Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
219/09.9T2AMD-B.L1-3
Relator: VASCO FREITAS
Descritores: AUDIÇÃO PRÉVIA DO MENOR
MENORES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/27/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I-A audição prévia do menor para a aplicação de uma medida tutelar constitui a regra, como decorre dos arts. 77º a 110º da LTE, visto estar em causa a ponderação da aplicação ex novo de uma medida tutelar.
II-Já porém no caso de revisão oficiosa da medida tutelar aplicada ao menor, fica ao prudente critério do juiz a audição do menor, do MºPº e da entidade encarregada da execução da medida, ouvindo-os “sempre que necessário”, o que bem se compreende visto que neste caso trata-se apenas de verificar a (in) subsistência dos pressupostos que fundamentaram a aplicação da medida já efectuada.
III-O não exercício de tal faculdade (de audição) não precisa de ser, nem fundamentado, nem expressamente mencionado.
(CG)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam conferência, na 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa

I RELATÓRIO
No âmbito do processo tutelar educativo nº 219/09.9T2AMD, que correu termos na 1ª secção do Juízo de Família e Menores da Comarca da Grande Lisboa – Noroeste Amadora, foi e na execução da aplicação de medida tutelar de acompanhamento educativo aplicada à menor L…, devidamente identificada nos autos, foi proferido despacho que, considerando manterem-se os pressupostos da sua aplicação, determinou a manutenção daquela medida tutelar educativa.
É deste despacho que a menor L…,  traz o presente recurso, pretendendo que se declare aquele nulo e que seja substituído por outro que determine a sua audição prévia, concluindo nos seguintes termos:
1ª.
No caso dos autos, ao não se proceder à audição da Menor, foi coarctada a oportunidade de se pronunciar sobre a existência ou não dos pressupostos da revisão da medida tutelar educativa aplicada.
2ª.
Por outro lado, prescindindo-se da audição, também não se fundamentou da desnecessidade dessa audição e, portanto, da realização do contraditório.
3ª.
Impunha-se, que a decisão recorrida obedecesse a tais requisitos.
4ª.
Preceitua, o arr°. 122°., n°. 1, do C.P.P., aplicável ex vi do art°. 128°., n°. 1, da L.T.E., que, as nulidades tomam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar
Destarte, não tendo sido ofertada a possibilidade da Menor se pronunciar sobre o objecto da decisão sub Júdice é nulo o douto Despacho recorrido.
6ª.
O douto Despacho de revisão da medida tutelar educativa está, totalmente, infundamentado, sem que conste do mesmo, qualquer elencagem das diligências realizadas, com vista a averiguar as razões subjacentes ao eventual absentismo escolar, à eventual falta de motivação para a realização de actividades nos tempos livres e à eventual falta de comparência às entrevistas agendadas na D.G.R.S. "(),a jovem mantém algum absentismo escolar, não está motivada para actividades de tempos livres e tem faltado a algumas entrevistas naquela entidade. (...)".
7ª.
Mantendo, a salvaguarda do respeito por opinião dissemelhante, da leitura do sobredito douto Despacho não se almeja:
1º. - O grau de absentismo escolar;
2º. - A graduação da motivação para a realização de actividades nos tempos livres e;
3º. - A nomenclatura das ausências às entrevistas na D.G.R.S. por parte da Menor, L..., violando, assim, o douto Despacho ora sindicado, o disposto no preceito constitucional do art°. 205°., n°. 1, da C.R.P.
8ª.
O douto Despacho ora recorrido, limita-se, tão - só, a remeter para o teor do relatório da D.G.R.S. de fls. 174 e seguintes, encontrando-se desprovido de qualquer motivação de facto ou circunstância que enquadre e justifique objectiva e racionalmente a revisão da medida tutelar educativa aplicada à Menor, L..., mantendo-a, violando o preceituado no n°. 5, do art°. 97°., do C.P.P., aplicável ex vi do art°. 128°., n°. 1, da L.T.E.

Face, à omissão da fundamentação, sem qualquer motivação de facto ou circunstância que enquadre e justifique objectiva e racionalmente a revisão da medida tutelar educativa aplicada, o douto Despacho, sob censura, padece de ilegalidade, consubstanciando uma nulidade, nos termos do n°. 1, do art°. 120°., do C.P.P., aplicável ex wdo art°. 128°., n°. 1, da L.T.E.
10ª.
Decorre, desde logo, do art°. 205°., n°. 1, da C.R.P. que, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente, como é o caso, devem ser fundamentadas na forma que a lei prevê.
11ª.
Este princípio geral, extensivo a todas as áreas do direito, vale também, salvo melhor opinião, como não podia deixar de ser (face à natureza dos bens juridicos em causa), para o direito dos menores, como flui do n°. 5, do art°. 97°., do C.P.P., aplicável ex vi do art°. 128°., n°. 1, da L.T.E. "Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão".
12ª.
A obrigatoriedade legal de fundamentação, além de permitir sindicar, nomeadamente pela via do recurso, a legalidade do acto, tem em vista convencer o próprio destinatário, e a comunidade em geral, da justeza e correcção da decisão judicial.
13ª.
A lei, ao invés do que faz em relação ao acto decisório por excelência (a sentença), não regula os requisitos a que deve obedecer a fundamentação do Despacho decidente.
14ª
Tais requisitos, porém, cremos que se bastarão com uma fórmula, ainda que sumária e mesmo conexionada com actos processuais precedentes, através da qual, ponderados que se mostrarem os motivos de facto e de direito, se possa concluir que, a entidade decisora não actuou discricionariamente.
15ª
O Juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem (art°. 3º., n°. 3, do C.P.C., aplicável ex vido art°. 128°., n°. 2, da L.T.E).
16ª.
Estabelece, o art°. 45°., n°. 2, alínea a), da L.T.E., que:
«Em qualquer fase do processo, o menor tem especialmente direito a:
Ser ouvido, oficiosamente ou quando o requerer, pela autoridade judiciária;».
17ª
Ademais, a 2a. parte, do n°. 7, do art°. 137°, da L.T.E. impõe:
«[--],
7 - No caso de revisão a requerimento das pessoas referidas no n.° 1, o juiz deve ouvir o Ministério Público, o menor e a entidade encarregada da execução da medida. Nos restantes casos, ouve o menor, sempre que o entender conveniente. [...]». Negrito e sublinhado nosso.
18ª.
Na mesma esteira, reza o art°. 61°., n°. 1, ais. a) e b), do C.P.Penal, aplicável ex vi do art°. 128°., n°. 1, da L.T.E., que:
«1. O arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo (...), dos direitos de:
a)         Estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito;
b)         Ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte».
19ª.
Por seu turno, a Constituição da República Portuguesa, no seu art°. 32°. vincula que: «1. O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.
2.         Todo o arguido se presume inocente até trânsito em julgado da sentença de condenação (...).
3.         O arguido tem direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo (...).
(...).
5. O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório.
20ª.
Como, refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa firmado no dia 10 de Dezembro de 2002:
"I - Ao Processo Tutelar Educativo previsto na Lei n°. 166/99, de 14/09, aplica-se subsidiariamente o regime estabelecido no CPP. II - Consequentemente, instaurada em tal processo, a fase jurisdicional, nos termos do art. 89° e segs., nela devem respeitar-se o princípio do contraditório e do acusatório. (...)".
21ª.
Acresce que, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (ratificada por Portugal) estatui, no seu art°. 6o. que:
«2 - Qualquer pessoa acusada de uma infracção presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada.
3 - O acusado tem, como mínimo, os seguintes direitos:
(…)
b)         Dispor do tempo e dos meios necessários para preparação da sua defesa;
c)         Defender-se a si próprio ou ter assistência de um defensor (...), quando os interesses da justiça o exigirem.
22ª.
Pugnando pelo mesmo diapasão, sobre o direito do menor a ser ouvido, cfr. o Comentário Geral n°. 12 (2009) ao artigo 12°. da Convenção dos Direitos das Crianças da O.N.U., sobre "O Direito das Crianças a Serem Ouvidas": «[...],
Investment in the realization of the child's right to be heard in all matters of concern to her or him and for her or his views to be given due consideration, is a clear and immediate legal obligation of States parties under the Convention. It is the right of every child without any discrimination. Achieving meaningful opportunities for the implementation of article 12 will necessitate dismantling the legal, political, economic, social and cultural barriers that currently impede children's opportunity to be heard and their access to participation in all matters affecting them. It requires a preparedness to challenge assumptions about children's capacities, and to encourage the development of environments in which children can build and demonstrate capacities, it also requires a commitment to resources and training. [...]».
23ª.
O douto Despacho recorrido, ao "dispensar" a audição da Menor, violou o disposto no n°. 3, do art°. 213°., do CP.Penal, aplicável ex vi do art°. 128°., n°. 1, da L.T.E., e o acervo normativo assinalado nos artigos 2, 3 e 4 (supra transcritos).
24ª.
A omissão de uma formalidade que a lei prescreva só produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa [art°. 118°., ns. 1 e 2, do C.P.P., aplicável ex vido art°. 128°., n°. 1, da L.T.E.].
25ª.
Constitui nulidade insanável, que deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento "(...), a ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência" [art°. 119°., alínea c), do C.P.P., aplicável ex vi do art°. 128°., n°. 1,da L.T.E.].
26ª.
E constitui nulidade dependente de arguição a "(...), omissão (...), de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade" [art°. 120°., n°. 2, alínea d), do C.P.P., aplicável ex v/do art°. 128°., n°. 1, da L.T.E.].
27ª.
"Aos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular [art°. 118°., n°. 2, do C.P.P., aplicável ex v/do art°. 128°., n°. 1, da L.T.E.].
28ª.
Ora, o exame oficioso dos pressupostos da revisão da medida tutelar educativa aplicada, deve ser, sempre, precedido da audição da Menor [artº. 45°., n°. 2, alínea a), da L.T.E.] e 2ª. parte, do n°. 7, do art°. 137°., da L.T.E., o que in casu, manifestamente, não ocorreu.
29ª.
E, como o contraditório, para além de garantia constitucional de defesa (art°. 32°., ns. 1, 3, 5 e 6, da C.R.P.), constitui, no cerne da própria dialéctica processual "diligência essencial para a descoberta da verdade" [e tão "essencial" e "necessária" que a lei, "salvo caso de manifesta desnecessidade", proíbe que o Juiz decida qualquer "questão de direito ou de facto sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem], a sua omissão será, à partida, susceptível de influir no exame ou na decisão seja da causa, seja dos incidentes que, no seu decurso, visem a resolução, ainda que preventiva, intercalar, transitória ou provisória, de quaisquer questões de facto ou de direito.
30ª.
E, como tal, constituirá, senão nulidade insanável [no quadro do art°. 119°., alínea c), do C.P.P., aplicável ex vi do art°. 128°., n°. 1, da L.T.E.], pelo menos, nulidade dependente de arguição [art°. 120°., n°. 2, alínea d), do C.P.P., aplicável ex vi do art°. 128°.,n°. 1,da L.T.E.J.
31ª.
E, tratando-se de nulidade dependente de arguição, nada obstará, a que esta seja invocada, como in casu, [não contemplado, aliás, em nenhuma das alíneas do n°. 3, do art°. 120°., do C.P.P., aplicável ex vido art°. 128°., n°. 1, da LT.EJ.
32ª.
A ilegalidade relativamente ao conteúdo é fundamento de recurso, mas isso não significa que as imperfeições dos actos, as nulidades, não possam ser também, por si só, fundamento de recurso (Vd. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Civil, Verbo, 1999, pág. 69).
33ª.
O recurso pode ainda ter como fundamento "(...), a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada" [art°. 410°., n°. 3, do C.P.P., aplicável ex vi do art°. 128°., n°. 1, da L.T.E.].
Pelo sucintamente exposto, e pelo mais que for doutamente suprido, deve ser concedido provimento ao presente recurso, devendo, em consequência, ser declarada nula a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra em ordem à sua reparação e à prévia audição da Menor assim se fazendo,
JUSTIÇA!”
*
O recurso foi admitido.
Na resposta, o MºPº pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso e consequente manutenção do despacho recorrido
*
O Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
*
Foi cumprido o art. 417º nº 2 do C.P.P., sem que tivesse havido resposta.
Colhidos os vistos, foram os autos submetidos à conferência
Cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
Para a apreciação da causa haverá que ter em conta as seguintes ocorrências processuais:
- em 12 de Outubro de 2011 realizou-se a audiência preliminar no âmbito da qual foi proferida sentença homologatória da proposta do MºPº constante no requerimento com vista à abertura da fase jurisdicional, nos termos do art.° 4º n.°1 al. h) da LTE, aplicando a favor da menor L…, a medida tutelar educativa de acompanhamento educativo, com incidência nas áreas de escolarização/formação profissional e de desenvolvimento de competências pessoais e sociais, prevista nos art° 4 n.°1 al. h) e art. 6º, 7º e 16) da LTE.
- em 20 de Dezembro de 2011 foi elaborado pela DGRS Projecto Educativo Pessoal (fls. 157 a 161) que após ter sido homologado por despacho judicial de 6 de Fevereiro de 2012 (fls. 163) foi notificado à menor, mãe desta e ao defensor, por carta regista envidada a 7 de Fevereiro de 2012 (fls. 164 a 168).
- em 12 de Fevereiro de 2012 o ilustre defensor veio juntar a declaração em que por “anuir na integra, com os elementos fácticos apostos no denominado « Relatório de Execução da Medida de Acompanhamento Educativo de Avaliação », e consubstanciado a fls.... dos autos sub júdice não procederá a menor a qualquer dedução de oposição ou requestação que ensombre o sobredito « Relatório de Execução da Medida de Acompanhamento Educativo -1- Avaliação »”.
- em 25 de Julho de 2012 foi elaborado relatório pela DGRS  no qual se referia que trajeto da menor tinha sido “irregular evoluíndo positivamente no seu relacionamento com os pares e com os responsáveis escolares, mantendo as dificuldades de aprendizagem, não tendo adquirido a leitura e a escrita necessárias à certificação do 1º ciclo, bem como tem períodos em que mantém absentismo às aulas, o que também contribui para as dificuldades ao nível do rendimento escolar, não aparentando estar motivada para iniciar uma atividade estruturada de tempos livres”. Refere ainda que a menor “tem comparecido nas entrevistas no âmbito do presente acompanhamento, tendo faltado na última destas, manifestando-se sensível para cumprir as obrigações a que se encontra obrigada, e que tem comparecido nas entrevistas no âmbito do presente acompanhamento, tendo faltado na última destas, manifestando-se sensível para cumprir as obrigações a que se encontra obrigada”.
- em 28 de Setembro de 2012, mediante promoção do MºPº foi então proferido o despacho ora sindicado e que tem o seguinte conteúdo:
“Por sentença de 12.10.2011 foi aplicada a favor da jovem L… a medida tutelar de acompanhamento educativo pelo prazo de um ano (fls. 148).
De acordo com o relatório da DGRS de fls. 174 e seguintes, a jovem mantém algum absentismo escolar, não está motivada para actividades de tempos livres e tem faltado a algumas entrevistas naquela entidade.
Assim, porque se mantêm os pressupostos da sua aplicação e porque continua a beneficiar a menor, determino a manutenção daquela medida tutelar educativa (artigo 138º/1, al. a), da LTE).”
Atentas as conclusões do recurso, e face à inexistência de questões de conhecimento oficioso, a questão a apreciar é a da existência de nulidade por não se ter procedido à prévia audição do ora recorrente, nos termos do artº 45º nº 2 al. a) e do 2ª. parte, do n°. 7, do artº. 137°., da L.T.E. nem se ter fundamentado quanto à desnecessidade dessa audição, sendo ainda omisso quanto às diligências realizadas, com vista a averiguar as razões subjacentes ao eventual absentismo escolar da recorrente, à sua eventual falta de motivação para a realização de actividades nos tempos livres e à sua eventual falta de comparência às entrevistas agendadas na D.G.R.S.

O primeiro fundamento em que se estriba o presente recurso é a invocada violação do contraditório decorrente do facto de não se ter procedido à prévia audição da recorrente antes da revisão da medida tutelar educativa.
Omissão essa que o recorrente entende constituir nulidade, se não a insanável prevista no art. 119º al. c) do C.P.P., pelo menos a dependente de arguição prevista na al. d) do nº 2 do art. 120º do mesmo diploma legal, e ainda a nulidade a que se refere o artº 380° n°. 3, entrelaçado com o art°. 379°, n°. 1, al. a), ambos do C.P. Penal, aplicável ex vi do art°. 128°., n°. 1, da L.T.E.].

Vejamos, sendo que se deverá ter em conta que atento a fase processual em que a questão em apreço se coloca, por força do disposto no artº 128º da LTE, são aplicáveis subsidiariamente as normas do Cod. Proc. Penal.
A nossa lei fundamental, reconhecendo embora, no nº 5 do art. 32º, o princípio do contraditório como uma das garantias do processo criminal, não impõe que a ele sejam subordinados todos e quaisquer actos processuais, mas apenas a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei ordinária determinar.
Em concretização deste princípio, a lei adjectiva ordinária inclui, entre os direitos e deveres processuais do arguido, o direito de “ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte”, direito esse de que goza “em qualquer fase do processo e salvas as excepções da lei” ( cfr. art. 61º nº 1 al. b) do C.P.P. ).
Interessa-nos aqui em particular o modo como vem regulado este direito de audiência do arguido no campo da aplicação das medidas tutelares.
Enquanto nº 2 do art. 45º da LTE refere expressamente que em qualquer fase do processo o menor tem direito a “a) Ser ouvido, oficiosamente ou quando o requerer, pela autoridade judiciária” afere-se igualmente dos artºs 77º a 110º do mesmo diploma da necessidade da sua audição quer durante a fase de inquérito quer na fase jurisdicional visando a aplicação ou não de uma medida tutelar a sua audição.
Já porém o n°. 7, do artº. 137°., do mesmo diploma legal refere que “No caso de revisão a requerimento das pessoas referidas no n.° 1, o juiz deve ouvir o Ministério Público, o menor e a entidade encarregada da execução da medida. Nos restantes casos, ouve o menor, sempre que o entender conveniente”. Ou seja, quando a revisão da medida tutelar, é oficiosa como é o caso em apreço, o legislador deixa ao prudente critério do juiz a audição do MºPº e menor e a entidade encarregada da execução da medida para efeitos do reexame dos pressupostos da medida tutelar aplicada ouvindo-os “sempre que necessário”.
Esta diferença de regime bem se compreende se atentarmos no facto de, na primeira situação, estar em causa a ponderação da aplicação ex novo de uma medida tutelar, e na segunda se tratar apenas de verificar a (in)subsistência  dos pressupostos que fundamentaram uma aplicação já efectuada.
Ou seja se ao menor assiste o direito de ser ouvido pela autoridade judiciária, a seu pedido ou por iniciativa desta, sendo que a sua audição para a aplicação da medida tutelar constitui a regra, que só pode ser afastada em casos específicos e devidamente fundamentados, no segundo não se reconhece ao arguido um direito de audiência, conferindo-se antes ao juiz uma faculdade (de ouvir ou não ouvir o menor), que exercerá ou não, antes de decidir, consoante o considere ou não necessário. Necessidade essa que deve ser aferida em face dos desenvolvimentos registados no decurso acompanhamento do menor pelos serviços sociais e que obviamente não existirá se entretanto tiverem sido recolhidos novos elementos susceptíveis de justificar o preenchimento dos pressupostos em que assentou a aplicação da medida tutelar (ou seja, se, como se afirma no despacho recorrido, se manterem os pressupostos da sua aplicação e porque continua a beneficiar a menor), pois nesse caso o menor já teve ampla possibilidade de se pronunciar sobre os pressuposto e os termos da medida tutelar quando ela foi proposta quer pelo MºPº quer até pelos serviços da DRGS quando elaboraram o Projecto Educativo Pessoal, que para além da aceitação do MºPº obteve de igual modo a concordância da recorrente não só na audiência preliminar como através de declaração expressa e junta aos autos (fls. 180)
Nessa medida – e a menos que a audição prévia haja sido expressamente requerida, caso em que terá de ser devidamente apreciada -, entendemos que o não exercício de tal faculdade não precisa de ser nem fundamentado[i], nem sequer expressamente mencionado.
Este entendimento não afronta quaisquer princípios constitucionais ou direitos de defesa do menor já que este pode, a todo o tempo, tomar a iniciativa e provocar o reexame da medida tutelar aplicada, caso em que então deverá ser ouvido, nos termos do artº 137º nºs 1, 2 e 7 da LTE.
Atenta a posição que assumimos, é irrelevante o facto de o despacho recorrido não ter tomado posição expressa sobre a não audição do ora recorrente não ter apurado as razões que determinaram por parte da recorrente o não cumprimento da medida tutelar educativa que lhe foi aplicada.
De qualquer forma, e sobre a necessidade da fundamentação do despacho e sua eventual nulidade haverá que referir o seguinte.
A exigência de fundamentação das decisões dos tribunais, ressalvadas as que sejam de mero expediente, consagrada no actual nº 1 do art. 205º da C.R.P., foi erigida em princípio geral extensivo a todos os ramos do direito, e, no âmbito do processo penal, constitui uma das garantias constitucionais de defesa, aludidas no nº 1 do art. 32º da nossa Lei Fundamental.
O dever de fundamentação das decisões judiciais que não se limitem a regular, de harmonia com a lei, os termos e andamento do processo, prende-se intimamente com a necessidade de credibilização dos actos decisórios perante a colectividade, impedindo que assentem em critérios puramente discricionários.
Por sua vez o legislador constitucional ao referir que a fundamentação das decisões judiciais se faça “na forma prevista na lei”, remeteu para a lei ordinária a delimitação do âmbito e extensão que a fundamentação há-de assumir relativamente a cada tipo de decisão, tendo em conta o respectivo objecto, mas respeitado que seja sempre o conteúdo mínimo da imposição constitucional, traduzido na possibilidade de conhecer as razões que motivaram a decisão.
Tal exigência constitucional foi transposta para a nossa lei processual penal, prescrevendo o nº 5 do art. 97º que “os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”. São estes os requisitos mínimos a que deve obedecer a fundamentação das decisões judiciais, quer conheçam de alguma questão interlocutória, quer ponham termo ao processo, nos casos em que lei não impõe requisitos mais alargados, como sucede no que concerne à sentença ( cfr. nº 3 do art. 374º do C.P.P.
Quanto à inobservância do dever de fundamentação, há que atentar no regime estabelecido nos nºs 1 (“A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei”) e 2 (“Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular) do art. 118º do C.P.P.
Assim, e porque inexiste norma que, de forma genérica, comine a nulidade dos actos decisórios não fundamentados, eles só serão nulos nos casos em que a lei o determine expressamente; inexistindo tal cominação, a falta de fundamentação constitui mera irregularidade, sujeita à disciplina do art. 123º do mesmo diploma.
Relativamente ao despacho que proceda à revisão da aplicação da medida tutelar, a lei não cumina como nulidade, nem insanável, nem dependente de arguição, a falta de fundamentação.
Quando muito, poderia constituir irregularidade, já sanada por não ter sido arguida dentro do condicionalismo temporal fixado no nº 1 do art. 123º do C.P.P., no caso concreto, nos três dias seguintes a contar daquele em que foi efectuada a notificação do despacho recorrido à recorrente.
Diga-se por outro lado que a não audição da menor, não se enquadra conforme pretende em nenhuma das nulidades insanáveis do artº 118º do Cod. Prc. Penal, nomeadamente na sua al. c), já que esta pressupõe a ausência do arguido e do seu defensor nos casos em que a lei determinara a sua obrigatoriedade, o que não é o caso em apreço, já que conforme supra se referiu, o legislador deixou a audição de menor dependente da necessidade ou não que ao juiz se afigure como necessária.
Ora os recursos têm por objecto a decisão recorrida e não a questão por ela julgada; são remédios jurídicos e, como tal, destinam-se a reexaminar decisões proferidas pelas instâncias inferiores, verificando a sua adequação e legalidade quanto às questões concretamente suscitadas, e não a decidir questões novas, que não tenham sido colocadas perante aquelas.
Assim, sendo, as questões levantadas pela recorrente, não se tratando de questão de conhecimento oficioso e não estando prevista a possibilidade de constituir, ab initio, fundamento de recurso (como sucede com as nulidades da sentença – cfr. nº 2 do art. 379º), tem de ser arguida, em primeira mão, perante o tribunal que (alegadamente) a terá cometido – só, depois, sendo admissível recurso do despacho que a indeferisse, satisfazendo-se assim o princípio da dupla jurisdição.
Quando assim não suceda, há-de considerar-se tal (eventual) nulidade ou irregularidade como sanada, como é o caso ora em apreço
Acresce que ao caso não é aplicável a nulidade prevista no artº 379º do Cod. Proc. Penal, visto que tal como se infere aliás do próprio título do preceito, aquela é aplicável apenas às sentenças que não aos despachos. É um facto que o nº 3 do artº 380º do Cod. Proc. Penal refere o disposto nos nºs anteriores é correspondentemente aplicável aos restantes actos decisórios previstos no artº 87º.
Só que conforme se afere da leitura do preceito em causa, as disposições a que faz referência como aplicáveis aos actos decisórios dizem respeito à correcção dos vícios da sentença, o que não é o caso em apreço em que se discuta da inexistência ou não de eventuais nulidades.
É inequívoca, pois, a falta de razão da recorrente devendo o recurso improceder na totalidade.
*
III- DECISÃO
Em face do exposto, decidem os Juízes desta Relação julgar improcedente o recurso e mantêm na totalidade a decisão recorrida.
Sem custas, por delas estar isento o recorrente - artº 4º nº 1 al.i) do Regulamento das Custas Judiciais
Processado em computador e revisto pela 1º signatário – art. 94 nº 2 do CPP.

Lisboa, 27 de Fevereiro de 2013

Vasco Freitas
Rui Gonçalves
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[i] cfr., neste sentido, Acs. RP 17/12/03, proc. nº 0346058; e 21/6/06, proc. nº 0643215.