Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
23363/17.4T8SNT-A.L1-5
Relator: ANABELA CARDOSO
Descritores: ARRESTO
CONFISCO
CARTA ROGATÓRIA
BREXIT
REINO UNIDO
NON BIS IN IDEM
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/24/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: - Mercê da saída do Reino Unido da União Europeia foi firmado o Acordo de saída do Reino Unido da Grã Bretanha e da Irlanda, do Norte da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica (Acordo de Saída), cuja separação se consumou em 31 de Janeiro de 2020;
- O Reino Unido é assim um país terceiro não lhe sendo aplicável a Decisão Quadro do Conselho n.º 2003/577/JHA, de 22 de Julho de 2003, relativa à execução na União Europeia da Ordem de Congelamento de Bens ou de Provas.;
- Sendo o Reino Unido e Portugal partes da Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Criminal e dos seus Protocolos, estes instrumentos legais continuarão a aplicar-se nas relações entre as partes, bem como a Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 5a Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
1.         No Processo n° 23363/17.4T8SNT-A, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Sintra - Juízo Local Criminal - Juiz 1, no âmbito do Processo de Oposição à Execução Comum (arresto), que corre por apenso a um processo/carta rogatória, de natureza penal, provindo das autoridades judiciais do Reino Unido, foi proferida decisão, em 22.02.2022, que se transcreve:
“1. AS AUTORIDADES DO REINO UNIDO apresentaram pedido, sob a forma de carta rogatória, no sentido de assegurar o congelamento de bens de LG.
2. Por decisão datada de 12 de Novembro de 2019 a pretensão das autoridades britânicas foi deferida e decretada a apreensão dos veículos de matrículas XX-63-34, 38-64-XX e 92-73-XX, propriedade do arrestado; o arresto do prédio urbano sito tia Rua (…)  Sintra, registado da Conservatória do Registo Predial de Sintra com o n. (…)  e a apreensão dos saldos que já se encontram cativos, bem como ao saldo restante das seguintes contas bancárias existentes na Caixa Geral de Depósitos (…), cujo saldo se encontra cativo à ordem do processo (…) com a quantia de €772,60; (…) , cujo saldo se encontra cativo à ordem do processo (…) , a quantia de €1.312,64, sendo o saldo disponível de €2.787,25 e (…) , cujo saldo encontra-se cativo à ordem do processo (…) , a quantia de € 6.182,64, sendo o saldo disponível de €6.271,89)
3. LG e CM foram notificados para deduzir oposição ou recorrer da decisão, tendo, cada um, apresentado a sua oposição, na qual pugnam, sumariamente, pela improcedência da ordem de arresto, alegando que LG cumpriu pena de prisão adicional de dezoito meses em substituição desta ordem de confisco e que CM não é casada consigo, pelo que não pode ver os seus bens arrestados sem ter praticado qualquer ilícito criminal.
4. Procedeu-se a inquirição das testemunhas arroladas pelos Requeridos.
II. SANEAMENTO
5. 0 tribunal é o competente em razão da matéria, da hierarquia e das regras de competência internacional.
O processo é próprio, e inexistem outras nulidades que o invalidem na sua totalidade.
As partes dispõem de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, e mostram-se devidamente patrocinadas.
Inexistem outras excepções, ou nulidades parciais, ou quaisquer questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento de mérito, e de que cumpra conhecer desde já.
III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
6. Resultam indiciariamente provados, com interesse para a boa decisão da causa, os seguintes factos:
6.1. Quanto ao arresto decretado mantem-se provado que:
A) A 14 de Setembro de 2006, LG foi condenado, pelo Tribunal da Coroa da Cantuária, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 7 anos de prisão.
B) A 9 de Março de 2006 os agentes do HMRC - Oficiais aduaneiros de Sua Majestade (equivalente à Autoridade Fiscal) no porto de Dover, no Reino Unido, interceptaram um veículo conduzido por AG, irmão gémeo de LG (ora arguido), passageiro no veículo, e efectuadas buscas aos mesmos, foram encontradas na posse de AG três embalagens de produto estupefaciente (cocaína) e na posse de LG quatro embalagens do mesmo produto.
C) A cocaína indicada tinha o valor de 249.500 Libras.
D) A 10 de Março de 2006 o arguido e o irmão foram acusados da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, nomeadamente 4,99 Kg. de cocaína.
E) A 14 de Setembro de 2008 foi decretada a apreensão de bens pelo Tribunal contra LG.
F) O valor obtido como benefício do arguido foi de 144.823,59 Libras.
G) O valor fixado como sendo os dos bens titulados pelo arguido foi de 49.541,89 Libras acrescendo os juros de mora.
H) Até à data não foi paga qualquer quantia relativamente à apreensão decretada.
I) A ordem de apreensão não está sujeita a recurso e encontra-se em vigor no Reino Unido.
J) A 21 de Julho de 2008 o Tribunal de Southwark Crown emitiu apreensão de bens a uma propriedade (imóvel), contas bancárias e veículos.
L) Através de Carta Rogatória enviada às autoridades Portuguesas foram efectuadas apreensões nas contas bancárias no valor de € 8.267,88 e apreendidos os veículos de matrículas 38-64-XX (Fiat …) e 92-73-XX (Fiat …).
6.2. Da oposição à providência cautelar resulta indiciariamente provado que:
M) Encontra-se registada a favor de CLM e de LG, solteiros e na proporção de metade cada um, a propriedade do imóvel sitio na Rua (…) , em (…), Freguesia de (…) , sobre o qual incide uma hipoteca voluntária a favor da Caixa Geral de Depósitos.
N) Na sequência da decisão descrita em E), LG foi condenado a uma pena adicional de dezoito meses de prisão, caso a decisão de confisco não fosse paga até 14 de Julho de 2008.
O) A decisão de confisco não foi paga até ao prazo descrito em P), pelo que a pena por falta de pagamento foi activada em 23 de Janeiro de 2009 e ordenado o cumprimento de dezoito meses além da pena inicialmente fixada.
P) A decisão de confisco continua por cumprir estando em dívida 100.696.27 Libras.
Q) O Requerido trabalha e vive do seu salário.
R) Os Requeridos encontram-se a liquidar o empréstimo bancário contraído para pagar o imóvel descrito em M).
7. Com interesse para a decisão da causa ficaram por provar os seguintes factos:
a) Que as contas bancárias arrestadas se presumem da Requerida CM na proporção de metade.
8. Vindo os Requeridos, na sua oposição, alegar factos infirmatórios dos fundamentos da pretensão de apreensão decretada, impõe-se-nos, no que respeita à decisão a proferir sobre a matéria de facto elencar os factos da oposição dados como provados e não provados, bem como os fundamentos que serviram de base à formação da convicção, mas ainda, especificar quais os factos respeitantes à decisão que decretou a providência que se mantém provados ou que resultaram infirmados, contrapondo, em sede de apreciação crítica das provas, às novas provas produzidas aquelas em que se tenha baseado a decisão cautelar.
O Tribunal alicerçou a sua convicção ao dar como provados os factos que antecedem, na apreciação crítica e conjugada de toda a prova documental e testemunhal produzida nos autos, complementada com as regras da experiência comum, conforme se discrimina em seguida. Quanto aos factos que se mantém da decisão inicial decretada, há que dizer que nenhuma prova foi trazida que os contradiga. Aliás, os Requeridos contestam apenas que são casados entre si e que estejamos perante bens que advém de actividades ilícitas, pois que, no demais, invocam questões de direito que, em sede própria, apreciaremos.
Quanto ao casamento dos Requeridos, há que dizer que prova alguma existe nos autos dessa circunstância: aliás, quanto a esse respeito, é a própria certidão do Registo Predial do imóvel em questão, de fls. 84 e 85 que atesta que são solteiros, sendo que inexiste qualquer assento de casamento trazido aos autos, pelo que na ausência da única prova passível de atestar a contração de matrimónio, sempre teria de improceder esta alegação. Ainda assim, JMG, JHG, LM e MC, amigos, familiares e conhecidos dos Requeridos, declaram que estes últimos contraíram o empréstimo para aquisição do imóvel juntos, mas que nunca foram casados.
Quanto à questão de saber se os bens arrestados não têm relação com qualquer facto ilícito, cremos que essa prova não foi feita, sobretudo porque apenas foram juntos aos autos comprovativos de que os Requeridos, em particular LG, exercem profissões e que vêm liquidando um empréstimo bancário.
Para prova de que a decisão de confisco não foi paga e ordenado o cumprimento de dezoito meses além da pena inicialmente fixada, mas que a decisão de confisco continua por cumprir estando em dívida 100.696.27 Libras, atendeu-se à informação prestada pelas autoridades britânicas, de fls. 190 e 191.
O Tribunal não se pronuncia sobre a demais matéria alegada nos requerimentos de oposição, por entender que constituem factos instrumentais, conclusivos e de direito, cuja decisão se teria, nesta parte, como não escrita, e ainda por se tratar de matéria irrelevante para a decisão do caso em apreço.
O Tribunal atendeu à prova como um todo lógico, procurando alcançar a verdade.
IV. DO DIREITO
9. Dissemos já que foi decretada a apreensão dos veiados de matrículas XX-63-34, 38-64-XX e 92-73-XX, propriedade do arrestado; o arresto do prédio urbano sito na Rua (…), Sintra, registado da Conservatória do Registo Predial de Sintra com o n.º (…) e a apreensão dos saldos que já se encontram cativos, bem como ao saldo restante das seguintes contas bancárias existentes na Caixa Geral de Depósitos (…).
Cumpre-nos, tão somente, analisar o alegado em sede de oposição e verificar se existem fundamentos que ataquem a decisão proferida. (...)
Há que começar por referir que não estamos apenas no campo de execução de uma sentença estrangeira, mas de uma decisão britânica. Ora, mercê da saída do Reino Unido da União Europeia foi firmado o Acordo de saída do Reino Unido da Grã Bretanha e da Irlanda, do Norte da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica (Acordo de Saída), cuja separação se consumou em 31 de Janeiro de 2020, pelo que resulta evidente que a decisão que ora proferiremos não poderá mais assentar nas decisões quadro que vigoravam, designadamente na Decisão Quadro do Conselho n.º 2003/577/JHA, de 22 de Julho de 2003, relativa à execução na União Europeia da Ordem de Congelamento de Bens ou de Provas.
Assim, em matéria de congelamento e arresto de bens o Acordo supra mencionado prevê a cooperação das autoridades policiais e judiciárias em matéria penal entre a União Europeia e o Reino Unido; mas sendo o Reino Unido e Portugal partes da Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Criminal e dos seus Protocolos, estes instrumentos legais continuarão a aplicar-se nas relações entre as partes, bem como a Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, conforme resulta do seu artigo 1.º n.º 1 alínea f) e n.º 2.
Em particular, em matéria de arresto e congelamento de bens, prevê o artigo 160º n.º 1 da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto que “a pedido de autoridade estrangeira competente, podem ser efectuadas diligências destinadas a averiguar se quaisquer produtos do crime alegadamente praticado se encontram em Portugal, comunicando-se os resultados dessas diligências.”
 Com interesse para a nossa decisão, acrescenta o n.º 3 do mesmo artigo que “a autoridade portuguesa providencia pelo cumprimento de decisão que decrete a perda de produtos do crime, proferida pelo tribunal estrangeiro, observando-se correspondentemente o disposto no título IV, na parte aplicável. ”O Título IV dessa lei reporta-se à execução de sentenças penais estrangeiras, sendo que a sentença, em si, não foi posta em causa.
Os Requeridos alegam em primeiro lugar, a ilegitimidade, in totum do arresto de bens quando LG cumpriu dezoito meses de prisão, precisamente por não liquidar essa quantia e para não a liquidar subsequentemente. Sobre este aspecto, diremos tão somente que de acordo com o artigo 38.º n.º 5 da Lei Britânica dos Produtos do Crime, relativo à privação de liberdade ou detenção “se o requerido cumprir pena privativa de liberdade ou de detenção por falta de pagamento de qualquer montante devido ao abrigo de uma decisão de perda, o facto de cumprir essa pena não impede que a decisão de perda continue a produzir efeitos no que respeita a qualquer outro método de execução significa isto que, ao contrário do que pretendem os Requeridos, a lei britânica é clara no sentido de que não é o cumprimento de dezoito meses de prisão por falta de pagamento que determina que a quantia em dívida se mostra quitada, pois que a lei consagra justamente o oposto: que não é por liquidar essa quantia que está cumprida a decisão de confisco. Portanto, é clara a lei britânica, independentemente de os Requeridos com ela não concordarem. E não se diga que afronta a lei portuguesa, pois que em matéria de execução cabe tão somente ao Tribunal apreciar do arresto solicitado e a lei portuguesa também admite e contempla a figura do arresto ou congelamento de bens. Laboram os Requeridos no erro de que na lei portuguesa a falta de cumprimento de uma multa ou condição poderá determinar o cumprimento de uma pena de prisão, mas a situação não é de forma alguma similar. No Reino Unido a ordem de confisco está em vigor e cumprimento de dezoito meses de prisão ocorreria caso o pagamento não fosse feito até um determinado prazo, mas em momento algum se considerou tratar-se de uma pena substitutiva, nem em momento algum foi o Requerido informado que se tratava de uma pena substitutiva, Assim sendo, a este respeito improcede a pretensão dos Requeridos.
Em segundo lugar, invocam a ilegitimidade do arresto de bens por não existir prova de que esses bens advieram de produto do crime; a este respeito, diremos que não cumpre ao Tribunal aferir dessa circunstância, mas tão somente, pois que, ainda que dentro dos tramites da lei portuguesa, há tão somente que executar a decisão britânica e, nestes termos, determinar a apreensão de bens de acordo com a decisão de confisco cujo teor, insista-se, não foi colocada em causa, sendo nessa sede que deveria ter sido suscitada a ligação dos bens a arrestar a actividade ilícita. Também neste campo, assim, improcede a pretensão dos Requeridos.
Por fim, entendem os Requeridos que não é possível o arresto de um bem sobre o qual o Requerido LG é proprietário de apenas metade. Não discutimos a proporção da propriedade do Requerido, assim como o facto de a ordem de arresto nada ter a ver directamente com a Requerida CM. Pelo que, assim, é consabido que o arresto terá de incidir sobre bens do devedor susceptíveis de serem penhorados (artigo 619.º n.º 1 do Código Civil). In casu, estando o imóvel em compropriedade, cada um dos comproprietários tem direito a uma quota ideal ou intelectual do objecto da compropriedade. Pelo que, neste campo, assiste razão aos Requeridos impondo-se tão somente o arresto de metade do prédio urbano, de que é proprietário LG em comum com CM, sito na Rua (…), Sintra, registado da Conservatória do Registo Predial de Sintra com o n. (…).
Pelo exposto, e de harmonia com as disposições legais citadas, julgo parcialmente procedentes a oposição dos requeridos, determinando tão somente o arresto de metade do prédio urbano sito na Rua (…) Sintra, registado da Conservatória do Registo Predial de Sintra, com o n. (…), na proporção detida por LG mantendo-se, quanto aos demais bens, designadamente as contas bancárias e veículos, a decisão de arresto inicialmente decretada.
Proceda-se ao respectivo registo (artigo 178.º n.º 11 do Código de Processo Penal).”
*
2. LG não se conformou com esta decisão e dela recorreu, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões:
“41 Não deverá ser mantida a decisão de que, ora, se recorre na parte em que se entendeu ser de manter o arresto dos 50% do imóvel do, ora, Recorrente, bem como os valores das contas bancárias e os automóveis, uma vez que entende o Recorrente, o Tribunal “ a quo”, por um lado não apreciou devidamente a prova documental produzida nos autos, nomeadamente a junta aquando da Oposição à Execução, pelo ora, Recorrente, a saber Docs. 1 a 11 juntos com a Oposição ao arresto para a qual se remete e se dá por reproduzida para os devidos efeitos legais.
B) Igualmente não apreciou o Tribunal “ad quo" devidamente a prova testemunhal produzida nos autos pelas testemunhas: - JMMSG, depoimento registado de minutos 0001 a 06.42 da gravação, irmão do Recorrente que depós de minutos 00.01 a 06.42 disse a minutos 1.58, até 3.40 da gravação que ... ” o Recorrente lhe pediu para desanexar uma parte de um terreno seu , o logradouro das traseiras da sua casa, para poder construir uma casa para si, Recorrente, ao que o depoente acedeu, neste sentido a desanexação foi feita em 2003 e foi contraído empréstimo, pelos dois, seu irmão e CM, para pagamento da aquisição e construção em 2005. .... Trabalhavam ambos”
Por outro lado a testemunha - JHMLG, depoimento registado de 00.01 a 5.45 da gravação no que concerne à origem lícita dos proventos que sustentaram e continuam a sustentar o pagamento do imóvel que, ora, se pretende arrestar, afirmou como se encontra registado a minutos 00.01 a 04.35 da gravação, que o, ora Recorrente e a requerida CM ... “ adquiriram o imóvel através de empréstimo e que para tanto foi considerado os seus rendimentos do trabalho” ,.. “foi necessário entregar declaração da empresa onde trabalhavam a comprovar a actividade profissional, tendo estes apresentado declarações das empresas e declarações de IRS” (minutos 02.15 a 02.53) ...” o empréstimo foi em nome dos dois ”.. e .."quanto à sua duração foi a 35/40 anos ” (03.18 m da gravação)
Sendo certo que,
C) Do depoimento dessas testemunhas desde logo resulta provado que o tereno para o imóvel foi adquirido com facilidades ao irmão do arrestado JMSG conforme depoimento que este prestou em Audiência: e que por outro lado foi adquirido com empréstimo como se comprovou, igualmente, pelos Docs. 9 e 11 juntos com a Oposição. Sendo certo que tal como referiu a testemunha JG a minutos 04.25 da gravação, .. ”o empréstimo só foi concedido porque segundo as regras bancárias os adquirentes, o, ora, Recorrente, e a sua companheira tinham rendimentos para sustentar o pagamento da prestação mensal inerente a esse empréstimo ”, conforme igualmente decorre do Doc. 11 junto com a Oposição.
 D) Nestes termos mal andou o Tribunal “ad quo” ao considerar que: “quanto à questão de saber se os bens arrestados não têm relação com qualquer ilícito, essa prova não foi feita”.
Efectivamente, a prova documental constante dos autos; Docs. 9; 10 e 11 juntos com a Oposição, bem como da prova testemunhal das testemunhas JMMSG, irmão do Recorrente e JHMLG, funcionário do Banco que concedeu o empréstimo ao Recorrente e sua companheira e que acompanhou ele mesmo o processo de empréstimo, resulta manifestamente o contrário do que foi o entendimento do Tribunal “ad quo".
Ou seja, resulta que o imóvel só foi adquirido por conta do empréstimo do Banco. E que tal empréstimo só foi concedido porque, com base nos salários de ambos, havia capacidade de endividamento e de pagar a respectiva prestação mensal, sendo que tais salários se encontram provados à data, junto do empréstimo e também nos presentes autos (cfr. Doc. 11 junto com a Oposição).
Por outro lado ao entender que essa prova não estava feita entrou igualmente o Tribunal “ad quo” em manifesta contradição com a alínea R) da matéria dada como provada já que nesta consta que “os requeridos encontram-se a liquidar o empréstimo bancário contraído para pagar o imóvel descrito em M). Isto é, se o Tribunal “a quo” reconhece este facto como provado então terá que concluir pela natureza lícita dos fundos que permitiram a aquisição do imóvel que ora pretendem arrestar.
No entanto, não obstante, não é essa a conclusão a que o Tribunal “a quo” chega, o que manifesta uma clara contradição entre a matéria dada como provada e as conclusões, geradora de uma nulidade da Sentença nos termos do art.º 615º n.º 1 c) do C.P.Civ., que deverá dar lugar à competente revogação da Sentença recorrida.
E) No que respeita à matéria de Direito, entende, igualmente o, ora, Recorrente, que o Tribunal “a quo ” fez uma errada interpretação e aplicação da Lei ao considerar que seria de manter o arresto com base na carta rogatória, emitida pelo Reino Unido, promovendo a execução de uma decisão de confisco ao abrigo da Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Criminal e seus instrumentos em particular a Lei n° 144/99 de 31 de Agosto.
 Porquanto, esta Lei determina, desde logo nos seus art.ºs 3º e 25º, que são subsidiariamente aplicáveis as disposições do C.P.P., sendo igualmente certo que nos termos do art.º 96º desse mesmo diploma legal são definidas as condições de admissibilidade de execução das sentenças penais estrangeiras, sendo que o nº 1, alínea c) desse art.º 96º desde logo se refere que é condição que essa execução "... não contenha disposições contrárias aos princípios fundamentais do ordenamento jurídico português ” e mais nos termos do art.º 101º n.º 1 da referida Lei 144/99, a execução de uma Sentença Estrangeira faz-se em conformidade com a legislação portuguesa,
Ora, o Tribunal “a quo” ao admitir que se aplica esta Lei também terá de reconhecer que em conformidade com o seu art.º 100º n.º 1 que igualmente dispõe que a força executiva desta Sentença do Reino Unido em Portugal, estava pendente de Recurso de Revisão e Confirmação, segundo o disposto no Código Processo Penal, uma vez que entende também o Tribunal ” ad quo” que as Decisões Quadro Do Conselho da União Europeia não são aqui aplicáveis, já que o Reino Unido saiu da União Europeia. Sendo esta uma matéria de direito logo de conhecimento oficioso, porém o Tribunal “ad quo” não o fez.
Sendo igualmente certo que a Lei 144/99 no seu art.º 2º nº 2 diz expressamente que esta Lei não confere o direito de exigir qualquer forma de cooperação internacional em matéria penal.
Acresce que o art.º 160º nº 1 da referida Lei 144/99 de 31 de Agosto, mencionada na Sentença de que, ora, se recorre, para justificar o arresto, não significa que esta execução e arresto possa ser feita em desconformidade com as restantes normas aqui supra mencionadas e que fazem parte do mesmo diploma legal.
Pelo que não assiste razão ao Tribunal “a quo” quando fundamenta este arresto exclusivamente no art.º 160º n.º 1 da Lei 144/99 ignorando todas as restantes disposições legais, supra citadas, que fazem igualmente parte do mesmo diploma legal e que referem que a execução deve ser feita em conformidade com a Lei Portuguesa.
F) Efectivamente, é neste ponto que a nosso ver entronca o fundamental erro da decisão, ora, recorrida, quando aceita executar uma ordem de confisco não obstante reconhecer que o Executado cumpriu uma pena adicional de mais 18 meses de cadeia por não ter tido meios financeiros para liquidar o montante da referida ordem de confisco.
 Para o efeito, a Sentença recorrida fundamenta-se no facto de segundo a Lei Britânica e não obstante tal cumprimento adicional de pena de cadeia de 18 meses o confisco continua em vigor.
E vai mais longe a decisão do Tribunal recorrido, diz mesmo que “...não se diga que tal afronta a Lei Portuguesa, porque em matéria de execução cabe tão somente ao Tribunal apreciar do arresto solicitado. Ora,
G) De acordo com as disposições supra ciladas aplicáveis a esta matéria de execução são as mesmas claras no sentido de que à execução se aplica a Lei Portuguesa. Neste sentido e configurando este confisco uma multa a favor do Estado Britânico que foi aplicada ao, ora, Recorrente como adicional à pena de prisão principal que o mesmo cumpriu. E tendo igualmente cumprido uma pena adicional de 18 meses por não pagamento da ordem de confisco. Sendo que estes factos são do conhecimento da Sentença, ora, recorrida e constam provados nos autos não só pelos documentos juntos aos mesmos pelo, ora, Recorrente em sede de Oposição (Docs. 1 a 4 juntos com a Oposição do arresto) como pelos próprios documentos juntos pelas Autoridades do Reino Unido directamente para os mesmos. Tudo isto faz com que esta ordem de arresto não tenha cabimento face ao nosso ordenamento jurídico, uma vez que tendo o Recorrente cumprido pena adicional de 18 meses de prisão por não pagar esse confisco (multa a favor do Estado Britânico) não poderá agora pelo mesmo confisco ver arrestados os seus bens em Portugal, dado que face à Lei Portuguesa quem cumpre pena de cadeia por não poder pagar uma multa em sede penal, esta extingue-se. Donde admitir o contrário, ou seja admitir ainda assim a ordem de confisco como fez a Sentença, ora, recorrida, será admitir violar o princípio vigente na ordem jurídica interna de que ninguém pode ser duplamente condenado pelo mesmo facto. Aliás, princípio esse que está constitucionalmente consagrado no art.º 29º nº 5 do C.P.P..
H) Deste modo, o Tribunal Português pode e deve, no caso em apreço, recusar-se a cumprir esta carta rogatória, uma vez que a mesma contraria o ordenamento jurídico interno. Sendo de resto, tal possibilidade de recusa desta carta rogatória consagrada expressamente na Lei e no Código Processo Penal no seu art.º 232º n.º 1 b) porque efectivamente esta execução baseada numa ordem de confisco quando o Recorrente já cumpriu pena de prisão por não ter podido pagar tal ordem é ostensivamente contra os princípios e regras da Lei Portuguesa. E,
 I) Não se diga, como o faz a Sentença, ora, recorrida que a “...Lei Portuguesa também permite a figura do arresto e congelamento de bens’’, porque tal não significa que seja permitido nas condições em apreço nos autos sub judice, já que o Tribunal do Reino Unido não ordena o arresto cumulativamente à pena de prisão principal, pelo contrário, o que o Tribunal do Reino Unido fez foi condenar o ora Recorrente a uma pena de prisão e a um confisco, que configuram nem mais nem menos do que uma multa a favor do Estado Britânico no valor de 49.541,89 Libras. Sendo que pelo facto do, ora, Recorrente, não ter podido pagar foi condenado a uma pena adicional de 18 meses de cadeia que cumpriu na integra, o que face à Lei Portuguesa não permite que ainda em adicional a tudo isto e nestes termos se venha a arrestar um bem por conta do confisco sobre o qual o, ora, arrestado, já cumpriu pena adicional de 18 meses de cadeia.
J) Deste modo, entende igualmente o Recorrente que o Tribunal “ad quo” decidiu mal ao entender que à decisão de arresto se aplica apenas à Lei em vigor no Reino Unido, mantendo-se em vigor a ordem de confisco, não obstante o tempo adicional de 18 meses de cadeia que o, ora, recorrente, cumpriu, uma vez que estes meses adicionais não são uma pena substitutiva; o que face à nossa Lei só poderá ser entendido como sendo, já que o Recorrente só cumpriu 18 meses de cadeia porque não pagou o montante do confisco, entender o contrário será violar o nosso ordenamento Interno português o que não nos é exigido. Donde deverá ser recusado o cumprimento desta carta rogatória e consequentemente deverá ser levantado este arresto ora decretado pela Sentença de que se recorre. Da mesma maneira que a Sentença, ora, recorrida entendeu e bem que o imóvel não era só do Recorrente e que como tal os 50% da sua companheira não poderiam ser arrestados uma vez que segundo a Lei Portuguesa, o arresto terá de incidir apenas sobre bens do devedor susceptíveis de serem penhorados e não sobre bens de terceiros. Também da mesma forma e porque a Lei Portuguesa também não o permite não poderá ser permitido o arresto por não pagamento de uma multa, que é o que configura o confisco no caso em apreço, se o Recorrente já cumpriu pena de cadeia por não a poder pagar não podendo, agora, ser de novo penalizado com arresto de bens por conta desse mesmo confisco.
L) Esta prorrogativa da Lei no Reino Unido não se aplica em Portugal por constituir uma dupla penalização pelo mesmo facto.
Acresce a tudo isto, e sem conceder em todo o exposto, que este confisco se traduz apenas num valor a pagar, nem sequer tem nada que ver com bens declarados perdidos a favor do Estado Britânico. Tem que ver apenas com o valor de 49.541,89 Libras que o Recorrente não pagou e não tendo pago e só por isso cumpriu mais 18 meses de cadeia para além do tempo já cumprido na pena principal.
M) Quanto à matéria que não foi dada como provada na Sentença de que ora se recorre e que se refere às contas bancárias do, ora Recorrente, e Requerida, que são igualmente mandadas arrestar, se presumem da Requerida CM e do Recorrente na proporção de metade, convirá, desde já, dizer que também aqui o Recorrente entende que o Tribunal “ ad quo” decidiu mal, já que esta presunção decorre da Lei e o facto de não considerar provada esta matéria por parte do Tribunal “ ad quo ” só poderá resultar de uma errada interpretação da Lei, uma vez que existe uma presunção legal de que, havendo vários titulares de uma conta, a participação dos titulares dessa conta são iguais por via da aplicação das regras dos art.ºs 534º; 1403º; 1404º do C.Civ., nas situações de conta conjunta e do art.º 516º do mesmo Código nas situações de conta solidária (cfr. a este propósito Meneses Cordeiro “Manual do Direito Bancário”, 4a Edição, Pág. 557 e sgs. e Ac. da Relação de 28/11/2003 - P. 9644/2013 em www.dgsi.pt. Sendo que,
N) Esta presunção não foi ilidida no caso sub judice, muito pelo contrário, ao longo dos seus Requerimentos nos autos, os Requeridos, tanto o, ora, Recorrente quanto a sua companheira, CM, assumiram que as contas eram 50% de cada um. Sendo também certo que o M.P. não fez prova que contrariasse tal cotitularidade das contas bancárias. Donde, da mesma forma como O Tribunal “ad quo” entendeu que devia levantar, e bem, o arresto da parte do imóvel pertencente à Requerida CM (50%) também deveria ter mandado levantar 50% das contas penhoradas por pertencerem à Requerida. Por outro lado,
O) No que concerne aos 50% das contas do Recorrente, também deveria ser mandado levantar o arresto, bem como o arresto e apreensão dos veículos automóveis anteriormente decretado, devem ser levantados pelas razões já atrás invocadas de que este arresto por conta de um confisco em que o Recorrente já cumpriu pena de prisão por não ter podido pagar não é legal face ao nosso ordenamento jurídico interno.
 Termos em que se requer seja a decisão, ora, recorrida, revogada, sendo dado provimento ao presente Recurso e em conformidade levantando-se o arresto em relação aos 50% do imóvel pertencentes ao Recorrente, bem como às contas bancárias e veículos automóveis.
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3. Foi admitido o recurso, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo a Digna Magistrada do Ministério Público, junto do tribunal recorrido, respondido ao mesmo, propugnado pelo seu indeferimento.
Formulou as seguintes conclusões:
“1. O recorrente LG, veio interpor recurso, por discordar da decisão do Tribunal a quo, solicitando o levantamento do arresto da metade do prédio urbano sito na Rua (…) Sintra, registado da Conservatória do Registo Predial de Sintra com o n. (…), bem como das contas bancárias e veículos automóveis.
2. Vem indicar que o Tribunal a quo não apreciou devidamente a prova documental e testemunhal, ao não considerar que os bens arrestados, não têm relação com qualquer facto ilícito.
i. Sucede que, como foi referido pelo Tribunal a quo, e com o qual concordamos em absoluto, não foi feita prova de que os bens arrestados não têm qualquer relação com qualquer facto ilícito,
4. nomeadamente, porque do depoimento das testemunhas apenas se retira que o terreno foi adquirido ao irmão do recorrente e que à data do início da construção da casa foi solicitado empréstimo bancário,
5. e da prova documental, que o recorrente exerce profissão e que liquida o empréstimo.
6. O que se vislumbra insuficiente para provar que os bens arrestados não têm qualquer relação com os factos ilícitos.
7. Mais, o facto de a sentença dar como provado que o recorrente se encontra a liquidar o empréstimo bancário, não entra em contradição com o facto de não se provar que os bens não têm relação com qualquer facto ilícito,
8. dado que, o simples facto de exercer uma profissão e liquidar o empréstimo, não impede que os bens arrestados não tenham qualquer relação com o facto ilícito.
9. Para o recorrente o Tribunal a quo faz uma errada interpretação e aplicação da Lei 144/99 de 31 de Agosto, porque fundamenta o arresto exclusivamente no artigo 160.º, n.º 1 da referida Lei, ignorando todas as restantes disposições.
10. Porém, tal não se afigura verdadeiro, na medida em que o arresto dos bens não é contrário aos princípios fundamentais do ordenamento jurídico português, não coloca em causa a protecção dos interesses da soberania, da segurança, da ordem pública e de outros interesses da República Portuguesa, constitucionalmente definidos,
11. Bem como, os motivos de recusa de cooperação, previsto nos artigos 6.º, 10.º, 18.º e 152.º, n.º 4 da Lei 144/99 de 31 de Agosto, não se verificam.
12. Alega ainda o recorrente que o arresto não pode ser mantido porque face à Lei Portuguesa, quem cumpre pena de cadeia, por não pagar uma multa em sede penal, a mesma extingue-se.
13. Sucede que, como consta na douta sentença e repetimos agora, de acordo com a Lei Britânica dos Produtos do Crime, o facto de o requerido cumprir pena privativa de liberdade ou de detenção por falta de pagamento de qualquer montante devido ao abrigo de uma decisão de perda, não impede que a decisão de perda continue a produzir efeitos no que respeita a qualquer outro método de execução.
14. Termos em que, ainda que o recorrente tenha cumprido pena de prisão por falta do pagamento de um montante, tal não significa que a pena de prisão substitua o pagamento, de modo a que o confisco já não possa ser determinado.
15.Pois como consta das informações remetidas pelo Reino Unido, a “activação da pena por falta de pagamento não significa que a decisão de confisco seja anulada’’.
16. Salientando que também em Portugal, é possível cumprir pena de prisão e ver os seus bens confiscados.
17. Estando consagrado na nossa legislação o instituto da perda dos instrumentos e produtos do crime, da perda das suas vantagens, e inclusivamente um regime de perda ampliada ou alargada.
18. Pelo que, admitir o confisco não é violar os princípios vigentes na ordem interna.
19. Bem como, não viola, em concreto, o princípio de que ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo facto, cfr. artigo 29.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, pois não existe uma nova punição.
20. Quanto às contas bancárias, alega o recorrente que existe uma presunção legal de que, havendo vários titulares de uma conta, as participações dos titulares dessa quota são iguais.
21. Porém, cumpre em primeiro lugar referir que não foi realizada qualquer prova do tipo de conta que estava em causa (solidária, conjunta, mista), e que a titularidade das contas não predetermina a propriedade dos fundos nelas contidos,
22. Depois relativamente à questão, de que metade do valor das contas bancárias pertence a CM, não pode a mesma sequer ser analisada, porquanto estando perante uma decisão judicial desfavorável a ambas as partes, cada parte terá que recorrer na parte que lhe seja desfavorável, o que no caso de CM não ocorreu.
23. Termos em que, mostrando-se infundadas as críticas dirigidas à douta decisão proferida, deve ser negado provimento ao recurso apresentado, por totalmente improcedente.”
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4. Neste Tribunal da Relação de Lisboa, o Ex.mª Senhor Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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5. Foram colhidos os vistos e realizada a competente conferência.
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6. O objecto do recurso tal como ressalta das conclusões da motivação versa a apreciação das seguintes questões:
- Da nulidade da sentença recorrida, por contradição da fundamentação; Impugnação da matéria de facto, por erro de julgamento;
- Da execução da decisão de confisco;
- Do cabimento do arresto;
- Da titularidade das contas bancárias.
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7. Compulsados os autos, nomeadamente, o processo principal, cuja consulta electrónica foi autorizada, constata-se o seguinte;
As Autoridades do Reino Unido - Tribunal da Coroa de Canterbury - remeteram carta rogatória, ao abrigo da Decisão Quadro do Conselho n° 2003/577/JHA, de 22 de Julho de 2003, relativa à execução na União Europeia, da Ordem de Congelamento de bens ou provas, para confisco de bens pertencentes a LG, condenado na pena de 7 anos de prisão, por crime de tráfico de estupefacientes.
Em 12 de Novembro de 2019 foi decretada a apreensão dos veículos com matrículas XX-63-34, 38-64-XX e 92-73-XX; a apreensão dos saldos bancários existentes nas contas descriminadas na decisão; e o arresto do prédio urbano sito na (…), Sintra, registado da Conservatória do Registo Predial de Sintra com o nº (…).
LG e CLM foram notificados para deduzir oposição ou recorrer da decisão, nos termos e ao abrigo do disposto nos art.ºs 366°, n° 6, e 372°, do Código de Processo Civil (quanto à segunda, vide despacho de 4/05/2020 - referência citius 123283849).
Deduziram oposição, dizendo um e outro, em síntese, que o primeiro cumpriu pena de prisão no Reino Unido respeitante a crime por que foi condenado e que adicionalmente, em 14 de Abril de 2018, foi-lhe emitida uma ordem de confisco no valor de €49.054,89, que não pagou por não ter condições económicas para o efeito, tendo, em consequência, cumprido um tempo adicional de 18 meses de prisão, motivo pelo qual tal ordem de confisco não está em vigor e não pode ser executada, uma vez que tal significaria ser punido duas vezes pelo mesmo ilícito, o que no nosso ordenamento jurídico não é permitido. Acrescentam, não serem casados um com o outro; que CM, detém 1/2 do imóvel arrestado, e que a mesma não praticou qualquer ilícito criminal, motivo pelo qual nunca poderia manter-se o arresto decretado sobre a sua parte do imóvel, assim como a apreensão da totalidade dos saldos das contas bancárias de que são cotitulares, pois tem de se presumir que metade do valor nelas depositado lhe pertence.
Terminam, pedindo o levantamento do arresto.
O Ministério Público foi notificado para contestar, o que fez.
Propugnou pela improcedência da oposição apresentada por LG, mas relativamente à apresentada por CM, promoveu a produção da prova requerida a fim de determinar as condições adequadas às circunstâncias do caso, limitar a duração do congelamento dos bens, e de acordo com essas condições, prever o levantamento da medida, e consequentemente informar do facto o Estado de emissão e dar-lhe a possibilidade de apresentar as suas observações e, em simultâneo, promoveu que se solicitasse ao Estado de Emissão a decisão que decretou o cumprimento da pena adicional de 18 meses de prisão, bem como esclarecimento sobre se tal pena foi aplicada a título de substituição da ordem de confisco, ou por incumprimento daquela ordem.
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Cumpre apreciar:
Veio o recorrente alegar que a sentença proferida enferma de nulidade, nos termos do art.º 615º n.º 1 al. c) do CPC, por entrar em contradição na sua fundamentação, ao considerar provado que os requeridos encontram-se a liquidar o empréstimo bancário contraído para pagar o imóvel descrito em M e ao referir, também, que foram juntos comprovativos que LG exerce uma profissão e vem liquidando o empréstimo.
Mais invoca o recorrente que o tribunal recorrido não apreciou devidamente a prova documental e testemunhal produzida nos autos, designadamente os depoimentos de JMMSG e JHMLG, resultando dos mesmos que os bens arrestados não têm relação com qualquer facto ilícito, mais concretamente que o terreno em que se encontra a casa, bem como a própria casa, foram adquiridos com rendimentos do recorrente e de CM.
Apreciando:
No que concerne à impugnação da matéria de facto, o tribunal de recurso só possa alterar o decidido se as provas indicadas pelo recorrente, que o tribunal vai ouvir ou ler, sem a imediação, nem a oralidade, impuserem decisão diversa da proferida (al. b) do n.º 3 do art.º 412º do CPP).
No caso, quanto à questão de saber se os bens arrestados não têm relação com qualquer facto ilícito, como sustentado pelo recorrente, essa prova não foi feita.
Com efeito, o que se retira dos depoimentos das testemunhas indicadas pelo recorrente, designadamente de JMMSG (irmão do recorrente) e JHMLG (funcionário do banco que concedeu o empréstimo ao recorrente), é que o terreno em que o imóvel está construído foi adquirido ao irmão do aqui recorrente, desconhecendo-se detalhes dessa aquisição, e que, à data do início da construção da casa, foi solicitado um empréstimo bancário, ao mesmo tempo que resulta da prova documental que o recorrente, LG, exerce uma profissão e que vem liquidando o empréstimo bancário, não resultando, porém, daqui, como pretende o recorrente, que os bens arrestados não têm relação com qualquer facto ilícito, desde logo por aquele circunstancialismo não ser impeditivo deste. Não é apenas por exercer uma profissão e ir liquidando o empréstimo que se pode inferir que os bens arrestados não tenham qualquer relação com o facto ilícito.
E daqui não decorre, igualmente, a invocada contradição de fundamentação, nos termos do art.º 410º n.º 2 al. b) do CPP, pois, como é sabido, quaisquer contradições têm que resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só, ou em conjugação com as regras da experiência comum, na medida em que não é por exercer uma profissão e ir liquidando o contraído empréstimo bancário que se pode considerar, sem mais, como pretende o recorrente, pela natureza lícita dos fundos que permitiram a aquisição dos bens arrestados, isto é, que os mesmos não têm qualquer relação com o facto ilícito, não padecendo, por isso, a sentença recorrida da invocada nulidade, por contradição entre a fundamentação e a decisão.
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Vem, igualmente, o recorrente alegar que o tribunal a quo fez uma errada interpretação da Lei, ao considerar que seria de manter o arresto, com base na carta rogatória, emitida pelo Reino Unido, promovendo a execução de uma decisão de confisco, ao abrigo da Convenção Europeia de Auxilio Judiciário Mútuo, em Matéria Criminal e seus instrumentos, em particular a Lei n.º 144/99 de 31 de Agosto, e o seu art.º 160º, ignorando todas as restantes disposições, designadamente que a execução de uma sentença se faz em conformidade com a legislação portuguesa e é condição que essa execução “...não contenha disposições contrárias aos princípios fundamentais do ordenamento jurídico português .
Apreciando:
Não há qualquer motivo para a recusa de cooperação com as Autoridades do Reino Unido e o arresto de bens não é contrário aos princípios fundamentais do ordenamento jurídico português.
Estamos no âmbito de actos particulares de auxílio judiciário internacional mútuo, em matéria penal, mais concretamente em matéria de arresto e congelamento de bens, tendo, por isso, plena aplicação a Lei 144/99 de 30 de Agosto, conforme resulta do seu art. 1º n.º 1 al f) e n° 2.
Nos termos do art.º 160° da Lei n° 144/99, de 31.8, a pedido de autoridade estrangeira competente, podem ser efectuadas diligências destinadas a averiguar se quaisquer produtos do crime, alegadamente praticado, se encontram em Portugal, comunicando-se os resultados dessas diligências (nº 1), providenciando a autoridade portuguesa pelo cumprimento de decisão que decrete a perda de produtos do crime, proferida pelo tribunal estrangeiro, observando-se correspondentemente o disposto no título IV, na parte aplicável (n° 3), título esse que se reporta à execução de sentenças penais estrangeiras.
 No caso, a sentença penal estrangeira não foi posta em causa, pelo recorrente, e não existem motivos de recusa de cumprimento da cooperação judiciária internacional, em matéria penal, previstos nos art.ºs 6.º, 10.º, 18.º e 152.º, n.º 4 da Lei 144/99 de 31 de Agosto, ao mesmo tempo que a execução da decisão não contem disposições contrárias aos princípios fundamentais do ordenamento jurídico português, termos em que, também, nesta parte, improcederá o recurso.
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O recorrente vem, igualmente, alegar que o arresto ordenado não tem cabimento no nosso ordenamento jurídico, uma vez que cumpriu pena adicional de 18 meses de prisão, por não pagar a ordem de confisco (multa a favor do Estado Britânico), pelo que não poderá, pelo mesmo confisco, ver arrestados os seus bens em Portugal, dado que, face à Lei Portuguesa, quem cumpre pena de cadeia, por não ter possibilidade de pagar uma multa, em sede penal, esta se extingue. Concluiu, afirmando que, admitir a ordem de confisco, como o faz a sentença recorrida, será admitir violar o princípio vigente na ordem jurídica interna de que ninguém pode ser duplamente valorado pelo mesmo facto, nos termos constitucionalmente consagrados no art.º 29º nº 5 do C.P.P.
Apreciando:
Nos termos do art.º 38.º n.º 5 da Lei Britânica dos Produtos do Crime, relativo à privação de liberdade OU detenção, “se o requerido cumprir pena privativa de liberdade ou de detenção por falta de pagamento de qualquer montante devido ao abrigo de uma decisão de perda, o facto de cumprir essa pena não impede que a decisão de perda continue a produzir efeitos no que respeita a qualquer outro método de execução”, ou seja, e reportando-nos ao caso em apreço, não é o cumprimento de dezoito meses de prisão, por falta de pagamento, que determina que a quantia em dívida se mostre desobrigada.
O facto de, na Lei Portuguesa, a falta de cumprimento da uma multa, poder determinar o cumprimento de uma pena de prisão, não se verifica no Reino Unido, uma vez que, neste, a “activação da pena por falta de pagamento não significa que a decisão de confisco seja anulada” (cfr. informação datada de 7 de Junho de 2021 - Procurador Especialista do Serviço do Ministério Público da Coroa 020 7147 7844). E, conforme informação datada de 23 de Junho de 2021 - Procurador Especialista em Produtos do Crime, o confisco não é uma multa a favor do Estado Britânico, que foi aplicada como adicional à pena de prisão principal, mas sim “uma injunção de indemnização que faz parte da pena imposta pelas infracções pelas quais o réu é condenado”.
Como bem se refere na decisão recorrida, "No Reino Unido a ordem de confisco está em vigor e cumprimento de dezoito meses de prisão ocorreria caso o pagamento não fosse feito até um determinado prazo, mas em momento algum se considerou tratar-se de uma pena substitutiva, nem em momento algum foi o Requerido informado que se tratava de uma pena substitutiva”
Ao recorrente, também, não assiste razão quando vem alegar que tal afronta a lei portuguesa, pois, em matéria de execução, cabe tão somente ao tribunal apreciar do arresto solicitado, sendo que a lei portuguesa, também, admite e contempla a figura do arresto, ou congelamento de bens.
Como muito bem observou a Digna Magistrada do Ministério Público, junto do tribunal recorrido, na resposta ao recurso, de acordo com o nosso ordenamento jurídico era, também, possível ao recorrente cumprir pena de prisão e ver os seus bens confiscados, pois, no mesmo, se estabelecem medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira, como a perda dos instrumentos e produtos do crime, nos termos do artigo 109.°, do Código Penal), a perda das suas vantagens, nos termos do artigo 111.°, do Código Penal, assim como a perda ampliada ou alargada de bens, nos termos do artigo 7.° e seguintes da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, não sendo, por isso, o solicitado, através de carta rogatória, contrário à ordem pública portuguesa, nem se dirige a acto que a lei proíba, não existindo, também, aqui, motivo de recusa da mesma, nos termos do art.º 232.º, n.º 1, al. b) do C.P.P.
De referir, ainda, que, e contrariamente ao sustentado pelo recorrente, o mesmo não está a ser julgado novamente, nem a ser punido, uma outra vez, pelo mesmo facto, porquanto a pena de prisão, por incumprimento, pelo não pagamento de uma injunção de indemnização, faz parte da pena imposta pelas infracções praticadas, não havendo, por isso, violação do princípio vigente, na nossa ordem interna, de que ninguém pode ser julgado, mais do que uma vez, pela prática do mesmo facto - artigo 29.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa.
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Veio, ainda, o recorrente alegar que as contas bancárias se presumem do mesmo e de CM, na proporção de metade, e tal presunção não foi ilidida, pelo que, também, nesta parte, se deverá alterar a decisão recorrida e se mandar levantar 50% das contas arrestadas, por pertenceram à requerida.
Apreciando:
Para além de não ter sido feita qualquer prova do tipo de contas bancárias que estavam em causa, ou da propriedade dos fundos nelas contidos, cumpre salientar que o recorrente não tem legitimidade para solicitar que metade do valor das contas bancárias arrestadas, alegadamente pertencentes à requerida CM, seja levantada, pois era a esta que tal incumbia, o que não sucedeu, por não ter recorrido da sentença proferida nos autos, termos em que, esta parte do recurso, não será conhecida, por falta de legitimidade e interesse em agir do aqui recorrente.
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- Decisão:
Em conformidade, com o exposto, acordam os Juízes Desembargadores da 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto por LG e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UCS.
(Texto revisto e elaborado em suporte informático)
Lisboa, 24 de Janeiro de 2023
Anabela Simões Cardoso
Jorge Antunes
Sandra Oliveira Pinto