Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
773/10.2TYLSB.L1-5
Relator: NETO DE MOURA
Descritores: PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
TIPICIDADE
NORMA PENAL EM BRANCO
CONTRA-ORDENAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/29/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: Iº Na descrição da conduta proibida, além da utilização de conceitos indeterminados, elementos vagos e portadores de indeterminação, conflituante com os desideratos garantísticos da tipicidade, são frequentes (sobretudo no direito penal secundário) as normas penais em branco, em que a lei incriminadora remete para uma outra fonte normativa o preenchimento dos seus próprios pressupostos,
IIº Em relação a estes casos, a doutrina tem entendido que não é posto em causa o princípio da legalidade pela norma penal em branco, desde que se verifique uma dupla condição: que a norma sancionadora conste de lei ou decreto-lei autorizado e que a norma complementar tenha um carácter, apenas, concretizador, e não inovador, em relação à norma sancionadora;
IIIº No que tange as conceitos indeterminados, também se entende que não há violação do princípio da legalidade e da sua teleologia garantística, mas é indispensável que a sua utilização não obste à determinabilidade objectiva das condutas proibidas e demais elementos de punibilidade requeridos;
IVº No ilícito contraordenacional, à semelhança do que acontece no tipo incriminador, o tipo objectivo há-de estar suficientemente especificado, a descrição da conduta punível deve ser, tanto quanto possível, clara e precisa, mas a doutrina, em geral, aceita que a tipicidade não exclui uma certa maleabilidade dos tipos no direito sancionatório das contra-ordenação;
Vº O art.7, nº1, do Regulamento nº58/05, de 18Ago., elaborado e aprovado pelo Instituto de Comunicações de Portugal — Autoridade Nacional de Comunicações (ICP-ANACOM), ao prever que o processo de portabilidade deve ser gerido “na defesa e interesse do assinante”, respeita a exigência de determinabilidade, na medida em que é fácil avaliar esse interesse em cada caso concreto;
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório

Por decisão de 31.03.2010, “ICP – Autoridade Nacional de Comunicações” (ICP - ANACOM) aplicou a “A…, S.A.”, pessoa colectiva n.º 5…, com sede social no lugar do …, a coima única de € 67 500,00 (sessenta e sete mil e quinhentos euros), resultante do cúmulo jurídico de quatro coimas parcelares de € 25 000,00, € 10 000,00, € 7 500,00 e € 25 000,00, pela prática, em concurso efectivo, de outras tantas contra-ordenações, sendo três previstas e puníveis pelos artigos 54.º, n.º 5, e 113.º, n.ºs 1, al. ll), 2 e 6, da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro (Lei das Comunicações Electrónicas - LCE) e 7.º, n.º 1, e 25.º do Regulamento n.º 58/2005, de 11 de Agosto (D.R., II, n.º 158, de 11.08.2005) e a quarta prevista e punível pelos artigos 54.º, n.º 5, e 113.º, n.ºs 1, al. ll), 2 e 6, da mesma LCE e 14.º, n.º 2, do citado Regulamento.
A arguida impugnou judicialmente tal decisão e, remetido o processo ao Ministério Público junto do Tribunal de Comércio de Lisboa, que o tornou presente ao juiz para apreciação do recurso interposto, admitido este, realizou-se a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que, concedendo parcial provimento ao recurso, condenou a arguida pela prática de três contra-ordenações previstas e puníveis pelos artigos 54.º, n.º 5, e 113.º, n.ºs 1, al. ll), 2 e 6, da LCE e 7.º, n.º 1, do Regulamento n.º 58/2005, de 11 de Agosto, nas coimas parcelares de € 7 500,00, € 7 500,00 e € 7 000,00 e na coima única de € 20 000,00, absolvendo-a da restante contra-ordenação.
Ainda inconformada, veio a arguida “A…, S.A.” interpor recurso dessa decisão para este Tribunal da Relação e concluiu a sua peça recursória nos seguintes termos (em transcrição integral):
A. A decisão proferida pelo Tribunal a quo sustenta a imputação dos tipos de ilícito à A...com base no artigo 25.º, do Regulamento n.º 58/2005, de 18 de Agosto.
B. Acontece que tal norma, sendo uma norma contra-ordenacional em branco, isto é, incompleta, remete parte da sua concretização para fonte normativa diversa que se vem a revelar… pura e simplesmente inexistente.
C. Em boa verdade, não se encontra nenhuma fonte normativa que concretize o conteúdo de desvalor em que se consubstancia a actuação contrária à defesa do interesse do assinante.
D. Tal norma sofre, pois, de inconstitucionalidade material, por violação dos princípios do Estado de Direito Democrático e da Legalidade Sancionatória, previstos, respectivamente, nos artigos 2.º e 29.º, n.º 1, da Lei Fundamental, e com aplicação a todo o Direito Sancionatório Punitivo.
E. A A...contesta, por conseguinte, a aplicação, pelo Tribunal a quo, da norma contida na referida disposição legal, não subsistindo qualquer fundamento legal ou regulamentar para a sua alegada responsabilidade contra-ordenacional.
F. Por outro lado, a A...contesta a aplicação e interpretação do Tribunal a quo relativamente ao artigo 7.º, n.º 1, do Regulamento n.º 58/2005, de 18 de Agosto.
G. O Tribunal a quo interpretou e aplicou as referidas norma legal no sentido de que o dever de agir na defesa dos interesses do assinante B… impunha que a A...cancelasse os pedidos de portabilidade impostos pelo cliente, quando esse cancelamento ainda era possível, sendo essa a intenção do cliente.
H. Esta interpretação não é correcta: a referida norma legal exige, de facto, o dever de agir na defesa dos interesses do assinante.
I. Porém, considerando as circunstâncias do caso, designadamente a conduta preocupada, célere, diligente e verdadeiramente excepcional da A...que, perante a primeira intenção manifestada pelo assinante B…, envidou os seus melhores esforços no sentido de satisfazer, com a urgência e brevidade solicitadas, a pretensão daquele cliente, não pode senão concluir-se que a A...agiu no respeito estrito daqueles que eram, objectivamente, os interesses do assinante, não podendo a A...ser senão absolvida da infracção que lhe é imputada tendo por base este caso em particular.
J. Finalmente, a A...contesta a aplicação e interpretação do Tribunal a quo relativamente ao artigo 18.º do RGCOC e ao n.º 2 do artigo 5.º do Regime Quadro das Contra-Ordenações do Sector das Comunicações, aprovado pela Lei n.º 99/2009, de 4 de Setembro.
K. O Tribunal a quo interpretou e aplicou as referidas normas legais no sentido de desconsiderar, na graduação da medida da coima única a aplicar ao concurso de infracções aqui em causa, a ausência de qualquer benefício económico da A...com a alegada prática das infracções que lhe são imputadas (ou sequer de qualquer intenção de o obter), considerando, enquanto circunstância agravantes, o facto de existirem, in casu, elevadas exigências de prevenção decorrentes do facto de a A...ser uma pessoa colectiva e um operador de comunicações electrónicas.
L. Esta interpretação não é correcta: as referidas normas legais não pressupõem, na graduação da medida da pena, a valoração da qualidade de pessoa colectiva - essa é uma ponderação ínsita na própria moldura abstracta da coima aplicável às infracções aqui em causa (cf. artigo 113.º, n.º 2, da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro) - nem do facto de se tratar de um operador de comunicações electrónicas, uma vez que, dirigindo-se as infracções aqui em causa exclusivamente a operadores de comunicações electrónicas, a referência a essa qualidade não pode evidentemente assumir-se enquanto critério de diferenciação.
M. Para além disso, e tendo em conta todas as circunstâncias atenuantes, designadamente o reduzido grau de culpa e a inexistência de antecedentes contra-ordenacionais, nunca a coima aplicada poderia situar-se próximo da coima máxima aplicável ao concurso.
N. Assim, e pelo contrário, deverá a coima única a aplicar situar-se próximo do mínimo legal, com o que se fará Justiça.
O. Acresce, ainda, que a decisão recorrida padece de um lapso, pois o valor do volume de negócios da Arguida no ano de 2008 foi de € 890.709.191,00 (oitocentos e noventa milhões setecentos e nove mil cento e noventa e um euros) e não de 5.353.000.000,00 (cinco mil trezentos e cinquenta e três milhões de euros) como consta da decisão recorrida.
P. Assim, ao abrigo do disposto no artigo 380.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 do CPP, aplicável ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, deve a decisão ser, nesse ponto corrigida, expurgando-se, por consequência, o referido lapso.
Q. Para além disso, deve, por analogia com o artigo 72.º-A do RGCOC - e em conformidade com o artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa e com o próprio princípio da culpa decorrente do mesmo Texto Fundamental - ser relevada, na quantificação da medida da coima única eventualmente a aplicar à A..., a circunstância desta sociedade ter apresentado, relativamente ao exercício de 2009, um resultado líquido negativo de € 19.140.752,42 (dezanove milhões cento e quarenta mil setecentos e cinquenta e dois e quarenta e dois cêntimos) e um volume de negócios de € 831.802.230,00 (oitocentos e trinta e um milhões oitocentos e dois mil duzentos e trinta euros).
R. O que, na prática, implicou que a sociedade passasse de um resultado liquido positivo de cerca de € 19.000.000,00 (dezanove milhões de euros) para um resultado líquido negativo de € 19.140.752,42 (dezanove milhões cento e quarenta mil setecentos e cinquenta e dois e quarenta e dois cêntimos),
S. E que o seu volume de negócios tivesse apresentado uma redução de cerca de 60.000.000,00 (sessenta milhões de euros) relativamente ao exercício de 2008, tudo conforme os documentos 1 e 2 que se juntam.
T. A esta luz, a norma constante do artigo 72.º-A do RGCOC, interpretada no sentido de que a actualidade da situação económica e financeira do arguido só releva para efeitos de agravamento do montante da coima, não se aplicando nos casos em que possa conduzir à sua eventual diminuição, é, nessa interpretação, materialmente inconstitucional por violação expressa do artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que desde já se deixa arguida para todos os efeitos legais.
Por tudo isto, entende a recorrente que se justifica a revogação da decisão recorrida e a sua absolvição “in totum”, ou, pelo menos, que seja substancialmente reduzido o montante da coima.
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O Ministério Público apresentou resposta em que conclui que a sentença recorrida não merece qualquer reparo, antes se mostra “correcta e de harmonia com os preceitos legais aplicáveis”, pelo que deve ser mantida.
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Também a autoridade reguladora “ICP – ANACOM” respondeu à motivação do recurso, apresentando o seguinte quadro conclusivo (transcrição):
1.ª - A ARN aprovou o Regulamento, nos termos do disposto no nº 5 do art. 54º da LCE, o qual contém os princípios e regras aplicáveis à portabilidade nas redes telefónicas públicas, sendo vinculativo para todas as empresas com obrigações de portabilidade.

2.ª - Nos termos do disposto nos nºs 2, 3 e 5 do art. 54º da LCE, a violação das regras determinadas pela ARN necessárias à execução da portabilidade constitui contra-ordenação.

3.ª - O tipo contra-ordenacional em causa é o não cumprimento de uma regra necessária à execução da portabilidade, determinada pela ARN de modo a garantir o direito dos assinantes de serviços telefónicos acessíveis ao público que o solicitem o direito de manter o seu número ou números, no âmbito do mesmo serviço, em caso de mudança de prestador.

4.ª - O tipo contra-ordenacional está devidamente definido na LCE, e o Regulamento limitou-se a integrar aquilo que compete à ARN nos termos do disposto no nº 5 do art. 54º da mesma lei, não estabelecendo nenhum pressuposto novo de punibilidade.

5.ª - As normas em causa não são assim normas contra-ordenacionais em branco.

6.ª - Só é norma contra-ordenacional em branco aquela que venha completar a norma principal de forma que acrescente algum pressuposto de punibilidade que não resulte já da norma sancionatória.

7.ª - Ainda que se tratasse de uma norma contra-ordenacional em branco – hipótese meramente académica – seria sempre possível, em Direito das Comunicações, o preenchimento de normas contra-ordenacionais em branco por prescrições administrativas.

8.ª - De qualquer forma, a Constituição não requer para o ilícito de mera ordenação social o mesmo grau de exigência que requer para os crimes, e admite uma inerente flexibilidade quanto às fontes normativas de tais ilícitos, as quais poderão ter, em última análise, a natureza de fontes regulamentares.

9.ª - Nada impede que as entidades administrativas competentes determinem o conteúdo de tais ilícitos e as respectivas sanções.

10.ª - No caso concreto, se se tratasse de uma norma contra-ordenacional em branco – o que não se admite –, a remissão corresponderia à necessidade de ser uma entidade que dispõe de uma capacidade técnica superior a emitir os concretos critérios que impeçam resultados desvaliosos.

11.ª - A remissão para uma norma geral de origem regulamentar dá uma informação bastante que torna possível aos respectivos destinatários adequarem as suas condutas de forma a evitar o conteúdo de desvalor da conduta proibida.

12.ª - A norma penal em branco só é inconstitucional quando a remissão feita para a norma complementar ponha em causa a certeza e determinabilidade da conduta tida como ilícita, impedindo que os destinatários possam apreender os elementos essenciais do tipo de crime.

13.ª - Uma norma penal em branco não é inconstitucional quando é concretizada através da remissão para regras que o agente não poderá deixar de conhecer, nomeadamente por respeitarem ao âmbito da sua própria actividade profissional.

14.ª - A actividade profissional da Recorrente enquanto operadora de comunicações electrónicas obriga-a a conhecer as normas constantes do Regulamento, em cuja elaboração aliás participou.

15.ª - A obrigação que recai sobre o prestador receptor de gerir o processo de portabilidade do número na defesa do interesse do assinante decorre directamente do preceituado no nº 1 do art. 54º da LCE, uma vez que a garantia do direito de manter um número de telefone no âmbito do mesmo serviço independentemente da empresa que o oferece obriga a que todo o processo seja sempre orientado na defesa do interesse daquele, caso contrário toda a lógica inerente ao processo de portabilidade deixaria de fazer sentido.

16.ª - Avançar com um pedido electrónico de portabilidade após comunicação expressa em contrário do assinante nunca poderá ser considerada uma acção que defenda os interesses daquele – pelo contrário, não podem restar dúvidas de que se trata de uma acção contrária a tais interesses.

17.ª - O que está em causa é o facto de a ora Recorrente ter apresentado o pedido electrónico de portabilidade do número de linha de rede 21 …. 16 em 2005.11.01 e em 2005.11.04, quando o assinante a informara, clara e expressamente, de que não pretendia essa portabilidade se se efectuasse depois de 2005.10.31.

18.ª - Tendo enviado a pré-encomenda da desagregação do lacete em 2005.10.25 e não tendo recebido a confirmação de elegibilidade até 2005.10.31, não deveria a ora Recorrente ter enviado o pedido de portabilidade daquele número de linha de rede.

19.ª - Tendo enviado tal pedido, depois da data fixada como termo pelo assinante –, e mais que uma vez – actuou indubitavelmente contra os interesses do assinante, tal como este expressamente os declarara.

20.ª - A Recorrente comportou-se de forma atabalhoada na gestão de tal processo, uma vez que no próprio dia em que foi concretizada a portabilidade, informou o assinante de que fora efectuado o cancelamento do processo de activação.

21.ª - A alegação de revogação tácita da condição inicialmente formulada não é minimamente credível, porque do conteúdo das cartas enviadas em 2005.10.21 e em 2005.10.24 não se pode concluir em circunstância alguma que a ausência de resposta significasse uma mudança de opinião, atento, designadamente, o preceituado no art. 218º do Código Civil.

22.ª - Tal alegação é estranha, uma vez que a ser verdade implicaria que a Recorrente teria na realidade agido dolosa e não negligentemente, uma vez que o assinante foi muitíssimo claro na expressão do seu interesse, o qual só ao mesmo compete formular.

23.ª - É falso que a inexistência de benefício económico não tenha sido devidamente valorada na sentença ora recorrida, e aliás a Recorrente não apresenta quaisquer fundamentos em defesa dessa alegação.

24.ª - Os ilícitos em causa põem em questão o direito dos assinantes à portabilidade, descredibilizando este instituto da maior relevância para aumentar a concorrência nos mercados.

25.ª - As exigências de prevenção geral podem decorrer directamente do tipo de ilícito em causa.

26.ª - É especialmente necessário que o prestador receptor faça a gestão de todo o processo de portabilidade no interesse do cliente, e, existindo ilícitos provados, torna-se necessário que todos os operadores conheçam de forma ainda mais concreta os riscos em que incorrem se não cumprirem as normas aplicáveis.

27.ª - As exigências de prevenção especial decorrem, como se afirma explicitamente na sentença posta em causa, do facto de a Recorrente “ser um operador de comunicações com algum peso no sector reflectido desde logo no seu volume de negócios”.

28.ª - O valor do volume de negócios descrito na sentença é um facto dado como provado na sentença ora recorrida, e refere-se ao volume de negócios do grupo S... em 2008, uma vez que na determinação da dimensão e da situação de uma sociedade releva a dimensão do grupo económico em que está integrada.

29.ª - Não há assim qualquer erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importasse modificação essencial, o que implicaria colocar em causa um facto provado, o que violaria o preceituado no nº 1 do art. 75º do RGCO.

30.ª - O nº 2 do art. 72º-A do RGCO serve apenas para possibilitar um eventual agravamento do montante da coima se a respectiva situação económica e financeira tiver melhorado de forma sensível, e é absolutamente evidente à luz do nº 1 do mesmo artigo que a coima poderá ser reduzida na situação inversa, pelo que a alegação de inconstitucionalidade é manifestamente irrelevante.

31.ª - A situação económica da arguida melhorou em 2009, com um aumento do volume de negócios de cerca de 5,8% face a 2008, o que poderá o Tribunal a quo eventualmente considerar como representando uma melhoria sensível.

Entende por isso o “ICP – ANACOM” que deve ser negado provimento ao recurso.
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Nesta instância, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto apôs o seu visto.
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Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

II – Fundamentação
São as conclusões pelo recorrente extraídas da motivação do recurso que, sintetizando as razões do pedido, recortam o thema decidendum (cfr. artigos 412.º, n.º 1, e 417.º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal, e acórdão do STJ de 27.05.2010, www.dgsi.pt/jstj).
A recorrente enuncia logo no início da motivação do seu recurso os pontos que pretende sejam sindicadas por este tribunal, e que seriam os seguintes:
a. inconstitucionalidade do artigo 25.º do Regulamento n.º 58/2005, de 18 de Agosto;
b. atipicidade da conduta da A...no caso do assinante B…;
c. medida da coima única aplicada à A….
Podemos aceitar que são, efectivamente, essas as questões a apreciar e decidir, se bem que possa ser abordada à parte a questão da aplicação, “por analogia com o artigo 72.º-A do RGCOC”, de uma coima inferior por alegada deterioração da situação económica e financeira da recorrente.
A invocada inconstitucionalidade do artigo 25.º do Regulamento n.º 58/2005, de 18 de Agosto
Decorre, muito claramente, da motivação da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa (ICP – ANACOM) que a recorrente não aceitava a existência de duas das quatro contra-ordenações pelas quais foi condenada, aceitava ter cometido as outras duas, mas discordava “da forma como foi realizada a operação de determinação do valor” da coima aplicada, e não aceitava os critérios adoptados na determinação da coima única.
No recurso para esta Relação, a recorrente vem suscitar uma questão nova: a inconstitucionalidade da norma do art.º 25.º do Regulamento n.º 58/2005, de 11 de Agosto.
É pacífico na jurisprudência o entendimento de que os recursos se destinam a reexaminar decisões proferidas por jurisdição inferior, visando apenas apurar a adequação e legalidade das decisões sob recurso, e não a obter decisões sobre questões novas, não colocadas perante aquela jurisdição.
Com efeito, os recursos ordinários visam uma reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu, não são um meio de obter decisões novas.
Por isso se defende, una voce, que o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre questões não suscitadas ao tribunal recorrido[1].
Por outro lado, embora lhe faça uma referência na respectiva fundamentação, no dispositivo da sentença afirma-se que a “A...” é condenada pela prática de três contra-ordenações previstas e puníveis pelos artigos 54.º, n.º 5, e 113.º, n.ºs 1, al. ll), 2 e 6, da Lei n.º 54/2005, de 10 de Fevereiro.
Por isso, bem se poderá dizer que a norma regulamentar cuja constitucionalidade é questionada não foi aplicada no caso concreto.
Sem prejuízo do exposto, sempre se dirá, com o devido respeito pela opinião contrária, que não ocorre a inconstitucionalidade suscitada.
A recorrente considera que a norma contida no referido artigo 25.º do Regulamento n.º 58/2005 “atropela, de forma grosseira, o princípio da legalidade sancionatória”, porquanto, ao punir como contra-ordenação, a violação do dever de agir na defesa do interesse do assinante, “consagra uma norma contra-ordenacional em branco” e “não existe qualquer fonte normativa que concretize o conteúdo de desvalor em que se consubstancia a actuação contrária à defesa do interesse do assinante”.
Ora, o critério de constitucionalidade apontado, quer pela jurisprudência, quer pela doutrina, para a legitimidade das normas sancionatórias em branco “passa pela identificação do carácter meramente concretizador ou inovador da norma complementar em relação à norma sancionadora em branco”, pelo que só poderá considerar-se conforme à Constituição “o tipo contra-ordenacional que contenha em si mesmo o núcleo essencial da proibição, por forma a que essa concreta norma possa orientar “suficientemente os destinatários quanto às condutas que são efectivamente proibidas” (…), inculcando no agente o desvalor da sua conduta”, o que não seria o caso da questionada norma do art.º 25.º do Regulamento n.º 5/2005, de 18 de Agosto, pois não concretiza “o seu critério de ilicitude”.     
Sem esquecer que, em direito penal, o princípio da legalidade tem várias vertentes ou concretizações, o seu conteúdo essencial traduz-se em que “não pode haver crime, nem pena que não resultem de uma lei prévia, escrita, estrita e certa” (Figueiredo Dias, “Direito Penal, Parte Geral”, Tomo I, Coimbra Editora, 2004, pág. 164). 
Trata-se de um dos princípios constitucionais básicos em matéria de punição criminal e analisa-se, entre outros aspectos, na reserva de lei da Assembleia da República na definição de “crimes, penas, medidas de segurança e seus pressupostos, só podendo o Governo legislar sobre essas matérias mediante autorização daquela” (Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, págs. 494).
Projecção ou corolário do princípio de legalidade, consagrado no artigo 29.º, n.º 1, da CRP, é o princípio da tipicidade, que exige (a)«suficiente especificação do tipo de crime (ou dos pressupostos das medidas de segurança), tornando ilegítimas as definições vagas, incertas, insusceptíveis de delimitação»; (b) «proibição da analogia na definição de crimes»; (c)«exigência de determinação de qual o tipo de pena que cabe a cada crime, sendo necessário que essa conexão decorra directamente da lei» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, idem).
Em suma, na descrição da conduta proibida, a lei penal tem de ser certa, clara, precisa e rigorosa, ou seja, a tipicidade penal exclui «tanto as fórmulas vagas na descrição dos tipos legais de crime, como as penas indefinidas ou de moldura tão ampla, que em tal redunde» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, ibidem).
Mas, uma coisa, é esse ideal de certeza e precisão e outra, bem diferente, é a realidade. E a realidade é que, por mais apurada e cuidadosa que seja a técnica legislativa, é inevitável que as exigências de sentido ínsitas no princípio da legalidade não sejam integralmente cumpridas.
Com efeito, na descrição da conduta proibida, é muito difícil, senão mesmo impossível, evitar o uso de expressões que não sejam equívocas ou ambíguas, é normal que, na definição dos tipos legais, o legislador não consiga renunciar à utilização de elementos normativos[2], de conceitos indeterminados, de cláusulas gerais de valor.
É até frequente a utilização de conceitos indeterminados: a “especial debilidade da vítima” (n.º 1-d)) e o “significado importante” para o desenvolvimento tecnológico ou económico (n.º 2, al. b)) do art.º 204.º, “grave abuso de autoridade” (art.º 158.º), “motivo torpe ou fútil” e “meio insidioso” (art.º 132.º) do Cód. Penal. Na técnica dos exemplos-padrão, usada para a qualificação de crimes, recorre-se a uma cláusula geral extensiva para descrever um tipo de culpa agravado em que, inevitavelmente, são utilizados conceitos indeterminados. Assim sucede com os conceitos de “especial censurabilidade ou perversidade” do agente, a que se refere o n.º 1 do art.º 132.º do Cód. Penal.
 Mas, além da utilização de elementos vagos e portadores de indeterminação conflituante com os desideratos garantísticos da tipicidade, são frequentes (sobretudo no direito penal secundário e por força da complexidade e da inconstância da regulamentação de algumas actividades submetidas ao direito penal) as normas penais em branco, em que a lei incriminadora remete para uma outra fonte normativa o preenchimento dos seus próprios pressupostos, aquelas normas que cominam penas para comportamentos que não descrevem, mas se alcançam através de uma remissão da norma penal para leis, regulamentos ou mesmo actos administrativos, ou, como mais sinteticamente as define Paulo Pinto de Albuquerque (“Comentário do Código Penal”, 2.ª edição actualizada, UCE, 54), normas que prevêem a sanção, mas omitem a factispecie, remetendo a definição dos elementos do crime para uma norma extra-penal[3].
Quando assim sucede, é óbvio que, em certa medida, o princípio da legalidade é desrespeitado, mas a doutrina tem entendido que, assim mesmo, não é posto em causa pela norma penal em branco, desde que se verifique uma dupla condição: que a norma sancionadora conste de lei ou decreto-lei autorizado e que a norma complementar tenha um carácter, apenas, concretizador, e não inovador, em relação à norma sancionadora (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Ob. Cit., 54)[4].
No que tange aos conceitos indeterminados, também se entende que não há violação do princípio da legalidade e da sua teleologia garantística, mas é indispensável que a sua utilização não obste à determinabilidade objectiva das condutas proibidas e demais elementos de punibilidade requeridos.
Como adverte o Professor Figueiredo Dias (Ob. Cit., 173/174), no plano da determinabilidade do tipo legal (ou tipo de garantia), “importa que a descrição da matéria proibida e de todos os outros requisitos de que dependa em concreto uma punição seja levada até um ponto em que se tornem objectivamente determináveis os comportamentos proibidos e sancionados e, consequentemente, se torne objectivamente motivável e dirigível a conduta dos cidadãos” e “o critério decisivo para aferir do respeito pelo princípio da legalidade (e da respectiva constitucionalidade da regulamentação) residirá sempre em saber se, apesar da indeterminação inevitável resultante da utilização destes elementos, do conjunto da regulamentação típica deriva ou não uma área e um fim de protecção da norma claramente determinados”.
Será, também, assim no direito de mera ordenação social?
Está bem de ver que, dada a neutralidade ética do ilícito de mera ordenação social, a justificar-se diferença de tratamento, será no sentido de uma menor exigência quanto ao cumprimento dos requisitos do princípio da tipicidade. 
No ilícito contraordenacional, à semelhança do que acontece no tipo incriminador (ou tipo legal de crime), o tipo objectivo há-de estar suficientemente especificado, a descrição da conduta punível deve ser, tanto quanto possível, clara e precisa.
Recorrendo, de novo, aos ensinamentos do Professor Figueiredo Dias (“O movimento da descriminalização e o ilícito de mera ordenação social”, in Direito Penal Económico e Europeu: Textos Doutrinários”, vol. I, 19 e segs.), embora sejam diferentes os princípios jurídico-constitucionais, materiais e orgânicos a que se submetem entre nós a legislação penal e a legislação das contra-ordenações, transportam-se para o direito de mera ordenação social “as garantias constitucionalmente atribuídas ao direito penal, nomeadamente as resultantes dos princípios da legalidade e da aplicabilidade da lei mais favorável. Daqui decorre que (…) também no direito das contra-ordenações vale a proibição de aplicação analógica in malem partem e a exigência de tipicidade e consequente determinabilidade dos tipos”.
No entanto, a doutrina, em geral, aceita que a tipicidade não exclui uma certa maleabilidade dos tipos no direito sancionatório das contra-ordenações (tal como acontece no direito disciplinar).
Nesse sentido se manifesta o Professor Eduardo Correia (“Direito Penal e direito de mera ordenação social”, in Direito Penal Económico e Europeu: Textos Doutrinários”, vol. I, 13) que, frisando a vinculação da Administração a “uma particular ideia de legalidade”, o que pressupõe a tipicização dos comportamentos para os quais se justifica uma sanção, afirma que tal “não exclui que os respectivos tipos possam ter maior maleabilidade do que aqueles que descrevem infracções criminais, e, assim, que a cada passo contenham normas em branco, remetendo para critérios fixados pela própria Administração com vista à realização das suas finalidades salutistas”.
Mais longe vão Gomes Canotilho e Vital Moreira (“Constituição…”, 498), que excluem a extensão do princípio da tipicidade às contra-ordenações: “É problemático saber em que medida é que os princípios consagrados neste artigo são extensíveis a outros domínios sancionatórios. A epígrafe “aplicação da lei criminal” e o teor textual do preceito restringem a sua aplicação directa apenas ao direito criminal propriamente dito (crimes e respectivas sanções). Há-de, porém, entender-se que esses princípios devem, na pare pertinente, valer por analogia para os demais domínios sancionatórios, designadamente o ilícito de mera ordenação social e o ilícito disciplinar. Será o caso do princípio da legalidade lato sensu (mas não o da tipicidade), da não retroactividade, da aplicação retroactiva da lei mais favorável, da necessidade e proporcionalidade das sanções”.
Doutrina esta que tem arrimo na jurisprudência do Tribunal Constitucional, designadamente nos acórdãos n.ºs 730/95 (processo n.º 328/91) e 666/94 (ambos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), com destaque para o segundo, onde pode ler-se que "a regra da tipicidade das infracções, corolário do princípio da legalidade, consagrado no n.º 1 do artigo 29.º da Constituição (nullum crimen, nulla poena, sine lege), só vale, qua tale, no domínio do direito penal, pois que, nos demais ramos do direito público sancionatório (maxime, no domínio do direito disciplinar), as exigências da tipicidade fazem-se sentir em menor grau: as infracções não têm, aí, que ser inteiramente tipificadas”, posição que, de resto, era já a da Comissão Constitucional que no Parecer n.º 1/82 (Pareceres da Comissão Constitucional, volume 18.º, páginas 89 e 90) considerou que este princípio (da tipicidade), em matéria contraordenacional, não tem dignidade constitucional.
Depois desta (já longa) incursão pela doutrina e pela jurisprudência, é tempo de nos debruçarmos sobre o caso concreto.
Dispõe o art.º 54.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro (LCE):
Sem prejuízo de outras formas de portabilidade que venham a ser determinadas, é garantido a todos os assinantes de serviços telefónicos acessíveis ao público que o solicitem o direito de manter o seu número ou números, no âmbito do mesmo serviço, independentemente da empresa que o oferece, no caso de números geográficos, num determinado local, e no caso dos restantes números, em todo o território nacional”.
O n.º 5 do mesmo artigo estabelece o seguinte:
Compete à ARN, após o procedimento geral de consulta previsto no artigo 8.º, determinar as regras necessárias à execução da portabilidade”.
No exercício dessa competência, a ARN elaborou e aprovou o Regulamento n.º 58/2005, de 18 de Agosto, que no seu art.º 7.º, n.º 1, determina que:
O prestador receptor é responsável por todo o processo de portabilidade do número, devendo gerir esse processo na defesa do interesse do assinante”.
O art.º 113.º, n.º 1, da LCE estabelece um extenso elenco (67) de contra-ordenações e na sua alínea ll) determina que é como tal considerada:
A violação do direito dos assinantes à portabilidade previsto no n.º 1 do artigo 54.º e o incumprimento das obrigações que sejam estabelecidas nos termos previstos nos n.ºs 2, 3 e 5 do artigo 54.º”.
Por último, o art.º 25.º do mesmo Regulamento qualifica como contra-ordenações as infracções ao que nele se dispõe, infracções essas puníveis nos termos da alínea ll) do n.º 1 do artigo 113º da LCE.
Como é de primeira evidência, esta norma regulamentar (art.º 25.º) é redundante.
Do que aqui se trata é da violação do direito dos assinantes à portabilidade e das regras definidas (pelo aludido Regulamento) para a sua execução, constituindo a sua violação a contra-ordenação prevista no n.º 1, al. ll), do art.º 113.º da LCE e punível nos termos dos seus n.ºs 2, 5 e 6.  
Por isso que a norma cuja constitucionalidade é posta em causa é desnecessária e inútil, pois não passa de uma duplicação do art.º 113.º, n.º 1, al. ll).
Não estamos perante qualquer norma contra-ordenacional em branco.
O que acontece é que, na definição da conduta punível como contra-ordenação, utiliza-se o conceito indeterminado “defesa do interesse do assinante” que, como tal, carece de densificação.
Poderá dizer-se que essa fórmula concita um juízo de vaguidade e de indeterminação conflituante com a exigência da tipicidade?
Mesmo que se entenda que no domínio das contra-ordenações, as exigências de determinabilidade e certeza têm a mesma intensidade e premência que ganham no domínio do direito penal, cremos poder afirmar, com segurança, que do referido conjunto normativo deriva uma área e um fim de protecção da norma claramente determinados.
Dizendo de outro modo, o aludido conjunto normativo fornece uma caracterização suficientemente precisa dos comportamentos tidos como ilícitos, susceptíveis de serem punidos como contra-ordenação, permite que, com alguma facilidade, os destinatários possam apreender os elementos essenciais do ilícito contra-ordenacional, proporciona à entidade competente (ARN) um critério de decisão que lhe permita agir com segurança no momento de apreciar e punir essas condutas e possibilita, em termos razoáveis, o controlo judicial das decisões assim tomadas.
Muito difícil, senão mesmo impossível, seria encontrar uma definição de “interesse do assinante”, ou de “agir em defesa do interesse do assinante”, dada a grande variedade das situações que pode abarcar, mas será fácil avaliar esse interesse em cada caso concreto.
Em jeito de conclusão, diremos que a exigência de determinabilidade mostra-se respeitada, não se configurando qualquer intolerável compressão de direito fundamental, pelo que não ocorre a inconstitucionalidade invocada.
A atipicidade da conduta da arguida no caso do assinante B…
Contesta a recorrente a interpretação e aplicação que o tribunal recorrido fez do artigo 7.º, n.º 1, do Regulamento n.º 58/2005, de 18 de Agosto, pois entendeu que, relativamente ao assinante B…, o dever de agir na defesa dos interesses deste impunha-lhe que cancelasse os pedidos de portabilidade impostos pelo cliente, quando o cancelamento ainda era possível e era essa a intenção do cliente, mas, “considerando as circunstâncias do caso, designadamente a conduta preocupada, célere, diligente e verdadeiramente excepcional da A…”, impunha-se a conclusão de que “agiu no respeito estrito daqueles que eram, objectivamente, os interesses do assinante” e por isso deve ser absolvida não podendo a A...ser senão absolvida desta infracção que lhe é imputada.
Importa, pois, conhecer os factos que na primeira instância foram considerados provados
1.  “Em 06.08.2005, B… pediu à C... S.A, no âmbito do acordo escrito que celebrou com a aquela empresa para a prestação de serviço telefónico e de acesso à internet, a portabilidade do número de rede 21 ….;
2. … tendo para o efeito denunciado o acordo escrito que assinara com a PT Comunicações S.A.
3. Ao pedir a portabilidade, em 06.08.2005, B… não anexou o seu bilhete de identidade, então em processo de renovação, nem a respectiva fotocópia.
4. Três dias mais tarde enviou à C... o comprovativo de renovação do documento.
5. O processo de portabilidade do mesmo número foi entregue pelo agente n.º 7... à C... S.A em 22.08.2005.
6. Em 13.09.2005, B… questionou a C... S.A sobre as razões da demora da entrega do processo pelo agente em causa e porque razão não fora contactado se a fotocópia do bilhete de identidade não era suficiente.
7. Em 09.09.2005 a arguida solicitou a B… que enviasse cópia legível do seu bilhete de identidade ou documento de identificação.
8. Em 04.10.2005, B… contactou o call center da C..., a fim de se informar sobre a evolução do respectivo processo de portabilidade, tendo-lhe sido dito que estaria tudo encaminhado e à espera de ser enviado para a PT Comunicações S.A.
9. Em novo contacto efectuado em 12.10.2005, o referido B… recebeu a informação de que a C... S.A. tinha tentado contactá-lo telefonicamente em 22.09.2005, para lhe solicitar que enviasse nova cópia do bilhete de identidade, e que após essa tentativa não concretizada teria sido enviada nova carta a solicitar essa documentação.
10. A referida carta não foi recebida por B….
11. Em 14.10.2005 B… questionou a C... sobre:
§ A razão por que, em 04.10.2005, não lhe foi dada a informação prestada em 12.10.2005;
§ A razão pela qual não foi efectuada mais nenhuma tentativa de contacto desde 22.09.2005 para resolver o problema da fotocópia;
§ A razão pela qual ainda não tinha obtido resposta à reclamação que enviara em 13.09.2005, referindo por fim que: “Assim venho por este meio ultimar que sejam revistas todas as situações acima descritas bem como as da reclamação de dia 13 de Setembro enviada por Fax para os vosso serviços, bem como a disponibilização do serviço contratado até ao dia 31 do corrente mês, caso contrário tomem esta carta em consideração como uma rescisão do contracto de prestação de serviços dado o incumprimento do mesmo pela vossa parte”, tendo ainda enviado nova cópia do bilhete de identidade.
12. Em 21.10.2005 a C... S.A enviou a B… o username e a password para o serviço C... A....

13. Em 24.10.2005 a C... S.A informou B… que “o processo de activação do serviço de acesso directo na PT Comunicações passa primeiro pela marcação prévia de uma data para desagregação da linha telefónica. Posteriormente é enviada a documentação recepcionada na C... para a PT Comunicações que confirma se existe elegibilidade ou não para proceder à activação do serviço, ou seja, é analisada toda a documentação e dada resposta à C... da possibilidade de activação”

14. … bem como que o pedido ainda não fora aceite “devido à ilegibilidade da cópia do bilhete de identidade”.

15. … embora entretanto a documentação em falta tivesse si recepcionada e enviada à PT Comunicações S.A.

16. … pelo que uma vez obtida a confirmação da data da desagregação da linha seria enviada carta indicando a respectiva data da activação do serviço solicitado.

17. Em 01.11.2005 a C... S.A, fez um envio à PT de um pedido de portabilidade, referente ao número de linha de rede 21 …..

18. … ao qual não houve uma resposta atempada.

19. Em 04.11.2005 fez novo pedido referente ao mesmo número;

20. … recebendo a confirmação de recepção em 07.11.2005.

21. Em 16.11.2005 a C... S.A informou B… de que o serviço seria activado em 21.11.2005.

22. Em 21.11.2005 foi efectuada a portação do número 21 …. para a rede da C... S.A.

23. Na mesma data esta empresa informou B… que fora efectuado o cancelamento do processo de activação conforme solicitado.

24. Em 25.11.2005 B… recebeu nova informação, esta de que o serviço se encontrava já activo.

25. Em 23.12.2005 a “C... S.A” solicitou ao mesmo cliente, na sequência do pedido de desactivação, informação sobre se a sua intenção era a desistir do serviço fixo de telefone ou de manter esse serviço através de outro operador, dando-lhe conta dos procedimentos a adoptar nos dois casos.

26. Nessa data já fora efectuado pela PT Comunicações S.A um pedido electrónico de portabilidade do número de rede 21 … em 19.12.2005, confirmado em 21.12.2005, o que levou à portação do mesmo para esta empresa em 03.01.2006.

Perante este quadro factual, a Sra. Juíza do tribunal recorrido não teve dúvidas em considerar que a recorrente cometeu a contra-ordenação que lhe era imputada e fundamentou assim a sua decisão:
“Determina o n.º 1 do art.º 7 do Regulamento 58/2005 publicado na II Série do Diário da República em 11.08.2005, que: “O PR (prestador receptor) deve respeitar o pedido de portabilidade do assinante em conformidade com a definição daquela funcionalidade, ou seja, o assinante muda de empresa e mantém o número desde o primeiro instante em que adere ao serviço prestado pelo PR”.
Refere o artº 14º n.º 2 do mesmo Regulamento que:
“Apresentada a desistência do pedido junto do PR, deve este, caso já tenha submetido o pedido electrónico de portabilidade ao PD:
- cancelar o pedido electrónico de portabilidade, até ao dia útil seguinte ao da apresentação do cancelamento do pedido de portabilidade pelo assinante excepto quando ainda não se tenha verificado a recepção da confirmação pelo PD do pedido electrónico já efectuado, devendo neste caso proceder-se ao cancelamento imediatamente a seguir a essa confirmação;
- não renovar o pedido electrónico em caso de recusa do mesmo pelo PD, ou erro. E o artº 25º do mesmo Regulamento que: “As infracções ao disposto no presente regulamento são puníveis nos termos da alínea ll) do artº 113º da Lei 5/2004 de 10 de Fevereiro”.

Menciona, por sua vez, o artº 54º n.º 1 da Lei citada que: “Sem prejuízo de outras formas de portabilidade que venham a ser determinadas, é garantido a todos os assinantes dos serviços telefónicos acessíveis ao público que o solicitem o direito de manter o seu número ou números, no âmbito do mesmo serviço, independentemente da empresa que o oferece, no caso de números geográficos. Num determinado local, e no caso dos restantes números em todo o território nacional”.
O citado artº 113º n.º 1 al. ll) refere, por sua vez que: “Sem prejuízo de outras sanções aplicáveis, constituem contra-ordenações: (…) A violação do direito dos assinantes à portabilidade previsto no nº 1 do artº 54º e o incumprimento das obrigações que sejam estabelecidas nos termos previstos nos nºs 2, 3 e 5 do artº 54º”.
As contra-ordenações previstas na presente lei são puníveis com coima de € 5.000 a € 5 000 000. As referidas contra-ordenações são puníveis a tentativa e a negligência, nos termos dos nºs 2 e 4 do mesmo artigo.
Em caso de negligência, os limites mínimos e máximos da coima aplicáveis são reduzidos a metade (cfr artº 4º da Lei 99/2009 de 04.09 que aprovou o regime quadro das contra-ordenações do sector das comunicações).
Na espécie, estão em causa vários casos diferentes referentes a vários clientes.
Vejamos em primeiro lugar a situação respeitante a B....
Relativamente a este cliente a pedra de toque, independentemente da questão da junção ou envio de cópia legível, do bilhete de identidade por parte do cliente, reside na comunicação feita pelo mesmo estabelecendo claramente um prazo limite, após o qual já não pretenderia a portabilidade - 31.10.2005.
Ora, não obstante este pedido a arguida solicitou, por duas vezes, em 01.11.2005 e em 04.11.2005, a portabilidade do número de linha de rede do mencionado assinante. A referida portação ocorreu em 21.11.2005. Esta foi a data da portação desse número, mas data também do envio de uma carta ao cliente na qual o mesmo era informado que fora efectuado o pedido de cancelamento do processo de activação, tendo a arguida, alguns dias depois em 24.11.2005, quando o número já estava portado, contactado o cliente, na sequência do pedido de desactivação e solicitado ao mesmo informação sobre se a sua intenção era desistir do serviço fixo de telefone ou a de manter o serviço através de outro operador, dando-lhe conta dos procedimentos a adoptar.

(…)

Ora no que respeita aos primeiros três assinantes, B..., D… e E…, cabe ter em atenção desde logo o disposto no artº 7º n.º 1 do citado Regulamento 58/2005.
Estabelece esta artigo um conceito aberto que necessita de ser integrado, no que respeita ao facto de ao “PR” dever gerir o processo de portabilidade na defesa do interesse do assinante”.
Ora, se é certo, como diz a arguida, que o mesmo não impõe comportamentos específicos e determinados, o mesmo impõe, claramente, uma conduta ao prestador receptor (“PR”) e essa conduta pode e deve traduzir-se no cancelamento de pedidos de portabilidade em determinado prazo imposto pelo cliente, quando esse cancelamento ainda é possível, se, no caso, for essa a intenção do assinante.
Concordamos com a arguida quando a mesma diz que o “fax” do cliente B... não transmitia do mesmo uma decisão definitiva de cancelamento, na data em que foi enviado e recebido, mas se não a transmitia na data em que foi enviado/recebido – 14.10.2005, transferia essa decisão definitiva para o dia 31.10., caso a portabilidade não estivesse executada. Essa intenção do cliente é clara, face ao teor da comunicação: “… bem como a disponibilização do serviço contratado até ao dia 31 do corrente mês, caso contrário tomem esta carta em consideração como uma rescisão do contrato de prestação de serviços”. À arguida caberia, quando recebeu essa comunicação, desde logo no cumprimento dos deveres de cuidado que lhe eram exigíveis, assegurar-se que processo estaria concluído antes da data referida, ou no caso de dúvida sobre a conclusão do mesmo atempadamente ou sobre a “intenção” do cliente, contactar o mesmo, em tempo. A arguida para além de não o ter feito, iniciou os pedidos de portabilidade junto da PT em data posterior a 31.10.2005, enviando ainda ao cliente uma comunicação contraditória e contactando o mesmo transmitindo-lhe uma realidade não correcta.
Ora dos factos em referência, concluísse que a arguida claramente não conduziu o processo de portabilidade deste assinante no interesse do mesmo, iniciando os pedidos de portabilidade após a data em que o mesmo manifestou o seu desinteresse pela continuação do processo.
No que respeita aos contactos referidos pela arguida nas alegações de recurso, após o recebimento do “fax” em referência, assinalam-se que todos ocorreram antes da mencionada data limite, não se impondo que o consumidor reiteradamente manifeste a sua vontade quando à data limite e à rescisão pretendida, como parece entender a arguida, já tendo o mesmo feito essa manifestação clara no “fax” anteriormente enviado à arguida.

 Transcrevemos na íntegra este trecho da fundamentação da sentença recorrida porque nele se evidencia que, ao contrário do que sustenta a recorrente, os factos preenchem a previsão do ilícito contra-ordenacional que resulta da conjugação dos artigos 54.º, n.ºs 1 e 5, da LCE, 7.º, n.º 1, do Regulamento e 113.º, n.º 1 al. ll), da mesma LCE.
Aliás, não podemos deixar de concordar com o “ICP – ANACOM” quando este afirma que a recorrente geriu atabalhoadamente esse processo, pois há vários motivos para se fazer uma tal apreciação negativa, designadamente o facto de, no próprio dia em que foi comunicado ao assinante que tinha sido efectuada a portação do n.º 21 …, ter-lhe sido comunicado o cancelamento do processo de activação.
Não é relevante para a tipificação, como contra-ordenação, da conduta da recorrente que, após a interpelação do assinante B…, esta tenha posto “o melhor do seu esforço” no sentido de satisfazer a pretensão do cliente. É claro que, ante a perspectiva, de perder um cliente (que “conquistara” a empresa concorrente), era do interesse da recorrente acelerar o processo, que até aí se vinha arrastando (e daí a interpelação).
Mas não se compreende que se possa questionar que, neste caso, agir em defesa do interesse do assinante era, antes de mais, respeitar a sua vontade, o que a recorrente não fez.
Cabe aqui assinalar que, na mesma altura em que contratou o fornecimento do serviço, o assinante B… resolveu o contrato que, para obter a prestação de serviço idêntico, celebrara com outra empresa.
Por isso, naturalmente, pretendia celeridade na conclusão do processo de portabilidade para poder beneficiar do serviço e, perante a demora, definiu uma “red line” (passe o anglicismo): até 31.10.2005, devia ser-lhe disponibilizado o serviço contratado, pois, de contrário, já nele não estaria interessado e considerava resolvido (rescindido) o contrato celebrado.
Não tendo logrado satisfazer esta condição, é óbvio que a recorrente não devia, sequer, ter enviado o pedido de portabilidade do referido número, pois já o fez em data posterior a 31.10.2005, ou seja, quando o contrato já estava resolvido.
Improcedem, assim, as conclusões das alíneas F) a I) da motivação do recurso.
A medida da coima única aplicada.
A recorrente põe em causa a medida da coima única e critica a fundamentação da sentença com os seguintes argumentos:
§ o tribunal recorrido interpretou e aplicou o artigo 18.º do RGCOC e o n.º 2 do artigo 5.º do Regime Quadro das Contra-Ordenações do Sector das Comunicações, aprovado pela Lei n.º 99/2009, de 4 de Setembro, no sentido de desconsiderar a ausência de qualquer benefício económico da A...com a prática das infracções que lhe são imputadas (ou sequer de qualquer intenção de o obter), e de considerar circunstância agravante o facto de existirem, in casu, elevadas exigências de prevenção decorrentes do facto de a A...ser uma pessoa colectiva e um operador de comunicações electrónicas;
§ no entanto, essas normas legais não pressupõem, na graduação da medida da coima, a valoração da qualidade de pessoa colectiva (ponderação ínsita na própria moldura abstracta da coima aplicável às infracções aqui em causa) nem o facto de se tratar de um operador de comunicações electrónicas, uma vez que, dirigindo-se as infracções aqui em causa exclusivamente a operadores de comunicações electrónicas, a referência a essa qualidade não pode evidentemente assumir-se enquanto critério de diferenciação.;
§ em contraponto, o reduzido grau de culpa e a inexistência de antecedentes contra-ordenacionais justificam que a coima aplicada se situe próximo do mínimo legal, e não do máximo aplicável ao concurso, como aconteceu.
Não está, pois, em causa a medida das coimas parcelares, mas tão só a coima única, cuja aplicação é justificada nos seguintes termos:
“No que respeita ao cumulo efectuado o mesmo deverá ter em atenção a absolvição relativamente à prática de uma contra-ordenação. Assim e considerando o disposto no artº 19º n.º 1 do Dec.-Lei 433/82 de 27.10 (Regime Geral dos Ilícitos de Mera Ordenação Social), que se entende aplicável no caso, julga-se adequado aplicar à arguida a coima única de € 20.000,00, não se seguindo nesta parte a posição da Autoridade Administrativa que se entende não proceder por falta de apoio legal”.
Como facilmente se constata pela leitura deste extracto, na determinação da coima única o tribunal não desvalorizou (desconsiderou) o facto de a recorrente não ter obtido qualquer benefício económico com a prática das infracções, nem o facto de a mesma recorrente ser uma pessoa colectiva e um operador de comunicações electrónicas foi tido como circunstância agravante da culpa.
É certo que essas circunstâncias são referidas (e foram ponderadas) a propósito da determinação das coimas parcelares, mas estas não foram postas em causa pela recorrente[5].
Nem o RGC-O, nem o Regime Quadro das Contra-Ordenações do Sector das Comunicações (RQCOSC) contêm uma norma semelhante à do artigo 77.º, n.º 1, do Cód. Penal que estabelece um critério específico para a determinação da pena única em caso de concurso de crimes (devendo ser considerados, na sua globalidade, os factos e a personalidade do agente), limitando-se o art.º 19.º do RGC-O (que é direito subsidiário em relação ao RQCOSC) a estabelecer para a definição da moldura do concurso de contra-ordenações as mesmas regras que o Código Penal prevê para a determinação da pena conjunta: o limite mínimo corresponde ao da coima mais elevada das concretamente aplicadas e o limite máximo ao da soma das coimas também concretamente aplicadas (com o limite do dobro da coima mais elevada das contra-ordenações em concurso).
No entanto, tratando-se de efectuar um cúmulo jurídico[6], impõe-se que a determinação da coima única seja devidamente fundamentada[7] e há que reconhecer que, nesse aspecto, a decisão recorrida deixa bastante a desejar.
Assim mesmo, o tribunal a quo teve em consideração o número de contra-ordenações cometidas e ao referir que não seguia “nesta parte a posição da Autoridade Administrativa que se entende não proceder por falta de apoio legal”, percebe-se que se pretendeu dizer que o grau de culpa (negligente) da arguida não era tão elevado como considerou o “ICP – ANACOM”, pois não agiu com negligência grosseira.
Por isso reduziu a um terço (!) o montante das coimas, quer as singulares, quer a coima conjunta.
A prevenção especial (de ressocialização) não faz sentido como factor de determinação da medida da coima, pois esta “representa um mal que de nenhum modo se liga à personalidade ética do agente e à sua atitude interna, antes serve como mera «admonição», como mandato ou especial advertência conducente à observância de certas proibições ou imposições legislativas” (Figueiredo Dias, Loc. Cit., 30).
Assim, será em função da culpa e das exigências de prevenção geral que a coima única há-de ser fixada.
O RQCOSC contém uma classificação das contra-ordenações que, em função da relevância dos interesses violados, podem ser leves, graves e muito graves (art.º 6.º).
As infracções cometidas pela recorrente são consideradas infracções graves (cfr. artigo 7.º, n.º4, al.e), do RQCOSC e artigo 113.º, n.º 2, da LCE).
Não sendo a negligência na actuação da recorrente particularmente intensa, mas sendo muito relevante (a ponto de ser considerada infracção grave a sua violação) o interesse tutelado, não esquecendo que são três as contra-ordenações cometidas, situaremos a culpa da recorrente ao nível da mediania. 
A coima, sendo uma sanção de natureza patrimonial, se não tiver uma expressão significativa, para uma empresa de grande poderio económico, não terá senão um valor simbólico (assim seria se fosse fixada próximo do limite mínimo da moldura do concurso, como a recorrente alvitra), o que faria com que as finalidades admonitórias que lhe subjazem saíssem frustradas.
Por isso, e pelas razões já mencionadas na sentença recorrida, são realmente fortes as exigências de prevenção geral.
Ponderando tudo isso, revela-se bem doseada a coima de € 20 000,00 aplicada à recorrente.   
                                                             *
Pretende a recorrente a aplicação, “por analogia com o artigo 72.º-A do RGCOC”, que na fixação da medida da coima, seja relevada a circunstância de ter apresentado, relativamente ao exercício de 2009, um resultado líquido negativo de € 19.140.752,42 e um volume de negócios de € 831.802.230,00.
Isto porque a norma do citado art.º 72.º-A do RGC-O deve ser interpretada no sentido de que a actualidade da situação económica e financeira do arguido também deve relevar para efeitos de diminuição do montante da coima e interpretação em sentido contrário será materialmente inconstitucional “por violação expressa do artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa”.
Associada a esta questão está aquilo que a recorrente considera um lapso da sentença recorrida, a corrigir nos termos do disposto no art.º 380.º, n.ºs 1, al. b), e 2, do Cód. Proc. Penal: o volume de negócios da arguida no ano de 2008 foi de € 890.709.191,00, e não de 5.353.000.000,00, como dela consta.
Convém aqui recordar que nos processos por contra-ordenações o Tribunal da Relação funciona como tribunal de revista, como tribunal de última instância, conhecendo, apenas, da matéria de direito (art.º 75.º do RGC-O).
Tal não obsta, contudo, a que conheça de algum dos vícios previstos no n.º 2 do artigo 410.° do Cód. Proc. Penal (aplicável ex vi do artigo 41.°, n.º 1, do RGC-O), como vem sendo jurisprudência uniforme (cfr., por todos, o acórdão da R C, de 09.06.2010, disponível em www.dgsi.pt).
No entanto, é sabido que os vícios da sentença previstos naquela norma, para que o tribunal de recurso deles conheça, têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, o que, manifestamente, não é o caso, pois não vislumbramos qualquer erro notório na apreciação da prova, contradição insanável na fundamentação, ou entre esta e a decisão, ou a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Manifesto é, ainda, que não se trata de um lapso e que o que se pretendeu referir foi o volume de negócios do grupo S..., de que, como é bem sabido, faz parte a “A...”.
Quanto à aplicação, por analogia, da norma do n.º 2 do art.º art.º 72.º-A do RGC-O para diminuir o montante da coima em caso de degradação sensível da situação económica e financeira do arguido, salvo o devido respeito, consideramo-la uma falsa questão.
Por força da proibição da reformatio in pejus, o tribunal para o qual se recorre não pode agravar a sanção aplicada, mesmo que, por exemplo, considere ter o arguido actuado dolosamente e não, apenas, com negligência como considerou a autoridade administrativa.
O n.º 2 do art.º 72.º-A estabelece uma excepção a essa regra: o montante da coima poderá ser agravado se a situação económica e financeira do arguido tiver melhorado sensivelmente.
Pressupondo o agravamento da coima uma alteração dos factos (no que se refere à situação económica do arguido), tal alteração só poderá resultar da audiência de julgamento a realizar no tribunal de primeira instância, com debate contraditório em que o arguido possa pronunciar-se sobre ela, contestando a verificação do pressuposto.
O conhecimento do Tribunal da Relação é restrito à matéria de direito (excepto nos casos já referidos) e por isso impõe-se a conclusão de que a possibilidade de agravamento da coima prevista naquele n.º 2 do art.º 72.º-A é limitada ao chamado recurso de impugnação judicial da decisão (da autoridade administrativa) de aplicação da coima (neste sentido, Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, “Contra-ordenações – Anotações ao Regime Geral”, 6.º edição, 2011, 532; contra, mas sem justificarem, António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral, “Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas”, Almedina, 3.ª edição, 254).
Ora, como é bem de ver, desta interpretação, não decorre qualquer situação de desigualdade em prejuízo do arguido e por isso não há violação do direito a um processo equitativo, consagrado no art.º 20.º, n.º 4, da CRP.   
Não há, pois, qualquer razão para conceder provimento ao recurso. 


III – Decisão
Em face do exposto, acordam os juízes desta 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso, mantendo, na íntegra, a sentença recorrida.

A recorrente pagará taxa de justiça que se fixa em 6 (seis) UC (artigos 513.º, n.º 1, e 514.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal e 8.º, n.º 5, do Regulamento das Custas Processuais).

 (Processado e revisto pelo primeiro signatário, que rubrica as restantes folhas).
   
Lisboa, 29 de Novembro de 2011

Relator: Neto de Moura;
Adjunto: Alda Tomé Casimiro;
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[1] Cfr., entre muitos outros, o acórdão do STJ, de 13.04.2011; Relator: Cons.  Raul Borges).
[2] Elementos descritivos do tipo são aqueles que se podem apreender através de uma actividade sensorial, isto é, os elementos que referem aquelas realidades materiais que fazem parte do mundo exterior e por isso podem ser conhecidas, captadas de forma imediata, sem necessidade de uma valoração.
Normativos são aqueles elementos que só podem ser representados e pensados sob a lógica pressuposição de uma norma ou de um valor, sejam especificamente jurídicos ou simplesmente culturais, legais ou supra-legais, determinados ou a determinar.
Não são sensorialmente perceptíveis, mas só podem ser espiritualmente compreensíveis ou avaliáveis (Figueiredo Dias, Ob. Cit., 272/273).
[3] Situação diversa, embora com evidentes afinidades, é a dos tipos penais abertos, em que não é descrita, de forma esgotante, a conduta, mas cuja determinação é necessária para integral preenchimento do tipo de ilícito, e por isso, para a determinação da conduta proibida, tem de se recorrer a uma valoração autónoma levada a cabo pelo aplicador. São os casos dos crimes omissivos impróprios e dos crimes negligentes.
[4] Assim também, Figueiredo Dias (Ob. Cit., 173) que, a este propósito, escreve: “pressuposto porém, evidentemente, que a norma penal em branco consta de lei formal, não se vêem razões teleológico-funcionais decisivas para considerar em causa, no plano da fonte, o respeito pelo princípio da legalidade”.
[5] Foram-no, apenas, em sede de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa.
[6] Obviamente, seria diferente se a lei determinasse a acumulação material das coimas.
[7] Neste sentido, cfr. o acórdão da RE, de 11.11.2008 (disponível em www.dgsi.pt).