagem;
- a disponibilizar apoio psicoterapêutico, sempre que necessário, à família do sinistrado;
- a disponibilizar assistência psicológica ao sinistrado;
- a pagar as despesas hospitalares com o tratamento do sinistrado desde a data do acidente, designadamente, ao CHC, Hospital de S. José, da Luz, de Vila Franca de Xira, Centro de Cuidados Continuados de Caneças e Centro de Reabilitação de Alcoitão;
- a reembolsar à Segurança Social todos os custos, quer com os cuidados médicos, fisiátricos e medicamentosos prestados ao sinistrado após a data do acidente, quer os subsídios de doença (baixa) que lhe têm sido prestados; e
- condenar a Ré nas prestações em espécie previstas nos artigos 25º e ss, que se mostrem estritamente necessárias ao sinistrado.
Invocou para o efeito, em resumo, que no dia 4.2.2015 estava a trabalhar em (…), por ordem da sua empregadora, nas instalações da (…) S.A. e que entrou e saiu da máquina paletizadora a cuja manutenção vinha procedendo desde Janeiro de 2015, sem que os alarmes disparassem ou acendesse qualquer sinal luminoso, o que confirmava que a energia que alimentava a dita máquina estava desligada.

Sucede que, pouco depois das 15 horas, para proceder ao aperto de componentes da tubagem de ar comprimido, muniu-se de chave de “bocas” apropriada e colocou-se sentado na esteira de transporte da referida linha de produção, erguendo os braços, posição essa em que se manteve durante algum período de tempo, sendo que enquanto executava esta tarefa foi entalado contra a esteira de transporte, pela mesa paletizadora, esmagando-o contra aquela.

Para proceder à reparação em causa, tinha de aceder pelo interior da máquina, porquanto aquele ponto não é acessível do exterior, razão pela qual a dita reparação só pode ser efectuada sem que o circuito eléctrico da máquina se encontre ligado.

Quando em Janeiro de 2015 se apresentou para iniciar a reparação do referido paletizador este estava desligado, o que terá resultado de acto do responsável técnico pela área da electricidade, da (…) S.A., sendo que nas duas ou três semanas que antecederam o acidente, tinha, além do mais, desmontado, verificado, substituído componentes e lubrificado o paletizador, que sempre se mantivera com a fonte de energia eléctrica desligada por acto de técnico especialista daquela empresa e sendo certo que, só pontualmente, a energia foi ligada e na presença e sob a ordem de técnico da proprietária da máquina.

Em momento algum foi transmitido ao sinistrado que a corrente eléctrica tinha deixado de estar desligada do paletizador, tendo procedido à reparação nos mesmos moldes em que o havia feito dezenas de vezes ao longo da sua actividade profissional.

Conclui no sentido de que, em consequência do acidente, que caracteriza como sendo de trabalho, sofreu as lesões e os danos que descreve e dos quais deve ser reparado e ainda pediu a fixação de pensão provisória.

Citada a Ré contestou invocando, em síntese, que o acidente de trabalho descrito pelo Autor deverá ser descaracterizado, dado que o mesmo só ocorreu por facto imputável ao Autor decorrente de violação das regras de segurança, posto que este quando entrou no interior da máquina não accionou a paragem de segurança do equipamento e voluntariamente decidiu entrar para o interior da máquina sem certificar que esta tinha todos os mecanismos de accionamento automático desligados, sendo que, desta forma, aquando no interior da máquina o Autor accionou com o seu movimento a fotocélula do prato elevatório, tendo este descido à posição mais baixa e iniciado o ciclo de operação, pelo que afastada está a obrigação de reparação dos danos resultantes do acidente.

Concluiu pedindo que a acção seja julgada improcedente e a sua absolvição do pedido.

Requereu, ainda, a realização de exame por junta médica para determinação da necessidade de ajuda de terceira pessoa e respectivo período.

O Instituto de Segurança Social, I.P. deduziu pedido de reembolso contra a Ré pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 6.133,75, correspondente ao valor pago ao Autor a título de subsídio por doença, no período de 27 de Abril de 2015 a 7 de Fevereiro de 2016.

A Ré Seguradora respondeu ao pedido de reembolso efectuado pelo ISS, I.P. pugnando pela sua absolvição uma vez que não aceita assumir a responsabilidade pela reparação dos danos decorrentes do acidente e que, caso assim não se entenda, então, deve ser condenada com a possibilidade de deduzir essa quantia nas prestações/pensões em que possa vir a ser condenada a pagar ao Autor.

Foi proferido despacho saneador, fixados os factos assentes e organizada a base instrutória.

Foi admitida a realização de junta médica para determinar a necessidade do Autor de ajuda de terceira pessoa, bem como o âmbito dessa ajuda, tendo-se ordenado a organização do respectivo apenso no qual foi proferida decisão consignando as necessidades de locomoção, repouso e assistência por terceira pessoa decorrentes das sequelas do acidente.

Realizou-se a audiência de julgamento com observância do legal formalismo.

Foi proferido despacho que decidiu a matéria de facto e após foi proferida a sentença que finalizou com o seguinte dispositivo:
“Face a todo o exposto, julgo a presente acção improcedente e, em consequência:
a)-absolvo a R. dos pedidos contra ela formulados;
b)-declaro cessada a obrigação da R. de proceder ao pagamento ao A. a pensão provisória fixada.
Custas a cargo do A..
Registe e notifique.”

Inconformado, o Autor recorreu e formulou as seguintes conclusões:
(…)
Termina pedindo a procedência da Apelação, com revogação da sentença sub judice e sua substituição por decisão de condenação da Ré Seguradora a reparar junto do sinistrado todos os danos para o mesmo decorrentes do acidente de trabalho que o vitimizou.

A Ré contra alegou e apresentou as seguintes conclusões:
(…)
O recurso foi admitido, na forma, com o modo de subida e efeito adequados.

Neste Tribunal, o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto lavrou parecer no sentido do recurso merecer provimento.

Notificadas as partes do parecer, não responderam.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.   
    
Objecto do recurso.
Sendo o âmbito do recurso limitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º nº 4 e 639º do CPC, ex vi do nº 1 do artigo 87º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608º nº 2 do CPC), no presente recurso há que apreciar as seguintes questões:
1ª-Da impugnação da matéria de facto.
2ª-Se o tribunal a quo errou ao descaracterizar o acidente de trabalho por violação de regras de segurança por parte do Autor.
3ª-Em caso de resposta afirmativa ao ponto anterior, da reparação dos danos decorrentes do acidente de trabalho.

Fundamentação de facto
(…)
Da impugnação da matéria de facto
(…)
Consequentemente, apenas parcialmente procede a impugnação da matéria de facto.

Assim, são os seguintes os factos provados:
1.-No dia 04 de Fevereiro de 2015, pelas 15 horas, quando o A. exercia as funções de serralheiro, por conta, sob a direcção e fiscalização de “… Lda”, numa fábrica da (…) em Pombal, sofreu um acidente (A).
2.-Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1., o A. encontrava-se a proceder ao aperto de componentes da tubagem de ar comprimido, munido de chave de bocas apropriada e, colocado sentado na esteira de transporte da máquina paletizadora, erguendo os braços, aí se mantendo por algum tempo e, enquanto executava essa tarefa na máquina, foi entalado contra a esteira de transporte, pela mesa paletizadora, que o esmagou contra aquela (B).
3.-Na data referida em A), o A. auferia a retribuição anual de € 14.625,24, (correspondente à retribuição mensal de € 970,85 x 14 meses e € 93,94 x 11 meses, de subsídio de alimentação) (C).
4.-À data referida em 1., “… Lda”, tinha transferido para a R. Seguradora, mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.º 2292422, a responsabilidade decorrente de acidentes de trabalho reportada ao A. pela retribuição anual de € 14.625,24 (D).
5.-Em consequência do acidente referido em 1 e 2., o A. sofreu as lesões e sequelas referidas no exame de fls. 27/31, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, nomeadamente lesão vertebro-medular, com paraplegia dos membros inferiores, que lhe determinaram, directa e necessariamente, incapacidade permanente parcial de 100% e incapacidade permanente absoluta para qualquer profissão, desde 10.09.2015, data da alta, com necessidade de adaptação da residência e ajuda de terceira pessoa para realizar actos da vida diária e deslocações, bem como ajudas medicamentosas e técnicas (E).
6.-Em consequência do referido acidente, o A. foi transportado ao CH de Coimbra, onde se manteve internado até 25 de Fevereiro de 2015, tendo, nessa data, sido transferido para o Hospital de S. José, em Lisboa, onde permaneceu até 6 de Março de 2015 (F).
7.-Em 4 de Abril de 2015, o A. foi internado no Hospital da Luz, em Lisboa, onde permaneceu até ao dia 30 de Abril de 2015, data em que foi transferido para o Hospital de VFX e, daqui para o Centro de Reabilitação do Alcoitão, onde permaneceu do dia 2 de Julho ao dia 9 de Setembro de 2015 (G).
8.-Em consequência do acidente sofrido pelo A., o ISS pagou ao mesmo, desde 27 de Abril de 2015 a 7 de Fevereiro de 2016, a quantia de 6.133,75, a título de subsídio de doença (H).
9.-Para proceder à reparação da tubagem referida em B) o Autor tinha de aceder ao interior da máquina, por esse ponto não ser acessível do exterior, o que sucedeu (1.º).
10.-Para proceder a essa reparação em segurança, seria necessário desligar o circuito eléctrico da máquina (2.º).
11.-A máquina paletizadora referida em 2., contem dispositivos de encaixe destinado à retenção ou protecção em trabalhos e que, nas circunstâncias de tempo referidas em 2., a máquina não tinha esses dispositivos, que haviam sido retirados pelo A. e seu ajudante no âmbito das tarefas que vinham desenvolvendo para a reparação dessa máquina (3.º).
12.-O A. iniciou a actividade de manutenção da máquina referida em 2., cerca de três semanas antes da data referida em 1. e que, no decurso das tarefas inerentes à reparação, com desmontagem, verificação e substituição de suas componentes, a máquina esteve ligada, ou desligada, à corrente eléctrica, consoante fosse necessário (4.º, 5.º e 6.º).
13.-Em consequência do acidente, e sequelas dele decorrentes, o A. foi a consulta médica de ortopedia, na Policlínica da Encarnação, tendo pago, para o efeito, a quantia de € 60,00 (9.º).
14.-E continua a ser consultado no Centro de Alcoitão e em consultas no Centro de saúde de Arruda dos Vinhos, tendo despendido, para o efeito, € 54,50 (10.º).
15.-E, tem de efectuar sessões periódicas de fisioterapia, tendo, para o efeito, pago ao Centro de Física da Quinta Nova, € 405,00 (11.º).
16.-E já pagou, em sessões de fisioterapia posteriores, na parte não comparticipada pela Segurança Social, a quantia de € 428,03 (12.º).
17.-Para tratamentos medicamentosos e dispositivos médicos, o A. já despendeu € 930,64 (13.º).
18.-Em fraldas e cuecas de incontinência e resguardos de cama, despendeu a quantia de € 139,12 (14.º).
19.-E em transportes de ambulância e serviços de bombeiros, a quantia de € 125,24 (15.º).
20.-Para efectuar deslocações a exames e tratamentos, quando não se deslocava em ambulância, o A. deslocava-se em veículo particular, percorrendo número concretamente não determinado de km, para o efeito (16.º)
21.-O A., para se deslocar, precisa de cadeira de rodas automática (17.º).
22.-E, para repouso, de almofada, colchão anti-escara e cama articulável (18.º).
23.-A máquina referida em 2., dispõe de gradeamento metálico que impossibilita a entrada de pessoas e a aproximação à máquina quando está em laboração, dispondo também de botão de paragem de emergência (19.º).
24.-Para que o A. fizesse a manutenção/reparação dessa máquina foi retirada a grade de protecção (20.º).
25.-O A. entrou no interior da máquina sem se certificar que a mesma estava desligada da corrente eléctrica e que tinha todos os mecanismos de accionamento automático desligados (21.º e 22.º).
26.-Por o A. estar no interior da máquina, foi accionado o seu funcionamento, iniciando a mesma o ciclo de operação para o qual estava programada, provocando o entalamento do A. entre o carris e o prato elevatório (23.º, 24.º e 25.º).
27.-Se o A. tivesse accionado o botão de paragem de emergência a máquina não teria iniciado o ciclo de operação para a qual estava programada. (26.º e 27.º)
28.-Era o A. que estava a proceder, com um ajudante, em exclusivo, à reparação da máquina, desde há cerca de 3 semanas antes da data referida em 1. (28.º e 29.º).
29.-O A. conhecia bem os componentes e forma de funcionamento daquela máquina, sendo que, no âmbito do referido em 1, há mais de 8 anos ia, pelo menos, uma vez por ano, proceder à manutenção/reparação daquelas máquinas à (…) (31.º, 32.º, 33.º e 34.º).
30.-Em 30.06.2016, no apenso para fixação de incapacidade, foi proferida decisão, a consignar que o A. é portador de sequelas que lhe determinam necessidades: para a sua locomoção, de uso de cadeira de rodas; para o seu repouso, de almofada e colchão anti-escara e cama articulável e, para satisfação das suas necessidades básicas com higiene e alimentação, da assistência de terceira pessoa durante 6 horas diárias, conforme fls. 27-28, desse apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido
31.-O sinistrado não está integralmente pago da indemnização por incapacidade temporária absoluta devida desde a data do acidente e até 10.09.2015, data da alta, no valor global de € 6.114,68;

Fundamentação de direito.
Analisemos, agora, se o tribunal a quo errou ao descaracterizar o acidente de trabalho por violação de regras de segurança por parte do Autor.
Sobre a descaracterização do acidente de trabalho e após considerar que os factos provados integram um acidente de trabalho consubstanciado no entalamento do Autor numa máquina paletizadora de garrafas de refrigerantes do qual decorreram sequelas que lhe determinaram directa e necessariamente uma IPA para todas as profissões, com necessidade de adaptação da residência e ajuda de terceira pessoa para realizar actos da sua vida diária e deslocações, aludir ao direito dos trabalhadores à prestação de trabalho em condições de higiene, segurança e saúde e ao direito à assistência e justa reparação quando vítimas de acidente de trabalho consagrados no artigo 59º da CRP, considerar aplicável ao caso em apreço o regime jurídico da Lei 98/2009 de 4 de Setembro, dissertar sobre o disposto no artigo 14º da referida lei, referir que é à Ré que, de acordo com o nº 2 do artigo 342º do CC, compete a alegação e prova dos factos que descaracterizam o acidente de forma a eximir-se da responsabilidade pela reparação, concluir que face aos factos provados não estão reunidos os pressupostos enunciados na alínea c) e que a Ré não reportou o comportamento do Sinistrado ao circunstancialismo previsto na alínea b) e que também não se mostra demonstrada qualquer factualidade que possa integrar a primeira parte da alínea a) do art. 14.º da NLAT (ter sido o acidente dolosamente provocado pelo Sinistrado), analisar a 2ª parte da al.a) do artigo 14º da mesma Lei citando doutrina e jurisprudência e examinar as regras sobre segurança no trabalho relativas à prevenção e à reparação, escreve-se na sentença recorrida o seguinte:
“No caso aqui em apreço, encontra-se provado que no dia e hora, do acidente, o sinistrado encontrava-se a proceder à reparação de uma máquina paletizadora e, de forma a fazer uma intervenção no ar comprimido da mesma, acedeu ao seu interior, tendo a referida máquina iniciado o funcionamento «entalando» o sinistrado (factos n.º 1, 2, 9 e 26).
Está ainda determinado que, para realizar esse trabalho, o A. acedeu ao interior da máquina, sem se certificar que a mesma estava desligada da corrente eléctrica e que tinha todos os mecanismos de accionamento automático desligados (factos n.º 10 e 25).
Dispõe o art. 12.°, n.° 1, do DL n.º 50/2005, que «os equipamentos de trabalho devem estar providos de um sistema de comando de modo que seja necessária uma acção voluntária sobre um comando com essa finalidade para que possam: a) ser postos em funcionamento; b) arrancar após uma paragem, qualquer que seja a origem desta».
Dispõe o art. 13.º, n.º 1, que «o equipamento de trabalho deve estar provido de um sistema de comando que permita a sua paragem geral em condições de segurança, bem como de um dispositivo de paragem de emergência se for necessário em função dos perigos inerentes ao equipamento e ao tempo normal de paragem».
O art. 16.º, n.º 1, estabelece que «os elementos móveis de um equipamento de trabalho que possam causar acidentes por contacto mecânico devem dispor de protectores que impeçam o acesso às zonas perigosas ou de dispositivos que interrompam o movimento dos elementos móveis antes do acesso a essas zonas» e, no n.º 3, que «os protectores e os dispositivos de protecção devem permitir, se possível sem a sua desmontagem, as intervenções necessárias à colocação ou substituição de elementos do equipamento, bem como à sua manutenção, possibilitando o acesso apenas ao sector em que esta deve ser realizada».
Por sua vez, dispõe o art. 19.°, n.º 1, em relação à manutenção do equipamento, que «as operações de manutenção devem poder efectuar-se com o equipamento de trabalho parado ou, não sendo possível, devem poder ser tomadas medidas de protecção adequadas à execução dessas operações ou estas devem poder ser efectuadas fora das áreas perigosas».
O art. 20.º, al. a), estabelece que «os equipamentos de trabalho devem proteger os trabalhadores expostos contra os riscos de contacto directo ou indirecto com a electricidade» e o art. 21.º, que «os equipamentos de trabalho devem dispor de dispositivos claramente identificáveis, que permitam isola-los de cada uma das suas fontes externas de energia e, em caso de reconexão, esta deve ser feita sem risco para os trabalhadores».
Por outro lado, em relação aos estabelecimentos industriais, estabelece, também, a Portaria nº 53/71 de 03.02 (alterada pela Portaria nº702/80), no capítulo III, referente à protecção de máquinas, no art. 46.º, que «as operações de limpeza, lubrificação e outras não podem ser feitas com órgãos ou elementos de máquinas em movimento, a menos que tal seja imposto por particulares exigências técnicas, caso em que devem ser utilizados meios apropriados que evitem qualquer acidente».
E, no art. 47.º, que «as avarias ou deficiência das máquinas, protectores, mecanismos ou dispositivos de protecção devem ser imediatamente denunciados pelo operador ou por qualquer outro pessoal do estabelecimento, e, quanto tal aconteça, deve ser cortada a força motriz, encravado o dispositivo de comando e colocado na máquina um aviso bem visível proibindo a sua utilização até que a regulação ou reparações necessárias tenham terminado e a máquina esteja de novo em condições de funcionamento».
Ainda nesta Portaria, no capítulo VI, referente à Conservação e reparação, no art. 101.º, n.º 2, que «os trabalhos de conservação e reparação devem ser devidamente executados por pessoal habilitado, sob direcção competente e responsável»; no n.º 3, que «os trabalhos de conservação ou reparação que exijam a retirada de protectores ou outros dispositivos de segurança das máquinas, aparelhos ou instalações só devem efectuara-se quando estas máquinas, aparelhos ou instalações estiverem parados e sob a orientação directa do responsável pelos trabalhos» e, no n.º 4, que «deve impedir-se a limpeza ou lubrificação de qualquer elemento de uma máquina ou instalação mecânica em movimento que apresente riscos de acidente, a não ser que se utilizem os meios necessários à eliminação desses riscos».
Por seu turno, dispõe o art. 103.º que «na execução dos trabalhos de conservação e reparação, nomeadamente no que se refere a edifícios, locais subterrâneos, máquinas e instalações mecânicas, instalações eléctricas, caldeiras, reservatórios e canalizações, devem tomar-se as medidas de segurança necessárias», sendo que «na reparação de máquinas devem adoptar-se dispositivos de aferrolhamento dos órgãos de comando para impedir que sejam postos em movimento antes de terminados os trabalhos de reparação».
Revertendo as considerações efectuadas para a apreciação do caso concreto aqui em análise, e em face das regras de segurança aqui relevantes e referenciadas, verificamos que se encontra demonstrado nos autos, para o que ora releva, que:
- o A. sofreu o acidente quando procedia ao aperto de componentes da tubagem de ar comprimido, colocado sentado na esteira de transporte da máquina paletizadora, local a que acedeu por um lado destinado a ter grades de protecção, que não se encontravam colocadas, por haverem sido retiradas, pelo A. e seu ajudante, no âmbito das tarefas que vinham desenvolvendo para a reparação dessa máquina (factos n.º 2, 9, 11 e 24);
- o A. iniciou a reparação da máquina, cerca de 3 semana antes da data do acidente e, no decurso das tarefas inerentes à reparação, com desmontagem, verificação e substituição das suas componentes, a máquina esteve ligada, ou desligada, à corrente eléctrica, consoante fosse necessário, sendo que, para proceder à reparação que o A. estava a desenvolver, em segurança, seria necessário desligar o circuito eléctrico da máquina (factos 10 e 12);
- a máquina que o A. estava a reparar, e na qual ocorreu o acidente, dispõe de gradeamento metálico que impossibilita a entrada de pessoas e a aproximação à mesma quando está em laboração, dispondo também de botão de paragem de emergência (facto 23);
- o A. entrou no interior da máquina sem se certificar que a mesma estava desligada da corrente eléctrica e que tinha todos os mecanismos de accionamento automático desligados e, por o A. estar no interior da máquina, foi accionado o seu funcionamento, iniciando a mesma o ciclo de operação para o qual estava programada, provocando o entalamento do A. entre o carris e o prato elevatório (factos 25 e 26);
- se o A. tivesse accionado o «modo de descanso», a máquina não teria iniciado o ciclo de operação para o qual estava programada (facto 27);
- era o A. que estava a proceder, com um ajudante, em exclusivo, à reparação da máquina, desde há cerca de 3 semanas antes do dia do acidente, estando a mesma sob o seu inteiro e exclusivo domínio de actuação, para esse efeito (facto 28), e
- o A. conhecia bem os componentes e forma de funcionamento daquela máquina, sendo que, no âmbito do contrato realizado entre a sua entidade empregadora e a Compal, o A., há mais de 8 anos ia, pelo menos, uma vez por ano, proceder à manutenção/reparação daquelas máquinas à Compal (facto 29).
Desta factualidade resulta demonstrada a existência de regras e condições de segurança, estabelecidas por lei e, até, em bom rigor, decorrentes de elementares cuidados de prudência e bom senso, bem como a sua violação, por parte do A. para a realização dos trabalhos de manutenção/reparação da referida máquina paletizadora.
Efectivamente, o A., como técnico especializado, bem conhecendo os componentes e o modo de funcionamento da referida máquina; estando a proceder a trabalhos de reparação na mesma, ao longo de cerca de 3 semanas; estando essa máquina sob o seu exclusivo domínio de actuação para proceder a esses trabalhos; bem sabendo que havia retirado (com o seu ajudante) os componentes de segurança da máquina para os trabalhos que vinha realizando; introduziu-se no interior da mesma, de forma a proceder ao aperto da tubagem de ar comprimido, sem, previamente, ter desligado a corrente eléctrica da referida máquina, ou desligando o modo de funcionamento automático da mesma.
Salienta-se que o A. tinha obrigação de saber que a referida máquina estava ligada à corrente eléctrica, não só porque o próprio é que estava a proceder aos trabalhos de reparação na mesma, o que fazia, em exclusivo (porquanto o ajudante estava a pintar as grades de protecção da máquina), como o sistema de ar comprimido, para funcionar, pressupunha a ligação da máquina á electricidade.
Por outro lado, a própria máquina tinha sistemas de protecção, com quadro próprio para ligar/desligar e estava equipada com botão de paragem de emergência, sendo que o A., pelo menos, desde há oito anos anteriores á data do acidente, vinha procedendo à reparação daquele tipo de máquinas, bem conhecendo o modo de funcionamento das mesmas.
Ter efectuado os referidos trabalhos sem ter desligado a corrente eléctrica, ou no mínimo, ter colocado a máquina fora do sistema de funcionamento automático, consubstancia uma conduta altamente temerária.
Conhecendo o A. as características da máquina, as regras a observar para a realização desses trabalhos e sendo um técnico especializado na reparação da mesma, correspondendo o corte de energia eléctrica a uma conduta básica para qualquer pessoa que lida com um equipamento eléctrico e que pretenda mexer nos seus componentes, não existe, no caso, causa justificativa para a não observação das referidas normas de segurança.
Acresce que nos autos não resulta qualquer violação dos deveres da entidade empregadora ou da entidade proprietária da máquina e onde decorreram os trabalhos do A., para a reparação da mesma, que, aliás, nem sequer foi alegado pelo próprio A.
Demonstrou-se, antes, que a referida máquina estava parada, exclusivamente para reparação, durante cerca de três semanas, reparação a efectuar pelo A., e que a mesma dispunha de quadro eléctrico próprio (comando autónomo ou painel de controlo) e botão de paragem de emergência.
Não obstante o A. saber que apenas deveria proceder às tarefas de reparação da máquina, com a mesma desligada, ou, no mínimo, num modo que não permitisse o seu funcionamento automático, realizou a referida tarefa de aperto do ar comprimido, introduzindo-se no interior da máquina e sem, previamente, ter desligado a mesma, não se vislumbrando qualquer causa que possa «justificar» essa omissão.
Este comportamento omissivo do A. (correspondente a não desligar a corrente eléctrica da máquina, ou, no mínimo, não a ter colocado fora do modo de funcionamento automático), consubstancia a prática da conduta violadora das regras de segurança decorrentes da lei, necessariamente voluntária porquanto o mesmo bem sabia da existência dessas regras de segurança e o modo de funcionamento da máquina.
Para além de conhecer as características e funcionamento da máquina e da regra de protecção, para a sua própria segurança, de só intervir na mesma com o sistema eléctrico desligado, assim eliminando os riscos de funcionamento dela, o A. era uma técnico especializado, sendo-lhe, por isso, particularmente exigível que cumprisse com as mais elementares regras de segurança na execução da sua prestação de trabalho.
Por fim, também se encontra demonstrado o nexo causal entre a violação dessa concreta regra de segurança e o acidente porquanto se o A. tivesse desligado o fornecimento de energia eléctrica da máquina, ou, no mínimo, colocado a mesma fora do modo de funcionamento automático, mesmo que se introduzisse no seu interior para proceder a uma tarefa em qualquer um dos seus componentes, a máquina não teria iniciado o funcionamento e o A. não teria sido «entalado», sofrendo as lesões e sequelas que, infelizmente, o mesmo veio a sofrer.
Encontram-se, assim, verificados, no caso, todos os requisitos legais, cumulativos, supra elencados, para afastar a reparação do acidente.
Vale isto por dizer que estando demonstrado o comportamento voluntário, violador das regras de segurança legalmente estabelecidas e sendo esse comportamento causal do acidente e não se tendo demonstrado qualquer circunstancialismo que permita considerar a existência de causa justificativa para a violação das regras de segurança por parte do A., não se verificando, no caso concreto, o circunstancialismo previsto no n.º 2 do art. 14.º da NLAT, necessariamente se impõe concluir pela descaracterização do acidente de trabalho, por violação das regras de segurança, por parte do Sinistrado. Ou seja, estamos perante regra de segurança que tinha, necessariamente, de ser do conhecimento do A. e a mesma é de fácil entendimento para qualquer pessoa e, até, de fácil aplicação concreta, pelo que não se verifica qualquer possibilidade de a sua violação, pelo A., poder ser «justificada», por se tratar de informação de que dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entende-la.
Todo o circunstancialismo provado nos autos referente à dinâmica do acidente de trabalho, só ao comportamento omissivo do próprio A. pode ser imputado.
Conforme se exarou no sumário do acórdão do STJ de 15.04.2015, proferido no Proc. 1716/11.1PNF.P1.S1, disponível in www.dgsi.pt, relatado pelo senhor Conselheiro Melo Lima, em apreciação de situação muito similar à destes autos:
«4. A descaracterização do acidente de trabalho com fundamento na alínea a), 2.ª parte, do n.º 1 do art. 14º da NLAT, pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: (i) existência de regras ou condições de segurança estabelecidas pela lei ou pela entidade empregadora; (ii) verificação, por parte do sinistrado, de uma conduta violadora dessas regras ou condições; (iii) voluntariedade desse comportamento, ainda que não intencional, e sem causa justificativa; (iv) a existência de um nexo causal entre o ato ou omissão do sinistrado e o acidente.
5. A ausência de “causa justificativa” não comporta um juízo de “negligência grosseira”, bastando, para a sua conformação, a violação consciente, por parte do trabalhador, das condições de segurança específicas da empresa e/ou decorrentes da lei.
6. Sabendo o A. que apenas podia proceder à operação de desencravamento do “eixo sem-fim”, de um silo de serrim, com o interruptor do quadro elétrico de comando na posição «0» (parado), ao ter encetado a operação de desencravamento do referido eixo, retirando a tampa de proteção e introduzindo a mão esquerda na conduta onde o «eixo sem-fim» trabalhava, sem que previamente tivesse desligado a máquina, vindo a ser atingido na mão e braço esquerdo, por força do movimento súbito daquele eixo, e a sofrer as lesões e sequelas determinativas de uma IPP de 30% com IPATH, é de considerar descaraterizado o acidente de trabalho sofrido, por violação por parte do A. das regras de segurança legalmente estabelecidas».
Igual entendimento voltou a ser sufragado pelo STJ, em apreciação de situação, também análoga à dos presentes autos, no aresto já supra citado, de 16.06.2016, proferido no Proc. n.º 234/12.9TTMAI.P1.S1, relatado pela senhora Conselheira Luísa Geraldes.
Perante todo o exposto, entendemos que resultaram demonstrados os requisitos legalmente estabelecidos e necessários à descaracterização do acidente de trabalho, estabelecidos na citada alínea a) do n.º 1 do art. 14.º da NLAT, o que, necessariamente, afasta a obrigação da R. de reparar os danos decorrentes do acidente de trabalho sofrido pelo A..
Atenta a conclusão alcançada, fica prejudicada a apreciação de todas as outras questões para apreciação nos autos, como sejam as reportadas ao âmbito de reparação dos danos decorrentes do acidente e o pedido de reembolso efectuado pelo ISS (art. 608.º, n.º 2 do CPC).”

Discorda o recorrente do entendimento do Tribunal a quo defendendo, em síntese, que: no momento em que ocorreu o sinistro e em face das declarações constantes dos autos, o acionamento da máquina terá sido automático, porque ela estava “armada”, estaria pronta a funcionar e isto só aconteceu porque não estava cortada a força motriz e não estavam encravados e aferrolhados os seus órgãos de comando, de forma a impedir que fosse posta em movimento antes de terminados os trabalhos de reparação, em violação das normas dos artigos 47.º e 103.º da Portaria n.º 53/71, de 3 de fevereiro, alterada pela Portaria n.º 702/80, de 22 de setembro; em rigor, não se provou que fosse o sinistrado a colocar os automatismos do paletizador que o colheram em posição de funcionamento, facto essencial para a pretendida descaraterização do acidente; não se mostrando os trabalhos de manutenção concluídos, facto que resulta claro de a rede de proteção não estar colocada, e não existindo prova da interferência (ou sequer da possibilidade de o fazer) do sinistrado, este sabia que a máquina tinha de ser “armada” para colocar os mecanismos automáticos a funcionar, independentemente da vontade humana e essa conduta de “armar” a máquina não era acessível a qualquer um (inclusive ele, sinistrado), pois teria de ser feita por quem sabe operar o painel de controlo, consola ou o comando; não poderia o sinistrado prever que a máquina tinha sido posta em modo automático, pronta a funcionar; não está nos autos evidenciada a existência (provavelmente porque não havia) de instrução escrita que defina quem é o responsável pela eletricidade, força motriz e comandos durante os trabalhos de limpeza, reparação e conservação, designadamente a quem cumpre observar as prescrições de segurança; não é crível que a função de adotar o cumprimento imediato das medidas preventivas fixadas por lei ao utente da máquina ou equipamento possam ser delegadas a uma empresa ou uma pessoa que está a centenas de quilómetros; é impossível defender que seria ao sinistrado que cumpria desligar e encravar os dispositivos de comando, o aferrolhamento dos órgãos de comando, desobrigando o dono ou utilizador da máquina do cumprimento dessa obrigação legal; está provado que o sinistrado é serralheiro e também que o âmbito da reparação foi constituído por tarefas mecânicas, como desmontagem, substituição e montagem de rolamentos, circuitos de ar comprimido, correntes de transmissão, logo, como técnico especializado, tem a sua competência na área da mecânica e não na da eletricidade; está menos habilitado, ainda, a fazer a programação de automatismos, a partir duma consola que exige conhecimentos naturalmente aprofundados e específicos, como os que são necessários a “armar” o paletizador; não se afaste a obrigação legal de manter a máquina com o dispositivo de comando encravado ou aferrolhado para impedir que seja posta em movimento antes de terminados os trabalhos de reparação; é inegável que a atividade exercida pelo sinistrado exige elevado nível técnico de conhecimento e que recai sobre máquinas que são legalmente reconhecidas como perigosas e sobre as quais existem diversas normas legais que estipulam deveres de segurança, os quais não são desconhecidos ou ignorados por aquele; todavia, o acidente não resultou da violação de qualquer norma de segurança, designadamente por o sinistrado ter entrado no paletizador, mas sim porque alguém o “armou”, ativando os automatismos durante a reparação; por esse motivo, não foram reunidas provas claras e irrefutáveis de que o sinistrado tenha ligado ou programado a máquina, que tivesse conhecimento do modo em que a mesma estava programada e da razão por que estava a proceder à reparação da fuga de ar comprimido; a Seguradora não logrou ilidir a presunção da natureza de acidente de trabalho do sinistro ocorrido, sendo que não se encontram reunidos os pressupostos de aplicação da segunda parte, da alínea a), do n.º 1 do artigo 14.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro (NLAT), mostrando-se assim, tal norma violada e estando, igualmente, violado o artigo 59.º, n.º 1, alíneas c) e f) da CRP que prevêem, respetivamente, o direito à prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde e o direito dos trabalhadores à assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou doenças profissionais, bem como, o artigo 281.º, n.º 1.º, 2 e 3.º do Código do Trabalho, o que importa, em face da apólice vigente, a reparação pela Ré seguradora de todos os danos provocados ao sinistrado pelo acidente de trabalho.
Por sua banda, sustenta a recorrida, em resumo, que, em causa, está a conduta do sinistrado em efectuar a reparação da máquina sem que se tivesse certificado que a máquina estava desligada ou colocada em modo de descanso, que o dever de proceder à reparação da máquina de acordo com as normas de segurança não está dependente de ter sido o próprio sinistrado a ligar a máquina, sendo que tal interpretação não tem qualquer adesão ao conteúdo normativo do acervo legal invocado na sentença recorrida e que a conduta do recorrente consubstancia uma manifesta violação das regras previstas no D.L. 50/2005, de 25 de Fevereiro e da Portaria nº 53/71 de 03.02 (alterada pela Portaria nº702/80).

Vejamos:

De acordo com o artigo 2º da LAT, “O trabalhador e os seus familiares têm direito à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho e doenças profissionais nos termos previstos na presente lei”.

Contudo, existem determinadas circunstâncias, as enumeradas no artigo 14º da citada Lei, que levam a que o empregador não tenha de reparar os danos decorrentes do acidente de trabalho, não obstante estar demonstrada a sua verificação.
No caso, importa apreciar se a conduta do Autor determina a descaracterização do acidente de trabalho que o vitimou, por se mostrar verificada a previsão da 2ª parte do nº 1 do artigo 14º da LAT.
De acordo com tal normativo, não há lugar à reparação dos danos decorrentes do acidente que provier de acto ou omissão do sinistrado, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei.
E nos termos do nº 2 do mesmo artigo “ Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, considera-se que existe causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la.”
Embora a sentença recorrida já tenha procedido a uma análise detalhada sobre esta causa de descaracterização dos acidentes de trabalho, mesmo assim, por se nos afigurar pertinente, chamamos à colação o que sobre ela se escreve no Acórdão deste Tribunal e Secção proferido em 19.12.2012, no Processo n.º 686/10.8TTLRS.L e no qual foi 2ª adjunta a ora relatora:

“Como primeiro passo cabe determinar o sentido e alcance do ai disposto. E, nesse desiderato, mostra-se pertinente, senão mesmo indispensável, atentar nas correspondentes normas que nos anteriores regimes jurídicos de acidentes de trabalho, nomeadamente, a Lei nº 2127, de 8 de Agosto de 1965, e a Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, antecederam as aqui em causa.
Assim, na Lei n.º 2127, a Base VI, com a epígrafe “Descaracterização do acidente”, no que aqui interessa, dispunha o seguinte:
[1] Não dá direito a reparação o acidente:
a)-Que for dolosamente provocado pela vítima ou provier de seu acto ou omissão, se ela tiver violado, sem causa justificativa, as condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal”.
A propósito da parte final dessa norma, Cruz de Carvalho, na sua incontornável obra de anotação à Lei n.º 2127, referindo estarem aí previstos “(..) os casos de violação injustificada das condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal – que o podem ser, quer em regulamento de empresa ou de serviço, quer em ordem especial”, defendeu que para se verificar essa hipótese “(..) não exige a lei, que a violação das condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal seja propositada, intencional  - por isso que fala em acto ou omissão –mas exige que tenha sido sem causa justificativa. Assim, não estão ali compreendidos não só os actos involuntários, como até os cometidos com violação daquelas condições de segurança, por espírito de abnegação e sentimento de caridade ou impulso meramente instintivo ou altruísta de salvar outrem, ou o intuito de beneficiar o patrão, ou ainda os devidos a imprudência ou imprevidência resultante do longo hábito ao contacto diário com o perigo. E, após elucidar sobre a necessidade de demonstração de um nexo de causalidade entre o acto ou omissão violador das condições de segurança e o acidente, concluiu o seguinte:
- “Para que se verifique a hipótese prevista na 2.ª parte da alínea a), é necessária a prova cumulativa (que compete à entidade patronal): 1.º) da existência de condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal; 2.º) da existência de acto ou omissão da vítima que os viola; 3.º) que tal acto seja voluntário, embora não intencional, e sem causa que o justifique; 4.º) que o acidente tenha sido consequência desse acto ou omissão”.
[Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Legislação Anotada, 2.ª Edição, Livraria Petrony, Lisboa, 1983, pp. 50/51].
Na Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, as causas excludentes do direito à reparação do acidente de trabalho encontram-se no art.º 7.º, igualmente com a epígrafe “Descaracterização do acidente”, no que aqui releva, dispondo o seguinte:
[1]”Não dá direito a reparação o acidente:
a)-Que for dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu acto ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou previstas na lei;”
Por seu turno, o art.º 8º n.º 1 do D.L. n.º 143/99 (correspondente ao n.º2, do actual art.º 14.º), ao regulamentar o preceito transcrito, estipula como segue:
“Para efeitos do disposto no artigo 7º da Lei, considera-se existir causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pela entidade empregadora da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la”.
Confrontando essas normas, vê-se que na evolução da Lei n.º2127, para a lei 107/97, as únicas inovações consistiram em acrescentar – na alínea a) - que a violação das condições de segurança pode incidir quer sobre as estabelecidas pela entidade empregadora  (na terminologia anterior, entidade patronal), quer em relação às “previstas na lei”; e, para além disso, que foi acrescida uma norma procurando clarificar quando se deve entender “existir causa justificativa da violação das condições de segurança” (o art.º 8º n.º 1 do D.L. n.º 143/99). Por último, constata-se que daquela última lei para a actual não resultou qualquer inovação, apenas havendo alterações de redação e terminologia (empregador, em vez de entidade empregadora), para além da inclusão do n.º 2, no art.º 14.º, resultado da opção legislativa pela inclusão de normas regulamentadoras na própria lei, deixando de existir um diploma regulamentador autónomo.
Feita esta constatação, é seguro afirmar-se que mantém inteira validade e actualidade os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais suscitados pela interpretação e aplicação desta causa excludente do direito à reparação, desde a mais longínqua Lei 2127, passando pela mais recente, mas também já revogada, Lei n.º 100/97.
Na esteira do que já era entendido na Lei n.º 2127, há um entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, respaldada também na doutrina, no que respeita à causa excludente do direito à reparação, a que se reporta a al. a), do art.º 7.º da lei n.º 100/97, como o elucida o recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Dezembro de 2012, onde a propósito se pode ler o seguinte:
- «Assim, a causa excludente do direito à reparação do acidente a que se alude na segunda parte da alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º, tal como se afirmou no acórdão deste Supremo Tribunal, de 17 de Maio de 2007 (Revista n.º 53/2007, da 4.ª Secção), exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: (i) existência de condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei; (ii) acto ou omissão do sinistrado que importe a violação dessas condições de segurança; (iii) voluntariedade desse comportamento, ainda que não intencional, e sem causa justificativa; (iv) nexo causal entre o acto ou omissão do sinistrado e o acidente.
Em suma: a lei não fez depender tal descaracterização do acidente do grau de culpa do sinistrado, antes optou por considerar que a simples violação, sem causa justificativa, das condições de segurança é razão suficiente para a operar.
Como salienta PEDRO ROMANO MARTINEZ (Direito do Trabalho, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, pp. 851-852), neste caso, «o legislador exige somente que a violação careça de “causa justificativa”, pelo que está fora de questão o requisito da negligência grosseira da vítima; a exigência dessa culpa grave encontra-se na alínea seguinte do mesmo preceito. A diferença de formulação constante das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 7.º da LAT (correspondentes às mesmas alíneas do n.º 1 do artigo 290.º do Código do Trabalho) tem de acarretar uma interpretação distinta. Por outro lado, há motivos para que o legislador tenha estabelecido regras diversas. Na alínea a) só se exige a falta de causa justificativa, porque atende-se à violação das condições de segurança específicas daquela empresa; por isso, basta que o trabalhador conscientemente viole essas regras.»
E, mais adiante, conclui, «[s]e o trabalhador, conhecendo as condições de segurança vigentes na empresa, as viola conscientemente e, por força disso, sofre um acidente de trabalho, não é de exigir a negligência grosseira do sinistrado nessa violação para excluir a responsabilidade do empregador. Contudo, a responsabilidade não será excluída se o trabalhador, atendendo ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento das condições de segurança ou se não tinha capacidade de as entender (artigo 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 143/99).»
Note-se que, na mesma linha fundamental de entendimento, o sobredito acórdão de 17 de Maio de 2007, referindo-se à segunda situação prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º, afirma que «[s]e a lei se basta, na espécie, com o pressuposto assinalado — ausência de causa justificativa — é porque recai sobre o trabalhador um especial dever de observar […] as condições de segurança que lhe são impostas», dever especial que «é tanto mais evidente quanto é certo que a lei só justifica a omissão quando seja de concluir que o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento da norma impositiva ou tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la — artigo 8.º, n.º 1, supra citado».
[Proferido no processo 827/06.0TTVNG.P1.S1, Pinto Hespanhol, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj]”

E sobre a voluntariedade do acto ou da omissão que justifica a descaracterização do acidente de trabalho, afirma-se, ainda, no citado aresto:
“Com efeito, na linha do entendimento que acima apontámos, subscrito quer pela doutrina quer pela jurisprudência, entre os requisitos de verificação cumulativa para que se preencha a previsão da al.a), do n.º1, do art.º 14.º, contam-se a prática do acto ou omissão, voluntária e conscientemente.
Elucidando sobre as aplicação em concreto desses requisitos, ainda que face à Lei 100/97, mas como se disse, com inteira aplicação à actual, afirmou-se no Acórdão do Supremo Tribunal de 23/6/04 [publicado em Acidentes de Trabalho, Jurisprudência 2000-2007, Edições Colectânea de Jurisprudência, pp. 77/78] que a descaracterização com fundamento na segunda parte da alínea a) do artigo 7º da Lei n.º 100/97, exige que sejam voluntariamente violadas as regras de segurança, quer legais quer estabelecidas pela entidade patronal, o que exclui as chamadas culpas leves, desde a inadvertência, à imperícia, à distração, esquecimento ou outras atitudes que se prendem com os actos involuntários, resultantes ou não da habituação ao risco. Como se constata pela leitura da respectiva argumentação, ai foi entendido, como fundamento para não se entender descaracterizado o acidente de trabalho, não evidenciarem oos factos provados que o sinistrado “(..)   intencionalmente tivesse violado, por omissão, as regras de segurança estabelecidas pela entidade patronal, designadamente a não utilização de cinto de segurança (…)”.
Na esteira desse aresto, citando-o, encontra-se também o Acórdão da Relação de Coimbra, de 26 de Abril de 2006 [também publicado em Acidentes de Trabalho, Jurisprudência 2000-2007, Edições Colectânea de Jurisprudência, pp. 120/126] onde também se convoca Carlos Alegre [Acidentes de Trabalho, Lisboa, 1996., pp. 91], que igualmente defende esse entendimento.
Reafirmando esse mesmo entendimento, em aresto mais recente, de 19 de Dezembro de 2007, pronunciou-se de novo o Supremo Tribunal de Justiça, em cujo sumário se consignou que “A descaracterização do acidente de trabalho, com fundamento na alínea a) do art. 7.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: (i) que se trate de uma conduta do acidentado, seja ela por acção, seja por omissão; (ii) que essa conduta seja representativa de uma vontade do mesmo iluminada pela intencionalidade ou dolo na adopção dela; (iii) que inexistam causas justificativas, do ponto de vista do acidentado, para a violação das condição de segurança; (iv) que existam, impostas legalmente ou por estabelecimento da entidade empregadora, condições de segurança que foram postergadas pela conduta do acidentado”, encontrando-se explicação mais ampla, para além do mais, no extracto seguinte:
-“Na verdade, como tem sido defendido pela doutrina e pela jurisprudência, do âmbito da alínea a) do nº 1 do mencionado artº 7º estão excluídas as “chamadas culpas leves, desde a inadvertência, à imperícia, à distracção, esquecimento ou outras atitudes que se prendem com os actos involuntários, resultantes ou não da habituação ao risco” (utilizaram-se as palavras de Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª edição, 61).
Assim, mesmo que porventura se entendesse que houve uma certa temeridade por parte do autor em se deslocar na estrutura metálica da cobertura do posto de abastecimento de combustível (estrutura essa na qual, note-se, já estavam montadas as chapas metálicas e chapas de luminosidade, estas feitas em policarbonato) sem estar munido de cinto de segurança, o que é certo é que não se demonstrou o mínimo elemento de onde se possa retirar que a sua actuação foi iluminada pelo intento de desrespeito de quaisquer regras de segurança, sendo de sublinhar que o ónus dessa demonstração impendia sobre a ora impugnante, já que a «descaracterização» do acidente redundava na não possibilidade de a mesma ser responsabilizada pelo pagamento das quantias peticionadas (cfr. nº 2 do artº 342º do Código Civil)».
[Proferido no Processo 07S3381, Bravo Serra, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj].
A Recorrente, no corpo das suas alegações, invoca o ensinamento de PEDRO ROMANO MARTINEZ (Direito do Trabalho, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, pp. 851-852), referindo-o como “citado no douto Acórdão do STJ (827/06.0TTVNG.P1.S1)”, depois fazendo uma citação, mas que se constata corresponder precisamente a um extracto do aludido acórdão, para concluir, que “contrariamente ao decidido pelo tribunal a quo, o sinistrado violou, sem causa justificativa, as condições de segurança existentes, pelo que o acidente de trabalho sempre terá de ser descaracterizado”.
Na verdade, no aludido acórdão invoca-se a posição defendida por aquele ilustre Professor, dizendo-se “Na alínea a) só se exige a falta de causa justificativa, porque atende-se à violação das condições de segurança específicas daquela empresa; por isso, basta que o trabalhador conscientemente viole essas regras», para evidenciar a diferença desta causa excludente da responsabilidade relativamente à prevista na alínea b), do art.º 7.º da Lei 100/97, que, como se sabe, refere-se a outra causa excludente, mais precisamente, quando o sinistrado viola regras de segurança actua com negligência grosseira. E, se procedermos à sua leitura atenta, cremos poder afirmar-se com segurança, que o aludido aresto não se distancia do entendimento a que nos vimos referindo, antes o reafirmando, nomeadamente quanto à necessidade de uma actividade voluntária de desobediência do trabalhador, sem causa justificativa, como requisito sem o qual não há lugar à descaraterização do acidente de trabalho. Basta ver que imediatamente antes de nele se invocar o ensinamento do Professor Pedro Romano Martinez, escreveu-se o seguinte:
- «Assim, a causa excludente do direito à reparação do acidente a que se alude na segunda parte da alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º, tal como se afirmou no acórdão deste Supremo Tribunal, de 17 de Maio de 2007 (Revista n.º 53/2007, da 4.ª Secção), exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: (i) existência de condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei; (ii) acto ou omissão do sinistrado que importe a violação dessas condições de segurança; (iii) voluntariedade desse comportamento, ainda que não intencional, e sem causa justificativa; (iv) nexo causal entre o acto ou omissão do sinistrado e o acidente».
[Proc.º872/06.0TTVNG.P1.S1, Pinto Hespanhol, disponível em  http://www.dgsi.pt/jstj].”

Regressando ao caso em apreço vejamos, então, os factos provados que nos elucidam sobre a dinâmica do acidente e o contexto em que este ocorreu:
-No dia 04 de Fevereiro de 2015, pelas 15 horas, quando o A. exercia as funções de serralheiro, por conta, sob a direcção e fiscalização de “…, Lda”, numa fábrica da (...), em Pombal, sofreu um acidente (ponto 1 dos factos provados);
-Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1., o A. encontrava-se a proceder ao aperto de componentes da tubagem de ar comprimido, munido de chave de bocas apropriada e, colocado sentado na esteira de transporte da máquina paletizadora, erguendo os braços, aí se mantendo por algum tempo e, enquanto executava essa tarefa na máquina, foi entalado contra a esteira de transporte, pela mesa paletizadora, que o esmagou contra aquela (ponto 2 dos factos provados);
-Para proceder à reparação da tubagem referida em B) o Autor tinha de aceder ao interior da máquina, por esse ponto não ser acessível do exterior, o que sucedeu (ponto 9 dos factos provados);
-Para proceder a essa reparação em segurança, seria necessário desligar o circuito eléctrico da máquina (ponto 10 dos factos provados);
-A máquina paletizadora referida em 2., contem dispositivos de encaixe destinado à retenção ou protecção em trabalhos e que, nas circunstâncias de tempo referidas em 2., a máquina não tinha esses dispositivos, que haviam sido retirados pelo A. e seu ajudante no âmbito das tarefas que vinham desenvolvendo para a reparação dessa máquina (ponto 11 dos factos provados);
-O A. iniciou a actividade de manutenção da máquina referida em 2., cerca de três semanas antes da data referida em 1. e no decurso das tarefas inerentes à reparação, com desmontagem, verificação e substituição de suas componentes, a máquina esteve ligada, ou desligada, à corrente eléctrica, consoante fosse necessário (ponto 12 dos factos provados);
-A máquina referida em 2., dispõe de gradeamento metálico que impossibilita a entrada de pessoas e a aproximação à máquina quando está em laboração, dispondo também de botão de paragem de emergência (ponto 23 dos factos provados);
-Para que o A. fizesse a manutenção/reparação dessa máquina foi retirada a grade de protecção (ponto 24 dos factos provados).
-O A. entrou no interior da máquina sem se certificar que a mesma estava desligada da corrente eléctrica e que tinha todos os mecanismos de accionamento automático desligados (ponto 25 dos factos provados);
-Por o A. estar no interior da máquina, foi accionado o seu funcionamento, iniciando a mesma o ciclo de operação para o qual estava programada, provocando o entalamento do A. entre o carris e o prato elevatório (ponto 26 dos factos provados).
-Seo A. tivesse accionado o botão de paragem de emergência a máquina não teria iniciado o ciclo de operação para a qual estava programada. (ponto 27 dos factos provados);
-Era o A. que estava a proceder, com um ajudante, em exclusivo, à reparação da máquina, desde há cerca de 3 semanas antes da data referida em 1. (ponto 28 dos factos provados); e
-O A. conhecia bem os componentes e forma de funcionamento daquela máquina, sendo que, no âmbito do referido em 1, há mais de 8 anos ia, pelo menos, uma vez por ano, proceder à manutenção/reparação daquelas máquinas à … (ponto 29 dos factos provados).
Antes de mais e em primeiro lugar, importa referir que, por não constarem do elenco dos factos provados, não pode este Tribunal considerar na sua decisão, como fez o Tribunal a quo, que:
- o sinistrado entrou na máquina através de “local a que acedeu por um lado destinado a ter grades de protecção, que não se encontravam colocadas;”
- “se o A. tivesse accionado o «modo de descanso», a máquina não teria iniciado o ciclo de operação para o qual estava programada;
- “estando a mesma sob o seu inteiro e exclusivo domínio de actuação, para esse efeito”;
- introduziu-se no interior da mesma, de forma a proceder ao aperto da tubagem de ar comprimido, sem, previamente, ter desligado a corrente eléctrica da referida máquina, ou desligando o modo de funcionamento automático da mesma;
- o sistema de ar comprimido, para funcionar, pressupunha a ligação da máquina à electricidade;
- que a máquina dispunha de quadro eléctrico próprio (comando autónomo ou painel de controlo); e
- O sinistrado realizou a referida tarefa de aperto do ar comprimido, introduzindo-se no interior da máquina e sem, previamente, ter desligado a mesma.

Em segundo lugar, é pacífico que, no que respeita às tarefas que o Recorrente desempenhava, está demonstrada a existência de condições ou regras de segurança previstas na lei e identificadas na sentença recorrida, o que não é posto em causa pelas partes.

Por outro lado, também é certo que os factos provados revelam a existência de um comportamento omissivo por parte do Recorrente consubstanciado na circunstância de não se ter certificado se a máquina estava desligada antes de aceder ao seu interior, o que redunda na violação das regras de segurança previstas nos artigos 19º nº 1, 20º al.a) e 21º do DL nº 50/2005 de 25.2 e nºs artigos 47º e 101º nºs 2, 3 e 4 da Portaria 53/71 de 3.2., alterada pela Portaria 702/80, todos citados na sentença recorrida e que dispõem, em síntese, que a reparação e manutenção de máquinas deve ser feita com elas desligadas da fonte de energia que as alimenta, travadas ou aferrolhadas e com observância dos cuidados necessários.

É certo que não decorre dos factos provados que era sobre o Recorrente que impendia a obrigação de ligar e de desligar a máquina dos seus comandos eléctricos. Contudo, tal não implica que o Recorrente, para executar as suas funções de reparação, não estivesse obrigado a certificar-se que a máquina estava desligada sempre que precisasse de se introduzir no seu interior e que, caso esta estivesse ligada, não estivesse obrigado a diligenciar no sentido de ser desligada por quem tivesse tal incumbência, daí que reafirmamos a existência de um comportamento omissivo do Autor violador das condições de segurança.

Impõe-se, contudo, saber se estamos perante um comportamento voluntário do Recorrente, ainda que não intencional e sem causa justificativa.

Ora, adianta-se, desde já, que os factos provados não esclarecem, com suficiência, todas as circunstâncias que levaram o Recorrente a aceder à máquina sem que se certificasse que esta estava desligada, sendo certo que apenas a circunstância de não se ter certificado de que a máquina estava desligada não é suficiente para descaracterizar o acidente.

Na verdade, desconhece-se, porque não alegado nem provado, se o sinistrado sabia que a máquina estava ligada e em modo automático, como estava, caso contrário a sua presença não teria sido suficiente para iniciar o ciclo operativo, no momento em que se introduziu na mesma.

Também ignoramos, porque não alegado nem provado, porque motivo o Autor acedeu ao interior da máquina sem se certificar que a mesma estava desligada: por mera incúria?; por esquecimento?; por entender que, com alguma sorte, no seu interior, se não se movimentasse junto à fotocélula da máquina não haveria perigo dela accionar e entalá-lo?; por estar convencido que a máquina estaria desligada, na medida em que as grades de protecção da máquina ainda não tinham sido colocadas no respectivo sítio e porque, conforme decorre do ponto 11 dos factos provados, os dispositivos de encaixe destinados à retenção ou protecção em trabalhos e que, tinham sido retirados pelo Autor e seu ajudante, ainda não tinham sido colocados na máquina?; se nesse dia, da parte da tarde, o Recorrente, ou o operador, alguma vez, ligou e desligou os comandos eléctricos da máquina, sabendo-se que ao longo das 3 semanas em que vinha decorrendo a reparação a máquina foi ligada e desligada consoante foi necessário?; se em algum momento desse dia o electricista ou o operador da máquina da empresa (…) S.A. disseram ao Recorrente que a máquina já estava ligada?

E perante estas interrogações que não são esclarecidas pelos factos provados, impõe-se concluir que nada nos autos aponta no sentido de que o Recorrente actuou voluntária e conscientemente. Na verdade, no caso, só se poderia concluir pela existência de um comportamento voluntário e consciente se se tivesse provado que o Autor, quando acedeu ao interior da máquina, sabia que ela estava ligada. Mas tal não foi alegado nem resultou provado. O que se provou foi, tão só, que o Autor não se certificou que a máquina estava desligada e que os mecanismos de accionamento da mesma estavam desligados.

Ora, perante a factualidade provada pode-se conjecturar e dissertar porque razão ou razões o sinistrado, que era, sem dúvida, pessoa habilitada a proceder à reparação da máquina em causa e que conhecia os seus componentes e modo de funcionamento, bem como as condições de segurança a observar, não se certificou de que a máquina estava desligada.

Contudo, não podemos afirmar, com certeza, que o sinistrado actuou voluntariamente sabendo que a máquina estava ligada no momento em que acedeu ao seu interior e nem podemos excluir que o seu comportamento se traduziu numa desatenção ou esquecimento decorrente do facto de a máquina, ao longo da reparação, ter estado ligada e desligada.

Na verdade, a factualidade provada não evidencia o “intento de desrespeito das regras de segurança por parte do sinistrado” (cfr. Ac. STJ de 19.12.2007 acima citado). Ou seja, como já afirmámos, os factos provados não demonstram que estamos perante uma violação consciente, por parte do sinistrado, das condições de segurança previstas na lei, o que exigiria que se tivesse provado que o recorrente sabia que a máquina estava ligada, em qualquer um dos seus modos de funcionamento, quando acedeu ao seu interior.

Ora, de acordo com o nº 2 do artigo 342º do CC, porque impeditivos do direito reclamado pelo Recorrente, era sobre a Recorrida que impendia o ónus de alegar e provar os factos enformadores da descaracterização do acidente de trabalho e, no caso, que o Recorrente sabia ou, necessariamente, tinha de saber, quando acedeu ao interior da máquina, que esta estava ligada e que não existiram quaisquer razões que justificassem a omissão do Recorrente, sendo certo que nem existem factos que nos permitam imputar ao Autor o facto da máquina não se encontrar desligada da corrente eléctrica.

Consequentemente, resta concluir que, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, entendemos que, no caso, não existe fundamento para a descaracterização do acidente de trabalho de acordo com a 2ª parte da al.a) do nº 1 do artigo 14º da Lei nº 98/2009 de 4.9.

Salienta-se, ainda, que no Acórdão do STJ de 15.4.2015 citado pelo Tribunal a quo ficou provado, além do mais, que “24. O Autor não desligou a máquina do quadro elétrico, previamente ao início da operação; 25. O Autor sabia que apenas deveria proceder às operações de manutenção da máquina em referência, e nomeadamente à operação de limpeza do sem-fim, com a máquina desligada, sendo para tal necessário que o interruptor do quadro elétrico de comando se encontrasse na posição «0» (zero); 26. O evento referido em D), 4 e 28 ocorreu devido ao facto do Autor ter procedido a uma longa operação de manutenção sem ter o cuidado de desligar a máquina da corrente elétrica”, pelo que não podemos dizer que o caso aí apreciado é similar ao destes autos.

Também no Acórdão do mesmo Tribunal de 16.6.2016, citado na sentença recorrida, ficou provado que, após verificação visual da máquina com o motor ligado, o trabalhador teria que ter parado a máquina e bloqueado a mesma com o cadeado; o A. sabia que não podia tocar na ventoinha quando a máquina se encontra ligada, para detectar e/ou reparar qualquer avaria técnica; no interior da máquina, na parte que viria a atingir a mão do A., a ventoinha não tinha protecção; a verificação da perda/fuga de água, e supra referida em 2.), era pelo menos mais rápida e facilmente verificável com a máquina em funcionamento; para o referido supra, em 2. e 3., o A. abriu o compartimento traseiro de acesso ao radiador e ao motor ; o A., porque não encontrava a origem da fuga, introduziu a sua mão perto da ventoinha com a máquina em funcionamento; havia sinalética na máquina a proibir que fosse tocada quando em funcionamento e a Ré dera formação e instruções ao trabalhador no mesmo sentido, pelo que os contornos daquele caso não são idênticos aos em apreciação nestes autos, tanto mais que naquele era evidente que a máquina estava em funcionamento, o que não se provou neste.
Em consequência, terá de proceder o recurso, nesta parte.
*

Apreciemos, por fim, a reparação dos danos decorrentes do acidente de trabalho em questão.
Tendo-se concluído que não há lugar à descaracterização do acidente de trabalho, então, face ao disposto no artigo 2º da LAT, tem o Autor direito à reparação dos danos emergentes de tal acidente.

Assim, tendo ficado provado que:
-Na data referida em A), o A. auferia a retribuição anual de € 14.625,24, (correspondente à retribuição mensal de € 970,85 x 14 meses e € 93,94 x 11 meses, de subsídio de alimentação) (ponto 3 dos factos provados);
-em consequência do acidente referido em 1 e 2., o A. sofreu as lesões e sequelas referidas no exame de fls. 27/31, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, nomeadamente lesão vertebro-medular, com paraplegia dos membros inferiores, que lhe determinaram, directa e necessariamente, incapacidade permanente parcial de 100% e incapacidade permanente absoluta para qualquer profissão, desde 10.09.2015, data da alta, com necessidade de adaptação da residência e ajuda de terceira pessoa para realizar actos da vida diária e deslocações, bem como ajudas medicamentosas e técnicas (ponto 5 dos factos provados);
-Em 30.06.2016, no apenso para fixação de incapacidade, foi proferida decisão, a consignar que o A. é portador de sequelas que lhe determinam necessidades: para a sua locomoção, de uso de cadeira de rodas; para o seu repouso, de almofada e colchão anti-escara e cama articulável e, para satisfação das suas necessidades básicas com higiene e alimentação, da assistência de terceira pessoa durante 6 horas diárias, conforme fls. 27-28, desse apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido (ponto 30 dos factos provados);
-O A., para se deslocar, precisa de cadeira de rodas automática (ponto 21 dos factos provados);
-E, para repouso, de almofada, colchão anti-escara e cama articulável (ponto 22 dos factos provados).
-Em consequência do acidente, e sequelas dele decorrentes, o A. foi a consulta médica de ortopedia, na Policlínica da Encarnação, tendo pago, para o efeito, a quantia de € 60,00 (ponto 13 dos factos provados).
-E continua a ser consultado no Centro de Alcoitão e em consultas no Centro de saúde de Arruda dos Vinhos, tendo despendido, para o efeito, € 54,50 (ponto 14 dos factos provados).
-E, tem de efectuar sessões periódicas de fisioterapia, tendo, para o efeito, pago ao Centro de Física da Quinta Nova, € 405,00 (ponto 15 dos factos provados).
-E já pagou, em sessões de fisioterapia posteriores, na parte não comparticipada pela Segurança Social, a quantia de € 428,03 (ponto 16 dos factos provados).
-Para tratamentos medicamentosos e dispositivos médicos, o A. já despendeu € 930,64 (ponto 17 dos factos provados).
-Em fraldas e cuecas de incontinência e resguardos de cama, despendeu a quantia de € 139,12 (ponto 18 dos factos provados).
-E em transportes de ambulância e serviços de bombeiros, a quantia de € 125,24 (ponto 19 dos factos provados).
-Para efectuar deslocações a exames e tratamentos, quando não se deslocava em ambulância, o A. deslocava-se em veículo particular, percorrendo número concretamente não determinado de km, para o efeito (ponto 20 dos factos provados); e
-O sinistrado não está integralmente pago da indemnização por incapacidade temporária absoluta devida desde a data do acidente e até 10.09.2015, data da alta, no valor global de € 6.114,68 (ponto 31 dos factos provados),
tem o sinistrado, como portador de uma Incapacidade Permanente Absoluta para toda e qualquer profissão (art.19º da LAT),  direito:

1- Ao abrigo do disposto nos artigos 2º, 23º al.b), 47º nº 1 al.c), 48º nº 3 al.a) e 72º da LAT, e do artigo 6º, do Decreto -Lei n.º 142/99, de 30 de Abril, alterado pelos Decretos -Leis nos 185/2007, de 10 de Maio e 18/2016, de 13 de Abril, à pensão anual e vitalícia, actualizável, devida desde o dia seguinte ao da alta (11.09.2015), no valor de € 11.700,19 (970,85 x 14) + (93,94 x 11) x 80%), a ser paga mensalmente e no domicílio do sinistrado até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, bem como o subsídio de férias e de Natal, igualmente no valor de 1/14 da pensão anual cada, a serem pagos nos meses de Junho e Novembro de cada ano, respectivamente, a que acrescem juros de mora desde o dia seguinte ao da alta;
2- Ao abrigo do disposto nos artigos 2º, 23º al.b), 47º nº 1 al.a), 48º nºs 1 e 3 al.d) da LAT, a título de indemnização por incapacidade temporária absoluta (218 dias), à quantia de € 6.114,68 (970,85 x 14 + 93,94 x 11) = 14.625,24
14.625,24: 365= 40.07
40.07 x 218 x 0.7, a que acrescem juros de mora desde 10.9.2015;
3- Ao abrigo do disposto nos artigos 23º al.b), 47ºnº 1, al.d) e 67º, nºs 1 e 2 da LAT, à quantia de €5.533,70, a título de subsídio de elevada incapacidade (12x 1.1.x 419,22), a que acrescem juros de mora desde o dia seguinte ao da alta;
4-Ao abrigo do disposto no artigo 23ºal.b), 47º nº1 al.i) e nºs 1 e 2 artigo 68º da LAT, à quantia até ao limite máximo de €5.533,70 (12x 1.1.x 419,22) a título de subsídio de obras de readaptação de habitação;
5-Ao abrigo do disposto nos artigos 23º al.b), 47º nº 1, al..h), 53º, 54º e 72º nº4 da LAT, à quantia de € 461,14 (419,22 (IAS)x 1.1), a título de prestação suplementar por necessidade de assistência por terceira pessoa, a pagar 14 vezes por ano, acompanhando o pagamento mensal da pensão anual e dos subsídios de férias e de Natal, sendo devida desde o dia seguinte ao da alta;
6-Ao abrigo do disposto nos artigos 23º al.a) e 25º da LAT, ao valor de € 2.142,53 (60,00 + 54,50 + 405,00 + 428,03 + 930,64 + 139,12 + 125,24), a título de despesas suportadas em consequência do acidente (factos provados 13 a 19);
7-Ao abrigo do disposto nos artigos 23ºal.a) e 25º da LAT, a que lhe seja disponibilizada cadeira de rodas automática, almofada, colchão anti-escara e cama articulável; e
8-Ao abrigo do disposto nos artigos 23ºal.a) e 25º da LAT e 609º nº 2 do CPC ao valor a apurar em incidente de liquidação, relativo às deslocações que fez em veículo particular.
Por não terem resultado provadas, não são devidas as demais quantias solicitadas pelo Autor no petitório.
Tendo resultado provado que à data do acidente “… Lda”, entidade empregadora do Autor, tinha transferido para a Ré Seguradora, mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.º 2292422, a responsabilidade decorrente de acidentes de trabalho reportada ao Autor pela retribuição anual de € 14.625,24 (ponto 4 dos factos provados), sobre esta recai a obrigação de pagar ao Autor as quantias atrás mencionadas, bem como a obrigação de lhe prestar a assistência necessária e adequada ao seu estado de saúde.
Por outro lado, tendo resultado provado que, em consequência do acidente sofrido pelo Autor, o Instituto de Segurança Social. I.P. pagou ao mesmo, desde 27 de Abril de 2015 a 7 de Fevereiro de 2016, a quantia de 6.133,75, a título de subsídio de doença (ponto 8 dos factos provados), ao abrigo do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo 7º do DL nº 28/2004, de 4 de Fevereiro, tem aquele instituto o direito a ser reembolsado de tal quantia por parte da Ré.
À referida quantia acrescem juros de mora à taxa legal devidos desde a data da notificação da Ré para contestar tal pedido.
Uma vez que o Autor já recebeu as quantias em causa do ISS I.P., assiste à Ré seguradora o direito de descontar nas prestações devidas ao sinistrado o valor a entregar, a título de reembolso àquele instituto.
Por fim, dispondo o nº 5 do artigo 52º da LAT que os montantes pagos a título de pensão provisória são considerados aquando da fixação final dos respectivos direitos, à Ré Seguradora assiste o direito de deduzir às prestações devidas ao Autor, os valores pagos a título de pensão provisória.
Em consequência, o recurso deverá ser julgado parcialmente procedente, revogando-se a sentença recorrida em conformidade com o exposto.

Decisão:

Em face do exposto, acorda-se em julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência:
- julga-se parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto nos termos acima mencionados:
- revoga-se a sentença recorrida e, julgando-se a acção parcialmente procedente por provada, declara-se que o acidente dos autos configura um acidente de trabalho e:

1-Condena-se a Ré, Companhia de Seguros …, S.A. a pagar ao Autor:
a)-a pensão anual e vitalícia, actualizável, devida desde o dia seguinte ao alta (11.09.2015), no valor de € 11.700,19, a ser paga mensalmente e no seu domicílio, até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, bem como o subsídio de férias e de Natal, igualmente no valor de 1/14 da pensão anual cada, a serem pagos nos meses de Junho e Novembro de cada ano, respectivamente a que acrescem juros de mora desde o dia seguinte ao da alta, a que devem ser deduzidos os valores pagos a título de pensão provisória;
b)-a indemnização por incapacidade temporária absoluta no valor de € 6.114,68, a que acrescem juros de mora desde 10.09.2015;
c)-a quantia de €5.533,70, a título de subsídio de elevada incapacidade, a que acrescem juros de mora desde o dia seguinte ao da alta;
d)-a quantia até ao limite máximo de €5.533,70, a título de subsídio de obras de readaptação de habitação;
e)-a quantia de € 461,14, a título de prestação suplementar por necessidade de assistência por terceira pessoa, a pagar 14 vezes por ano, sendo devida desde o dia seguinte ao da alta, a que acrescem juros de mora desde essa data; e
f)-a quantia de € 2.142,53, a título de despesas suportadas em consequência do acidente.
2-Condena-se a Ré Seguradora a disponibilizar ao Autor cadeira de rodas automática, almofada, colchão anti-escara e cama articulável, bem como a prestar ao Autor a assistência necessária e adequada ao seu estado de saúde.
3-Condena-se a Ré Seguradora a pagar ao Autor o valor a apurar em incidente de liquidação, relativo às deslocações que este que fez em veículo particular, em consequência do acidente.
4-Julga-se procedente o pedido de reembolso formulado pelo Instituto de Segurança Social I.P. e, em consequência, condena-se a Ré Seguradora a pagar a este Instituto a quantia de €6.133,75, que este pagou ao sinistrado a título de subsídio de doença, a que acrescem juros de mora à taxa legal devidos desde a data da notificação da Ré para contestar tal pedido, Uma vez que o Autor já recebeu as quantias em causa do ISS I.P., assistindo à Ré seguradora o direito de descontar nas prestações devidas ao sinistrado o valor a entregar, a título de reembolso àquele instituto.
5-Absolve-se a Ré Seguradora do demais contra si peticionado.
As custas da acção e do recurso são devidas na proporção do respectivo decaimento, sendo que ao Autor foi concedido apoio judiciário.


Lisboa, 3 de Maio de 2017

           
Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos
Claudino Seara Paixão

Decisão Texto Integral: