Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | MICAELA SOUSA | ||
| Descritores: | FACTOS COMPLEMENTARES FACTOS CONCRETIZADORES CONTRADITÓRIO ANULAÇÃO DA SENTENÇA | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 12/02/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | ANULAÇÃO | ||
| Sumário: | Sumário:1 I – O Tribunal pode, oficiosamente, pronunciar-se sobre factos e basear neles a sua decisão, ainda que alegados apenas depois dos articulados, em resposta ao convite ao aperfeiçoamento e/ou que não cheguem a ser alegados mas resultem da instrução da causa. II - A consideração dos factos complementares ou concretizadores resultantes da instrução não exige a concordância da parte para a sua atendibilidade, mas depende sempre de ser garantido o exercício do contraditório, o que passa, designadamente, pelo anúncio às partes pelo juiz, antes do encerramento da audiência, que está a equacionar utilizar esse mecanismo de ampliação da matéria de facto, concedendo-lhes a possibilidade de requererem a produção de novos meios de prova, quer para reafirmar a realidade desse facto, quer para a infirmar. III - Para o efeito, não basta a pronúncia pelas partes em sede de alegação de recurso, pois que, sendo necessária a produção de prova – contraditada entre as partes – sobre a nova factualidade introduzida nos autos, importa anular a sentença recorrida, devendo o processo baixar à 1ª instância para o cumprimento do contraditório e eventual produção de prova. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa I – RELATÓRIO ENTERPRISORY, UNIPESSOAL LDA.2 intentou contra Caidrois - Artesanato na Gestão de Imagem, Lda.3, AA4; BB5 e CC6 a presente acção declarativa de condenação, com processo comum formulando os seguintes pedidos: a) A condenação solidária dos réus no pagamento à autora da quantia de 22 694,71 € (vinte e dois mil seiscentos e noventa e quatro euros e setenta e um cêntimos), acrescida dos respectivos juros de mora legais até efectivo e integral pagamento. Subsidiariamente, caso se considere que o contrato de sublocação foi revogado, b) A condenação solidária dos réus no pagamento à autora da quantia de 7 094,71 € (sete mil e noventa e quatro euros e setenta e um cêntimos), acrescida dos respectivos juros de mora legais até efectivo e integral pagamento. Alegou, para tanto, muito em síntese, o seguinte: • A autora é locatária financeira da fracção autónoma - designada pela letra “D” - sita no rés-do-chão, Rua 1, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito em Rua 2, freguesia de Corroios, concelho de Seixal, descrita na Conservatória do Registo Predial de Amora sob o nº ..., da freguesia de Corroios e afecta a comércio; • No princípio do ano de 2022 decidiu sublocar a fracção autónoma, tendo contratado com a mediadora “Idea Métrica - Mediação e Consultoria Imobiliária, Lda.” a obtenção de cliente interessado em sublocar a fracção, na sequência do que os réus manifestaram interesse na sublocação, tendo sido celebrado o contrato de sublocação com a sociedade Caidrois, Lda., com prazo certo, em 31 de Janeiro de 2022, que dela tomou posse em 1 de Fevereiro de 2022; • O prazo do contrato era de três anos, com início em 1 de Fevereiro de 2022, prorrogável por períodos sucessivos de um ano; • As chaves do imóvel arrendado foram entregues pela representante dos réus à autora, no dia 10 de Outubro de 2022, por livre iniciativa daqueles e nessa data a representante emitiu, assinou e entregou à autora uma declaração indicando a existência de valores em dívida e das penalizações incluídas na Cláusula Segunda do contrato, conforme documento n.º 7 junto com a petição inicial; • A autora transmitiu à referida sociedade que a entrega das chaves do locado não obstava a que tivesse de cumprir com as obrigações contratuais previstas; • A sociedade sublocatária não pagou todas as rendas acordadas e vencidas, desde 1 de Julho de 2022 (inclusive) até à data da cessação, por denúncia, do contrato de arrendamento, no total de 3 250,00 €, nem as rendas vencidas e a liquidar nos meses de Abril, Maio e Junho de 2022, sendo ainda devido o valor de 20% de cada renda, conforme cláusula contratual, pagamento que a autora solicitou por carta de 15 de Fevereiro de 2022; • Com data de 23 de Fevereiro de 2023 a 2ª ré e o 3º réu remeteram à autora uma missiva a comunicar a resolução do contrato de sublocação, com base em situações que não são verdadeiras e que não se verificavam; • A 1ª ré permaneceu a ocupar e utilizar plenamente o imóvel sublocado, pelo menos até ao dia 10 de Outubro de 2022; • De acordo com a cláusula segunda do contrato a locatária estava obrigada a permanecer no locado pelo período mínimo de três anos, que foi condição essencial para a autora celebrar o contrato de sublocação, sem a qual nunca o teria celebrado, o que era do conhecimento de todos os réus, pelo que pode exigir a totalidade do valor das rendas vincendas correspondentes ao período em falta de 2 (anos), isto é, entre 1 de Novembro de 2022 e 31 de Outubro de 2024 e ainda o valor correspondente ao não cumprimento do pré-aviso, correspondente a seis meses de rendas, a que serão deduzidos os valores entregues a título de caução de renda e de danos, estando em dívida o montante global de 22 694,71 €; • Os segundos e terceiros réus comunicaram em Fevereiro de 2023, com base na cláusula segunda, número quatro, que entendiam que se verificou a revogação do contrato em Agosto de 2022, por terem decorrido trinta dias após a falta de pagamento pontual da renda, mas essa revogação não foi comunicada pela autora à contraparte, pelo que o contrato se manteve em vigor, assim como a utilização do locado pela sublocatária; • A ter ocorrido tal revogação, teria sido em Maio de 2022, porque existiu atraso de pagamento da renda em Abril de 2022, sendo devido o montante correspondente ao dobro da renda estipulada até à restituição do locado; • Os 2º, 3º e 4º réus constituíram-se fiadores e principais pagadores e garantes de todas as responsabilidades e obrigações decorrentes do contrato de sublocação. Os réus Caidrois, Lda., AA e BB contestaram invocando a cessação do contrato de arrendamento ocorrida, por revogação, a 1 de Agosto de 2022, com base na Cláusula Segunda, n.º 4, por terem decorridos 30 dias depois da falta de pagamento da renda de Julho de 2022, revogação que não depende de qualquer comunicação para o efeito; com base nisso, consideram ineficaz a denúncia ocorrida no dia 10 de Outubro de 2022 porque o contrato já estava revogado e porque quem assinou o documento n.º 7 não dispunha de poderes para o efeito; a autora considerou que as chaves entregues no dia 16 de Agosto de 2022 não eram as correctas, mas tal não é verdade e a partir dessa data poderia ter tomado posse do locado. Suscitaram ainda a litigância de má-fé por parte da autora e deduziram reconvenção pedindo a compensação do valor em dívida (1 170,00 €) com o valor da caução e devolução da quantia sobrante (130,00 €).7 Contestou também a ré CC excepcionando a revogação do contrato, nos mesmos termos em que o fizeram os demais réus e a ineficácia da denúncia efectuada no dia 10 de Outubro de 2022, com o fundamento na prévia revogação do contrato de arrendamento e falta de poderes da subscritora do documento n.º 7. Suscitou ainda a litigância de má-fé da autora e deduziu reconvenção quanto à compensação dos valores em dívida com o montante da caução e devolução da quantia sobrante.8 A autora apresentou réplica referindo, quanto à reconvenção, que na quantia peticionada, seja a título principal ou subsidiário, foi deduzido o valor global da caução e quanto às excepções deduzidas reiterou que o contrato foi denunciado em 10 de Outubro de 2022, data em que foram entregues as chaves do locado, não tendo existido revogação e, ainda que esta tivesse ocorrido, nunca prescindiu de qualquer quantia que contratualmente lhe seja devida. Impugnou o documento junto com a contestação dos réus, pugnou pela improcedência do pedido de condenação como litigante de má-fé e, bem-assim, pela improcedência da reconvenção e excepções deduzidas.9 A reconvenção foi liminarmente admitida. Foi efectuado o saneamento dos autos, fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova, com o seguinte conteúdo:10 “São questões controvertidas que importam apreciar e decidir: 1) Saber se houve denúncia do contrato de arrendamento realizada por quem tinha poderes para vincular a sociedade Caidrois. 2) Saber se houve revogação do contrato de arrendamento em 1 de Agosto de 2022, por falta de pagamento da renda de 1 de Julho de 2022 por mais de 30 dias (atenta a cláusula segunda n.º 4 do contrato de arrendamento) 3) Em caso de denúncia do contrato, saber se a Autora tem direito aos valores: a. Das rendas vencidas em Agosto, Setembro e Outubro de 2022, bem como o valor respeitante a 20% do valor das rendas, devido pela mora no pagamento; b. Das rendas entre Novembro de 2022 a Outubro de 2024 (atenta a cláusula segunda n.º 7 do contrato de arrendamento). 4) Em caso de revogação do contrato, saber se a Autora tem direito aos valores: a. Correspondentes ao dobro do valor das rendas de Maio de 2022 a Outubro de 2022. 5) Saber se deve ser reconhecido aos Réus o valor pago a título de caução. 6) Em caso afirmativo, saber se são compensáveis os valores devidos à Autora, pelo valor pago a título de caução. 7) Em caso afirmativo, saber se a Autora deve ser condenada a pagar aos Réus o valor que excede o crédito do Autor. 8) Saber se há litigância de má-fé por parte da Autora. Constitui tema da prova a apurar: 1)Saber se a arrendatária, em 10/10/2022, passou uma procuração à Dra. DD. 2) Saber se a arrendatária sempre agiu na convicção de que o contrato de arrendamento celebrado com a Autora havia sido extinto em 1 de Agosto de 2022. 3) Se a Autora articulou intencionalmente factos que sabia não serem verdade.” Realizada a audiência de julgamento, em 31 de Maio de 2025 foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e totalmente procedente a reconvenção, com o seguinte dispositivo: “1. Condeno os réus AA, BB e CC a pagar à autora Enterprisory, Unipessoal, Lda, a quantia global de 2.730,00€ (dois mil setecentos e trinta euros), correspondente à sanção pelo atraso no pagamento das rendas de abril, maio e junho de 2022 e à renda e respetiva sanção relativa aos meses de julho, agosto e setembro de 2022; 2. Condeno a autora a descontar ao valor aludido em 1. a quantia de 1.300,00€ (mil e trezentos euros), paga pela primeira ré a título de caução por danos e caução por rendas, imputando tal valor à sanção pelo atraso no pagamento das rendas de abril, maio e junho, à renda e respetiva sanção de julho e à sanção de agosto; 3. Ao valor sobrante, de 1.430,00€, correspondente à renda de agosto e à renda e respetiva sanção de setembro são devidos juros de mora, à taxa legal, contados desde a data do vencimento de cada renda em dívida, até efetivo e integral pagamento. 4. Absolve-se a autora do pedido de condenação por litigância de má-fé. Custas por autora e réus na proporção dos respetivos decaimentos, a saber, 88,04% para a autora e 11,96% para os réus.” Inconformada com esta decisão, veio a autora interpor o presente recurso cuja motivação concluiu do seguinte modo:11 1 - O presente recurso vem interposto da douta sentença de fls. , de 31 de Maio de 2025 (referência 445065225), que julgou parcialmente procedente a acção, e não se conformando com esta decisão judicial a Autora vem dela interpor recurso de Apelação, nos termos dos artigos 627º, 629º nº 1, 631º nº 1, 637º, 638º, nºs 1 e 7, 639º, nºs 1 e 2, 640º, 644º nº 1, alínea a), 645º nº 1, alínea a), e 647º nº 1, todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), versando o mesmo sobre todas as suas partes decisórias. 2 - Com relevância para a situação em análise, o Tribunal “a quo” deu por assente a matéria vertida nos pontos 1. a 23., e como não provados as alíneas a) a f), que aqui se consideram por reproduzidos para todos e os devidos efeitos. 3 - Com relevância processual e factual para a decisão no caso em apreço, deve ser considerada a tramitação vertida no ponto I.4 supra invocado, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos e os devidos efeitos legais. 4 - Por força do disposto no artigo 3º, nº 3, do C.P.C., estão proibidas as decisões-surpresa, por estas se entendendo aquelas que são tomadas sem que as partes tenham podido acautelar a sua posição ou discutir a solução jurídica preconizada na decisão. 5 - O Tribunal “a quo” devia proporcionar às partes a discussão dessa decisão a tomar, bem como a possibilidade de carrear para os autos os elementos necessários para a sua efectivação ou não, sendo que, no caso concreto, não foi conferido às partes oportunidade para se pronunciarem sobre a excepção de nulidade/abuso de direito da cláusula penal contida no contrato de arrendamento (cláusula segunda, número 7), nem muito menos para se pronunciar quanto à questão da revogação real, sendo que tais excepções não foram alegadas pelos Réus, não constituíram matéria peticionada, pelos mesmos, em sede de reconvenção e, finalmente, não foram elencadas no objecto do litígio e nos temas da prova. 6 - E se não existe qualquer despacho no sentido de as partes se poderem pronunciar e apresentar provas sobre todos os factos, excepções ou questões de direito, não contendo este qualquer fundamentação de facto e de direito, os sujeitos processuais não poderão antever qual o quadro factual e jurídico em que assentaria a decisão do Tribunal, tendo enveredado por uma solução não trazida pelas partes nem por elas discutida ou que lhes fosse perspectivável vir a constituir a solução judicial, sem conceder previamente à Autora a oportunidade e o direito de sobre tal se pronunciar. 7 - A decisão de mérito proferida, nos termos em que o foi, traduz-se numa decisão-surpresa, proibida nos termos do nº 3 do artigo 3º e violando a alínea b), do nº 1, do artigo 591º, ambos do C.P.C., porquanto, alicerçando-se a ação na outorga de um contrato de arrendamento celebrado entre as partes e no alegado incumprimento da obrigação do pagamento das rendas pelo arrendatário, cuja validade do contrato não foi questionada por nenhuma das partes (os Réus tão só contrapõem que esse contrato cessou, entretanto, por revogação contratual das partes e na falta de verificação dos poderes na emissão da declaração efectuada em 10 de Outubro de 2022), o Mmº Juiz “a quo”, ao proceder à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito aplicáveis ao caso e ao concluir pela sua subsunção à figura jurídica da nulidade do negócio/abuso de direito celebrado e da revogação real, deveria ter previamente convidado ambas as partes a tomarem posição sobre essas concretas questões de direito material. 8 - Porque não foi proferido despacho a permitir a discussão de facto e de direito da causa, o Tribunal “a quo” cometeu uma nulidade, ao abrigo do artigo 195º, nº 1, do C.P.C., a qual afecta a sentença, nos termos e para os efeitos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do C.P.C.. 9 - O artigo 1110º do Código Civil não sanciona com a nulidade (absoluta ou relativa), nem com abuso de direito, os contratos de arrendamento que sejam concluídos com aposição de cláusula penal em matéria de extinção do mesmo, o que, aliás, é reconhecido na sentença. 10 - Portanto, não tendo a nulidade sido invocada por qualquer das partes, nunca a nulidade supostamente existente seria susceptível de declaração oficiosa do Tribunal, como defendeu a sentença recorrida: tal é o que resulta da combinação dos artigos 285º, 1ª parte, 286º e 294º, todos do Código Civil. 11 - O mesmo se diga relativamente ao abuso de direito, embora quanto a este instituto não pode o Tribunal invocar, como razão de decidir, um título diferente do alegado pelas partes, da mesma maneira que ao autor não é lícito, na falta de acordo, alterar a causa de pedir, nem poderia o Tribunal decidir com base na mesma nulidade, não sendo esta que o torna abusivo mas sim o exercício legítimo de um direito. O limite sempre seria o invocado pelas partes e tenha constituído matéria controvertida. 12 - Ao julgar pela nulidade/abuso de direito e pela revogação real, o Tribunal “a quo” excedeu os limites do julgamento, dado enveredar por matérias que não são do seu conhecimento oficioso, não foram alegadas pelas partes e nem sequer constituíram objecto do litígio e dos temas da prova. 13 - O Tribunal está vinculado ao dever de expor os fundamentos da sua convicção sobre o julgamento de cada facto como provado ou não provado, para que, por aplicação das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção, ou seja, o Tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas, claro, aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. 14 - Ao Tribunal “a quo” era pedido que, entre outras questões colocadas, apreciasse e julgasse os factos invocados nos artigos 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 20º, 22º, 24º, 25º, 26º, 27º, 34º, 35º, 42º, 52º, 53º, 54º, 55º, 57º, 71º e 72º, todos do articulado de petição inicial, o que não se verificou. 15 - Neste caso (omissão de pronúncia quanto à causa de pedir) estamos perante uma total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão, inexistindo qualquer fundamentação da decisão sob recurso quanto a estes concretos pontos de tal modo que ocorre uma manifesta impossibilidade de revelação das razões que levaram à improcedência da demanda, sendo tais questões relevantes e determinantes para a finalização da causa. 16 - O nº 4 do artigo 607º, do C.P.C., estatui que “na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas”. 17 - Assim, da sentença recorrida não consta qualquer decisão quanto aos factos invocados nos artigos 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 20º, 22º, 24º, 25º, 26º, 27º, 34º, 35º, 42º, 52º, 53º, 54º, 55º, 57º, 71º e 72º, todos do articulado de petição inicial, incluso tendo-os por irrelevantes. Por outro lado, nenhum destes factos se encontra plasmado, directa ou indirectamente, na matéria provada e não provada, pese embora estarem integrados quer no objecto do litígio quer nos temas da prova, impondo-se, assim, uma resposta quanto a todos esses factos. 18 - Daí que, o Tribunal “a quo” não cumpriu com o disposto nos artigos 5º, 412º, 607º, 608º e 615º, nº 1, alínea d), do C.P.C., o que gera a nulidade da sentença recorrida que ora se invoca com as legais consequências. 19 - O artigo 16. dos factos provados constitui matéria introduzida pelo Tribunal “a quo”, que não foi alegada pelas partes, não tendo sido discutida previamente em sede instrutório e de audiência final, comportando a existência de um facto novo relevante para o desfecho da acção, principalmente em matéria da excepção de revogação real do contrato. 20 - Os factos essenciais que constituem a causa de pedir e em que se baseiam as excepções, continuam a ter que ser alegados pelas partes nos seus articulados, nos termos do nº 1 do referido artigo 5º do C.P.C.. Apenas os factos instrumentais e complementares que resultem da discussão da causa podem ser adquiridos pelo Juiz para os autos, desde que, relativamente a estes, tenha sido observado o contraditório, nos termos do nº 2 do mesmo artigo. 21 - Na situação em presença, não estando em causa o aditamento de factos instrumentais dos quais o Tribunal é livre de se socorrer e não tendo sido os mesmos invocados pelos Réus, nem tão pouco expressamente introduzidos pelo Tribunal ou pelas partes durante a instrução da causa, com vista ao exercício do contraditório, não podia o Tribunal “ a quo” proceder ao seu aditamento à matéria de facto provada. 22 - Donde, a inclusão na matéria de facto provada no artigo 16., pelo Tribunal recorrido, de outras ocorrências não alegadas pelas partes, extravasa os poderes do Tribunal, indo o mesmo além do que era a pretensão dos Réus, gerando uma nulidade processual por omissão de acto que influi na decisão da causa (artigo 195º do C.P.C.), devendo nomeadamente ser excluído dos factos provados o artigo 16. aí indicado e supra reproduzido. 23 - A sentença recorrida padece de um efectivo erro na apreciação das provas, bem como do seu valor probatório, erro esse que é de tal forma inequívoco que, sem necessidade de aprofundados desenvolvimentos, decorre logo da recusa em o Tribunal “a quo” dar o devido entendimento e julgamento à prova documental, assim como de a conjugar com a demais declarações de parte dos Réus e com a prova testemunhal produzida nos autos, a qual ignorou completamente quanto a determinados pontos da matéria de facto. 24 - O erro de julgamento quanto aos factos - provados e não provados - julgados na decisão sob recurso, sendo manifesto, decorre do seguinte: a) omissão da consideração e aproveitamento da extensa prova documental produzida nos autos, ocorrendo erras interpretação do conteúdo que da mesma decorre; b) omissão e desconsideração das declarações de parte dos Réus e de determinados depoimentos de testemunhas; e c) indicação errónea do sentido das declarações prestadas pelos Réus e por determinadas testemunhas, dissonante com o que foi declarado em julgamento. 25 - Relativamente à alínea a) dos factos não provados, que correspondo ao artigo 18º da p.i., analisado o artigo 15º da contestação verificamos que os Réus não colocam em causa a existência da declaração (documento nº 7 junto com a p.i.) e não alegaram a sua falsidade (interna e externa), incluindo quanto às assinaturas, nem o seu desconhecimento nem, também, a falta de autenticidade, invocando outras situações que equivale à não impugnação - ou ao reconhecimento tácito (admissão) da autoria da subscrição, por aplicação do regime consagrado no nº 1 do citado 374º do Código Civil, passando as mesmas a ser tidas como verdadeiras. Ainda quanto a esta mesma declaração os Réus não mencionam qualquer incumprimento das regras societárias, nem também o conhecimento da Autora quanto a essas regras. 26 - Os Réus em momento algum alegaram a falta de poderes da subscritora da declaração vertida no documento nº 7 junto com a p.i., nem isso foi levado a julgamento. 27 - Não se encontram reunidos os pressupostos que permitiriam concluir pela existência de uma situação de falta de poderes ou abuso de representação dos poderes conferidos pela 1ª Ré, até porque também não foram invocados. 28 - Ademais, ao actuar dessa forma, a 1ª Ré criou na Autora a confiança legítima de que assumia as obrigações estabelecidas nessa declaração e, como tal, não poderia agora a sociedade 1ª Ré vir invocar a ineficácia daquele negócio para se eximir ao cumprimento que ela própria havia assumido e já havia concretizado em parte (entrega das chaves do imóvel). 29 - Tal configuraria nitidamente uma situação de abuso de direito por “venire contra factum proprium”, uma vez que a 1ª Ré (detida e gerida pelos demais Réus) aceitou e ratificou aquele negócio, cumprindo, até determinado momento, as obrigações dele decorrentes e criando na Autora a convicção e a expectativa de que o mesmo era considerado válido e eficaz e que, como tal, iria ser cumprido. 30 - Ouvindo o depoimento da 2ª Ré AA (ficheiro áudio gravado no sistema Habilus Media Studio, minutos 00:30:52.2 a 00:35:17.0), da 4ª Ré CC (ficheiro áudio gravado no sistema Habilus Media Studio, minutos 00:02:19.1 a 00:08:24.7), e da testemunha EE (ficheiro áudio gravado no sistema Habilus Media Studio, minutos 00:11:46.9 a 00:17:19.4), os quais prestaram o seu depoimento na sessão de julgamento ocorrida no dia 23 de Janeiro de 2025, supra devidamente transcritos nestas alegações, e que face ao seu tamanho nos dispensamos de voltar nestas conclusões a efectuar a sua repetição, considerando os mesmos aqui como reproduzidos, verificamos que resulta demonstrado como provado a alínea a) dos factos não provados. 31 - Em face da prova documental e dos depoimentos prestados, supra reproduzidos, quer conjugada quer isoladamente, quanto à alínea a) dos factos não provados, resulta a demonstração inequívoca da seguinte matéria factual: - que a Dra. DD representava os Réus, que se manteve para efeitos de encerramento da sociedade 1ª Ré, assumindo a sua vinculação; - a sócia-gerente AA tinha conhecimento do documento, não tendo nunca mencionado que não foram conferidos poderes para o efeito; - a declaração foi entregue e assinada pela Dra. DD; - do conteúdo da declaração decorre que se pretendeu celebrar tal declaração, nos termos em que foi efectuada, ou seja, comunicando-se a denúncia e assumindo-se o pagamento dos valores devidos; - a declaração constitui um documento completo e detalhado; - não ficou comprovada qualquer falta de poderes ou abuso de representação, nem que a invocada falta de verificação dos poderes existisse, apesar de invocada pelos Réus; - sendo a Dra. DD representante da 1ª Ré para entrega das chaves do locado também terá que se considerar para efeitos de emissão da declaração em causa. 32 - Posto que, tudo conjugado, a alínea a) dos factos não provados deve ser modificada, ficando esse facto a constar como provado, ao abrigo do artigo 640º, nºs 1 e 2, do C.P.C., em face da argumentação já expedida. Pelo que deve ficar assente o seguinte facto: - “Nessa mesma data, a representante dos Réus emite, assina e entrega à Autora a seguinte declaração: “Caidrois - Artesanato na Gestão de Imagem, Lda. Sociedade comercial por quotas, com sede na Rua 3, freguesia de Cascas matriculada na Conservatória Registo Comercial de Cascais sob o N ..., de que é gerente AA, maior natural do México, NIPC ... com título de residência válido nº ... válido até 19/08/2023, e que constituiu sua bastante procuradora para este acto a Dra. DD, com a cédula profissional ... válida até 02-2027 com o NIC ... e NIF ..., e de que se anexa respectiva procuração, vem na qualidade de sublocatária, denunciar a partir da presente data: 10 de Outubro de 2022, o contrato de arrendamento, com o valor mensal de 650 € (Seiscentos e Cinquenta Euros), que celebrou em 31 de Janeiro de 2022, com a empresa locatária Enterprisory, Lda soc. Unipessoal por quotas com sede na Rua 4, matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Seixal sob o NIPC ..., representada pelo gerente FF, solteiro, N.I.F. ..., sobre a fracção autonoma “D”, comércio, Rua 1 freguesia de Corroios concelho do Seixal. Declara ainda que (por o nome de todos os intervenientes) tem conhecimento de que existem dívidas de rendas em atraso no valor de 4 rendas: Julho, Agosto, Setembro e Outubro, no total de 2.600€, a que acresce o valor de 520€ de penalização de 20%. E mais declara ainda que tem pleno conhecimento das penalizações incluídas na Clausula Segunda do supra mencionado contrato. Corroios, 10 de Outubro de 2022”. 33 - Os Réus não impugnam a alegação do facto constante da alínea b) dos factos não provados, nem o declaram como falso ou invocam o seu desconhecimento, não resultando da restante matéria alegada nesses articulados qualquer outro facto que fosse contraditório ou incompatível com o alegado no artigo 19º da p.i., devendo o mesmo ser admitido. 34 - O documento nº 7 junto com a p.i. comprova a alínea b) dos factos não provados, do mesmo resultando que a Autora não prescindiu de qualquer quantia a que tem direito por força do contrato celebrado. 35 - Ouvindo o depoimento da 2ª Ré AA (ficheiro áudio gravado no sistema Habilus Media Studio, minutos 00:13:02.5 a 00:21:15.9), e da 4ª Ré CC (cfr. páginas 11 e 12 da sentença recorrida), as quais prestaram o seu depoimento na sessão de julgamento ocorrida no dia 23 de Janeiro de 2025, supra devidamente transcritos nestas alegações, e que face ao seu tamanho nos dispensamos de voltar nestas conclusões a efectuar a sua repetição, considerando os mesmos aqui como reproduzidos, verificamos que resulta demonstrado como provado a alínea b) dos factos não provados. 36 - Posto que, tudo conjugado, a alínea b) dos factos não provados deve ser modificada, ficando esse facto a constar como provado, ao abrigo do artigo 640º, nºs 1 e 2, do C.P.C., em face da argumentação já expedida. Pelo que deve ficar assente o seguinte facto: - “Tendo a Autora transmitido à 1ª Ré que a entrega das chaves do locado não obstava a que a mesma não tivesse de cumprir com as obrigações contratuais previstas, nomeadamente quanto ao pagamento das rendas, prazo de denúncia, período mínimo de duração inicial do contrato, indemnização legal pelo atraso no pagamento das rendas e das demais obrigações legais e contratuais previstas.” 37 - Ouvindo o depoimento da 2ª Ré AA (ficheiro áudio gravado no sistema Habilus Media Studio, minutos 00:26:25.0 a 00:27:48.1), e da testemunha EE (cfr. página 12 da sentença recorrida), os quais prestaram o seu depoimento na sessão de julgamento ocorrida no dia 23 de Janeiro de 2025, supra devidamente transcritos nestas alegações, e que face ao seu tamanho nos dispensamos de voltar nestas conclusões a efectuar a sua repetição, considerando os mesmos aqui como reproduzidos, verificamos que resulta demonstrado como provado a alínea d) dos factos não provados e impondo-se a alteração do artigo 15. dos factos provados. 38 - Em face da prova documental e dos depoimentos prestados, supra reproduzidos, quer conjugada quer isoladamente, quanto à alínea d) dos factos não provados, resulta a demonstração inequívoca da seguinte matéria factual: - as chaves foram entregues, um dia antes da reunião de 10 de Outubro de 2022, mas não à Autora, pois quem ficou na posse das chaves foi o agente imobiliário e testemunha EE; - não se pode considerar que, sem mais qualquer informação, o agente imobiliário tenha entregue as chaves à Autora, ou que a Autora as tenha solicitado, para mais na mesma data; - as duas sócias gerentes AA e CC tinham na sua posse, por cada pessoa, uma via das chaves, sendo que a 4ª Ré CC declarou que as mesmas ficaram no interior do locado; - no dia 10 de Outubro de 2022 é denunciado o contrato, pelo que nenhum sentido comportará a entrega prévia das chaves. 39 - Posto que, tudo conjugado, a alínea d) dos factos não provados deve ser modificada, ficando esse facto a constar como provado, e o artigo 15. dos factos provados deve ser alterado, ao abrigo do artigo 640º, nºs 1 e 2, do C.P.C., em face da argumentação já expedida. Pelo que devem ficar assentes os seguintes factos: - “Uma via das chaves do imóvel arrendado e em discussão nos autos foi entregue, por representante da 1.ª Ré ao agente imobiliário da mediadora “Idea Métrica - Mediação e Consultoria Imobiliária, Lda.”, em data não concretamente apurada, entre o fim do mês de setembro e o início de outubro, mas antes do dia 10 de outubro de 2022, por livre iniciativa daqueles. ”; - “Permanecendo a 1ª Ré a ocupar e utilizar plenamente o imóvel sublocado, pelo menos até ao dia 10 de Outubro de 2022”. 40 - Os Réus não impugnam a alegação do facto constante da alínea f) dos factos não provados, nem o declaram como falso ou invocam o seu desconhecimento, não resultando da restante matéria alegada nesses articulados qualquer outro facto que fosse contraditório ou incompatível com o alegado no artigo 47º da p.i., devendo o mesmo ser admitido. 41 - Do depoimento de parte da 4ª Ré, resultou a seguinte assentada: “A ré confirmou que foram informados que deveriam manter o contrato até ao dia 1 de Fevereiro.” (de 2025). Este facto veio a ser confirmado pelas declarações da 2ª Ré e da testemunha EE, que confirmaram não só o conhecimento mas a discussão da cláusula em questão. 42 - Da prova documental produzida nos autos, designadamente dos documentos nºs 4, 5 e 6, juntos com a p.i., resulta igualmente a demonstração do facto constante da alínea f) dos factos não provados. 43 - Ouvindo o depoimento da 2ª Ré AA (ficheiro áudio gravado no sistema Habilus Media Studio, minutos 00:05:08.1 a 00:07:19.6), da 4ª Ré CC (ficheiro áudio gravado no sistema Habilus Media Studio, minutos 00:09:21.2 a 00:10:16.9), e da testemunha EE (ficheiro áudio gravado no sistema Habilus Media Studio, minutos 00:03:23.6 a 00:04:44.1), os quais prestaram o seu depoimento na sessão de julgamento ocorrida no dia 23 de Janeiro de 2025, supra devidamente transcritos nestas alegações, e que face ao seu tamanho nos dispensamos de voltar nestas conclusões a efectuar a sua repetição, considerando os mesmos aqui como reproduzidos, verificamos que resulta demonstrado como provado a alínea f) dos factos não provados. 44 - Posto que, tudo conjugado, a alínea f) dos factos não provados deve ser modificada, ficando esse facto a constar como provado, ao abrigo do artigo 640º, nºs 1 e 2, do C.P.C., em face da argumentação já expedida. Pelo que deve ficar assente o seguinte facto: - “Os Réus foram, todos eles, informados dessa vontade da Autora, tendo aceite cumprir e garantir, respectivamente, a sublocação até 1 de Fevereiro de 2025.” 45 - Os Réus não impugnam a alegação dos factos constantes nos artigos 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 20º, 22º, 24º, 25º, 26º, 27º, 34º, 35º, 42º, 52º, 53º, 54º, 55º, 57º, 71º e 72º da petição inicial, nem os declaram como falsos ou invocaram o seu desconhecimento, não resultando da restante matéria alegada nos articulados qualquer outro facto que fosse contraditório ou incompatível com o aí alegado, devendo os mesmos ser admitidos. 46 - Acresce que, os documentos nºs 8, 9, 10 e 12, juntos com a pi., os quais não foram impugnados, conjuntamente com as declarações da 2ª e 4ª Ré e da testemunha EE, supra reproduzidas e que aqui se consideram como integralmente reproduzidas, resulta a verificação dos factos em discussão. 47 - Posto que, tudo conjugado, devem ser julgados como provados os artigos 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 20º, 22º, 24º, 25º, 26º, 27º, 34º, 35º, 42º, 52º, 53º, 54º, 55º, 57º, 71º e 72º, todos do articulado de petição inicial, ao abrigo do artigo 640º, nºs 1 e 2, do C.P.C., em face da argumentação já expedida. Pelo que devem ficar assentes os seguintes factos: - “a qual esta tomou posse em 1 de Fevereiro de 2022, mediante a entrega das chaves do estabelecimento comercial”; - “Pelo prazo de três anos, com início em 1 de Fevereiro de 2022, prorrogável por períodos sucessivos de um ano.”; - “Mediante o pagamento de uma renda mensal que à data era mais precisamente de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros).”; - “A ser entregue no primeiro dia útil do mês àquele a que dissesse respeito, na sede da Autora ou mediante transferência bancária para a sua conta domiciliada na agência do Seixal do Banco BPI.”; - “O imóvel é constituído por um estabelecimento comercial.”; - “Sucede que, a 1ª Ré, deliberada e conscientemente, não pagou todas as rendas acordadas e vencidas, desde 1 de Julho de 2022 (inclusive) até à data da cessação, por denúncia, do contrato de arrendamento em questão.”; - “Assim, a 1ª Ré não pagou atempadamente as rendas vencidas e a liquidar nos meses de Abril, Maio e Junho de 2022.”; - “Não tendo a 1ª Ré procedido ao pagamento das rendas vencidas e a liquidar nos meses de Julho a Outubro de 2022.”; - “Deste modo, a 1ª Ré deve à Autora as seguintes rendas: (i) renda do mês de Julho de 2022, sendo devido o valor vencido de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros); (ii) renda do mês de Agosto de 2022, sendo devido o valor vencido de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros); (iii) renda do mês de Setembro de 2022, sendo devido o valor vencido de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros); e (iv) renda do mês de Outubro de 2022, sendo devido o valor vencido de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros).”; - Pelo que, o total do valor das rendas não liquidadas pela 1ª Ré perfaz a quantia de € 2.600,00 (dois mil e seiscentos euros)”; - “Tampouco a 1ª Ré procedeu ao pagamento de cada uma das rendas indicadas nos oito dias seguintes a contar do início da mora, e nem sequer posteriormente.”; - “A 1ª Ré não recebeu a carta acima referida, pese embora a mesma ter-lhe sido enviada para o domicílio convencionado contratualmente.”; - “A 2ª, 3º e 4ª Ré receberam as cartas supra aludidas, nos dias 17 de Fevereiro de 2022, 16 de Fevereiro de 2022 e 22 de Fevereiro de 2022, respectivamente.”; - “Data em que denunciou, com efeitos imediatos, o contrato de sublocação celebrado entre as partes.”; - “Ora, operando-se a cessação do contrato de sublocação nos termos anteditos determinará, como efeito imediato, que a Autora possa exigir a totalidade do valor das rendas vincendas correspondentes ao período em falta de 2 (anos), isto é, entre 1 de Novembro de 2022 e 31 de Outubro de 2024.”; - “O que perfaz que a 1ª Ré seja imediatamente devedora da Autora do valor global de € 15.600,00 (quinze mil e seiscentos euros), pelo período de duração do contrato em falta e que não foi cumprido, decorrente do valor mensal de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros) multiplicado por 24 (vinte e quatro) rendas vincendas.”; - “A que acrescem as rendas vencidas pela ocupação do locado, mas não liquidadas, no já referido montante global de € 2.600,00 (dois mil e seiscentos euros).”; - “Bem como vinte por cento do montante das rendas vencidas, no valor de € 910,00 (novecentos e dez euros), por não ter sido cessada atempadamente a mora, nos meses de Abril de 2022 a Junho de 2022, e por falta de pagamento nos meses de Julho de 2022 a Outubro de 2022.”; - “O que não foi respeitado dado que a denúncia foi comunicada, pela 1ª Ré à Autora, no mesmo dia em que foram entregues a chaves do locado, isto é, em 10 de Outubro de 2022.”; - “O que significa que a 1ª Ré ocupou o imóvel, ilegítima e ilicitamente, nos meses de Maio de 2022 a Outubro de 2022.”. - “Ora, tendo a 1ª Ré ocupado o imóvel durante este período e sem que o contrato se mantivesse em vigor, cabe apelar ao previsto no número quatro da cláusula oitava, que prevê o seguinte: “Cessando este contrato de sublocação, por qualquer causa legal ou contratual, o SEGUNDO OUTORGANTE entregará o locado livre de pessoas e bens à PRIMEIRA OUTORGANTE, ficando obrigado a pagar, a título de indemnização à PRIMEIRA OUTORGANTE, por cada mês ou fracção que decorrer até à restituição, o dobro da renda estipulada, bem como as despesas judiciais e extrajudiciais decorrentes desse incumprimento, sem prejuízo do cumprimento das obrigações decorrentes do presente contrato e da obrigação de ressarcir danos emergentes, lucros cessantes ou prejuízos de qualquer outra natureza a que o seu procedimento der causa.” 48 - Ainda que o artigo 16. dos factos provados possa ter resultado da instrução da causa, a decisão do Juiz “a quo” de considerar esse facto, viola claramente os princípios do dispositivo e do contraditório consagrado no artigo 5º, nºs 1 e 2, do C.P.C., permitindo que a sua decisão se apresente como uma decisão surpresa, preocupação que o legislador teve em vista evitar. Nestes termos, impõe-se a eliminação do artigo 16. dos factos provados, o que se requer. 49 - As normas sobre a resolução, a caducidade e a denúncia são, por expressa declaração da lei, ressalvada disposição legal contrária, injuntivas (artigo 1080º do Código Civil, na sua redacção actual). E uma disposição legal contrária é, precisamente, a que regula a duração, denúncia e a oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais: as regras destas formas de cessação deste subtipo de contratos de arrendamento, são livremente estabelecidas pelas partes; na falta de estipulação, é aplicável àqueles arrendamentos, o disposto quanto ao arrendamento para habitação. As partes é lícito, por convenção, regular o conteúdo e modo concreto de exercício de qualquer das apontadas causas de extinção do contrato (artigo 405º do Código Civil), pelo que as partes podem estabelecer o clausulado que entenderem nessas matérias. 50 - O objectivo principal da cláusula penal radica na necessidade de prever condições para que o cumprimento dos contratos se paute no sentido do seu integral cumprimento, para que cada contraente honre os seus compromissos, fundamentando-se no princípio da liberdade contratual (cfr. artigo 405º, nº 1, do Código Civil) e visando atingir duas finalidades: função indemnizatória e função coercitiva. 51 - Nestes casos não há que averiguar se o credor sofreu ou não prejuízos e muito menos qual o seu montante, em caso afirmativo. Por força da cláusula penal estabelecida, a Autora fica dispensada de demonstrar quer a efectiva verificação de danos ou prejuízos, em consequência da mora na restituição, quer os respectivos montantes. 52 - Neste quadro negocial, com a cláusula segunda, número 7, do contrato de arrendamento, visaram as partes assegurar o cumprimento dos prazos acordados, conferindo maior segurança ao acordado. E fizeram-no através de uma cláusula que responsabilizasse as partes pelo cumprimento dos prazos acordados, independentemente de culpa. Ligando o pagamento da indemnização ao não cumprimento dos prazos acordados, sem cuidarem de ressalvar as razões por que esse cumprimento poderia não ocorrer, as partes estipularam simultaneamente uma cláusula de garantia, que prescinde da culpa e uma cláusula penal, que fixa antecipadamente a indemnização devida. 53 - A curta duração estipulada no caso concreto pode justificar que as partes acordem em cumprir mutuamente esse contrato, renunciando a arrendatária ao direito de denúncia antecipada do contrato, ou que seja penalizada caso não cumpra com o período mínimo ajustado. A denúncia questionada no caso sub judice era uma denúncia atípica que respeitava a um contrato de arrendamento com prazo certo, pelo que o seu arredamento não determinava a perpetuidade do arrendamento. A aludida cláusula era, pois, admissível. 54 - Analisando os factos provados, não resulta qualquer indício concreto que permita concluir nem pela invalidade, nem pelo carácter abusivo da cláusula, seja do ponto de vista das negociações tendentes à celebração do contrato seja do ponto de vista da sua execução. 55 - In casu, não se descortina que o valor acordado para a cláusula penal - € 15.600,00 (quinze mil e seiscentos euros), correspondente a 24 (vinte e quatro) rendas vincendas -, redunde, no âmbito do programa contratual acordado e aceite por todas as partes, no exercício abusivo de um direito, por parte da Autora, quando, para mais, ela assumiu a entrega do locado à 1ª Ré nos termos em que o fez (em bom estado de uso e conservação - cfr. artigos 11. e 14. dos factos provados) e a fiscalização prévia por parte dos Réus que o confirmaram (cfr. artigos 12., 13. e 14. dos factos provados), sendo essa condição essencial para a Autora e sem a qual não teria celebrado o contrato (cfr. artigos 22. e 23. dos factos provados), o que os Réus bem conheciam (tal qual resulta do próprio teor da cláusula em discussão), tendo criado a expectativa de manutenção do arrendamento durante esse período, por parte da 1ª Ré, o que não se veio a concretizar a partir de até ao dia 10 de Outubro de 2022, por único e exclusivo incumprimento desta. 56 - E note-se que a Autora teve danos materiais (cfr. artigo 564º, nº 1, do Código Civil), pois fez um investimento considerável, tendo em vista dotar a 1ª Ré dos meios necessários para que o imóvel se apresentasse “em bom estado e pronto a ser utilizado”, com todos os “requisitos necessários” para o desenvolvimento imediato do negócio da 1ª Ré. 57 - Os Réus encontram-se vinculados ao acordo que subscreveram, por força do princípio da confiança. O entendimento contrário viola a boa fé e a confiança contratual, constituindo comportamento abusivo. 58 - Pelo contrário, na perspectiva dos interesses típicos das partes em contratos da espécie em causa, aquela pena, incluída no contrato ao abrigo da autonomia contratual, não conduz a um desequilíbrio significativo da posição das partes. 59 - Nesta conformidade, deve decretar-se que a norma contratual consubstanciada no nº 7 da cláusula segunda do contrato firmado entre as partes e que está transcrita no decreto judicial criticado, não é nula, sendo, pelo contrário, válida, eficaz e vinculativa para as partes. 60 - A revogação tácita do contrato, revogação imediatamente executada, significa que ele deixou de estar em vigor e, por isso ficaram a partir daí as partes contratantes desvinculadas das obrigações que para cada uma decorria do contrato, pagamento da renda pela arrendatária como contrapartida da cedência do locado, por parte do senhorio, dispensando-se qualquer formalidade, nomeadamente a redução a escrito, desde que não existissem outras cláusulas compensatórias ou acessórias. O ónus da prova incumbe a parte que o alegue, que terá de resultar de factos concludentes. 61 - Não vemos que possa deduzir-se dos factos apurados no processo que a Autora tenha dado o seu acordo (ainda que tácito) à cessação do arrendamento com a 1ª Ré. Trata-se de ilação seguramente excessiva quando se pretenda retirá-la do simples facto de ter sido entregues uma das duas chaves existentes, pela representante da 1ª Ré ao agente mediador imobiliário. 62 - O que a matéria de facto, pelo contrário, autoriza a concluir com foros de grande verosimilhança é que a entrega das chaves do arrendado feita pelo representante da 1ª Ré ao agente mediador imobiliário teve lugar em momento em que foi emitida declaração de reconhecimento de existência de valores em dívida, com cláusulas compensatórias inseridas no contrato e com a decorrência de negociações tendentes a esse pagamento. Inexiste, pois, qualquer facto concludente tendente à revogação real do contrato, sendo que a conclusão é no sentido de que o contrato em análise não se extinguiu por revogação real. 63 - À Autora assiste o direito de receber as rendas mensais em dívida, acrescida da respectiva indemnização legal de vinte por cento do que for devido. 64 - Constituiu-se a 1ª Ré na obrigação de proceder ao pagamento das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta e de duração mínima e obrigatória de 3 (três) anos de contrato, tal qual peticionado pela Autora nos presentes autos. 65 - A ocupação abusiva confere direito de indemnização a favor da Autora, nos exactos termos constantes do artigo 1045º do Código Civil, correspondente ao valor da renda mensal estipulada, a título de ocupação indevida do referido estabelecimento comercial, acrescida da respectiva indemnização legal igual a 100% do valor devido (artigo 1045º, nº 2, do Código Civil), conforme aliás ficou previsto contratualmente. 66 - A declaração de denúncia do contrato em causa, que foi expressa (artigo 217º, nº 1, do Código Civil), tornou-se eficaz em 10 de Outubro de 2022, deixando o dito contrato de ter qualquer efeito após essa data, sem que tal declaração de denúncia dependesse da aceitação da Autora. 67 - No que concerne à 2ª, 3º e 4ª Ré os mesmos assumiram inteira a responsabilidade por todas as cláusulas constantes do contrato de sublocação em análise. Entre as quais garantindo o pagamento das rendas vencidas e não liquidadas até à presente data, prazo de denúncia, período mínimo de duração inicial do contrato, indemnização legal pelo atraso no pagamento das rendas e das demais obrigações legais e contratuais previstas, a que acrescem os respectivos juros de mora, tudo na qualidade de fiadores. 68 - Assim, a Autora, à data da interposição da presente, pretende ser ressarcida, na totalidade, do valor em que os Réus se encontram em dívida, ou seja € 22.694,71 (vinte e dois mil seiscentos e noventa e quatro euros e setenta e um cêntimos), ou, subsidiariamente, da quantia de € 7.094,71 (sete mil e noventa e quatro euros e setenta e um cêntimos), em qualquer caso acrescido de juros moratórios. 69 - Ao não julgar assim, quanto a todos pontos invocados no presente recurso (alegações e conclusões), o Tribunal “a quo” violou, por erro de interpretação e aplicação, quanto à não procedência da acção judicial, o disposto nos artigos 3º, nºs 3 e 4, 5º, nºs 1, 2 e 3, 195º, nº 1, 410º, 413º, 414º, 489º, nº 1, 552º, nº 1, alínea d), 573º, nº 1, 574º, nºs 1, 2 e 3, 604º, nº 3, 607º, nºs 3, 4, 5 e 6, 608º, nº 2, e 615º, nº 1, alínea d), todos do C.P.C., artigos 217º, nº 1, 236º, nºs 1 e 2, 268º, nº 1, 269º, 285º, 1ª parte, 286º, 294º, 334º, 341º, 342º, 343º, 344º, 346°, 2ª parte, 352º, 374º, nº 1, 376º, nº 1, parte final, 405º, 564º, nº 1, 811º, 1079, 1082º, nº 1,1080º, 1110º, 1157º e 1178º, todos do Código Civil, artigo 20º da C.R.P., e artigos 67º, nº 1, alínea b), e 90º, nº 2, alínea c), do Estatuto da Ordem dos Advogados. Termina pedindo a revogação da decisão recorrida. Não foram apresentadas contra-alegações. * II – OBJECTO DO RECURSO Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil12 é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Perante as conclusões da alegação da autora/apelante há que apreciar as seguintes questões: a. A nulidade da sentença; b. A impugnação da decisão sobre a matéria de facto; c. A cessação do contrato de arrendamento por denúncia da sociedade inquilina; d. A cessação do contrato de arrendamento por revogação, com base na Cláusula Segunda, n.º 4 do contrato de arrendamento; e. A cessação do contrato de arrendamento por revogação real; f. Os valores devidos à autora. Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir. * III - FUNDAMENTAÇÃO 3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO A sentença sob recurso considerou como provados os seguintes factos: 1. A Autora dedica-se à actividade comercial de prestação de serviços, serviços de consultoria estratégica, serviços de informática, estudos de mercado, aconselhamento estratégico, comércio de importação e exportação, consultoria de imagem. 2. Por acordo escrito denominado “Contrato de Locação Financeira Imobiliária”, com o número 20007804, celebrado em 02.10.2018, a ora autora, na qualidade de locatária recebeu a fracção autónoma - designada pela letra “D” - sita no rés-do-chão, Rua 1, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito em Rua 2, freguesia de Corroios, concelho de Seixal, descrita na Conservatória do Registo Predial de Amora sob o nº ..., da freguesia de Corroios, inscrita na respectiva matriz sob o artigo ..., afecta a comércio, tendo a área bruta privativa de 93,7000 m2, com o valor patrimonial actual de € 81.746,37. 3. No princípio do ano de 2022 a Autora decidiu sublocar a fracção autónoma mencionada em 2., entre outras com as seguintes condições: (i) renda de € 700,00 (setecentos euros); (ii) antecipação de três mensalidades, sendo uma a título de renda e duas a título de caução; (iii) garantia de todas as responsabilidades por fiadores; (iv) período inicial mínimo de prazo de contrato de três anos. 4. Para esse efeito, contratou com a mediadora “Idea Métrica - Mediação e Consultoria Imobiliária, Lda.”, a obtenção de cliente interessado em sublocar a fracção autónoma mencionada em 2. 5. Empresa esta que publicitou o anúncio da sublocação do imóvel e das condições exigidas para o efeito. 6. Tendo os Réus contactado com a “Ideia Métrica”, manifestando interesse na sublocação. 7. Assim sendo, por documento escrito designado “contrato de sublocação imóvel urbano para fins não habitacionais com prazo certo e fiança”, celebrado em 31 de Janeiro de 2022, a Autora deu em sublocação à 1ª Ré, para fins não habitacionais, que declarou aceitá-lo, o bem imóvel referente à fracção autónoma mencionada em 2. 8. A cláusula Segunda do acordo mencionado em 7. possui a seguinte redacção: “1 - A sublocação será de duração limitada e celebrada pelo prazo certo de 3 (três) anos, contando-se o seu início a partir do dia 1 fevereiro 2022, renovando-se automaticamente por períodos sucessivos de 1 (um) ano, caso não se verifique oposição a renovação por parte de qualquer uma das partes. 2 - Qualquer uma das partes poderá opor-se a renovação do presente contrato de sublocação para o fim do respectivo prazo ou de qualquer uma das suas eventuais renovações, mediante comunicação escrita a enviar a contraparte, por carta registada com aviso de recepção, com antecedência mínima de 120 (cento e vinte) dias sobre o termo do prazo referido número antecedente ou do prazo de renovação em curso, consoante se trate, respetivamente, de oposição a renovação pela primeira ou pelo segundo outorgante. 3 - A revogação do presente contrato poderá ser feita a todo tempo mediante acordo escrito das partes. 4 - De harmonia com o disposto no artigo 1082º do Código Civil, a primeira e o segundo outorgante acordam na revogação do contrato de sublocação no 30º (trigésimo) dia subsequente à falta de pagamento pontual da renda mensal, devendo nessa data o segundo outorgante devolver a chaves e o locado arrendado livre e devoluto de pessoas e bens nas mesmas condições em que lhe foi entregue com a assinatura do contrato de sublocação. 5 - Na situação prevista no número anterior caso o segundo outorgante não proceda a entrega do locado, fica a primeira outorgante expressa e irrevogavelmente autorizada a entrar no locado e a tomar posse do mesmo, podendo substituir a fechadura em uso no momento e retirar os bens ali deixados pelo segundo outorgante, que guardará durante o prazo máximo de 60 (sessenta) dias até ordem que o segundo outorgante os possa ir buscar. 6 – O locado é entregue ao segundo outorgante no dia 1 de fevereiro 2022. 7 - Os outorgantes expressamente convencionam que, caso o segundo outorgante pretenda denunciar o presente contrato de arrendamento, antes de decorrido o respetivo prazo inicial, ou seja, antes de 1 de fevereiro de 2025, o primeiro outorgante poderá aceitar a denúncia desde que lhe seja comunicada, por carta registrada, com aviso de recepção, com uma antecedência mínima de 6 (seis) meses e se encontrem pagas todas as rendas vencidas e ainda lhe sejam pagas todas as rendas vincendas correspondente a 2 (dois) anos de rendas contabilizados a partir da comunicação, pela arrendatária, da sua intenção de por termo o contrato.” 9. A cláusula Terceira do acordo mencionado em 7., pontos 1 a 3, possui a seguinte redacção: “1 - O valor bruto da renda mensal apagar pelo segundo outorgante a primeira outorgante é de €650,00 (seiscentos e cinquenta euros) no primeiro dia útil do mês referente àquele a que disser respeito, na sede da primeira outorgante ou depositado ou transferido para a conta bancária desta para o I.B.A.N ... do banco BPI. 2 - Na data da assinatura do presente contrato o segundo outorgante entrega à primeira outorgante a quantia de €650,00 (seiscentos e cinquenta euros), respeitante a renda do mês de fevereiro e a quantia de €650,00 (seiscentos e cinquenta euros) renda referente à caução da renda e €650,00 (seiscentos e cinquenta euros) referente à caução de danos. Totalizando €1950 (mil novecentos e cinquenta euros). 3 - Caso a renda não seja paga até ao dia 08 de cada mês, o segundo outorgante fica sujeita ao pagamento de uma sanção correspondente a 20% do valor da renda desse mês, de acordo com a lei vigente”. 10. A cláusula Sétima do acordo mencionado em 7. possui a seguinte redacção: “Os terceiros contraentes constituem-se, pessoal e solidariamente, fiadores e principais pagador, de todas as obrigações assumidas pelo segundo contraente no âmbito do presente contrato de sublocação e seus aditamentos, até efetiva restituição do local devoluto de pessoas e bens, pelo que declaram que a fiança que acabam de prestar subsistirá ainda que haja alterações da renda fixada e mesmo depois de decorrido o prazo inicial de sublocação previsto de três anos, designadamente das rendas, danos patrimoniais e não patrimoniais, juros e respetivos encargos legais decorrentes do incumprimento do presente contrato, pelo que pode a primeira contraente exigir a qualquer um, individual e indistintamente, o pagamento de tais montantes, com expressa e livre renúncia ao benefício de excussão prévia e/ou qualquer direito que possa limitar ou restringir as suas obrigações como fiadores e principais pagadores, designadamente o preceituado na alínea e) do artigo 648.º do Código Civil, obrigando-se ao pagamento imediato e integral de todas as responsabilidades em dívida, no prazo nunca superior a (5) cinco dias úteis após a data dos vencimentos dos pagamentos aqui fixados”. 11. O imóvel foi entregue à 1ª Ré em bom estado e pronto a ser utilizado que, por sua vez, o destinou ao exercício da sua actividade de comércio e importação de pedras não preciosas, quartzos, cristais, bijuterias e artesanato, design e assistência de imagem, recuperação visual e estética e serviços de apoio na organização de eventos. 12. Tendo os Réus, previamente à celebração do contrato, vistoriado o imóvel. 13. Momento em que se asseguraram da sua total conformidade. 14. Daí que, nos termos do número dois da cláusula Primeira do contrato, a 1ª Ré atestou o seguinte: “O locado será entregue no seu estado actual de conservação e manutenção e preenche totalmente os requisitos pretendidos, os quais são conhecidos do SEGUNDO OUTORGANTE, reconhecendo esta que o mesmo realiza o fim contratual a que se destina e obrigando-se a conservá-lo com a adequada diligência, sendo por sua conta e seu cargo as reparações necessárias ao seu uso corrente.” 15. As chaves do imóvel arrendado e em discussão nos autos foram entregues, por representante da 1.ª Ré à Autora, em data não concretamente apurada, entre o fim do mês de Setembro e o início de Outubro, mas antes do dia 10 de Outubro de 2022, por livre iniciativa daqueles. 16. Após a entrega referida em 15. o representante da autora esteve na fracção aludida em 2., juntamente com EE. 17. Desde 1 de Fevereiro de 2022 (inclusive), a 1ª Ré apenas efectuou os seguintes pagamentos para efeitos de renda, a saber: (i) em 4 de Fevereiro de 2022, procedeu ao pagamento de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros), respeitante à renda do mês de Fevereiro de 2022; (ii) em 8 de Março de 2022, procedeu ao pagamento de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros), respeitante à renda do mês de Março de 2022; (iii) em 11 de Abril de 2022, procedeu ao pagamento de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros), respeitante à renda do mês de Abril de 2022; (iv) em 17 de Maio de 2022, procedeu ao pagamento de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros), respeitante à renda do mês de Maio de 2022; e (v) em 9 de Junho de 2022, procedeu ao pagamento de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros), respeitante à renda do mês de Junho de 2022. 18. Tendo as Rés AA e CC sido contactadas pelo legal representante da autora, em 22 de Julho de 2022, para procederem ao pagamento do valor da renda desse mês. 19. Em 15 de Fevereiro de 2023, a Autora enviou aos Réus, carta a solicitar o pagamento das contraprestações respeitantes aos meses acima referidos, bem como assim das demais quantias que entendia estarem em dívida.13 20. Com data de 23 de Fevereiro de 2023 a 2ª e o 3º réu remeteram à Autora uma missiva a comunicar a resolução do contrato de sublocação. 21. A Autora recebeu a carta acima referida. 22. A aceitação, por parte dos réus, de um período mínimo de três anos de contrato foi condição essencial para a autora celebrar o contrato de sublocação, e sem este compromisso por parte da sublocatária e dos fiadores nunca a Autora o teria celebrado. 23. A intenção da autora sempre foi de ter um inquilino que assegurasse a sublocação pelo período mínimo inicial de três anos. * O Tribunal a quo considerou não provados os seguintes factos: a) Em 10.10.2022, a representante dos Réus emite, assina e entrega à Autora a seguinte declaração: “Caidrois - Artesanato na Gestão de Imagem, Lda. Sociedade comercial por quotas, com sede na Rua 3, freguesia de Cascas matriculada na Conservatória Registo Comercial de Cascais sob o N ..., de que é gerente AA, maior natural do México, NIPC ... com título de residência válido nº ... válido até 19/08/2023, e que constituiu sua bastante procuradora para este acto a Dra. DD, com a cédula profissional ... válida até 02-2027 com o NIC ... e NIF ..., e de que se anexa respectiva procuração, vem na qualidade de sublocatária, denunciar a partir da presente data: 10 de Outubro de 2022, o contrato de arrendamento, com o valor mensal de 650 € (Seiscentos e Cinquenta Euros), que celebrou em 31 de Janeiro de 2022, com a empresa locatária Enterprisory, Lda soc. Unipessoal por quotas com sede na Rua 4, matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Seixal sob o NIPC ..., representada pelo gerente FF, solteiro, N.I.F. ..., sobre a fracção autónoma “D”, comércio, Rua 1 freguesia de Corroios concelho do Seixal. Declara ainda que (por o nome de todos os intervenientes) tem conhecimento de que existem dívidas de rendas em atraso no valor de 4 rendas: Julho, Agosto, Setembro e Outubro, no total de 2.600€, a que acresce o valor de 520€ de penalização de 20%. E mais declara ainda que tem pleno conhecimento das penalizações incluídas na Clausula Segunda do supra mencionado contrato. Corroios, 10 de Outubro de 2022”. b) Tendo a Autora transmitido à 1ª Ré que a entrega das chaves do locado não obstava a que a mesma não tivesse de cumprir com as obrigações contratuais previstas, nomeadamente quanto ao pagamento das rendas, prazo de denúncia, período mínimo de duração inicial do contrato, indemnização legal pelo atraso no pagamento das rendas e das demais obrigações legais e contratuais previstas. c) Que os réus tenham assumido o pagamento das mesmas. d) Permanecendo a 1ª Ré a ocupar e utilizar plenamente o imóvel sublocado, pelo menos até ao dia 10 de Outubro de 2022. e) Tendo rejeitado, antes da sublocação em questão, outras propostas que não cumpriam com essa sua vontade. f) Os Réus foram, todos eles, informados dessa vontade da Autora, tendo aceite cumprir e garantir, respectivamente, a sublocação até 1 de Fevereiro de 2025. g) Houve dificuldades com a entrega das chaves do imóvel, por parte da 1.ª ré, tendo a autora considerado que as chaves entregues via postal no passado dia 16 de agosto de 2022, pela Dra. DD, através de correio verde, não eram as corretas, o que não corresponde à verdade. * 3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO 3.2.1 Da nulidade da sentença por excesso e por omissão de pronúncia previstas no art. 615º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil A recorrente imputa à sentença recorrida a nulidade decorrente de excesso de pronúncia sustentando: • O Tribunal recorrido apreciou questões de facto e de direito não invocadas pelos sujeitos processuais, sem antes ter proporcionado às partes a discussão dessas matérias, que assim não puderam pronunciar-se sobre a nulidade/abuso de direito da cláusula penal contida no contrato de arrendamento (cláusula Segunda, número 7) e a revogação real do contrato, excepções não invocadas pelos réus nem constantes do objecto do litígio ou dos temas da prova; • Quando o juiz pretenda conhecer de excepções não discutidas nos articulados deve garantir o contraditório prevenindo decisões surpresa, o que abrange o enquadramento jurídico diverso daquele que foi assumido e discutido pelas partes nos articulados; • Neste caso a acção baseia-se no contrato de arrendamento celebrado entre as partes e incumprimento da obrigação de pagamento da renda e a respectiva validade não foi questionada por nenhuma das partes, pelo que ao decidir que se verificava a nulidade parcial do negócio e abuso de direito e concluindo pela revogação real do contrato, o juiz estava obrigado a, previamente, convidar ambas as partes a tomar posição sobre essas concretas questões de Direito material, que não foram perspectivadas por nenhuma das partes; • A sentença é nula, nos termos do disposto no art.º 615º, n.º 1, d) do CPC por excesso de pronúncia; • É ainda nula por excesso de pronúncia por ter considerado não escrito o número 7 da cláusula Segunda do contrato de arrendamento, nulidade que nunca foi invocada pelas partes e não é de conhecimento oficioso, atenta a natureza do contrato em discussão nos autos; • O Tribunal recorrido não podia reconhecer a verificação de abuso de direito quanto a tal cláusula, porquanto os réus aceitaram a sua existência, para além do que não é a nulidade da cláusula que a torna abusiva, mas antes o exercício de um direito legal, sendo que, se o Tribunal não podia decidir da nulidade, também não poderia considerar a cláusula não escrita; • A revogação real do contrato não foi alegada pelas partes, pelo que estava vedado ao Tribunal decidir nos termos em que a julgou; • Competia, por outro lado, ao tribunal recorrido apreciar os factos invocados nos artigos 8º a 12º, 20º, 22º, 24º a 27º, 34º, 35º, 42º, 52º a 55º, 57º, 71º e 72º da petição inicial, sobre os quais não se pronunciou, não tendo sobre eles incidido qualquer tipo de fundamentação, sendo certo que o juiz está obrigado a resolver todas a questões que as partes tenham submetido à sua apreciação; • O Tribunal introduziu na decisão recorrida um facto novo (ponto 16. dos factos provados), que não foi alegado nos articulados apresentados pelas partes, não lhes tendo sido comunicada a intenção de o introduzir no processo, sendo um facto relevante para a decisão que veio a ser proferida sobre a revogação real do contrato de arrendamento. O senhor juiz a quo proferiu despacho admitindo o recurso interposto, mas não se pronunciou sobre as nulidades arguidas, como se lhe impunha, atento o disposto nos art.ºs 641º, n.º 1 e 617º do CPC. A omissão de despacho do juiz a quo sobre as nulidades arguidas não determina necessariamente a remessa dos autos à 1ª instância para tal efeito, cabendo ao relator apreciar se essa intervenção se mostra ou não indispensável – cf. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª Edição Atualizada, pág. 215. Tendo presente a natureza da questão suscitada e o enquadramento que deve merecer, não se justifica a baixa do processo para a pronúncia em falta, passando-se desde já ao conhecimento da suscitada nulidade. Estatui o art.º 665º, n.º 1 do CPC: «Ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação». Assim, se o Tribunal da Relação confirmar a arguição de uma nulidade decisória (art.º 615º, n.º 1, b) a e)) invocada em sede de apelação, em regra, o processo não é reenviado ao tribunal a quo, pelo contrário, prossegue os seus termos na Relação com o conhecimento de mérito das demais questões suscitadas. No que diz respeito à articulação entre a arguição de nulidades decisórias e a subsequente apreciação de mérito do recurso com revogação ou confirmação da decisão impugnada por razões atinentes ao mérito do recurso, mantém-se a pertinência da análise efectuada por Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, pág. 472: “(…) o direito positivo admite expressamente que o tribunal ad quem supra a nulidade da decisão recorrida e passe a apreciar se ela deve ser revogada ou confirmada. Mas isso não obsta à conclusão de que esse suprimento é uma atividade inútil quando, qualquer que seja a posição desse tribunal sobre a nulidade, a decisão deva ser revogada ou confirmada, situação em que se deve dispensar a apreciação prévia dessa nulidade. É ilógico exigir essa apreciação quando, qualquer que seja o resultado, o tribunal superior tem de revogar ou confirmar a decisão recorrida.” Neste sentido, discorreu-se assim no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27-06-2023, 2808/22.7T8VIS.C114: “Na apelação, a regra é da irrelevância da nulidade, uma vez que ainda que julgue procedente a arguição e declare nula a sentença, a Relação deve conhecer do objeto do recurso (arts 665.°, n° 1, n.º 1 do CPC). No julgamento da arguição de nulidade da decisão impugnada de harmonia com o modelo de substituição, impõe-se ao tribunal ad quem o suprimento daquela nulidade e o conhecimento do objeto do recurso (arts 665.°, n° 1 e 684.°, n.º 1, do CPC). Contudo, nem sempre, no julgamento do recurso, se impõe o suprimento da nulidade da decisão recorrida nem mesmo se exige sempre sequer o conhecimento da nulidade, como condição prévia do conhecimento do objeto do recurso. Exemplo desta última eventualidade é disponibilizado pelo recurso subsidiário. O vencedor pode, na sua alegação, invocar, a título subsidiário, a nulidade da decisão impugnada e requerer a apreciação desse vício no caso de o recurso do vencido ser julgado procedente (art.° 635.°, n.º 2, do CPC). Neste caso, o tribunal ad quem só conhecerá da nulidade caso não deva confirmar a decisão, regime de que decorre a possibilidade de conhecimento do objeto do recurso, sem o julgamento daquela arguição. Raro é o caso em que o recurso tenha por único objeto a nulidade da decisão recorrida: o mais comum é que a arguição deste vício seja apenas mais um dos fundamentos em que o recorrente baseia a impugnação. Sempre que isso ocorra, admite-se que o tribunal de recurso possa revogar ou confirmar a decisão impugnada, arguida de nula, sem previamente conhecer do vício da nulidade. Isso sucederá, por exemplo, quando ao tribunal hierarquicamente superior, apesar de decisão impugnada se encontrar ferida com aquele vício, seja possível revogar ou confirmar, ainda que por outro fundamento, a decisão recorrida. Sempre que isso suceda, é inútil a apreciação e o suprimento da nulidade, e o tribunal ad quem deve limitar-se a conhecer dos fundamentos relativos ao mérito do recurso e a revogar ou confirmar, conforme o caso, a decisão impugnada (art.° 130.° do CPC).» Ainda na jurisprudência e no mesmo sentido, cf. acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 25-03-2021, 59/21.7T8VCD.P1 e de 23-10-2023, 4109/19.9T8GDM.P1; do Tribunal da Relação de Lisboa de 3-12-2024, 2844/20. Desde a Reforma do Processo Civil de 1995/1996, o sistema processual prioriza as decisões de mérito sobre as decisões de forma, abandonando mesmo o dogma da prioridade da precedência da apreciação dos pressupostos processuais sobre a apreciação de mérito (cf., por todos, o art.º 278º, n.º 3, do CPC). Mesmo a impugnação de decisão interlocutória só deve ter provimento se se repercutir na decisão final ou se for divisável um benefício directo e imediato da revogação/anulação da decisão interlocutória (cf. art.º 660º). Este desígnio que enforma o actual processo civil corrobora a posição expressa supra no sentido da inutilidade do conhecimento das nulidades decisórias uma vez que é inconsequente a apreciação de nulidades decisórias que não se projectem, necessariamente, na decisão de mérito da apelação. Como tal, atenta a regra da substituição ao tribunal recorrido (art.º 665º do CPC), sendo a nulidade decisória da sentença um entre vários fundamentos de impugnação dessa decisão, a arguição da nulidade é um acto inútil (cf. artº 130º) e não necessita sequer de ser apreciada pela Relação, se a sentença puder ser confirmada ou revogada por outras razões aduzidas na apelação. Termos em que não se apreciam as nulidades invocadas, porquanto, consoante se verá infra, existem razões para confirmar ou revogar a decisão impugnada. * 3.2.2. Da Impugnação da decisão sobre a matéria de facto Estabelece o art.º 662º n.º 1 do CPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, impuserem decisão diversa. Ao assim dispor, pretendeu o legislador que a Relação fizesse novo julgamento da matéria de facto, fosse à procura da sua própria convicção e, assim, se assegurasse o duplo grau de jurisdição em relação à matéria de facto – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6-12-2016, 437/11.0TBBGC.G1.S1. Dispõe o art.º 640º, n.º 1 do CPC: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.” À luz do normativo transcrito afere-se que, em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões. Fundando-se a impugnação em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados (existem três tipos de meios de prova: os que constam do próprio processo – documentos ou confissões reduzidas a escrito -; os que nele ficaram registados por escritos – depoimentos antecipadamente prestados ou prestados por carta, mas que não foi possível gravar -; os que foram oralmente produzidos perante o tribunal ou por carta e que ficaram gravados em sistema áudio ou vídeo), o recorrente deve especificar, na motivação, aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos. O recorrente deve consignar, na motivação do recurso, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, o que se exige no contexto do ónus de alegação, de modo a evitar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente. De notar que a exigência de síntese final exerce a função de confrontar o recorrido com o ónus de contra-alegação, no exercício do contraditório, evitando a formação de dúvidas sobre o que realmente pretende o recorrente – cf. António Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 201, nota 345. No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-05-2016, 1393/08.7YXLSB.L1-7 refere-se: “É ao impugnante que cumpre convencer o Tribunal de recurso que a primeira instância violou as regras de direito probatório aquando da apreciação dos meios de prova. Não basta uma mera contraposição de meios de prova (ainda que não constantes dos indicados na fundamentação do tribunal): é necessário que a parte que recorre proceda, ela própria, a uma análise crítica da apreciação do tribunal a quo, demonstrando em que pontos o Tribunal se afastou do juízo imposto pelas regras legais, dos princípios, das regras da racionalidade e da lógica ou da experiência comum.” A recorrente convoca para reapreciação o vertido nas alíneas a), b), d) e f) dos factos não provados e ponto 15. dos factos provados; pretende também que seja emitida pronúncia sobre o alegado nos artigos 8º, a 12º, 20º, 22º, 24º a 27º, 34º, 35º, 42º, 52º a 55º, 57º, 71º e 72º da petição inicial, indicando a prova em que assenta a sua convicção de que tais factos se encontram provados e visando ainda a eliminação do ponto 16. dos factos provados, pelo que se passa à apreciação da matéria de facto impugnada. Alínea a) dos factos não provados O Tribunal recorrido deu como não provado o seguinte: Em 10.10.2022, a representante dos Réus emite, assina e entrega à Autora a seguinte declaração: “Caidrois - Artesanato na Gestão de Imagem, Lda. Sociedade comercial por quotas, com sede na Rua 3, freguesia de Cascas matriculada na Conservatória Registo Comercial de Cascais sob o N ..., de que é gerente AA, maior natural do México, NIPC ... com título de residência válido nº ... válido até 19/08/2023, e que constituiu sua bastante procuradora para este acto a Dra. DD, com a cédula profissional ... válida até 02-2027 com o NIC ... e NIF ..., e de que se anexa respectiva procuração, vem na qualidade de sublocatária, denunciar a partir da presente data: 10 de Outubro de 2022, o contrato de arrendamento, com o valor mensal de 650 € (Seiscentos e Cinquenta Euros), que celebrou em 31 de Janeiro de 2022, com a empresa locatária Enterprisory, Lda soc. Unipessoal por quotas com sede na Rua 4, matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Seixal sob o NIPC ..., representada pelo gerente FF, solteiro, N.I.F. ..., sobre a fracção autonoma “D”, comércio, Rua 1 freguesia de Corroios concelho do Seixal. Declara ainda que (por o nome de todos os intervenientes) tem conhecimento de que existem dívidas de rendas em atraso no valor de 4 rendas: Julho, Agosto, Setembro e Outubro, no total de 2.600€, a que acresce o valor de 520€ de penalização de 20%. E mais declara ainda que tem pleno conhecimento das penalizações incluídas na Clausula Segunda do supra mencionado contrato. Corroios, 10 de Outubro de 2022”. O que fundamentou do seguinte modo: “Em a) a situação não se mostra clara. Com efeito, a testemunha EE explicou o contexto da reunião e das negociações, sendo-lhe cognoscível as dúvidas que a Dra. DD tinha na altura, que conduziram à necessidade de contactar telefonicamente com os representados, não se tendo logrado alcançar uma conclusão (tanto que a testemunha referiu que a situação ficou inconsequente, uma vez que esta, posteriormente, se ausentou para o estrangeiro. Assim, não se pode concluir, através deste documento que, per si, aos olhos do homem médio, já era demonstrativo de dúvidas, uma vez que da sua leitura parece um “draft”, um documento de trabalho ou um rascunho, faltando preencher espaços, sendo que se mostra assinado pela pessoa a quem, alegadamente, seria de se transmitir a representação. Tudo conjugado, rectius, a desconformidade do documento e as impressões extraídas da reunião por EE, que esteve presente, não permitem dar como provado o facto exposto em a).” A autora/recorrente discorda da ponderação efectuada pelo tribunal recorrido argumentando que, conforme decorre da sua alegação no artigo 18º da petição inicial e da pronúncia dos réus nas suas contestações (artigo 15º), estes não colocaram em causa a existência da declaração em referência e não alegaram a sua falsidade, nem desconhecimento ou falta de autenticidade, tendo invocado, quanto ao documento n.º 7 junto com a petição inicial, a que se reporta este ponto, que seria ineficaz, enquanto denúncia do contrato, por já ter ocorrido a respectiva revogação decorrente da falta de pagamento das rendas e, por outro lado, a falta de poderes da respectiva subscritora, pelo que admitiram a subscrição do documento, não estando assim impugnada a existência da declaração, sendo que a sua eficácia ou ineficácia terá de ser aferida em função dos factos provados e não provados. Mais refere que a ré AA, confrontada com o documento n.º 7, confirmou dele ter conhecimento e que quando o leu pediu ajuda à Dr.ª DD, que na altura ainda a representava, assim como a ré CC confirmou a intervenção daquela e a testemunha EE mencionou a existência de uma reunião entre os réus e a autora para tentarem chegar a um acordo, com intervenção da referida Dr.ª DD, que entregou a declaração, por ela assinada, e que confirmou ser o documento n.º 7. Compulsados os autos, verifica-se que no artigo 18º da petição inicial, a autora alegou que a Dr.ª DD, representante dos réus, emitiu, assinou e lhe entregou uma declaração, que constitui o documento n.º 7 junto com a petição inicial, com o conteúdo que dele consta e que ali transcreveu. Ao contrário do que a autora vem referir, os réus, nas suas contestações, pronunciaram-se expressamente sobre esse documento, impugnando-o, ao menos quanto ao alcance e efeito que a autora pretende retirar do seu conteúdo, afirmando no respectivo artigo 15º o seguinte: “Deverá a denúncia do contrato, efetuada no dia 10 de outubro de 2022, apresentada na Petição Inicial, como documento nº7, ser entendida por ineficaz, uma vez que era relativa a um contrato já revogado (a 1 de agosto de 2022) e que já não produzia quaisquer efeitos à data da declaração, nem se encontram verificados os poderes de quem procedeu à assinatura do dito documento, pelo que, desde já se impugna o documento nº 7 da Petição Inicial.” No entanto, como refere a apelante, das contestações apresentadas não resulta a impugnação seja da existência do documento qua tale, seja da sua subscrição pela pessoa a quem é imputado, ou sequer do conteúdo que nele se mostra vertido. O documento n.º 7 contém o teor transcrito na alínea a), ou seja, nele fez-se consignar que a Caidrois, Lda. vem denunciar o contrato de arrendamento referente à loja em discussão nos autos, declarando ter conhecimento de que existem dívidas de rendas em atraso e, bem assim, das penalizações previstas na Cláusula Segunda. Trata-se de um documento em que foi aposta a data de 10 de Outubro de 2022, subscrito por DD. O documento em referência constitui um documento particular, tendo em conta que são particulares os documentos escritos que não reúnam os requisitos de origem respeitantes aos documentos autênticos – cf. art.º 363º, n.º 2 in fine do Código Civil -, em que a respectiva assinatura não se encontra reconhecida. O requisito fundamental do documento particular é a assinatura manuscrita do seu autor e é desta que emerge a força probatória que a lei confere a esta espécie de documentos – cf. art.º 373º, n.º 1 do Código Civil. Dispõe o art. 374º, n.º 1 do Código Civil que “A letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras.” “Só pode reconhecer-se força probatória a um documento particular quando este possa ser tido como genuíno ou verdadeiro. Essa genuinidade está em ter sido ele autografado pela pessoa a quem é atribuído, quer pelo que se refere apenas ao texto, se é admitido como meio de prova mesmo sem estar assinado, quer pelo que respeita à assinatura, quer, finalmente quanto ao texto e à assinatura, quando a lei exige a concorrência da demonstração de que foi totalmente redigido e assinado pelo declarante.” – cf. Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, volume II, 1988, pág. 155. “«Ao invés dos documentos autênticos, que fazem prova por si mesmos da proveniência que ostentam, os documentos particulares não provam, só por si, a sua procedência da pessoa que aparentemente assume a sua autoria ou paternidade. A autenticidade do documento particular «só pode ser aceite mediante reconhecimento tácito ou expresso da parte» contra o qual é oferecido ou através de reconhecimento judicial.”- João Antunes Varela, José Miguel Bezerra Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, pp. 512 e 513. O modo de impugnação da genuinidade de documento encontra-se previsto no art.º 444º do CPC: 1) impugnação da letra ou assinatura de documento particular; 2) impugnação da exactidão de reprodução mecânica apresentada (fotocópia); 3) negação das instruções a que se refere o n.º 1 do art.º 381º do C. Civil; 4) declaração feita pela parte contrária ao apresentante de que não sabe se a letra ou a assinatura do documento particular é verdadeira. Assim, junto aos autos um documento sem reconhecimento notarial a parte contra quem ele é produzido pode tomar uma das seguintes atitudes: declarar que reconhece como verdadeira a letra e a assinatura, ou só a assinatura do documento; impugnar a veracidade da letra ou da assinatura; declarar que não sabe se a letra ou a assinatura são verdadeiras; não fazer declaração alguma. Uma vez estabelecida a genuinidade do documento, isto é, a veracidade da sua subscrição pela pessoa a quem o documento é atribuído, daí resulta a veracidade do respectivo contexto atento o disposto no art.º 376º, n.º 1 do Código Civil “O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.” A força probatória destes documentos esgota-se no seu teor, isto é, nos factos compreendidos na declaração – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-07-2007, processo n.º 07S921. Não sendo estabelecida a genuinidade do documento particular, porque impugnado e não demonstrada a sua veracidade pelo apresentante, constitui apenas um meio de prova livremente apreciado pelo julgador, ficando arredada a sua força probatória plena. Quanto ao ónus de prova da autoria do documento particular, refere José Lebre de Freitas, in Código Civil Anotado, Volume i, 2ª Edição Revista e Atualizada – Ana Prata (Coord.), pág. 497: “Se a parte contrária, confrontada com a apresentação do documento, expressamente reconhecer a assinatura como verdadeira, ou não a impugnar, esta confissão (no primeiro caso) ou admissão (no segundo) da verdade da afirmação feita pelo apresentante ao apresentar o documento, tem como consequência a prova da autoria do documento, sem a ulterior possibilidade de prova em contrário (n.º 1)), ressalvado o conhecimento superveniente da falta de genuinidade do documento (art. 444.º, n.º 2, CPC) e também, quanto à confissão, a possibilidade da sua impugnação nos termos do art. 359.º Se a parte contrária negar que a assinatura do documento é da pessoa (ela própria ou terceiro) a quem é imputada, ou, no caso de a autoria ser imputada a terceiro, declarar desconhecer que a assinatura é dele, a prova da autoria constituirá ónus do apresentante (n.º 2), contra ela podendo o impugnante oferecer contraprova ou, se for caso disso, prova do contrário.” Veja-se, neste sentido, acórdão desta Relação e secção de 23-10-2018, 245/17.4T8SRQ-A.L1-7. Atente-se que a «impugnação» a que alude o artigo 374.º, n.º 1 do Código Civil não deve ser conexionada com aquela outra a que se refere o art.º 571.º do CPC relativa à mera contradição pelo réu dos factos articulados na petição inicial, referindo-se antes à impugnação da genuinidade do documento prevista no artigo 444.º, n.º 1, do CPC, enquanto incidente da instância, porque é através deste concreto meio processual que se procede à impugnação da letra ou assinatura do documento particular – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22-02-2017, 25/14.9T8LAG.E1. Face àquela que foi a alegação da autora/recorrente e a posição dos réus em sede de contestação, não se pode deixar de concluir que não foi impugnada a assinatura constante de tal documento, pelo que esta se tem por verdadeira. Ora, a impugnação da genuinidade do documento, como refere Lebre de Freitas, traduz-se sempre, nos documentos particulares assinados, na impugnação da assinatura (posto que a mera impugnação da letra apenas se justifica no caso de escrito que não é costume assinar ou não chegou a ser assinado por quem o escreveu). Assim, não tendo existido essa impugnação, face ao disposto no art.º 376º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil, está reconhecida a autoria do referido documento particular, ou seja, a sua subscrição por DD. Reconhecida a autoria do documento, os réus não colocaram em crise as declarações de vontade emitida pela outorgante, suscitando apenas a falta de poderes de representação por parte desta. Ora, a genuinidade do documento ou a sua não genuinidade não pode ser confundida com a respectiva falsidade (sendo que esta não pode ser invocada quando se coloca em crise a autoria do documento particular). Dispõe o art.º 446º, n.º 1 do CPC que “No prazo estabelecido no artigo 444.º, devem também ser arguidas a falta de autenticidade de documento presumido por lei como autêntico, a falsidade do documento, a subscrição de documento particular por pessoa que não sabia ou não podia ler sem a intervenção notarial a que se refere o artigo 373.º do Código Civil, a subtração de documento particular assinado em branco e a inserção nele de declarações divergentes do ajustado com o signatário.” “A falsidade consiste, no documento autêntico, em nele se mostrar atestado um facto que na realidade não se verificou (art. 372-2 CC) e, no documento particular, em nele se mostrar exarada uma declaração que o seu autor não fez (art. 376-1 CC). Pressupõe a autenticidade (do documento autêntico) ou a genuinidade (do documento particular) e constitui meio de ilidir a respectiva força probatória plena. Pode ser ideológica ou material, consoante, no momento da formação de documento autêntico, o seu autor nele ateste, como verificados na sua presença ou por ele praticados, factos que não se verificaram, ou, em documento autêntico ou particular já formado, se verifique, feita pelo seu autor ou por outrem, uma alteração do respectivo conteúdo, ainda que por supressão ou acrescentamento.” – cf. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º 3ª Edição, pág. 269. Enquanto, como decorre do acima expendido, no art.º 444º do CPC, a impugnação do documento leva a que recaia sobre o seu apresentante o ónus da prova do facto impugnado (subscrição, feitura, instruções, exactidão), o art.º 446º do mencionado diploma legal reporta-se aos casos em que o ónus da prova do fundamento da impugnação é do impugnante, estando em causa “verdadeiras excepções probatórias” (cf. art.º 342º, n.º 2 do Código Civil). A falsidade encontra-se, pois, prevista apenas como meio de ilidir a força probatória plena de documentos e “é a qualidade dum documento escrito genuíno consistente na desconformidade entre o facto representativo nele contido e a realidade de todos ou alguns dos factos pelo primeiro direta ou indiretamente presumidos, da qual resulta a ilisão dessa presunção” – cf. Lebre de Freitas, A Falsidade no Direito Probatório, p. 172 apud António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, 2018, pág. 515. A estar-se perante um documento com força probatória plena, cumpriria, assim, ao impugnante, os aqui réus, comprovar a falsidade das declarações vertidas no documento, a fim de afastar a respectiva força probatória e, por essa via, infirmar as declarações nele exaradas, sendo certo que a questão da existência de poderes por parte de quem subscreveu o documento e emitiu a declaração de denúncia constituía objecto do litígio (cf. ponto 1. da respectiva enunciação das questões controvertidas). Aquilo que importa reter em sede factual é a emissão e subscrição do documento. Na verdade, encontrando-se reconhecida a autoria do documento particular, tal escrito faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, considerando-se provados os factos compreendidos na declaração na medida em que forem contrários aos interesses do declarante – cf. n.º 2 do art.º 376º do Código Civil. Esta norma, contudo, não é uma norma de prova documental. Contendo o documento uma declaração de ciência, esta fica provada documentalmente, mas a veracidade do seu conteúdo só fica provada se os factos forem contrários ao interesse do declarante, isto é, se a declaração feita constituir uma confissão. De igual modo, quando o documento contém uma declaração de vontade, como é o caso, esta também só fica documentalmente provada, seguindo-se os efeitos que lhe são próprios (por exemplo, os do negócio jurídico por ela constituído) – cf. José Lebre de Freitas, Código…, pág. 500. Daqui decorre que, estabelecida a autoria do documento, e nele se contendo uma declaração, feita ao declaratário, contrária ao interesse do declarante, tal declaração representa uma confissão do seu autor, pelo que a esse documento particular deve ser atribuído, nas relações entre ambos, valor probatório pleno – cf. art.º 352º e seguintes do Código Civil. Esta força probatória significa que os factos não carecem de outra prova para se terem como demonstrados, o que não implica que o declarante não possa impugnar a sua validade, nos termos gerais, por falta ou vícios da vontade, precisamente como acontece com a declaração confessória (cf. art.º 359º do Código Civil), designadamente, provando, por exemplo, que a declaração resultou de erro. No entanto, isto já não será assim se a parte contra quem o documento é apresentado não for co-autor no documento em referência. Nesse caso, o reconhecimento da sua autenticidade não implica qualquer confissão de factos, pelo que tal documento, perante o autor/recorrido, vale apenas como elemento de prova a apreciar livremente pelo tribunal – cf. Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 2ª Edição, pp. 261-262 – “Não pode ser atribuída força probatória plena ao documento particular da autoria de terceiro, sendo em relação ao seu autor um elemento de prova a apreciar livremente pelo tribunal, porque esse relevo probatório só é susceptível de decorrer da sua invocação pelo declaratário contra o declarante seu autor”; cf. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-09-2021, 100156/19.2YIPRT.P1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9-01-2003, 4003/02, CJ (STJ), Tomo I/2003, pág. 8; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-05-2009, 08B1843 – “O documento particular só pode ser invocado com valor probatório pleno pelo declaratário contra o declarante, isto é, apenas nas relações do declaratário – declarante e na medida em que seja prejudicial a este (art.º 376º, n.º 2, do CC). Sendo invocado por terceiros, o documento particular valerá apenas como elemento de prova a ser apreciado livremente pelo tribunal.” O documento em referência tem como interveniente apenas e alegadamente a sociedade Caidrois, Lda., sendo que a respectiva subscritora invoca a existência de procuração bastante para o acto. Ora, os réus impugnaram a existência desses poderes, sendo certo que a confissão só é eficaz quando feita por pessoa com capacidade e poder para dispor do direito a que o facto confessado se refira, exigindo-se, na representação voluntária, poderes especiais para confessar – cf. art.º 353º do Código Civil; António Menezes Cordeiro, Código Civil Comentado, I – Parte Geral, CIDP, pág. 1030. Sucede que a validade ou eficácia da declaração contida no documento em referência é questão distinta de se apurar se o documento foi emitido e assinado por quem nele figura como subscritor, o que, conforme se analisou, foi admitido pelos réus. Além disso, atenta a posição assumida pelos réus, por estes não foi negado que o documento tenha sido entregue à autora. Nos termos do art.º 574º, n.º 2 do CPC, se o réu não tomar posição definida sobre os factos alegados pelo autor, entende-se que os admite como exactos (confissão tácita ou ficta). Nessa situação, a lei ficciona uma confissão que, em rigor, não existiu, equiparando os efeitos do silêncio do réu aos da confissão. De todo o modo, do depoimento da ré AA é possível extrair que esta reconhece que a Dr.ª DD, subscritora da mencionada declaração, actuou na intermediação do conflito gerado entre a autora e os réus quanto à execução/incumprimento do contrato de arrendamento em discussão nestes autos e, confrontada com o documento n.º 7, afirmou dele ter conhecimento, que lhe foi dado a ler para assinar, mas que o não fez porque teve dúvidas. Disse que embora reconhecesse que estavam em dívida algumas quantias, pediu esclarecimentos sobre o que estava ali escrito, referindo que estavam a tentar negociar uma forma de resolver a situação, mas que aquilo que estava escrito não lhe parecia bem. Com efeito, a ré AA referiu, a este propósito, o seguinte: “Durante o mês Outubro… houve intervenção da Dr.ª DD junto da Enterprisory para… o negócio… Nos não conseguíamos […] a Dr.ª Leticia ainda tentou negociar… pelos 5 mil euros, ela teve contacto com a imobiliária, ela se deslocou pessoalmente […] eu uma… devo ter uma procuração para ela representar, existe a procuração para representar, onde posteriormente…”. E mais à frente relatou que a Dr.ª DD lhe apresentou um documento para assinar, mas “que tudo parecia muito urgente e quando li aquilo perguntei se me aconselhava” e que ficou desconfortável perante o que lá estava e não assinou o documento – cf. minutos 21.20 e seguintes e 22.50 e seguintes do seu depoimento, prestado na sessão da audiência de julgamento de 23 de Janeiro de 2025. Mais à frente no seu depoimento, a ré AA confirmou novamente que ela e o co-réu BB passaram procuração a favor da Dr.ª DD para negociar com a autora, mas não se recordava se passou procuração em nome da Caidrois, Lda. confirmando que o documento emitido e que se recusou a assinar constitui o documento n.º 7 junto com a petição inicial. A ré CC confirmou a intervenção da Dr.ª DD, a determinada altura, para solucionar as questões entre ela e a ré AA, mas nada explicou a propósito da emissão da declaração vertida no documento n.º 7 – cf. minuto 7.30 do seu depoimento prestado na sessão da audiência de julgamento de 23 de Janeiro de 2025. Por sua vez, a testemunha EE, sócio-gerente da empresa imobiliária Idea Métrica, através da qual foi promovida a celebração do contrato de arrendamento referido em 7., relatou ter sido contactado pela CC, que reportou que estavam com dificuldades e queriam entregar a loja, que foi feita a entrega das chaves e que a certa altura, já depois do Verão, surgiu a Dr.ª DD, tendo ocorrido uma reunião, onde foi proposto arranjar uma solução para aquilo que estaria em falta e, confrontado com o documento n.º 7, confirmou que esse documento foi elaborado, mas que depois seria emitida uma procuração ou iria ser elaborado um outro, mas que nunca se chegou a um acordo – cf. minuto 11.55 e seguintes do seu depoimento, prestado na sessão da audiência de julgamento de 23 de Janeiro de 2025. Daqui se retira que, efectivamente, não foi colocado em crise pelos réus que o documento n.º 7 foi emitido e assinado pela Dr.ª DD e que tal terá ocorrido no contexto das negociações estabelecidas com a autora, ou com representantes da autora, para resolver a situação quanto a valores ainda em dívida, num momento em que a entrega das chaves do locado já tinha ocorrido, sendo claro que, tenha ou não sido emitida procuração por parte dos réus ou de algum dos réus àquela advogada, a sua intervenção fez-se com o conhecimento daqueles e para os representar na negociação com a autora. Assim, independentemente das conclusões jurídicas que se hajam de retirar da conjugação do teor desse documento e sobre a sua eficácia seja quanto à cessação do contrato de arrendamento, seja quanto ao alegado reconhecimento de valores em dívida, certo é que está comprovado que tal documento, com esse teor, foi emitido e subscrito por DD e que foi entregue à autora. Como tal, a alínea a) dos factos provados deve ser eliminada e deve passar a constar dos factos provados o seguinte: 24. Com data de 10 de Outubro de 2022, DD emitiu, assinou e entregou à autora um documento com o seguinte teor: “Caidrois - Artesanato na Gestão de Imagem, Lda. Sociedade comercial por quotas, com sede na Rua 3, freguesia de Cascas matriculada na Conservatória Registo Comercial de Cascais sob o N ..., de que é gerente AA, maior natural do México, NIPC ... com título de residência válido nº ... válido até 19/08/2023, e que constituiu sua bastante procuradora para este acto a Dra. DD, com a cédula profissional ... válida até 02-2027 com o NIC ... e NIF ..., e de que se anexa respectiva procuração, vem na qualidade de sublocatária, denunciar a partir da presente data: 10 de Outubro de 2022, o contrato de arrendamento, com o valor mensal de 650 € (Seiscentos e Cinquenta Euros), que celebrou em 31 de Janeiro de 2022, com a empresa locatária Enterprisory, Lda soc. Unipessoal por quotas com sede na Rua 4, matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Seixal sob o NIPC ..., representada pelo gerente FF, solteiro, N.I.F. ..., sobre a fracção autonoma “D”, comércio, Rua 1 freguesia de Corroios concelho do Seixal. Declara ainda que (por o nome de todos os intervenientes) tem conhecimento de que existem dívidas de rendas em atraso no valor de 4 rendas: Julho, Agosto, Setembro e Outubro, no total de 2.600€, a que acresce o valor de 520€ de penalização de 20%. E mais declara ainda que tem pleno conhecimento das penalizações incluídas na Clausula Segunda do supra mencionado contrato. Corroios, 10 de Outubro de 2022” Alínea b) dos factos não provados O Tribunal recorrido deu como não provado o seguinte: b) Tendo a Autora transmitido à 1ª Ré que a entrega das chaves do locado não obstava a que a mesma não tivesse de cumprir com as obrigações contratuais previstas, nomeadamente quanto ao pagamento das rendas, prazo de denúncia, período mínimo de duração inicial do contrato, indemnização legal pelo atraso no pagamento das rendas e das demais obrigações legais e contratuais previstas. Justificando a sua convicção sobre este ponto com “não ter sido efetuada prova”. A autora/recorrente discorda desse entendimento considerando que tal facto, alegado no artigo 19º da petição inicial, não foi impugnado pelos réus, nem resulta da sua contestação facto contraditório ou com ele incompatível, pelo que deve ser dado como provado, atento o disposto no art.º 574º, n.ºs 1, 2 e 3 do CPC. Argumenta, além disso, que sempre tal resultaria do conteúdo do documento n.º 7, onde existe uma aceitação do pagamento das quantias devidas, tendo ainda as rés AA e CC referido a existência de negociações quanto ao desfecho do contrato, de onde resulta que a autora não prescindiu de qualquer das quantias em dívida. No artigo 19º da petição inicial a autora alegou o seguinte: “Tendo a Autora transmitido à 1ª Ré que a entrega das chaves do locado não obstava a que a mesma não tivesse de cumprir com as obrigações contratuais previstas, nomeadamente quanto ao pagamento das rendas, prazo de denúncia, período mínimo de duração inicial do contrato, indemnização legal pelo atraso no pagamento das rendas e das demais obrigações legais e contratuais previstas.” Este facto não foi expressamente admitido pelos réus na sua contestação e também não foi expressamente refutado, porquanto do teor das contestações apresentadas não resulta qualquer referência concreta ao que ali se alega. Conforme já acima se disse, se o réu não tomar posição definida sobre os factos alegados pelo autor, entende-se que os admite como exactos, ficcionando a lei uma confissão – cf. art.º 574º, n.º 2 do CPC No entanto, o regime desta prova, ou deste meio de prova, não é inteiramente coincidente com o aplicável à confissão, enquanto declaração expressa de reconhecimento da realidade dum facto desfavorável ao declarante (cf. art.º 352º do Código Civil). Ainda que a propósito da falta de contestação, Lebre de Freitas, na constatação da diversidade de regimes aplicável a cada uma dessas situações, reserva para a consequência da falta de apresentação de contestação, o termo admissão, enquanto figura autónoma face à confissão, posto que aquela desta se distingue por consistir numa pura omissão (enquanto omissão, a admissão não constitui uma afirmação sobre a realidade e se exerce a função de prova da realidade de um facto, não implica um acordo de afirmações), enquanto a segunda se manifesta mediante declaração expressa – cf. A Confissão no Direito Probatório (Um estudo Direito Positivo), 1991, pág. 473. “Contrariamente à confissão, a admissão não exige que o facto admitido seja desfavorável ao admitente (cf. art. 352 CC); não joga quanto a factos para cuja prova a lei exija documento escrito (arts. 568-d e 574-2), relativamente aos quais a confissão é admitida (art. 364-2 CC); não se produz, quanto aos factos que outro réu conteste [] não é impugnável, como a confissão, nos termos do art. 359 CC, nem retractável [] só é eficaz no processo em que é produzida, não tendo a eficácia extraprocessual da confissão judicial (arts. 421-1 e 355-3CC)” – J. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª edição, pág. 534. Embora a doutrina divirja quanto à equiparação da admissão à confissão e consequente aplicabilidade ou não do regime do art.º 359º do Código Civil, já se entendeu que a admissão está sujeita à livre apreciação do julgador, convocando o disposto no art. 358º, n.º 4 do mencionado Código, não estando assim abrangida pela eficácia probatória plena da confissão (cf. art.º 358º, n.º 1 do C. Civil – cf. neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-05-2012, 240/10.4TTLMG.P1.S1. Atente-se, ademais, que o ónus de impugnação especificada previsto no art. 574º, n.º 1 do CPC incide sobre os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor, sendo que a consequente admissão decorrente da falta de impugnação não abrangerá os factos que estiverem em oposição com a defesa apresentada no seu conjunto, aqueles relativamente aos quais não for admissível confissão ou se só puderem ser provados por documento escrito. Além disso, a parte final do n.º 2 do art. 574º do CPC permite ainda que a admissão de factos instrumentais seja afastada por prova posterior. Assim, o réu não tem de tomar posição sobre todos os factos alegados pelo autor na petição inicial, mas tão só sobre os factos que constituem a causa de pedir, ou seja, em conjugação com o disposto nos art.ºs 5º, n.º 1 e 552º, n.º 1, d) do CPC, o ónus de alegação do autor na petição inicial apenas é absolutamente exigido quanto aos factos essenciais que constituem a causa de pedir, não havendo ónus de alegação nem, por sua vez, de preclusão, quanto a factos instrumentais (cf. art.º 5º, n.ºs 1 e 2, a) do CPC). A alegação da autora quanto à comunicação à ré de que a entrega das chaves do locado não obstava a que devesse cumprir todas as obrigações contratuais assumidas no negócio celebrado entre as partes surge na sequência da alegação da demandante de que as chaves do locado foram entregues pela «representante» da Caidrois, Lda., no dia 10 de Outubro de 2022, momento em que essa representante entregou a declaração que constitui o documento n.º 7 junto com a petição inicial, em que a ré teria denunciado o contrato a partir dessa data. Ora, os réus impugnaram esta versão dos eventos sustentando, ao contrário, que o contrato cessou no dia 1 de Agosto de 2022, convocando o estabelecido na Cláusula Segunda, n.º 4 do contrato sobre a revogação acordada pelas partes e, além disso, que a alegada denúncia efectuada no dia 10 de Outubro de 2022 é ineficaz, porquanto o contrato já se encontrava revogado, para além de quem a subscreveu não ter poderes para o efeito. Significa isto que, tendo os réus impugnado a denúncia ocorrida no dia 10 de Outubro de 2022, refutando, igualmente, que quem a subscreveu tivesse poderes para actuar em sua representação, tal é contraditório com assumir que, ao nada dizerem expressamente sobre o alegado no artigo 19º da petição inicial, admitiram que lhes foi nesse momento comunicado pela autora que a entrega das chaves não afastava a exigência do cumprimento de todas as obrigações contratuais, tanto mais que os réus alegaram que essa entrega ocorreu em 16 de Agosto de 2022, por via postal – cf. artigos 15º e 16º da contestação.15 Por esta razão, não se acompanha a argumentação recursória no sentido de se dever ter por admitido pelos réus o facto alegado no artigo 19º da petição inicial. Por outro lado, também ao contrário do propugnado pela apelante, a prova produzida é insuficiente para afirmar o ali mencionado, seja com base no documento n.º 7, que, conforme se referiu, foi subscrito não pela Caidrois, Lda. ou por qualquer dos réus, mas sim por DD, sendo que a própria ré AA disse que o seu teor lhe suscitou dúvidas e por essa razão não o assinou, seja com base na prova por depoimento de parte e testemunhal, porquanto a ré CC não fez qualquer alusão a ter sequer intervindo numa negociação para chegar a um acordo com o senhorio sobre o pagamento em falta, referindo ter escrito um email e deixado a chave do locado no seu interior, fechando a porta, o que comunicou à imobiliária e a ré AA nada de concreto referiu sobre esta específica comunicação da autora de que tudo deveria ser pago. Assim, o facto vertido na alínea b) deve permanecer como não provado. Ponto 15. dos factos provados e alínea d) dos factos não provados O Tribunal recorrido deu como provado: 15. As chaves do imóvel arrendado e em discussão nos autos foram entregues, por representante da 1.ª Ré à Autora, em data não concretamente apurada, entre o fim do mês de Setembro e o início de Outubro, mas antes do dia 10 de Outubro de 2022, por livre iniciativa daqueles. Com a seguinte fundamentação: “Relativamente à factualidade descrita em 15. e 16., a mesma extrai-se essencialmente do depoimento de EE que, não obstante conter algumas imprecisões por já não se lembrar detidamente de todo o circunstancialismo inerente, declarou com certeza e clareza que uns dias antes da reunião (única ocorrida relativamente à fração em causa), onde lhe foi mostrado o teor do documento constante de folhas 42 verso, que se recorda ter ocorrido em outubro (consentâneo com a data de tal documento), houve uma entrega das chaves da fração, tendo-se dirigido à fração juntamente com o legal representante da autora.” E como não provado o seguinte: d) Permanecendo a 1ª Ré a ocupar e utilizar plenamente o imóvel sublocado, pelo menos até ao dia 10 de Outubro de 2022. O que fundamentou do seguinte modo: “Quanto à factualidade não provada em d), a mesma resulta não provada por ter sido feita prova noutro sentido, nomeadamente do facto provado em 15., donde se extrai que as chaves da fração já estariam na posse da autora uns dias antes da aludida reunião, em data e modo não concretamente apurado, mas confirmado pela testemunha EE que se deslocou à fração com o legal representante da autora, uns dias antes da reunião, não sabendo concretizar o dia certo, mas não terá decorrido mais de duas semanas.” A apelante discorda do decidido referindo que as chaves foram entregues um dia antes da reunião de 10 de Outubro de 2022, mas não à autora, pois quem ficou na posse delas foi o agente imobiliário, convocando o depoimento de CC e da testemunha EE, não podendo considerar-se que a entrega das chaves efectuada a terceiro seja tida como efectuada à autora, para além de não se saber se o agente imobiliário as entregou à autora, nem tendo sido esclarecido em que data se concretizou a deslocação ao locado; mais refere que as rés AA e CC referiram que cada uma tinha umas chaves do locado e a segunda disse que as deixou no interior do imóvel, pelo que não é possível afirmar que foram entregues antes do dia 10 de Outubro. Conclui que o ponto 15. deve passar a ter a seguinte redacção: “Uma via das chaves do imóvel arrendado e em discussão nos autos foi entregue, por representante da 1ª ré, ao agente imobiliário da mediadora “Idea Métrica – Mediação e Consultoria Imobiliária, Lda.”, em data não concretamente apurada, entre o fim do mês de Setembro e o início de Outubro, mas antes do dia 10 de Outubro de 2022, por livre iniciativa daqueles” e o facto referido na alínea d) deve ser dado como provado. Da conjugação dos depoimentos de parte das rés AA e CC e do depoimento da testemunha EE é possível retirar o seguinte: • Cada uma das rés tinha uma chave de acesso ao locado, facto referido por ambas - cf. minuto 8.50 e seguintes do depoimento de CC e minuto 2600 e seguintes do depoimento de AA; • A ré CC deixou a sua chave no interior do locado e fechou a porta, tendo avisado o agente imobiliário – cf. minuto 4.50 e seguintes e 8.52 e seguintes do seu depoimento; • A ré AA referiu ter enviado as chaves para a autora por correio, mas disse também que a CC tinha ainda coisas no interior do locado, pelo que presume que tenha ficado com a chave e entregado ao representante da imobiliária – cf. minuto 26.20 e seguintes do seu depoimento; • EE confirmou que, a certa altura, as rés quiseram deixar a loja, que houve a entrega das chaves e uma reunião para arranjar uma solução, de modo a cumprir o contrato ou aquilo que estaria em falta; não soube esclarecer, com precisão, o momento em que as chaves foram entregues, mas disse que a chave foi deixada no locado e que foi juntamente com o proprietário verificar o espaço, o que terá sucedido uns dias antes da reunião que teve lugar em Outubro de 2022, talvez 10 a 15 dias antes – cf. minutos 11.55 e seguintes; 18.50 e seguintes e 27.30 e seguintes do seu depoimento. Ainda que a ré AA tenha enviado umas chaves do locado por correio deve admitir-se que a ré CC, tal como esta afirmou claramente, tinha umas chaves e que as deixou no interior do locado, fechou a porta e avisou o agente imobiliário. Embora não tenha ficado totalmente claro em que momento a ré CC deixou as chaves no locado, tendo em conta que teve lugar uma reunião entre a autora ou alguém em representação desta e DD, que interveio em nome da Caidrois, Lda. (como admitiu expressamente a ré AA), para obter uma solução para os valores em dívida, ocorrida em Outubro de 2022, conforme disse EE, acrescentando que a entrega das chaves e verificação do locado foi anterior, uns dez a quinze dias antes dessa reunião, não se descortinam razões para divergir do entendimento da 1ª instância a propósito do facto descrito na alínea d) dos factos não provados, no sentido de que aquando da reunião ocorrida em Outubro já a chave havia sido entregue uns 10 a 15 dias antes, pelo que não é possível afirmar que a Caidrois, Lda. permaneceu a ocupar o locado até ao dia 10 de Outubro de 2022, pelo que tal facto deve manter-se como não provado. No que diz respeito ao ponto 15. dos factos provados, importa ter em conta que a ré AA disse ter enviado à autora uma chave, por correio, mas este facto não se mostra confirmado por qualquer outro elemento probatório, nem sequer pela própria ré CC, sendo que o documento nº 1 junto com a contestação dos réus AA e BB16 não tem a virtualidade de o demonstrar, pelo que apenas é possível afirmar que as chaves do locado foram deixadas no seu interior e que o agente imobiliário as terá feito chegar à autora, pois que foram verificar o locado. Assim, o ponto 15. passa a ter a seguinte redacção: 15. As chaves do imóvel arrendado foram entregues à autora, através do agente imobiliário da empresa referida no ponto 4., em data não concretamente apurada, entre o fim do mês de Setembro e o início do mês de Outubro, mas antes do dia 10 de Outubro de 2022, por livre iniciativa dos réus. Alínea f) dos factos não provados O Tribunal recorrido deu como não provado o seguinte: f) Os Réus foram, todos eles, informados dessa vontade da Autora, tendo aceite cumprir e garantir, respectivamente, a sublocação até 1 de Fevereiro de 2025. Com a seguinte fundamentação: “No tocante à factualidade não provada em f), não se pode aferir, com toda a certeza, da mesma, porquanto a autora entregou a empresa da testemunha EE a publicidade e termos iniciais do contrato de arrendamento celebrado. Queria a autora demonstrar que foram todos os réus informados, pessoalmente, da relevância do período do contrato. Todavia, a testemunha EE refere que esteve pontualmente presente junto de AA e só falou telefonicamente com BB, tendo lidado mais com CC. Refere ser normal os clientes assinarem os contratos no seu escritório, não podendo confirmar ter sido este o caso. Conjugadas tais declarações com o depoimento de AA, que referiu que esta e BB assinar o contrato em casa e que, depois, CC o levou, não se pode ter como assente esta factualidade.” Refere a recorrente que este facto foi alegado no artigo 47º da petição inicial e deve ser dado como provado porque não foi impugnado pelos réus, nem resultando da restante matéria alegada qualquer outro que com ele seja incompatível, pelo que deve ser admitido por acordo. Ainda que assim não fosse, a ré CC confirmou que tinham conhecimento de que o contrato deveria ser mantido até 1 de Fevereiro de 2025, como ficou consignado em assentada; convoca ainda o conteúdo dos documentos n.ºs 4 e 5 juntos com a petição inicial, não impugnados pelos réus e, bem assim, o documento n.º 6, que consiste no teor do próprio contrato, de que todos tinham conhecimento, pelo que não podiam desconhecer o período de duração daquele. Refere ainda que a própria ré AA disse que tinha falado com a CC para que o contrato fosse por dois anos, mas depois que o assinou e não reparou e ficou por três anos; também a testemunha EE confirmou a importância para a autora de um período mínimo de três anos e que isso foi falado com os réus. O facto em referência, alegado no artigo 47º da petição inicial, não foi expressamente impugnado pelos réus. Por outro lado, como refere a recorrente, no anúncio que publicitou o interesse da autora na celebração de um contrato de arrendamento foi, de facto, consignado que o contrato teria de ter um mínimo de dois/três anos, renováveis – cf. documento n.º 4 junto com a petição inicial. Além disso, a testemunha EE confirmou que esse requisito foi transmitido às interessadas, ainda que, eventualmente, possa não ter sido pessoalmente transmitido à ré AA, como se menciona na fundamentação da decisão recorrida. De todo o modo, a própria ré AA revelou saber que o contrato, tal como nele ficou consignado, teria uma duração mínima de três anos, tendo sido conversado entre ela e a ré CC esse requisito, até porque queria que tivesse ficado pelo período de dois anos e não três, como veio a suceder, precisamente por desconhecer se conseguiriam manter uma actividade bastante para assegurar todo esse período, o que revela que sabia que essa era a duração mínima – cf. minuto 5.16 e seguintes do seu depoimento. Além disso, a ré CC revelou claramente essa noção de que era importante que o contrato se mantivesse pelos três anos, o que, aliás, foi objecto de assentada. Assim, embora não esteja demonstrado que foram pessoal e concretamente informados de que a autora, sem a estipulação da duração referida, conforme mencionado em 22., não celebraria o contrato, deve ter-se como provado que os réus sabiam que o contrato deveria ser mantido durante três anos, como, aliás, resulta da respectiva Cláusula Segunda, n.º 1. Adita-se, pois, o seguinte facto à matéria provada: 25. Os réus sabiam que o contrato de arrendamento teria de ser mantido pelo período de três anos, conforme Cláusula Segunda, n.º 1. A alínea f) dos factos não provados deve ser eliminada. Aditamento dos factos alegados nos artigos 8º a 12º, 20º, 22º a 27º, 34º, 35º, 42º, 52º a 55º, 57º, 71º e 72º da petição inicial Nos artigos da petição inicial indicados a autora alegou o seguinte: 8º a qual esta tomou posse em 1 de Fevereiro de 2022, mediante a entrega das chaves do estabelecimento comercial, conforme documento que ora se protesta juntar sob o nº 6. 9º Pelo prazo de três anos, com início em 1 de Fevereiro de 2022, prorrogável por períodos sucessivos de um ano. 10º Mediante o pagamento de uma renda mensal que à data era mais precisamente de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros). 11º A ser entregue no primeiro dia útil do mês àquele a que dissesse respeito, na sede da Autora ou mediante transferência bancária para a sua conta domiciliada na agência do Seixal do Banco BPI. 12º O imóvel é constituído por um estabelecimento comercial. 20º Sucede que, a 1ª Ré, deliberada e conscientemente, não pagou todas as rendas acordadas e vencidas, desde 1 de Julho de 2022 (inclusive) até à data da cessação, por denúncia, do contrato de arrendamento em questão. 22º Assim, a 1ª Ré não pagou atempadamente as rendas vencidas e a liquidar nos meses de Abril, Maio e Junho de 2022. 23º Sendo que, do contrato celebrado entre a Autora e os Réus, consta a seguinte cláusula: “Caso a renda não seja paga até ao dia 08 de cada mês, o SEGUNDO OUTORGANTE fica sujeita ao pagamento de uma sanção correspondente a 20% do valor de renda desse mês, de acordo com a lei vigente.” 24º Não tendo a 1ª Ré procedido ao pagamento das rendas vencidas e a liquidar nos meses de Julho a Outubro de 2022. 25º Deste modo, a 1ª Ré deve à Autora as seguintes rendas: (i) renda do mês de Julho de 2022, sendo devido o valor vencido de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros); (ii) renda do mês de Agosto de 2022, sendo devido o valor vencido de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros); (iii) renda do mês de Setembro de 2022, sendo devido o valor vencido de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros); e (iv) renda do mês de Outubro de 2022, sendo devido o valor vencido de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros). 26º Pelo que, o total do valor das rendas não liquidadas pela 1ª Ré perfaz a quantia de € 2.600,00 (dois mil e seiscentos euros), conforme documento que ora se protesta juntar sob o nº 9. 27º Tampouco a 1ª Ré procedeu ao pagamento de cada uma das rendas indicadas nos oito dias seguintes a contar do início da mora, e nem sequer posteriormente. 34º A 1ª Ré não recebeu a carta acima referida, pese embora a mesma ter-lhe sido enviada para o domicílio convencionado contratualmente. 35º A 2ª, 3º e 4ª Ré receberam as cartas supra aludidas, nos dias 17 de Fevereiro de 2022, 16 de Fevereiro de 2022 e 22 de Fevereiro de 2022, respectivamente. 42º Data em que denunciou, com efeitos imediatos, o contrato de sublocação celebrado entre as partes. 52º Ora, operando-se a cessação do contrato de sublocação nos termos anteditos determinará, como efeito imediato, que a Autora possa exigir a totalidade do valor das rendas vincendas correspondentes ao período em falta de 2 (anos), isto é, entre 1 de Novembro de 2022 e 31 de Outubro de 2024. 53º O que perfaz que a 1ª Ré seja imediatamente devedora da Autora do valor global de € 15.600,00 (quinze mil e seiscentos euros), pelo período de duração do contrato em falta e que não foi cumprido, decorrente do valor mensal de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros) multiplicado por 24 (vinte e quatro) rendas vincendas. 54º A que acrescem as rendas vencidas pela ocupação do locado, mas não liquidadas, no já referido montante global de € 2.600,00 (dois mil e seiscentos euros). 55º Bem como vinte por cento do montante das rendas vencidas, no valor de € 910,00 (novecentos e dez euros), por não ter sido cessada atempadamente a mora, nos meses de Abril de 2022 a Junho de 2022, e por falta de pagamento nos meses de Julho de 2022 a Outubro de 2022. 57º O que não foi respeitado dado que a denúncia foi comunicada, pela 1ª Ré à Autora, no mesmo dia em que foram entregues a chaves do locado, isto é, em 10 de Outubro de 2022. 71º O que significa que a 1ª Ré ocupou o imóvel, ilegítima e ilicitamente, nos meses de Maio de 2022 a Outubro de 2022. 72º Ora, tendo a 1ª Ré ocupado o imóvel durante este período e sem que o contrato se mantivesse em vigor, cabe apelar ao previsto no número quatro da cláusula oitava, que prevê o seguinte: “Cessando este contrato de sublocação, por qualquer causa legal ou contratual, o SEGUNDO OUTORGANTE entregará o locado livre de pessoas e bens à PRIMEIRA OUTORGANTE, ficando obrigado a pagar, a título de indemnização à PRIMEIRA OUTORGANTE, por cada mês ou fracção que decorrer até à restituição, o dobro da renda estipulada, bem como as despesas judiciais e extrajudiciais decorrentes desse incumprimento, sem prejuízo do cumprimento das obrigações decorrentes do presente contrato e da obrigação de ressarcir danos emergentes, lucros cessantes ou prejuízos de qualquer outra natureza a que o seu procedimento der causa.” A apelante entende que o Tribunal recorrido deveria ter emitido pronúncia sobre o vertido nestes artigos do seu articulado inicial, sendo que são relevantes para demonstrar o contrato, a sua cessação e o valor reclamado, não foram impugnados pelos réus, para além de os valores em dívida poderem ser aferidos com base nos documentos n.ºs 8 e 9 juntos com a petição inicial, as interpelações efectuadas aos réus resultam dos documentos n.ºs 10 e 12, assim como foram confirmados pelas rés AA e CC e pela testemunha EE, pelo que devem ser considerados provados. O facto alegado no artigo 8º da petição inicial não foi expressamente vertido na factualidade apurada, mas, para aquilo que releva, resulta do ponto 8., onde se reproduz a Cláusula Segunda do contrato, que este teve início em 1 de Fevereiro de 2022, data a partir da qual foram efectuados pagamentos de rendas. De todo o modo, nada obsta ao aditamento desse facto, nos seguintes termos: 26. O locado foi entregue à Caidrois, Lda., mediante a entrega das chaves do imóvel, no dia 1 de Fevereiro de 2022. Quanto ao alegado nos artigos 9º, 10º, 11º, 12º e 23º da petição inicial correspondem a mera reprodução do conteúdo das cláusulas contratuais que já se mostram transcritas nos pontos 8. e 9. dos factos provados, sendo que a natureza do estabelecimento resulta ainda do vertido nos pontos 2. e 11. dos factos provados, nada mais havendo a aditar em relação a tal matéria. A alegação constante do artigo 20º da petição é uma mera conclusão, aferível em face do que resultou provado sob o ponto 17., sendo que constitui busílis do presente litígio, precisamente, saber quando cessou o contrato e de que modo, pelo que, naturalmente, a afirmação de que essa cessação ocorreu por denúncia equivaleria a resolver a causa nos enunciados de facto. Na verdade, na distinção entre aquilo que é matéria fáctica e deve constar do elenco provado ou não provado e o que constitui apreciação jurídica, o que há que apurar não é se ocorreu ou não um concreto facto, ou seja, sindicar a convicção formada pelo tribunal com base nas provas produzidas e de livre apreciação, mas avaliar se a matéria considerada como um facto provado reflecte, indevidamente, uma apreciação de direito por envolver uma “qualquer valoração segundo a interpretação ou aplicação da lei, ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica” – cf. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, Lex, 1997, pág. 312; cf. acórdão do Supremo Tribunal de 28-09-2017, 659/12.6TVLSB.L1-S1. Como é sabido, nem sempre é fácil distinguir o que é matéria de facto e matéria de direito, sendo, contudo, consensual, na doutrina e na jurisprudência, que, para efeitos processuais, tudo o que respeita ao apuramento de ocorrências da vida real é questão de facto e é questão de direito, tudo o que diz respeito à interpretação e aplicação da lei. Assim, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-05-2009, 08S3441: “No âmbito da matéria de facto, processualmente relevante, inserem-se todos os acontecimentos concretos da vida, reais ou hipotéticos, que sirvam de pressuposto às normas legais aplicáveis: os acontecimentos externos (realidades do mundo exterior) e os acontecimentos internos (realidades psíquicas ou emocionais do indivíduo), sendo indiferente que o respectivo conhecimento se atinja directamente pelos sentidos ou se alcance através das regras da experiência (juízos empíricos) […] No mesmo âmbito da matéria de facto, como realidades susceptíveis de averiguação e demonstração, se incluem os juízos qualificativos de fenómenos naturais ou provocados por pessoas, desde que, envolvendo embora uma apreciação segundo as regras da experiência, não decorram da interpretação e aplicação de regras de direito e não contenham, em si, uma valoração jurídica que, de algum modo, represente o sentido da solução final do litígio.”17 Ainda que, actualmente, a delimitação entre matéria de facto e matéria de direito seja tida como essencialmente artificial, posto que para o Direito apenas são relevantes os factos que o direito qualificar como factos jurídicos, certo é que a lei continua a prever tal delimitação, que é transversal a toda a instância processual (articulados, sentença, recurso), sem que se deixe de atender a que os respectivos contornos podem sofrer variações em função das concretas circunstâncias, designadamente em razão do verdadeiro objecto do processo, de tal modo que uma mesma proposição pode assumir, num determinado contexto, uma questão de facto e, noutro contexto, uma questão de direito.18 Não podendo a matéria de facto conter qualquer apreciação de direito, seja qualquer valoração segundo a interpretação ou a aplicação da lei, ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica, devendo as questões de direito que constarem da selecção da matéria de facto considerar-se não escritas, o vertido no artigo 20º da petição inicial relativamente à natureza da cessação do contrato não pode ingressar no elenco factual apurado. O alegado nos artigos 22º, 24º e 27º da petição inicial são juízos conclusivos a retirar dos valores comprovadamente pagos e que foram apenas os descritos no ponto 17., pelo que nenhum relevo possuem para a decisão da causa, sendo que os valores em dívida enunciados nos artigos 25º e 26º assumem, neste contexto, natureza de juízo valorativo e de mérito, porquanto será em sede da apreciação jurídica da causa que se determinará quando cessou o contrato e que rendas são devidas, pelo que não há que aditar nada a esse propósito nos factos provados. No que diz respeito aos factos alegados nos artigos 34º e 35º da petição inicial, é possível constatar, em face do conteúdo do documento n.º 10 junto pela autora19, que, efectivamente, a entrega da carta dirigida à Caidrois, Lda. não foi conseguida, sendo que esta foi expedida para a Rua 3, morada que consta do contrato de arrendamento (documento n.º 6 junto com a petição inicial) e para onde deveriam ser expedidas quaisquer comunicações, conforme Cláusula Oitava, n.º 7 do referido contrato. Por outro lado, emerge também de tal documento a recepção das cartas dirigidas aos réus. Assim, adita-se aos factos provados o seguinte: 27. A carta referida em 19. foi expedida para o endereço da Caidrois, Lda. constante do contrato de arrendamento - Rua 3 -, mas não foi por esta recebida. 28. A ré AA, o réu BB e a ré CC receberam a carta que lhes foi dirigida referida em 19., nos dias 17 de Fevereiro de 2023, 16 de Fevereiro de 2023 e 22 de Fevereiro de 2023, respectivamente. Relativamente ao alegado nos artigos 42º, 52º, 53º, 54º, 55º e 57º da petição inicial, reitera-se o acima aduzido quanto à inviabilidade de inclusão no elenco factual de apreciações jurídicas sobre a matéria em discussão e que sejam susceptíveis de resolverem o litígio, como o é, no caso, a consideração de ter existido uma denúncia por parte dos réus, os valores devidos por força da denúncia antes de decorrido o prazo de três anos e os montantes em causa, pelo que tais factos não devem ingressar na factualidade apurada. O artigo 71º da petição inicial contém um juízo valorativo de natureza jurídica sobre a licitude ou ilicitude da ocupação dos imóveis nos meses de Maio a Outubro de 2022, o que deve ser aferido em sede de apreciação jurídica da causa e no artigo 72º reproduz-se apenas a Cláusula Oitava do contrato de arrendamento para sustentar o pedido de pagamento das rendas em dobro relativamente àqueles meses, o que deve também ser apreciado em sede do conhecimento do mérito, pelo que nada mais há a aditar aos factos provados. Da eliminação do ponto 16. dos factos provados O Tribunal recorrido deu como provado o seguinte: 16. Após a entrega referida em 15. o representante da autora esteve na fracção aludida em 2., juntamente com EE. Com a seguinte fundamentação: “Relativamente à factualidade descrita em 15. e 16., a mesma extrai-se essencialmente do depoimento de EE que, não obstante conter algumas imprecisões por já não se lembrar detidamente de todo o circunstancialismo inerente, declarou com certeza e clareza que uns dias antes da reunião (única ocorrida relativamente à fração em causa), onde lhe foi mostrado o teor do documento constante de folhas 42 verso, que se recorda ter ocorrido em outubro (consentâneo com a data de tal documento), houve uma entrega das chaves da fração, tendo-se dirigido à fração juntamente com o legal representante da autora.” A apelante sustenta que este facto não foi alegado nos articulados, sendo despiciendo determinar se constitui apenas um facto concretizador ou complementar, pois que constituiu fundamento da decisão jurídica sem que tivesse sido concedida às partes a oportunidade de exercer o contraditório e arrolar novos meios de prova, pelo que a sua consideração violou os princípios do dispositivo e do contraditório, levando a que a decisão proferida constitua uma decisão-surpresa. O art.º 552º do CPC, nas alíneas d) e e) do respectivo n.º 2, impõe ao autor, no âmbito do processo comum de declaração, o ónus de expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à acção e o de formular o pedido. Por sua vez, cabe ao réu defender-se por impugnação ou por excepção, alegando factos que obstem à apreciação do mérito da acção ou que, servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autor, determinam a improcedência total ou parcial do pedido. Ora, “[] o processo civil é há muito regido pelo princípio dispositivo (sendo manifesto e incontroverso que, apesar de o novo CPC o não enunciar explicitamente nas disposições introdutórias, ele continua a estar subjacente aos regimes estabelecidos em sede de iniciativa e de delimitação do objecto do processo pelas partes, não sendo postergado pelos regimes de maior flexibilidade e de reforço de determinadas vertentes do inquisitório, estabelecidos quanto ao ónus de alegação de factos substantivamente relevantes): é que a iniciativa do processo e a conformação essencial do respectivo objecto incumbem – e continuam inquestionavelmente a incumbir - às partes; pelo que – para além de o processo só se iniciar sob o impulso do autor ou requerente – tem este o ónus de delimitar adequadamente o thema decidendum, formulando o respectivo pedido, ou seja, indicando qual o efeito jurídico, emergente da causa de pedir invocada, que pretende obter e especificando ainda qual o tipo de providência jurisdicional requerida, em função da qual se identifica, desde logo, o tipo de acção proposta ou de incidente ou providência cautelar requerida - definindo ainda o núcleo essencial da causa de pedir em que assenta a pretensão deduzida.” – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-04-2016, 842/10.9TBPNF.P2.S1. O pedido corresponde ao efeito jurídico que se pretende obter com a acção e, como tal, circunscreve o âmbito da decisão final pois que desenha “o círculo dentro do qual o tribunal se tem de mover para dar solução ao conflito de interesses que é chamado a decidir” (cf. art. 609º, n.º 1 do CPC) – cf. Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. I, pág. 201. Mas aquele que dirige uma pretensão ao Tribunal terá ainda de expor a situação de facto com base na qual se afirma a titularidade do direito que pretende ver tutelado. É a causa de pedir, entendida como “o facto jurídico de que procede a pretensão deduzida”, que assume uma função individualizadora do pedido e, como tal, do objecto do processo – cf. art. 581º, n.º 4 do CPC. A causa de pedir, independentemente do entendimento que se perfilhe acerca dos factos que a integram (nomeadamente se abrange todos os necessários à procedência da acção ou apenas aqueles que se reconduzam aos elementos essenciais de um determinado tipo legal), cumpre sempre uma função individualizadora do pedido e, portanto, do objecto do processo. Por isso, há-de conter, pelo menos, os factos pertinentes à causa e que sejam indispensáveis para a solução que o autor quer obter: os factos necessários e suficientes para justificar o pedido – cf. José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 3ª edição, 1981, pág. 351. O art.º 5º, n.º 1 do CPC impõe às partes o ónus de alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas, ou seja, quanto aos primeiros, devem ser alegados os factos essenciais à procedência do pedido, aqueles que são constitutivos do direito do autor e, bem assim, os de que dependa o reconhecimento da excepção. Distingue-se, dentro dos factos integradores da procedência do pedido, o núcleo essencial, constituído pelos factos principais, ou seja, os elementos típicos do direito que se pretende fazer valer, e os factos acessórios ou complementares, aqueles que concretizam ou qualificam os primeiros, conforme previsto na norma de procedência (processualmente, são aqueles que integram a causa de pedir mas não individualizam a causa nem a sua omissão determina a ineptidão da petição), sendo, como aqueles, decisivos para a viabilidade ou procedência da acção/reconvenção/defesa por excepção. Distintos dos factos principais e dos complementares, são os factos instrumentais, que não integram a causa de pedir, ou seja, são factos indiciários ou presuntivos dos factos integrantes da causa de pedir, são meros factos probatórios, que, como tal, estão fora do ónus de alegação – cf. Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 2018, pp. 48-54; Professor Miguel Teixeira de Sousa, Estudos…, pág. 70.20 Tendo presente esta distinção importa atentar na norma vertida no n.º 2 do art. 5º do CPC que estatui deste modo: “Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.” Atenta a questão aqui em apreço – em que se discute a atendibilidade pelo tribunal de um facto não alegado pelas partes e que a recorrente considera ser um facto novo, com base no qual o Tribunal recorrido fundamentou a solução jurídica da causa -, torna-se útil convocar a distinção que o Professor Miguel Teixeira de Sousa efectua quanto aos factos necessários à procedência da acção, que qualifica de factos principais e que abrangem os factos essenciais e os factos complementares, sendo que os primeiros permitem individualizar a situação jurídica alegada na acção ou na excepção e os segundos são indispensáveis à procedência dessa acção ou excepção, mas não integram o núcleo essencial da situação jurídica alegada pela parte – cf. Estudos…, pág. 71. Assim, os factos essenciais são os necessários à identificação da situação jurídica invocada pela parte e que relevam na viabilidade da acção ou da excepção. Deste modo, se os factos alegados pela parte não forem suficientes para se perceber qual a situação que se pretende fazer valer em juízo, existe um vício que afecta a viabilidade da acção ou da excepção. Já os factos complementares não são necessários à identificação da situação jurídica alegada pela parte, mas são indispensáveis à procedência da acção ou da excepção. Em consonância, a falta de alegação dos factos essenciais acarreta a ineptidão da petição inicial por inexistência de causa de pedir (cf. art.º 186º, n.º 2, a) do CPC); a ausência de um facto complementar não implica qualquer inviabilidade ou ineptidão, mas importa a procedência da acção – cf. M. Teixeira de Sousa, op. cit., pág. 72. No entender de Rui Pinto, não podendo as partes dar como certo que o tribunal trará para o processo os factos complementares, porque estes não deixam de ser factos constitutivos do direito alegado (e como tal sujeitos ao ónus da prova), aquelas têm o ónus de alegar, para além dos factos principais, os factos complementares, sem prejuízo de estes poderem surgir ao longo da instrução da causa – cf. op. cit., pág. 56. Diversamente, António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa sustentam que a consideração dos factos complementares ou concretizadores em resultado da instrução tem agora natureza oficiosa, não sendo exigida a concordância da parte para a sua atendibilidade, mas sempre com a exigência de que sobre eles seja garantido o exercício do contraditório, o que passa, designadamente, pelo anúncio às partes pelo juiz, antes do encerramento da audiência, que está a equacionar utilizar esse mecanismo de ampliação da matéria de facto (com a possibilidade de requererem a produção de novos meios de prova) – cf. op. cit., pp. 28- 29; em sentido diverso, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código…, pp. 17-18, onde se reconhece a possibilidade de qualquer uma das partes manifestar-se no sentido de integrar o facto na matéria da causa, não sendo de dispensar uma atitude positiva das partes nesse sentido, atento o princípio do dispositivo que emana do n.º 1 do art. 5º do CPC. É assim que na enunciação dos factos provados e não provados o juiz terá de efectuar “uma pronúncia (positiva, negativa, restritiva ou explicativa) sobre os factos essenciais (nucleares) que foram alegados para sustentar a causa de pedir ou para fundar as excepções, e de outros factos, também essenciais, ainda que de natureza complementar que, de acordo com o tipo legal, se revelem necessários para que a acção ou a exceção proceda.” – cf. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipes Pires de Sousa, op. cit., pág. 719. Na situação sub judice, não se pode deixar de reconhecer que, tal como sustenta a recorrente, nenhuma das partes alegou que, após a entrega das chaves do locado, o representante da autora se deslocou ao locado com EE. Para a qualificação deste facto introduzido nos autos e sua relevância para a decisão da causa, importa ter presente que, tal como ficou enunciado aquando da fixação do objecto do litígio, as questões suscitadas pela autora e que importava apurar eram saber se a Caidrois, Lda. tinha procedido à denúncia do contrato de arrendamento ou se, ao invés, como sustentado pelos réus, tinha existido uma revogação do contrato, verificada em 1 de Agosto de 2022, por força do funcionamento da Cláusula Segunda, n.º 4 do contrato. Com efeito, ainda que a autora tenha alegado no artigo 17º da sua petição inicial, que as chaves do locado foram entregues, fê-lo referindo que essa entrega ocorreu no dia 10 de Outubro de 2022, data em que a arrendatária teria comunicado a denúncia do contrato, pelo que essa entrega foi contextualizada enquanto acto simultâneo à denúncia, que, segundo a tese da autora, não era permitida, por o contrato dever ter a duração mínima de três anos, daí pretendendo retirar as consequências contratuais estabelecidas pelas partes. Por sua vez, os réus sustentaram que essa denúncia não produziu efeitos, quer por falta de poderes de representação de quem a subscreveu, quer por o contrato de arrendamento, nessa data, já não estar em vigor, por ter cessado por revogação, decorrente da falta de pagamento da renda referente ao mês de Julho de 2022 e em conformidade com o estabelecido na respectiva Cláusula Segunda, n.º 4. Significa isto que os réus, eles próprios, não fundamentaram a cessação do contrato de arrendamento por revogação real ocorrida por força da entrega das chaves do locado à autora e sua recepção por parte desta com o intuito de pôr termo ao contrato. Note-se que a decisão recorrida veio a resolver o litígio entre as partes, no que ao momento e forma da cessação do contrato de arrendamento diz respeito, em sentido dissonante com qualquer uma das versões apresentadas, considerando verificada uma revogação real mediante a entrega das chaves, aduzindo o seguinte: “Todavia, importa igualmente perceber, atendendo às questões que supra já se analisaram, se, quando e de que forma terminou o contrato de arrendamento sub judice. Para tanto, e recorrendo aos factos provados, cremos encontrar verificada a cessação do contrato de arrendamento aquando da entrega, por parte de legal representante da ré, das chaves do locado, ao legal representante da autora, que as recebeu, tendo ido verificar a fração, não mais se tendo desta desapossado. Ponderando todas as incidências que ladearam a elaboração e execução do contrato de arrendamento em causa, considera-se que a entrega das chaves da fração, por parte de representantes da primeira ré à autora, que as recebeu, em data que não foi concretamente apurada mas que se situou entre o final do mês de setembro e o início do mês de outubro, mas antes do dia 10 desse mês (factos provados em 15. e 16.), torna-se manifesto que o referido circunstancialismo factual encontra acolhimento no instituto da revogação real.” Efectivamente, as partes não aludiram, em termos jurídicos, à cessação do contrato por revogação real. Contudo, é sabido, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art.º 5º, n.º 3 do CPC), o que significa que a qualificação jurídica dos factos incumbe ao Tribunal. O juiz pode, pois, decidir uma questão com base em norma não invocada pelas partes, mas não sem que antes estas tenham tido a possibilidade de se pronunciar sobre esse enquadramento jurídico (art. 3.º, n.º 3, do CPC). Porém, isto só será assim se o enquadramento jurídico que vem a ser dado pelo tribunal seja manifestamente diferente do sustentado pelos litigantes, destacando-se pela originalidade, pelo seu carácter invulgar e singular, objectivamente considerado. Se, pelo contrário, a pronúncia do tribunal assenta sobre um dos possíveis enquadramentos jurídicos da questão com que a parte podia razoavelmente contar, não se estará perante uma decisão-surpresa – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 31-01-2019, 14/18.4T8NIS.E1. Sucede, contudo, que a solução jurídica alcançada pelo Tribunal recorrido não assentou exclusivamente nos factos alegados pelas partes, tendo convocado precisamente o facto aditado inovatoriamente e do qual retirou a tomada do locado pela autora, para daí extrair um acordo tácito quanto à revogação do contrato de arrendamento. A cessação do contrato por via da revogação real é admitida pelo art.º 1082.º do Código Civil, que consagra a revogação do contrato mediante acordo a tanto dirigido, que deve ser celebrado por escrito quando não seja imediatamente executado ou quando contenha cláusulas compensatórias ou outras cláusulas acessórias. No entanto, é possível celebrar de modo tácito ou implícito um negócio abolitivo ou extintivo do contrato de arrendamento, o que se verifica se ocorrer a desocupação material do prédio, recebendo-o o senhorio, caso em que o contrato resulta revogado por revogação real. A revogação real do contrato de arrendamento materializa-se e consuma-se com a entrega das chaves e do arrendado ao senhorio e com o recebimento de tais elementos por banda deste, por via do que se obtém a sua validade e eficácia. Esse acto, porém, tem de ser interpretado e entendido no sentido de que, com ele, as partes quiseram de mútuo acordo, pôr termo, naquele momento, ao contrato de arrendamento. Com efeito, a cessação do contrato por mútuo acordo implica necessariamente a existência de declarações negociais convergentes, sendo que, de acordo com o n.º 1 do art.º 217.º do Código Civil, a declaração pode ser expressa ou tácita. A vontade de fazer cessar uma relação contratual pode, assim, ser manifestada através de actos que, com toda a probabilidade, a revelem. Ou seja, a revogação emerge de comportamentos de facto que traduzem a vontade de fazer cessar a vigência do contrato, sem necessidade da prática de qualquer acto posterior. “Tipicamente, tal consistirá na entrega da coisa ao senhorio, devoluta de pessoas e bens, acompanhada da entrega da chave, com o acordo deste. Não basta que o inquilino entregue o locado e as chaves – é necessário que o senhorio aceite esse comportamento como execução de uma vontade comum de pôr fim à relação contratual.” – cf. Elsa Sequeira Santos, Código Civil Anotado, Volume I, 2º Edição Revista e Atualizada, Ana Prata (Coord.), pág. 1359. Neste contexto, o facto aditado pelo Tribunal recorrido constitui um facto complementar da factualidade alegada pelas partes, onde a entrega das chaves foi mencionada não num contexto de acordo tácito de revogação do contrato, mas enquanto associado a uma denúncia (alegação do autor) ou enquanto decorrência de uma cessação que se teria verificado pelo funcionamento automático da Cláusula Segunda, n.º 4 do contrato. Aliás, a 1ª instância concluiu pela revogação tácita do arrendamento fazendo apelo, precisamente, ao facto de, tendo sido entregues as chaves, a senhoria ter ido depois verificar o locado, dele tomando posse, sem o que não seria possível confirmar que a autora quis receber o locado, conformando-se com a cessação do contrato. Daí que esse facto, surge, neste contexto, como facto cuja demonstração é necessária para a afirmação de uma aceitação tácita da revogação do contrato, ou seja, enquanto facto complementar. Com efeito, como resulta provado no ponto 15., a simples entrega das chaves, através do agente imobiliário, só poderia, eventualmente, conduzir a uma conclusão de existência de consenso por via de presunção judicial, ou seja, enquanto se possa aceitar que tal situação conduz a que, de acordo com as regras da experiência comum, se deva assumir como normal e esperado, que o senhorio aceitou a revogação. Está pressuposto no art.º 1082º do Código Civil o acordo e não a mera entrega das chaves ao senhorio, ou a quem o represente, ou o simples abandono do locado. Contudo, essa entrega das chaves, se acompanhada da aceitação pelo locador, podem interpretar-se, em sede de presunção natural, como traduzindo um acordo revogatório de execução imediata, porquanto, sem chaves, o locatário não pode continuar a aceder ao arrendado – cf. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24-05-2021, 3150/18.3T8GDM.1. No contexto dos factos apurados, essa presunção só se tornará admissível se for possível afirmar que após a recepção das chaves, a senhoria se comportou como tendo aceitado a entrega do locado, o que, no caso, apenas se tornou viável para a 1ª instância em face do provado sob o ponto 16., o que fez, aliás, sem que tenha sido esclarecido neste ponto com que fim ou objectivo, ou intenção, a autora se deslocou ao locado, com EE, bastando-se com essa afirmação para concluir, já em sede de fundamentação, que a senhoria recebeu as chaves, foi verificar a fracção e que dela tomou posse, não voltando a abrir mão. Do confronto da redacção do art.º 264º, n.º 3 do CPC de 196121 com o actual art.º 5º, n.º 2, b) do CPC de 2013, extrai-se que, no caso de ser o juiz que, por sua iniciativa, pretende considerar os factos complementares, deixou de se exigir que a parte manifeste vontade de deles se aproveitar, bastando-se agora a lei com a concessão às partes da possibilidade de se pronunciar. Aquilo que releva é que se trate de factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa e não de factos essenciais, o que, de acordo com o acima expendido, não pode deixar de ser considerado como ocorrendo no caso em apreço – cf. neste sentido, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 7-12-2023, 2017/11.0TVLSB.L1.S1; dos Tribunais da Relação de Coimbra de 16-02-2016, 12/14.7TBAGN.C1; de 23-02-2016, 2316/12.4TBPBL.C1; de 17-01-2017, 3161/12.2TBLRA-A.C1; da Relação de Évora de 3-11-2016, 32/10.3T2GDL.E1; da Relação do Porto de 15-09-2014, 3596/12.0TJVNF.P1 e de 30-04-2015, 5800/13.9TBMTS.P1. Daqui resulta que o poder de cognição do tribunal em relação à matéria de facto não se encontra confinado ao alegado pelas partes nos respectivos articulados. O tribunal pode pronunciar-se sobre factos e basear neles a sua decisão, ainda que venham a ser alegados apenas depois dos articulados em resposta ao convite ao aperfeiçoamento e/ou que não cheguem a ser alegados mas resultem da instrução da causa. Em comentário ao acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 3-11-2016, o Professor Miguel Teixeira de Sousa22 refere: “A circunstância de, no art. 5.º, n.º 2, al. b), CPC, ter deixado de se exigir a concordância da parte quanto ao aproveitamento pelo tribunal do facto complementar adquirido durante a instrução da causa não foi acidental, nem é inócua. A solução é orientada pela busca da verdade em processo, entendendo-se que nada pode justificar que a parte possa impedir o tribunal de utilizar na sua actividade decisória um facto de que o tribunal tem conhecimento. Se, por exemplo, o tribunal tomar conhecimento, durante o processo, de um facto que torna nulo o contrato celebrado pelas partes, não é aceitável que alguma das partes possa obstar à consideração desse facto com o argumento de que não lhe interessa o reconhecimento daquele desvalor do contrato. Uma coisa é a parte ter disponibilidade quanto aos factos que quer alegar; outra bem diferente é a parte ter disponibilidade sobre um facto que o tribunal apurou e poder impedir o tribunal de o considerar na apreciação da acção. O princípio dispositivo só respeita àquele primeiro aspecto, pelo que a consideração pelo tribunal de um facto apurado em juízo, mas não alegado pelas partes, nunca pode ser vista como uma violação daquele princípio.” No entanto, é necessário que se verifiquem os seguintes pressupostos: estarem causa factos complementares ou concretizadores dos factos alegados; a notícia (no processo) da sua ocorrência emergir da prova produzida durante a instrução da causa; as partes terem tido a possibilidade de se pronunciar sobre eles antes de o tribunal os decidir. Como se viu, a alusão à recepção das chaves pela senhoria e a sua deslocação ao locado para verificar o imóvel foram mencionadas pela testemunha EE e foi com base nesse depoimento, que o tribunal o considerou provado, mas fê-lo sem advertir as partes de que o iria utilizar e sem lhes conceder a oportunidade de sobre ele se pronunciarem ou requererem a produção de prova. A utilização pelo tribunal recorrido desse facto nos termos do art.º 5º, n.º 2, b) do CPC exige, porém, que o tribunal se pronuncie expressamente sobre a possibilidade de ampliar a matéria de facto, disso dando conhecimento às partes antes do encerramento da discussão, pois que apenas desse modo lhes será conferida efectiva "possibilidade de se pronunciarem" sobre o facto que o tribunal se propõe aditar, assegurando um processo equitativo e facultando-lhes o exercício pleno do contraditório, requerendo, se for caso disso, novos meios de prova em relação aos factos novos, quer para reafirmar a realidade desses factos, no sentido da sua prova, quer para opor contraprova a seu respeito, infirmando a realidade que aparentam – cf. neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-12-2023, 2017/11.0TVLSB.L1.S1 Analisados os autos, verifica-se que tal sinalização nunca foi efectuada na 1.ª instância, pelo que não foi garantido o exercício do contraditório nem o direito à prova, relativamente ao facto aditado sob o ponto 16. dos factos provados, quando se refere que, após a entrega das chaves, o representante da autora esteve na fracção juntamente com EE. Para a consideração desse facto, agora pela Relação, não basta que as partes tenham tido a oportunidade de se pronunciar em sede de alegações, sendo necessário, para esse efeito, considerando a natureza complementar de tal facto e para que se possa dele fazer uso enquanto tendo emergido da instrução da causa, diligenciar pela ampliação da matéria de facto, nos termos do disposto no art.º 662º, n.º 1, c) do CPC. Uma vez que não pode este tribunal substituir-se ao tribunal recorrido, sendo necessária a produção de prova – contraditada entre as partes – sobre a nova factualidade introduzida nos autos, anula-se a sentença recorrida, devendo o processo baixar à 1ª instância com vista à concessão às partes da oportunidade de se pronunciarem sobre o novo facto que o Tribunal pretende introduzir no processo e requererem a produção de prova que tiverem por pertinente. Simultaneamente, e aproveitando o regresso dos autos à fase instrutória, deverá a 1ª instância concretizar o comportamento da autora e esclarecer, sendo o caso de manter-se como provado o ponto 16. em referência, as circunstâncias em que ocorreu a deslocação da senhoria ao locado e a finalidade por esta visada, para que seja possível, posteriormente, reiterar ou sindicar a afirmação vertida na decisão recorrida no sentido de que aquela ali foi verificar a fracção e dela tomar posse. O novo julgamento a realizar em 1ª instância, pelo mesmo senhor juiz subscritor da sentença recorrida, abrangerá apenas a matéria referida no ponto 16. supra referido, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições (art. 662º, nº 3, c), do CPC), daqui resultando, por conseguinte, que não é admissível a produção de nova prova ou a renovação de prova incidente sobre a parte da decisão de facto que não está viciada. Antes da prolação da ulterior sentença que vier a ser proferida na sequência do novo julgamento cuja realização agora se determina, deverá ser concedida às partes a oportunidade de se pronunciarem ainda sobre questões de direito que o tribunal decida conhecer oficiosamente. Em face do assim decidido resulta prejudicada, a apreciação do mérito da causa, com o conhecimento das demais questões suscitadas (cf. art. 608º, nº 2 do CPC). * Das Custas De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. Nos termos do art. 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria. Uma vez que a pretensão recursória da recorrente merece provimento, as custas (na vertente de custas de parte) ficam a cargo dos réus/recorridos, parte vencida no recurso, dado que é quem fica negativamente afectada pela decisão ora proferida – cf. neste sentido, Salvador da Costa, Custas a final pela parte vencida (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.12.2018).23 * IV – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em anular a decisão recorrida, nos termos do art. 662º, n.º 1, c) do CPC, para ampliação da matéria de facto nos termos expressamente mencionados no texto supra (apuramento e concretização do facto descrito no ponto 16.) e prolação de nova decisão (com prévia concessão às partes da oportunidade de se pronunciarem sobre questões de direito que o Tribunal decida conhecer oficiosamente). As custas ficam a cargo dos réus/apelados. * Lisboa, 2 de Dezembro de 202524 Micaela Sousa Luís Filipe Pires de Sousa Ana Mónica Mendonça Pavão _______________________________________________________ 1. Elaborado pela relatora e da sua inteira responsabilidade – cf. artigo 663º, n.º 7 do Código de Processo Civil. 2. N.I.P.C. .... 3. Relativamente à qual foi declarada a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide com fundamento na sua declaração de insolvência, conforme despacho proferido em 7 de Dezembro de 2023, Ref. Elect. 431037846. 4. NIF .... 5. NIF .... 6. NIF .... 7. Ref. Elect. 36068977. 8. Ref. Elect. 36893218. 9. Ref. Elect. 38511288. 10. Ref. Elect. 440729279. 11. Ref. Elect. 43352799. 12. Adiante designado pela sigla CPC. 13. Na redacção original deste ponto consta a data de “15 de Fevereiro de 2022”, correspondente, aliás, ao que foi alegado no artigo 33º da petição inicial. No entanto, quer porque o contrato teve início em 1 de Fevereiro de 2022, quer porque o documento n.º 10 para onde remete aquele artigo 33º comprova, efectivamente, que a carta foi remetida em 15 de Fevereiro de 2023, corrigiu-se, em conformidade, a data, por se tratar de erro material. 14. Acessível na Base de Dados do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt, onde se encontram disponíveis todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem. 15. “15.º Deverá a denúncia do contrato, efetuada no dia 10 de outubro de 2022, apresentada na Petição Inicial, como documento nº7, ser entendida por ineficaz, uma vez que era relativa a um contrato já revogado (a 1 de agosto de 2022) e que já não produzia quaisquer efeitos à data da declaração, nem se encontram verificados os poderes de quem procedeu à assinatura do dito documento, pelo que, desde já se impugna o documento nº 7 da Petição Inicial. Ademais, 16.º Houveram dificuldades com a entrega das chaves do imóvel, por parte da 1.ª Ré, tendo a Autora considerado, que as chaves entregues via postal no passado dia 16 de Agosto de 2022, pela Drª DD, através de Correio Verde, não eram as corretas, o que não corresponde á verdade, (cfr. Doc. n.º1);” 16. Cf. Ref. Elect. 36068977, de 25 de Maio de 2023, que constitui um recibo emitido pelos CTT, com data de 18 de Agosto de 2022. 17. Não se desconhecendo, contudo, a possibilidade de se afirmarem juízos que densifiquem e concretizem uma realidade de facto – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-09-2017, 659/12.6TVLSB.L1-S1; no mesmo sentido, Miguel Teixeira de Sousa, Matéria de facto; julgamento; “factos conclusivos”, Jurisprudência (785) 6-02-2018, acessível em Blog do IPPC https://blogippc.blogspot.com/search?q=jurisprud%C3%AAncia+%28785%29.↩︎ 18. Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-03-2018, 1568/09.1TBGDM.P1.S1. 19. Ref. Elect. 35705060, de 17 de Abril de 2023. 20. “[…] os factos essenciais são aqueles que integram a causa de pedir ou o fundamento da excepção e cuja falta determina a inviabilidade da acção ou da excepção; - os factos instrumentais, probatórios ou acessórios são aqueles que indiciam os factos essenciais e que podem ser utilizados para a prova indiciária destes últimos; - finalmente, os factos complementares ou concretizadores são aqueles cuja falta não constitui motivo de inviabilidade da acção ou da excepção, mas que participam de uma causa de pedir ou de uma excepção complexa e que, por isso, são indispensáveis à procedência dessa acção ou excepção.” 21. “Serão ainda considerados na decisão os factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das excepções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes hajam oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório.” 22. Cf. Blog do IPPC, 9-02-2017 Jurisprudência (551) Factos complementares; factos instrumentais; consideração oficiosa, acessível em https://blogippc.blogspot.com/search?q=jurisprud%C3%AAncia+551. 23. Publicado no Blog do IPPC em https://blogippc.blogspot.com/. 24. Acórdão assinado digitalmente – cf. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página. |