Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4345/12.9TCLRS-B.L1-6
Relator: ELSA MELO
Descritores: AUTORIDADE DO CASO JULGADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/05/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. A autoridade do caso julgado visa impedir que existam decisões contraditórias, que venham a afectar a certeza e segurança jurídicas .
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório:
AA intentou incidente de liquidação de sentença contra BB, CC e Farmácia ... Unipessoal, Lda., nos termos dos arts. 609º, nº2, e 358º, nº2, do Cód. de Proc. Civil, peticionando a renovação da instância declarativa e a liquidação do pedido correspondente à metade dos resultados líquidos obtidos (alcançados pela diferença entre ganhos e as perdas) pelo estabelecimento Farmácia ... no ano de 2019, acrescida dos juros à taxa legal que se venham a vencer até integral e efetivo pagamento.
Foi proferida sentença, datada de 20 de Janeiro de 2025, que fixou em 52.251,62 € o valor da metade dos resultados líquido obtidos, de 01 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2019, inclusive, pelo estabelecimento «Farmácia ...», de que o Requerente é comproprietário e que os Requeridos foram condenados a pagar-lhe na sentença proferida em 30 de Abril de 2015, objecto do presente recurso,valor aque acrescem juros demoradesde o trânsito em julgado, até efectivo e integral pagamento, tendo a decisão recorrida julgado verificada a excepção de caso julgado, na sua vertente positiva de autoridade do caso julgado. Considerando, a decisão recorrida que, o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 09 de Março de 2022, no incidente de liquidação que correu termos sob o processo n.º 4345/12.9TCLRS-A, transitado em julgado, definiu a concreta relação jurídica desenhada no aludido apenso A, definição essa que se impõe e é vinculativa para Recorrentes e Recorrido no âmbito de qualquer outro litígio que entre eles venha a ocorrer e que tenha como objecto a condenação dos Recorrentes no pagamento ao Recorrido de metade dos resultados líquidos obtidos pelo estabelecimento Farmácia ... em diferentes exercícios fiscais e económicos.
BB, CC e Farmácia ... Unipessoal, Lda., inconformados com sentença proferida apresentaram recurso de apelação.
Os Recorrentes alegaram, em suma, que não se conformam com esta decisão no que respeita ao valor liquidado e em que foram condenados, discordando veementemente da aplicação da figura da autoridade do caso julgado, por via da qual, entendeu o Tribunal a quo estar vinculado aos termos da liquidação estabelecidos no douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido a 09.03.2022, no incidente de liquidação referente aos anos de 2012 a 2018, conforme apenso A.
Mais alegam os Recorrentes, no âmbito da presente apelação (assim como já o haviam feito em sede de apelação e revista no apenso A, razão pela qual este recurso não representa, na verdade, mais do que um mero inconformismo dos Recorrentes, que pura e simplesmente se recusam aceitar a resolução dada à questão por parte do Supremo Tribunal de Justiça) que a desconsideração do valor liquidado a título de IRC pela Recorrente Farmácia ..., Unipessoal, Lda., no ano de 2019, constitui um puro artificialismo que subverte os mais elementares princípios fiscais e contabilísticos vigentes no ordenamento jurídico português, sendo ainda fonte de desigualdade e iniquidades, por propiciar, um enriquecimento injustificado do Recorrido, à custa dos Recorrentes.
Adicional e subsidiariamente, consideram os Recorrentes que os critérios pelos quais o Supremo Tribunal de Justiça se regeu para proceder à quantificação do montante a liquidar no apenso A, para tanto (i) desconsiderando o valor de imposto liquidado pelo estabelecimento Farmácia ... nos anos de 2012 a 2018 e (ii) fazendo reverter aos proventos obtidos pelo mesmo, naquele período, a remuneração auferida pela Recorrente BB enquanto gerente e diretora técnica nos anos de 2012 a 2018 e dada como provada nesses autos, subvertem os mais elementares princípios e regras fiscais e contabilísticos e propiciam um enriquecimento injustificado do Recorrido à custa dos Recorrentes – o que é expressamente proibido por lei.
Mais alegam que, ao recorrer aos mesmos critérios – impostos pelo conhecimento da autoridade do caso julgado –, que adulteram os resultados líquidos do estabelecimento Farmácia ..., o Tribunal a quo está a aderir a uma ilegalidade, incorrendo em erro de julgamento quanto ao direito aplicável.
Invocam, a final, que a decisão recorrida proferida em primeira instância enferma de manifesto erro de julgamento quanto ao direito aplicável, impondo-se a sua revogação e o prosseguimento dos autos com a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova.
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Por sua vez, contra-alega o Recorrido que, contrariamente ao defendido pelos Recorrentes, a aludida excepção de caso julgado, na sua vertente positiva de autoridade do caso julgado, verifica-se porquanto os fundamentos do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 09 de Março de 2022, no incidente de liquidação que correu termos sob o processo n.º 4345/12.9TCLRS-A, estão, tal como vem sido estabelecido pela doutrina e jurisprudência, cobertos pelo caso julgado quando fixam o sentido e alcance da decisão contida na parte final da sentença, pois, como bem foi realçado na decisão recorrida, o que releva são os concretos termos da liquidação (estabelecidos no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 09 de Março de 2022), não relevando o facto de estarem em causa exercícios de anos distintos.
Conclui pela manutenção da decisão recorrida.
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O Tribunal a quo, no saneador-sentença sob recurso, entendeu que o decidido, em última instância e com trânsito em julgado (referido acórdão de 09.03.2022) quanto aos termos a operar na liquidação no caso em apreço impõe-se, desde logo, pelo conhecimento da autoridade do caso julgado assumindo-se despiciendo estarem em causa exercícios de anos distintos, ao contrário do que alegam os requeridos, pois o que releva são os termos da liquidação, que se quedam estabelecidos, não podendo este tribunal deixar de operar a liquidação com os enunciados contornos (…).”.
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Foram apresentadas pelos Recorrentes as seguintes conclusões:
1. Os Recorrentes não se conformam com a decisão recorrida – que decidiu liquidar
a quantia em que os mesmos foram condenados a pagar ao Recorrido, relativa a metade do resultado líquido obtido no ano de 2019 pelo estabelecimento Farmácia ..., em € 52.251,62 – discordando veementemente da aplicação da figura da autoridade do caso julgado, por via da qual entendeu o Tribunal a quo estar vinculado aos termos da liquidação estabelecidos no douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido a 09.03.2022, noincidente de liquidaçãoreferente aos anos de 2012 a2018, conforme apenso A;
2. Os Recorrentes entendem que não se encontram verificados os requisitos necessários à aplicação do instituto do caso julgado, na sua “vertente positiva”, da autoridade do caso julgado;
3. O caso julgado material traduz-se na insusceptibilidade de impugnação de uma decisão, decorrente do respetivo trânsito em julgado, e produz os seus efeitos por duas vias: na sua vertente negativa, pode impor-se por via da excepção de caso julgado e, na sua vertente positiva, pode impor-se por via da autoridade do caso julgado;
4. O caso julgado impor-se-á por via da sua autoridade quando a concreta relação ou situação jurídica que foi definida na primeira decisão não coincide com o objeto da segundaação, mas constituipressupostooucondiçãodadefiniçãodarelaçãoou situação jurídica que nesta é necessário regular e definir;
5. No caso dos autos, é inegável que ambos os incidentes de liquidação – quer o
presente, quer o correu termos no apenso A –, advêm da mesma causa de pedir;
6. E, evidentemente, que não se questiona que, em ambos os incidentes, o propósito do Recorrido é liquidar a sentença proferida por este Tribunal, nos autos principais, a 30.04.2015;
7. Entendem, contudo, os Recorrentes que, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, os termos da liquidação estabelecidos no acórdão de 09.03.2022, proferido no apenso A e transitado em julgado, não se impõem nestes autos, visto que não existe entre um incidente e o outro uma verdadeira relação de prejudicialidade;
8. Ambos os incidentes correm de forma autónoma, sem que se verifique a aludida relação de prejudicialidade;
9. Trata-se de dois processos paralelos, não prejudiciais;
10. A decisão proferida no apenso A nunca foi condição para a apreciação do
presente incidente, de tal modo que a sua (eventual) improcedência não implicaria a improcedência deste incidente e vice-versa;
11. Atendendo ao fim do caso julgado de prevenção de contradições, ele só deve
poder abranger os pressupostos lógicos e autónomos da decisão quando exista o risco de, por força da decisão posterior (da contradição que ela acarreta), a primeira decisão ficar, na prática, esvaziada do seu sentido;
12. Tal não sucederá no caso dos autos, desde logo porque a operação de liquidação
efetuada no apenso A em nada ficará beliscada se, no presente incidente, se realizar a liquidação com a introdução de critérios adicionais na operação de cálculo da diferença entre os ganhos e as perdas do estabelecimento Farmácia ...;
13. As decisões proferidas num e noutro incidente de liquidação terão na sua base factos distintos, que assentam, predominantemente, na situação contabilística do estabelecimento Farmácia ..., em diferentes exercícios fiscais;
14. Como tal, os critérios utilizados para alcançar os resultados líquidos do estabelecimento Farmácia ... no período compreendido entre 2012 e 2018 e resultado líquido do exercício de 2019 não terão, necessariamente, de ser os mesmos;
15. Nada na lei impõe que, a circunstância de, para o período compreendido entre 2012 e 2018, o resultado líquido ter sido calculado desconsiderando (i) o valor de imposto liquidado pelo estabelecimento Farmácia ... nos anos de 2012 a 2018 e (ii) as quantias pagas a título de remunerações e encargos dos órgãos sociais, tal desconsideração seja necessariamente efetuada aquando do apuramento do resultado líquido do exercício de 2019;
16. Não se encontravam reunidas as condições para que fosse aplicada, na decisão sob recurso, a mesma fórmula de cálculo utilizada na decisão anterior, por força da autoridade do caso julgado;
17. A decisão recorrida, ao decidir aplicar a figura da autoridade do caso julgado, violou o disposto no artigo 621.º do CPC, impondo-se a sua revogação e o prosseguimento dos autos com a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova;
Sem prescindir, caso assim não se entenda,
18. O Tribunal a quo entendeu que o apuramento do resultado líquido do
estabelecimento Farmácia ... pressupunha a desconsideração dos impostos suportados pela sociedade Farmácia ..., Unipessoal, Lda., num exercício de abstração societária;
19. O resultado líquido do estabelecimento Farmácia ..., no ano económico de 2019, corresponde ao que foi registado contabilisticamente sem qualquer desconto ou liquidação de impostos, não compreendendo, assim, a tributação em sede de IRC, nem, subsidiariamente, a título de IRS;
20. Tal entendimento constitui um puro artificialismo que subverte os mais elementares princípios fiscais e contabilísticos vigentes no ordenamento jurídico
português, sendo ainda fonte de desigualdade e iniquidades, por propiciar um enriquecimento injustificado do Recorrido, à custa dos Recorrentes, proibido por lei;
21. O IRC suportado pelo estabelecimento Farmácia ..., por referência ao
exercício de 2019, enquanto integrado na sociedade unipessoal acima referida, deve ser atendido na fixação do valor a liquidar;
22. Mesmo que assim não se entenda, as regras contabilísticas aplicáveis obrigariam a
considerar pelo menos o IRS que deveria ter sido liquidado por referência aos resultados obtidos pelo estabelecimento no ano de 2019;
23. Na sentença proferida nos autos principais, decidiu-se pela anulação retroativa da
transferência do estabelecimento Farmácia ... para a sociedade Farmácia ..., Unipessoal, Lda., mas esta operação não afeta a validade da constituição da sociedade;
24. O resultado líquido do estabelecimento Farmácia ... no exercício de 2019
tem necessária correspondência com os proventos que foram obtidos pela sociedade Farmácia ..., Unipessoal, Lda. nesse mesmo período;
25. Ao calcular o resultado líquido do estabelecimento, o Tribunal recorrido não devia
ter abstraído os efeitos jurídicos, designadamente de natureza fiscal e contabilística, decorrentes do exercício da atividade do estabelecimento Farmácia ... através de uma sociedade unipessoal;
26. Ao desconsiderar a realidade societária, obliterando o imposto liquidado durante o ano económico e fiscal de 2019, a decisão recorrida incorre em contravenção relativamente às balizas fixadas na sentença de 30.04.2015 a respeito dos termos em que tal liquidação se deveria processar, o que contende com o artigo 620.º do CPC, devendo prevalecer a decisão proferida nos autos principais – como decorre do artigo 625.º do mesmo diploma;
27. Existe, no nosso ordenamento jurídico, uma intrínseca correlação entre a fiscalidade
e a contabilidade, fazendo apelo à normalização contabilística;
28. Dissociar os impostos sobre o rendimento da determinação do resultado líquido de um estabelecimento é violar o fundamento legal básico na quantificação desse mesmo resultado líquido: este não corresponde a uma mera operação de saldo de créditos e débitos, reconduzindo-se antes à efetiva variação do capital desse mesmo estabelecimento, em resultado da atividade económica desenvolvida ao longo de um determinado período de tempo, onde se incluem sempre, como uma das suas variáveis, os gastos ou dispêndios com impostos;
29. Aquela noção de lucro encontra-se prevista no n.º 2 do artigo 3.º do Código do IRC;
30. A respeito do cálculo do lucro tributável, importa salientar que o mesmo é aferido pela realidade contabilística do sujeito passivo, razão pela qual devem estar preenchidos todos os requisitos do n.º 3 do artigo 17.º do CIRC;
31. A taxa de IRC aplicável aos sujeitos passivos residentes em Portugal é, por norma, atualmentede 21%,nos termosdoartigo87.ºdoCódigodoIRC, acrescidade umaderrama municipal de 1,5% sobre o lucro tributável, ao abrigo do artigo 18.º da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, que estabelece o regime financeiro das autarquias locais e das entidades intermunicipais;
32. Também poderá ser aplicável uma taxa de derrama estadual de 3% à parte dos lucros tributáveis que exceda € 1.500.000,00 até € 7.500.000,00, 5% à parte dos lucros tributáveis entre € 7.500.000,00 e € 35.000.000,00 e 9% sobre a parcela do lucro tributável superior a € 35.000.000,00, nos termos do artigo 87.º-A do Código do IRC;
33. A sociedade Farmácia ..., Unipessoal, Lda., ao abrigo das disposições legais supra citadas, procedeu à liquidação do imposto sobre o rendimento que lhe era legalmente devido, a título de IRC, durante o ano económico de 2019;
34. Tal liquidação resulta devidamente demonstrada nos autos, concretamente no relatório pericial de 18.05.2021, em especial na rubrica referente ao “Imposto sobre o rendimentodoperíodo”ínsita natabela constante dapágina3 e,bem assim, daIESrelativa ao ano de 2019, junta aos autos;
35. A liquidação do IRC no exercício de 2019, no montante de € 3.618,21, enquanto o
estabelecimento Farmácia ... se encontrava integrado na sociedade Farmácia
..., Unipessoal, Lda., porque legalmente devida, deve ser encarada como um
gasto do referido estabelecimento;
36. O qual não pode ser desatendido para efeitos de contabilização dos resultados líquidosdo estabelecimentonaquele período, sob penade se subverterem os mais basilares princípios e regras contabilísticas e fiscais;
37. O exercício puramente ficcional de abstração da realidade societária deve funcionar para todos os envolvidos, e não só em benefício do Recorrido, sob pena de se gerar um enriquecimento sem causa deste último;
38. Se o Tribunal a quo adere ao entendimento segundo o qual, os impostos liquidados pelo estabelecimento Farmácia ..., a título de IRC, enquanto esteve integrado na Farmácia ... Unipessoal, Lda., não podem ser atendidos para o cálculo dos resultados líquidos durante o período em análise, cabe perguntar se tais impostos foram mal pagos ou pagos indevidamente à Administração Tributária;
39. Se fosse aquele o caso, a quantia paga à Administração Tributária, a título de IRC, por referência ao ano de 2019, deveria ser restituída;
40. Não podemos querer desconsiderar o valor daquele imposto para efeitos de cálculo do montante devido ao Recorrido ao abrigo da sentença de 30.04.2015 – e, nessa medida, condenar os Recorrentes a pagar-lhe, na prática, metade do valor dos resultados obtidos pelo estabelecimento acrescido de metade dos montantes pagos a título de IRC durante o ano de 2019 –, sem que, concomitantemente, os Recorrentes possam obter a devolução dos montantes pagos a título de IRC por parte da Administração Tributária;
41. Sob pena de termos uma decisão judicial que favorece, por meio do método adotado para o cálculo efetuado da quantia a liquidar, o enriquecimento sem causa do Recorrido (em clara violação do artigo 473.º do CC);
42. O Tribunal a quo também entendeu que o apuramento do resultado líquido do estabelecimento Farmácia ...pressupunha a desconsideração das remunerações e encargos com os órgãos sociais da Farmácia ..., Unipessoal, Lda., designadamente com a retribuição da Recorrente BB pelas funções de diretora técnica e de gestora da aludida farmácia, exercidas no ano de 2019;
43. Aderindo ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no apenso A, o
Tribunal a quo fez apelo ao instituto tu quoque;
44. O Tribunal recorrido cede a um puro artificialismo que subverte os mais basilares princípios fiscais e contabilísticos vigentes no ordenamento jurídico português, para além de favorecer desigualdades e iniquidades, por contribuir para um proibido enriquecimento injustificado do Recorrido, à custa dos Recorrentes;
45. Deverá ter-se em conta a Estrutura Conceptual do SNC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, do qual resulta que o lucro de um estabelecimento corresponde ao aumento no capital verificado num determinado período de tempo, aumento esse que obrigatoriamente atende aos gastos com remunerações pagas durante esse período;
46. Neste âmbito, releva a Norma Contabilística e de Relato Financeiro (“NCRF”) 28, aprovada pelo Aviso n.º 15655/2009, de 7 de setembro, na sequência da aprovação do SNC, onde se estabelece que os montantes pagos aos trabalhadores a título de remuneração são um gasto a considerar no apuramento do lucro de um estabelecimento;
47. No cálculo do resultado líquido obtido por um estabelecimento, dever-se-á contabilizar os encargos com o pagamento de remunerações – como as que foram auferidas pela Recorrente BB pelo exercício das funções de direção técnica e de gestora do estabelecimento Farmácia ... – enquanto gastos a
deduzir aos ganhos;
48. O Tribunal a quo não considerou estes princípios e regras contabilísticos e optou por desconsiderar uma parcela dos gastos com as remunerações auferidas pela Recorrente BB, naquele período, pelos cargos de diretora técnica e de gestora;
49. O instituto do tu quoque não encontra aplicabilidade ao caso em apreço;
50. Os Recorrentes não pretendem prevalecer-se de quaisquer consequências jurídicas sancionatórias de uma atuação ilícita;
51. A Recorrente BB exerceu, efetivamente, as funções de diretora
técnica e de gestora do estabelecimento Farmácia ... no ano de 2019, tendo sido pelas mesmas remunerada;
52. A sua remuneração, enquanto efetivo gasto do estabelecimento Farmácia Alto da
Eira, não pode ser adicionada – nem em parte, nem na sua totalidade – ao valor dos resultados líquidos do estabelecimento, sob pena de violação das regras e dos princípios legais vigentes em matéria contabilística e em matéria de direito tributário;
53. O raciocínio empreendido pelo Tribunal a quo é propiciador de um enriquecimento injustificado do Recorrido à custa dos Recorrentes, pois adultera os resultados líquidos do estabelecimento Farmácia ..., porquanto lhes imputa como lucro aquilo que, por via das regras contabilísticas aplicáveis, seria sempre computado como um gasto, e, consequentemente, aumenta de forma artificial os resultados líquidos registados pelo estabelecimento Farmácia ... no ano de 2019;
54. As remunerações auferidas pela Recorrente BB são a compensação
justa e adequada pelas suas quase três décadas de experiência na área da farmácia, pelos seus graus de especialista em farmácia hospitalar e farmácia comunitária e pela sua dedicação exclusiva à profissão, mais de 14 horas por dia, sem gozo de férias, e com os fins de semana tomados para o desempenho dos diversos serviços de atendimento permanente;
55. Não se verificam os pressupostos do instituto tu quoque, pois a remuneração auferida pela Recorrente BB configura-se, efetivamente, como um direito que lhe assistia, quer antes, quer depois, da integração do estabelecimento Farmácia ... na sociedade unipessoal, devendo, por esse motivo, as referidas remunerações, no montante total de € 88.607,64, ser tidas em conta como um gasto e não como um lucro a somar aos resultados líquidos apurados;
56. O Tribunal recorrido deveria ater-se aos valores de remunerações e considerá-
los como gastos, não os somando como lucros ao resultado líquido que se pretende apurar.;
57. Impõe-se concluir que a decisãosobsindicânciaenfermade um errode julgamento
quanto ao direito aplicável, quando pugnou no sentido de que o resultado líquido do estabelecimento Farmácia ... deve ser apurado considerando o resultado líquido antes de impostos, obtido pela Farmácia ..., Unipessoal, Lda. no exercício de 2019 e somando a este os valores dos custos com as remunerações auferidas pela Recorrente BB enquanto diretora técnica e gestora do referido estabelecimento;
58. A decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que considere, na
operação de liquidação, o imposto suportado pela Farmácia ..., Unipessoal, Lda. no exercício do ano de 2019, no montante de € 3.618,21, indicado no relatório pericial, bem como as remunerações auferidas pela Recorrente BB, no montante de € 88.607,64, fixando-se, assim, em € 6.138,69 a metade do resultado líquido do estabelecimento comercial denominado Farmácia ..., no período compreendido entre 01.01.2019 e 31.12.2019.
Pelo recorrido foram apresentadas as seguintes conclusões:
1.O presente recurso vem interposto por BB, CC e Farmácia ..., Unipessoal, Lda., doravante designados por «Recorrentes», da sentença proferida no dia 20 de Janeiro de 2025, que fixou em 52.251,62 € o valor da metade dos resultados líquido obtidos, de 01 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2019, pelo estabelecimento «Farmácia ...», de que AA, doravante designado por «Recorrido», é comproprietário e que os Recorrentes foram condenados a pagar-lhe na sentença proferida em 30 de Abril de 2015, objecto do presente incidente para liquidação, valor a que acrescem juros de mora desde o trânsito em julgado, até efectivo e integral pagamento, doravante designada por «decisão recorrida».
2.A excepção de caso julgado, na sua vertente positiva de autoridade do caso julgado, verifica-se porque os fundamentos do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 09 de Março de 2022, no incidente de liquidação que correu termos sob o processo n.º 4345/12.9TCLRS-A, estão, tal como vemsido estabelecidopela doutrina e jurisprudência,cobertos pelo caso julgado quando fixam o sentido e alcance da decisão contida na parte final da sentença, pois, como bem foi realçado na decisão recorrida, o que releva são os concretos termos da liquidação (estabelecidos no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 09 de Março de 2022), não relevando o facto de estarem em causa exercícios de anos distintos.
3. O acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 09 de Março de 2022, no incidente de liquidação que correu termos sob o processo n.º 4345/12.9TCLRS-A, transitado em julgado, definiu a concreta relação jurídica desenhada no aludido apenso A, definição essa que se impõe e é vinculativa para Recorrentes e Recorrido no âmbito de qualquer outro litígio que entre eles venha a ocorrer e que tenha como objecto a condenação dos Recorrentes no pagamento ao Recorrido de metade dos resultados líquidos obtidos pelo estabelecimento Farmácia … em diferentesexercícios fiscais e económicos.
4. É a sentença proferida em 30 de Abril de 2015, objecto do presente incidente para liquidação, que define o enquadramento contabilístico e fiscal e regime aplicável à determinação dos resultados do estabelecimento «Farmácia ...».
5. A sentença proferida em 30 de Abril de 2015, objecto do presente incidente para liquidação, determinou expressamentea «recolocação do estabelecimento coisa comum na disponibilidade e titularidade comum de A. e 1.ª R., na proporção de ½ para cada, o que se alcança fazendo-o sair da esfera jurídica da 2.ª R.», andou bem o Tribunal a quo, ao abstrair-se, na decisão recorrida dos «efeitos jurídicos, designadamente de natureza fiscal e contabilística, decorrentes do exercício da atividade do estabelecimento “Farmácia ...” através de uma sociedade unipessoal», bem como, «da realidade societária».
6.A sentença proferida em 30 de Abril de 2015, objecto do presente incidente para liquidação, apenas declarou a nulidade da transferência do estabelecimento pela BB para a Recorrente Farmácia ..., Unipessoal, Lda., e não, como os Recorrentes parecem pretender fazer crer, que metade do capital social da Recorrente Farmácia ..., Unipessoal, Lda., constituída pela Recorrente BB para ilicitamentetransferir a propriedade do estabelecimento «Farmácia ...», fosse atribuída ao Recorrido.
7. A questão trazida pelos Recorrentes de que a operação de anulação retroactiva (a nulidade da transferência do estabelecimento «Farmácia ...» pela Recorrente BB para a Recorrente Farmácia ..., Unipessoal, Lda.) «não afeta a validade da constituição da sociedade da “Farmácia ..., Unipessoal, Lda.”, isto é, do contrato de sociedade que a enformou e lhe conferiu existência jurídica» é absolutamente irrelevante para a decisão dos presentes autos, tal como é absolutamente irrelevante para a decisão dos presentes autos discutir se a declaração de nulidade da transferência do estabelecimento «Farmácia ...» pela Recorrente BB para a Recorrente Farmácia ..., Unipessoal, Lda., visou, ou não, «a dissolução da sociedade veículo através da qual era explorada a Farmácia, mantendo-se incólumes os efeitos produzidos pelo ato de constituição da sociedade unipessoal», conforme resultado parecer junto com a peça recursória dos Recorrentes e é ainda absolutamente irrelevante para a decisão dos presentes autos discutir se a nulidade retroactiva da transferência do estabelecimento «Farmácia ...» pela Recorrente BB para a Recorrente Farmácia ..., Unipessoal, Lda., afecta, ou não, a validade da constituição da Recorrente Farmácia ..., Unipessoal, Lda.
8. O que é relevante para a decisão dos presentes autos é apenas e tão-só o facto de o Recorrido e a Recorrente BB serem pessoas singulares, pelo que, nenhum outro enquadramento contabilístico e fiscal é admissível que não o aplicável às pessoas singulares, enquanto empresários em nome individual, tributados em sede de IRS.
9. E, outro enquadramento contabilístico e fiscal não seria, aliás, sequer, concebível, porque a sentença proferida em 30 de Abril de 2015, objecto do presente incidente para liquidação, determinou que o estabelecimento «Farmácia ...», não é propriedade, nem nunca foi, da Recorrente Farmácia...,Unipessoal, Lda.,considerando os efeitos retroactivos da declaração de nulidade da transferência, nos termos do disposto no artigo 289.º, n.º 1, do Código Civil.
10.Em consequência, importa atentar nas regras de determinação dos resultados do estabelecimento «Farmácia ...», enquanto propriedade de dois empresários em nome individual, a saber, o Recorrido e a Recorrente BB, e não nas regras de determinação dos resultados da Recorrente, a sociedade Farmácia ..., Unipessoal, Lda.
11.Por força da remissão prevista no mencionado artigo 32.º, do Código do IRS, o mecanismo de apuramento dos resultados da actividade empresarial de um sujeito passivo de IRS é semelhante - mas não coincidente – ao mecanismo de apuramento dos resultados da actividade de um sujeito passivo de IRC(aplicável se estivessem em análise os resultados obtidos pela Recorrente Farmácia ..., Unipessoal, Lda., e não os resultados obtidos pelo estabelecimento «Farmácia ...», enquanto propriedade de duas pessoas singulares).
12.No caso da actividade empresarial exercida por pessoas singulares, o resultado antes de impostos coincide com o resultado líquido e não é aceite o gasto de quaisquer remunerações ou outras prestações de natureza remuneratória dos titulares do rendimento.
13.A Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) n.º 25, emanada pela Comissão de Normalização Contabilística, define «lucro contabilístico» como o «resultado líquido de um período antes da dedução do gasto de impostos».
14.A tributação do resultado é efectuada em sede de IRS, uma vez que a actividade de exploração do estabelecimento «Farmácia ...» é exercida por pessoas singulares/empresários em nome individual.
15.O IRS é um imposto pessoal e progressivo sobre os rendimentos pelo que a tributação dos titulares de um mesmo rendimento, da mesma categoria de rendimentos, varia em função dos rendimentos obtidos em outras categorias e da sua situação pessoal e familiar, isto é, a colecta de imposto é determinada pela aplicação das taxas progressivas previstas no artigo 68.º do Código do IRS, consoante o escalão de rendimento do total dos rendimentos, que varia em função dos montantes das demais categorias que tenham sido englobados.
16.O resultado líquido obtido com o exercício de uma actividade empresarial por pessoas singulares, corresponde ao seu lucro contabilístico, ou seja, ao «resultado líquido de um período antes da dedução do gasto de impostos», uma vez que o imposto devido por virtude do exercício dessa actividade não incide de forma isolada, independente e específica sobre os resultados da mesma (esses resultados são adicionados aos rendimentos provenientes das demais categorias os quais, no seu conjunto, constituirão a base de incidência sujeita a imposto).
17.Assim, resulta evidente que dos elementos contabilísticos relativos à Recorrente Farmácia ..., Unipessoal, Lda., o que deverá relevar parao apuramentodo resultado obtido pelo estabelecimento «Farmácia...» são os resultados antes de impostos e não, ao contrário do que alegam os Recorrentes, os resultados depois de impostos, isto é, o resultado líquido da sociedade Recorrente Farmácia ..., Unipessoal, Lda.
18.Oenquadramento contabilístico-fiscal que decorre dasentençaproferidaem 30 de Abril de 2015, objecto do presente incidente para liquidação, é uma questão pacífica e apenas o desespero dos recorrentes poderá explicar, mas já não justificar, a sua tentativa de transformar num diferendo matérias que são consensuais e que a legislação contabilística há muito esclareceu.
19.Os Recorrentes (e não há que ter medo das palavras) tentaram enganar o Tribunal ad quem, sustentando que a sua argumentação, totalmente descabida e peregrina, teria fundamento no disposto no parágrafo 107 da Estrutura Conceptual homologada pelo Despacho nº 264/2015-XIX do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, de 16 de Julho de 2015, do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), aprovado através do Decreto-Lei nº 158/2009 de 13 Julho, alterado pelo Decreto-Lei nº 98/1015.
20.Os Recorrentes referem e argumentam que, nos termos do referido parágrafo, «o lucro de um estabelecimento corresponde a um aumento de capital
constatável num certo lapso temporal, que obrigatoriamente terá de considerar os encargos incorridos, nomeadamente com os impostos sobre o rendimento pagos nesse período», quando o referido parágrafo estabelece o seguinte «Pelo conceito de manutenção do capital físico quando o capital seja definido em termos da capacidade produtiva física, o lucro representa o aumento nesse capital durante o período. Todas as alterações de preços que afetem os ativos e passivos da entidade são vistas como alterações na mensuração da capacidade física produtiva da entidade; daqui que sejam tratadas como ajustamentos da manutenção do capital, que fazem parte do capital próprio, e não como lucro.», ou seja, não consta do mesmo, em lado algum, qualquer referência a estabelecimento ou a impostos sobre o rendimento.
21.O parágrafo 67 da Estrutura Conceptual, estabelece que «as atividades comerciais, industriais e de negócios, são muitas vezes levadas a efeitopor meiode entidades tais comoentidades em nome individual», pelo que «A estrutura legal e reguladora para tais entidades é muitas vezes diferente da aplicável às sociedades», nomeadamente quanto à existência de «algumas restrições na distribuição aos proprietários ou a outros beneficiários de quantias incluídas no capital próprio», designadamente a distribuição de resultados, que se verificam nas sociedades comerciais e não nas actividades empresariais exercidas por pessoas singulares.
22.Os Recorrentes (e não há que ter medo das palavras) tentaram uma vez mais enganar o Tribunal ad quem, recorrendo, agora, a uma deturpação grosseira do Código de Contas do SNC, aprovado pela Portaria nº 1011/2009, de 09 de Setembro, ao alegarem, transcrevendo o parecer elaborado pelo Dr. DD, que «Por outro lado, do Código de Contas doSNC,aprovadopela Portaria1011/2009,de 9 de setembro,obtém-se que oresultado líquido de um estabelecimento (conta #81 do plano de contas) é dado pela diferença entre, por um lado, o saldo do resultado antes de impostos, e por outro lado, o imposto sobre o rendimento do período suportado por esse mesmo estabelecimento (subcontas #811 e # 812, respetivamente.».
23.Porém, no que respeita à utilização da “Conta 812 – Imposto sobre o rendimento do período”, segundo António Borges, Azevedo Rodrigues e Rogério Rodrigues em“Elementos de Contabilidade Geral”, página 1001 da 26ª Edição, “ Para efeitos de elaboração das demonstrações financeiras, deverá ser apurado o quantitativo de IRC que corresponde às operações durante o período em apreço”, donde resulta claramente que a movimentação desta conta só tem lugar quando estiver em causa apuramento de IRC e não de IRS.
24.Aliás, não seria de esperar que esta conta pudesse ser utilizada para registar um imposto que não incide de forma isolada, independente e específica sobre os resultados da actividade, como é o caso do IRS que incide sobre o exercício de uma actividade empresarial por pessoas singulares.
25.Adecisão recorrida,naparte em que desconsiderou o valorliquidado a título de IRC pela Recorrente Farmácia ..., Unipessoal, Lda., no ano de 2019, não merece qualquer censura, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos.
26.No que respeita à não aceitação do gasto de quaisquer remunerações ou outras prestações de natureza remuneratória dos titulares dos rendimentos provenientes de actividade empresarial de um sujeito passivo de IRS, importa, em primeiro lugar, ter presente que o empresário em nome individual é a mesma pessoa jurídica que a individual, isto é, não existem duas pessoas com personalidade jurídica e tributária (como sucede nas sociedades unipessoais por quotas).
27.Assim, inexistindo entidades jurídicas distintas, inexiste, igualmente, o conceito de remuneração porquanto o rendimento do empresário é integralmente tributado como rendimento empresarial em sede de categoria B do IRS, isto é, dado que o trabalho do empresário em nome individual é desenvolvido em seu proveito próprio e não para uma terceira entidade que beneficie desse mesmo trabalho, o conceito de remuneração, tal como é entendido no Código do Trabalho e no Código do IRS, não é aplicável nesta situação.
28.Nesta sequência, o artigo 33.º, n.º 1, do Código do IRS, dispõe expressamente que «As remunerações dos titulares de rendimentos da categoria B, assim como outras prestações a título de ajudas de custo, utilização de viatura própria ao serviço da atividade, subsídios de refeição e outras prestações de natureza remuneratória, não são dedutíveis para efeitos de determinação do rendimento da referida categoria».
29.O Código Contributivo, prevendo no artigo 134.º, n.º 1, alínea b), a obrigatoriedade de enquadramento dos empresários em nome individual no regime dos trabalhadores independentes, estabelece no artigo 162.º, n.º 3, que os seus rendimentos,enquanto trabalhadores independentes abrangidos pelo regime de contabilidade organizada,correspondem,paraefeitos de base de incidência contributiva, ao valor do lucro tributável apurado no ano civil imediatamente anterior.
30.Se a Recorrente BB exerceu as funções de directora técnica e de gestora do estabelecimento «Farmácia ...», entre os anos de 2012 a 2018, foi porque, através de carta datada de 16 de Maio de 2012, suspendeu preventivamente o Recorrido – facto provado 46. da sentença proferida em 30 de Abril de 2015, objecto do presente incidente para liquidação, e através de carta datada de 06 de Julho de 2012, despediu o Recorrido com justa causa – facto provado 47. da sentença proferida em 30 de Abril de 2015, objecto do presente incidente para liquidação, pelo que esta alegação dos Recorrentes constituiu, até, um abuso de direito, na modalidade de tu quoque, tal como foi reconhecido, e bem, pelo Supremo Tribunal de Justiça no apenso A.
31.Se vingasse a tese dos Recorrentes, então, a Recorrente BB poderia continuar a utilizar as suas remunerações (e respectivos encargos), que apenas a beneficiam, para diminuir os resultados líquidos obtidos pelo estabelecimento «Farmácia ...» (alcançados pela diferença entre os rendimentos e ganhos e os gastos e perdas) e, dessa forma, o valor a receber pelo Recorrido.
32.A Recorrente BB, logo no ano em que foi proferida a sentença a em 30 de Abril de 2015, objecto do presente incidente para liquidação, aumentou as suas remunerações em 92% no ano de 2015 em relação ao ano de 2014, em 204% no ano de 2016 em relação ao ano de 2014, e, nos anos de 2017 e 2018 foram superiores 123% em relação a 2014…
33.No caso dos empresários em nome individual sujeitos ao regime da contabilidade organizada, as suas remunerações não são aceites como custo para o apuramento do resultado tributável do empresário em nome individual.
34.A desconsideração das remunerações (e respectivos encargos) auferidas pela Recorrente BB noexercício das suas funções de directora técnica e de gestora do estabelecimento «Farmácia ...» no ano de 2019, e suportadas pela Recorrente Farmácia ..., Unipessoal, Lda., não implica o acréscimo dos proventos da actividade desenvolvida pelo empresário em nome individual, mas apenas o não reconhecimento de um gasto que, por imposição legal, prevista no Código de IRS e no Código Contributivo, constituiu uma das limitações da aplicação do Código do IRC aos empresários em nome individual com contabilidade organizada.
35.As remunerações (e respectivos encargos) auferidas pela Recorrente BB no exercício das suas funções de directora técnica e de gestora do estabelecimento «Farmácia ...» no ano de 2019, e suportadas pela Recorrente Farmácia ..., Unipessoal, Lda., constituíram um proveito, apenas, da Recorrente BB e, consequentemente, um custo da Recorrente Farmácia …, Unipessoal, Lda., no valor de € 88.607,64 (!), o que apenas foi contabilisticamente possível porque os Recorrentes se recusaram a cumprir voluntariamente o decidido na sentença proferida em 30 de Abril de 2015, objecto do presente incidente para liquidação, que declarou a nulidade da transferência do estabelecimento «Farmácia ...» para a Recorrente Farmácia ..., Unipessoal, Lda., e determinou expressamente a «recolocação do estabelecimento coisa comum na disponibilidade e titularidade comum de A. e 1.ª R., na proporção de ½ para cada, o que se alcança fazendo-o sair da esfera jurídica da 2.ª R.».
36.A decisão recorrida, na parte em que desconsiderou as remunerações auferidas pela Recorrente BB no exercício das suas funções de directora técnica e de gestora do estabelecimento «Farmácia ...» no ano de 2019, não merece qualquer censura, pelo que deve ser integralmente mantida.
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O processo foi remetido a este Tribunal da Relação, onde os recursos foram admitidos nos termos em que o fora na 1ª instância.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II- Quaestio Iudicio:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do apelante, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º nº4 e 639º do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º nº2 do CPC).
As questões a resolver são as que constam das conclusões da apelação, acima reproduzidas e que se resumem a apreciar:
- da verificação dos requisitos necessários à aplicação do instituto do caso julgado, na vertente da autoridade do caso julgado
- do erro de julgamento no calculo do valor da liquidação
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III – Fundamentação
Dos Factos
Com interesse para a decisão do Recurso há que considerar o que consta do Relatório supra e, bem assim, que da sentença proferida resulta que:
«A) Factos provados:
Da discussão da causa, com interesse para a decisão da mesma, relacionados com o seu objeto, desconsiderando matéria conclusiva e/ou de direito, resultam provados os seguintes factos:
1. AA intentou ação declarativa de condenação contra BB e marido CC e contra “Farmácia ..., Unipessoal, Lda.” pedindo a condenação destes a reconhecer o seu direito de propriedade sobre metade do estabelecimento “Farmácia ...”; a declaração de nulidade da transferência daquele estabelecimento para a “Farmácia ..., Unipessoal, Lda.” e, consequentemente, do contrato de sociedade desta ou, subsidiariamente, a declaração de nulidade da transferência de metade do estabelecimento para a mesma; a condenação dos réus a restituir-lhe os direitos de uso, fruição, gestão e disposição referentes ao estabelecimento “Farmácia ...”; e a pagarem-lhe metade dos resultados obtidos pelo estabelecimento a partir de 01.01.2012, a liquidar posteriormente – Doc. 1 junto com o r.i..
2. Por sentença de 30.04.2015, transitada em julgado, a ação foi julgada procedente e improcedente a reconvenção e, em consequência, os réus foram condenados a (1) «reconhecer o direito de propriedade do A. sobre ½ do estabelecimento “Farmácia ...” (em compropriedade com a 1ª R.)»; (2) foi declarada «a nulidade da transferência daquele estabelecimento pela 1ª R. para a 2ª R.»; as rés foram condenadas «a restituir ao A. os direitos de uso, fruição e disposição (no que se inclui o poder de administração/gestão) relativamente ao estabelecimento “Farmácia ...”, em harmonia com o regime de compropriedade»; (4) e «a pagar ao A. metade dos resultados líquidos (alcançados pela diferença entre os ganhos e as perdas) obtidos pelo estabelecimento a partir de 01/01/2012, a liquidar posteriormente»; (5) e absolveu «o A. do pedido de resolução do contrato celebrado entre ele e a 1ª R., por causas ao mesmo imputáveis»; (6) e, bem assim, «do pedido de condenação por litigância de má fé». – Doc. 1 junto com o r.i..
3. Em 10.10.2017, AA deduziu incidente de liquidação, posteriormente à prolação da referida sentença, contra os ali réus, visando a liquidação do pedido genérico, relativamente aos anos de 2012 a 2018 – Doc. 2 junto com o r.i. e apenso A.
4. No âmbito do qual, em 27.04.2020, foi proferida sentença que fixou «em € 443.372,80 a metade dos resultados líquidos obtidos, de 01/01/2012 a 2018 (inclusive), pelo estabelecimento de que o Requerente é comproprietário e que os Requeridos foram já condenados a pagar-lhe, valor a que acrescem juros de mora desde o trânsito em julgado, até efectivo e integral pagamento». – Doc. 2 junto com o r.i. e apenso A.
5. Interposto recurso, pelos requeridos, para o Venerando Tribunal da Relação, foi proferido acórdão, em 02.06.2021, «concedendo parcial provimento ao recurso principal dos RR BB e marido CC, e “Farmácia ..., Unipessoal, Ldª, e, não concedendo provimento ao recurso subordinado do autor AA» e decidindo modificar «a sentença recorrida, fixando-se em € 326.399,14 a metade dos resultados líquidos obtidos, de 01/01/2012 a 2018 (inclusive), pelo estabelecimento de que AA é comproprietário e que os Requeridos foram já condenados a pagar-lhe, valor ao qual acrescem juros de mora desde o trânsito em julgado, até efectivo e integral pagamento» - Apenso A.
6. Interposto recurso para o Colendo Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 09.03.2022, transitado em julgado, foi decidido:
«a) Julgar improcedente o recurso (independente) de revista interposto pelo Requeridos, BB e marido CC, e “Farmácia ..., Unipessoal Lda..
b) Julgar procedente o recurso (subordinado) de revista interposto pelo Requerente, AA e, em consequência,
c) Revogar o acórdão recorrido proferido pelo TRL, fixando, na liquidação da sentença proferida na ação declarativa condenatória acima identificada, em € 451.685,30 (quatrocentos e cinquenta e um mil seiscentos e oitenta e cinco euros e trinta cêntimos) a quantia de correspondente a metade dos resultados líquidos obtidos, de 01/01/2012 a 31/12/2018, pelo estabelecimento comercial a que ali se alude, e de que o ora Requerente é comproprietário em ½, e à qual acrescem juros de mora desde o trânsito em julgado desta decisão até ao seu efetivo e integral pagamento.» - Apenso A.
7. No exercício económico e fiscal de 2019, a requerida “Farmácia ..., Unipessoal, Lda.” obteve um resultado antes de impostos de 15.895,59€, sendo de 88.607,64€, o montante suportado com remunerações e encargos dos órgãos sociais nesse exercício.
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B) Factos não provados
Da discussão da causa, com interesse para a sua decisão, relacionados com o seu objeto, desconsiderando matéria conclusiva e/ou de direito, inexistem factos não provados. »
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IV. O Direito
A. Da autoridade do caso julgado:
No incidente apresentado pelo ora Recorrido está em causa a liquidação referente ao ano de 2019 do pedido genérico em que os Recorrentes foram condenados, por sentença proferida nos autos principais, que consiste em pagarem “ao A. (ora Recorrido) metade dos resultados líquidos (alcançados pela diferença entre os ganhos e as perdas) obtidos pelo estabelecimento a partir de 01/01/2012, a liquidar posteriormente”.
Os Recorrentes não se conformam com esta decisão no que respeita ao valor liquidado e em que foram condenados, discordando da aplicação da figura da autoridade do caso julgado, por via da qual entendeu o Tribunal a quo estar vinculado aos termos da liquidação estabelecidos no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido a 09.03.2022, no incidente de liquidação referente aos anos de 2012 a 2018, conforme apenso A.
Nesse incidente de liquidação, foi decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça que “os resultados líquidos a apurar não são os da sociedade unipessoal que indevidamente tem vindo a explorar o estabelecimento da farmácia. Ao invés, os resultados líquidos a apurar são os do próprio estabelecimento de farmácia, cuja transferência para a sociedade foi declarada nula.”; e ainda que, “se o estabelecimento se tivesse mantido na efetiva titularidade do Autor/Requerente e da Ré/Requerida BB, não teria havido lugar aos gastos/custos relativos à remuneração e encargos com órgãos sociais, e os resultados obtidos pelo estabelecimento seriam imputados, em partes iguais, a ambos, não sendo atendíveis quaisquer valores auferidos, por qualquer deles, a título de remuneração, subsídios de refeição ou outras prestações de natureza remuneratória (…); e, por fim, “no caso concreto, nunca teriam existido gastos/custos relativos à remuneração e encargos com órgãos sociais, se o estabelecimento «Farmácia ...» se tivesse mantido na efetiva titularidade dos ora Requerente e Requerida BB, entende-se que as despesas referidas e dadas como provadas terão de integralmente reverter para os proventos obtidos pelo estabelecimento “Farmácia ...”.”.
Por sua vez, entendeu o Tribunal a quo, no saneador-sentença sob recurso, que “o decidido, em última instância e com trânsito em julgado (referido acórdão de 09.03.2022) quanto aos termos a operar na liquidação no caso em apreço impõe-se, desde logo, pelo conhecimento da autoridade do caso julgado assumindo-se despiciendo estarem em causa exercícios de anos distintos, ao contrário do que alegam os requeridos, pois o que releva são os termos da liquidação, que se quedam estabelecidos, não podendo este tribunal deixar de operar a liquidação com os enunciados contornos (…).”.
Os Recorrentes rejeitam o entendimento expresso na decisão ora recorrida, por entenderem que não se encontram verificados os requisitos necessários à aplicação do instituto do caso julgado, na sua “vertente positiva”.
Ora, como bem decorre da decisão objecto de recurso a autoridade de caso julgado tem o efeito de impor uma decisão e por isso constitui a “vertente positiva” do caso julgado. Diversamente da excepção de caso julgado, a autoridade de caso julgado funciona independentemente da verificação daquela tríplice identidade mas nunca pode impedir que se volte a discutir e dirimir aquilo que ela não definiu.
Como é sabido, a excepção de caso julgado é uma das excepções dilatórias previstas no elenco (não taxativo) no artigo 577.º do CPC, mais precisamente, na sua al. i). E as excepções dilatórias, porque resultantes da “violação de regras relativas a pressupostos processuais ou a requisitos de ordem técnica”, são, em princípio, objecto de controlo oficioso pelo tribunal, nos termos do artigo 578.º do CPC (…). Significa isto que, independentemente de a questão ser suscitada pelas partes, o tribunal tem o poder e o dever de dar por verificada a excepção dilatória sempre que considere que alguma excepção dilatória se verifica. Trata-se de uma manifestação do princípio jura novit curia (artigo 5.º, n.º 3, do CPC)».
Assim sendo, o conhecimento da autoridade do caso julgado não carece de arguição, nem da verificação da dita tríplice, e tendo já corrido e sido apreciado, com decisão transitada em julgado, incidente de liquidação referente aos anos de 2012 a 2018 (Apenso A), versando este incidente de liquidação sobre o resultado liquido do ano de 2019, não poderia o Tribunal a quo, depois de um outro tribunal se ter pronunciado e assentado os critérios de calculo do valor a liquidar deixar de atender aos critérios firmados para cálculo do valor a liquidar, pois que se a sentença proferida nos autos principais é a mesma o cálculo do valor a liquidar para cada um dos anos de exercício não poderá assentar em critérios diferentes, sob pena de se incorrer numa quebra de harmonia e lógica da forma de cálculo do valor a liquidar, nem poderão os recorrentes pretender que neste recurso obtenham decisão diferente da obtida quanto aos anos de 2012 a 2018, pretendendo ver apreciadas as mesmas questões que já foram apreciadas em sede do Apenso-A e decididas definitivamente por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, já transitado em julgado.
Aliás, a autoridade do caso julgado visa precisamente impedir que existam decisões contraditórias, que venham a afectar a certeza e segurança jurídicas. A maioria da jurisprudência considera que, para se verificar a autoridade de caso julgado não é necessária a tríplice identidade, podendo estender-se a outros casos, designadamente quanto a questões que sejam antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado.
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Pelo Supremo Tribunal de Justiça foi já amplamente analisado e decidido que , na «expressão “caso julgado” cabem, em rigor, a excepção de caso julgado e a autoridade de caso julgado, muitas vezes designadas, respectivamente, como a “vertente negativa” e a “vertente positiva” do caso julgado Além de ser utilizada na doutrina, a distinção é habitual na jurisprudência. Cfr., por todos, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.03.2017, Proc. 1375/06.3TBSTR.E1.S1, e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 22.06.2017, Proc. 2226/14.0TBSTB.E1.S1.
A excepção de caso julgado tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer uma decisão anterior. Nesta vertente, o caso julgado compreende limites (subjectivos e objectivos): pressupondo o caso julgado uma repetição de causas, a repetição pressupõe, por sua vez, identidade dos sujeitos, identidade do pedido e identidade da causa de pedir (cfr. artigo 581.º do CPC).
Ao lado da excepção de caso julgado assente sobre a decisão de mérito proferida em processo anterior, existe a excepção de caso julgado baseada em decisão anterior proferida sobre a relação processual. À primeira chama-se “caso julgado material” e está regulada no artigo 619.º do CPC e à segunda chama-se “caso julgado formal” e está regulada no artigo 620.º do CPC.
Tanto o caso julgado material como o caso julgado formal pressupõem o trânsito em julgado da decisão. No entanto, enquanto o caso julgado formal tem apenas força obrigatória dentro do processo em que a decisão é proferida, o caso julgado material tem força obrigatória não só dentro do processo como, principalmente, fora dele (…).
Por seu turno, a autoridade de caso julgado tem o efeito de impor uma decisão e por isso constitui a “vertente positiva” do caso julgado. Diversamente da excepção de caso julgado, a autoridade de caso julgado funciona independentemente da verificação daquela tríplice identidade mas nunca pode impedir que se volte a discutir e dirimir aquilo que ela não definiu. Por outras palavras, e como se depreende do disposto nos artigos 91.º e 581.º do CPC, a autoridade do caso julgado abrange a decisão contida na sentença bem como, em certos termos, os seus fundamentos. A eficácia do caso julgado não se limita, de facto – saliente-se – à decisão final. Na realidade, “[e]mbora se aceite que a eficácia de caso julgado não se estende aos motivos da decisão, é ponto assente na doutrina que os fundamentos da sentença podem e devem ser utilizados para fixar o sentido e alcance da decisão contida na parte final da sentença, coberta pelo caso julgado” (…).
Desta forma, tendo o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 09 de Março de 2022, no incidente de liquidação que correu termos sob o processo n.º 4345/12.9TCLRS-A, transitado em julgado, definido os concretos critérios de calculo do valor a liquidar, essa definição impõe-se e é vinculativa para Recorrentes e Recorrido no âmbito de qualquer outro litígio que entre eles venha a ocorrer e que tenha como objecto a condenação dos Recorrentes no pagamento ao Recorrido de metade dos resultados líquidos obtidos pelo estabelecimento Farmácia ... em diferentes exercícios fiscais e económicos.
De onde se conclui que, o conhecimento da autoridade do caso julgado não carece da verificação da dita tríplice, não podendo este tribunal, depois de o Supremo Tribunal de Justiça se ter pronunciado e assentado os critérios de liquidação da sentença proferida nos autos principais, por decisão transitada em julgado, ser colocado na alternativa de contradizer uma decisão anterior, atentando contra a segurança jurídica, fixando diferentes critérios de liquidação da sentença perante a mesma realidade, variando somente nos anos de liquidação, visto que o Apenso A. corresponde ao pedido de liquidação do valor dos anos 2012 a 2018 e o Apenso B reporta-se ao exercício do ano de 2019, sendo, pois, de manter a decisão recorrida.
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Atento o supra exposto mostra-se prejudicada a apreciação das restantes questões invocadas pelos Recorrentes.
IV-Decisão:
Por tudo o exposto acordam os Juízes que compõem este Colectivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
a)- Julgar improcedente o recurso apresentado mantendo a decisão recorrida;
b) Custas a suportar pelos Recorrentes.
Registe e Notifique.
Lisboa, 05.06.2025
Elsa Melo
António Santos
João Manuel P. Cordeiro Brasão