Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
43/06.0TBCDV-B.L1-2
Relator: MARIA JOSÉ MOURO
Descritores: ANULAÇÃO DA VENDA
RENÚNCIA AO MANDATO
FALTA DE NOTIFICAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/27/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Sumário: I– Na execução dos autos os executados/apelantes não teriam de se fazer representar por advogado, já que não se verificava a necessidade de patrocínio judiciário obrigatório, nos termos do art. 58 do CPC, mas sempre teriam direito a ser assistidos por mandatário judicial, uma vez que fora essa a sua opção - estaremos no âmbito do exercício do seu direito de defesa.

II– A renúncia ao mandato será imediatamente eficaz na data em que ocorrer a notificação pessoal do mandante se o patrocínio judiciário não for obrigatório - enquanto aquela notificação se não fizer, o acto não produz efeitos.

III– Não havendo os executados/mandantes sido notificados pessoalmente da renúncia, esta não teve eficácia no processo, mantendo-se o mandatário constituído como tal; haverá, todavia que apurar o demais circunstancialismo envolvente, (designadamente se em termos de facto o mandatário constituído continuou a ser tratado pelo Tribunal como tal) para concluir se ocorreu uma nulidade processual com influência na venda executiva e se teve lugar um processo equitativo com observância do contraditório.

Sumário elaborado pela Relatora – cf., nº. 7 do artº. 663º, do Cód. de Processo Civil
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa:

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I– Nos autos de acção executiva em que são exequentes Rui.... e Manuela... e são executados Margarida... e Manuel... vieram estes requerer que fosse declarado nulo todo o processado após a renúncia do seu mandatário, atendendo à falta de notificação dessa mesma renúncia aos requerentes e, concomitantemente, que fosse declarada anulada a venda judicial realizada naqueles autos dos direitos às heranças ilíquidas e indivisas pelos óbitos de António... e Lina...

Alegaram, em resumo, que tendo sido penhorados na execução com o nº 43-06.0TBCDV os aludidos direitos, o seu mandatário renunciou à procuração, o que nunca foi notificado aos executados - o que consubstanciaria a preterição de uma formalidade essencial, julgando estes que continuavam representados; que em 13-2-2017 os direitos às heranças ilíquidas e indivisas pelos óbitos de António... e Lina... foram adjudicados a Fernanda... que exerceu o direito de preferência, tendo os requerentes ficado alheios a todo o percurso processual prosseguido; que mesmo não sendo o patrocínio judiciário obrigatório é um direito fundamental que assistia aos executados que assistiram ao desenrolar do processo alheios ao mesmo e sem qualquer intervenção, convencidos de que as notificações que lhes eram remetidas eram também enviadas ao seu mandatário e que este estava a agir em defesa dos seus interesses; que a circunstância de os executados não estarem representados por advogado redunda numa desigualdade processual ilegítima, representando uma violação ilegítima dos princípios da igualdade, da proibição da indefesa e do direito ao patrocínio judiciário e a uma protecção jurídica eficaz, com assento nos arts. 2, 13 e 20 da Constituição.

Foi proferido despacho que indeferiu o requerido, concluindo pela “improcedência da arguida nulidade”.
Deste despacho apelaram os requerentes/executados (apelação autónoma, em separado) concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso:

A– Salvo o devido respeito por opinião diversa, o despacho proferido nos autos que decidiu pela improcedência da nulidade arguida, carece de uma análise jurídica mais atenta, tendo em consideração a matéria de facto dada como provada, à luz de normas do nosso ordenamento jurídico que importam uma decisão diferente.
B.– Como consta da matéria de facto apurada a) e b) _ o mandatário dos recorrentes renunciou ao mandato e não foi dado cumprimento ao artigo 47° do CPC, não tendo sido estes jamais notificados da renúncia realizada pelo seu mandatário.
C.– Estatui o artigo 839° n.º1 na alínea c) do C.P.C que a venda fica sem efeito _" c) Se for anulado o ato da venda, nos termos do artigo 195.°;
D.– É um direito fundamental dos recorrentes a representação em juízo por mandatário forense, mesmo porque as partes não tem os conhecimentos técnicos necessários ao exercício de uma defesa cabal, direito esse que os mesmos manifestaram pretender exercer, uma vez que constituíram mandatário na acção.
E.– Considerou porém o tribunal a quo que a falta da notificação da renúncia do mandatário não influiu no desenrolar e desfecho da acção, uma vez que foram cumpridos os trâmites legais tendo sido assegurado o contraditório.
F.– Contudo, pretende o Tribunal a quo ignorar que os Recorrentes não têm conhecimentos que lhes permitam interpretar e apreender os actos subjacentes a um processo, motivo pelo qual, constituíram mandatário forense.
G.– Nunca vislumbraram a significação e verdadeiro alcance das notificações, porquanto sempre estiveram plenamente convencidos que, paralelamente às notificações recepcionadas, as mesmas estariam igualmente a ser dirigidas ao seu Ilustre Mandatário, atendendo a que a renúncia nunca lhes foi comunicada.
H.– O Direito de contradizer, na verdade, não se concretizou, pois, após a renúncia do mandatário os Recorrentes não tiveram qualquer intervenção processual tendo assistido ao desenrolar do processo induzidos em erro e alheados dos trâmites que lhe são inerentes.  
I.– Em abono da verdade, os recorrentes só tomaram consciência da venda realizada a propósito do processo de partilha (como adverte e bem o despacho) que foi proposto pelo recorrente marido e que se encontra junto aos autos e da omissão da notificação da renúncia em 1 de Fevereiro de 2018.
J.– Apenas seria exigível aos Recorrentes diligenciarem no sentido de constituírem um outro mandatário no processo após a notificação da renúncia ao mandato, tal preterição importou que estes fossem cerceados do seu direito de exercer o contraditório.
K.– Destarte todo o processado e a venda do direito e acção à herança líquida e indivisa por óbito de António... e mulher que lhe pertencia, estando os recorrentes sem representação por mandatário (por desconhecimento da renúncia) viola o artigo 20° da Constituição da Republica Portuguesa e demais elementares princípios de justiça e equidade.
L.– Dos princípios do acesso ao Direito e da tutela jurisdicional efetiva, consagrados no artigo 20.º da CRP, emergem uma multiplicidade de direitos conexos com o direito geral à proteção jurídica incluindo o direito dos particulares serem técnico-juridicamente aconselhados de forma a obterem uma cabal defesa das suas posições jurídico-substantivas, o direito ao processo equitativo, que envolve, entre outras vertentes, a aplicação do princípio da igualdade de armas ou de igualdade, da proibição da indefesa e do princípio do contraditório.
M.– No decorrer do processo executivo estes direitos consagrados constitucionalmente foram intoleravelmente coarctados, pois os recorrentes ignoravam que o mandato que haviam constituído tinha cessado, estando pois desamparados e sem mandatário que assegurasse a defesa dos seus interesses.
N.– Tal restrição do direito dos recorrentes nos termos supra expostos ofendeu o preceituado no artigo 18° n.º 2 da CRP pois, as restrições devem limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e ainda o preceituado no 18° n.º 3.
O.– A falta de notificação da renúncia do mandatário constituído consubstancia uma desigualdade processual ilegítima em face da outra parte, proibida pelo princípio da igualdade de armas e da igualdade das partes, vertido no art. 3.º-A do Código de Processo Civil, enquanto concretização do princípio da igualdade plasmado no art. 13° da CRP, assim como uma violação ilegítima do princípio da proibição da indefesa, com assento constitucional nos arts. 2.° e 20°, n.ºs 1,2 e 4 da CRP.
P.– A interpretação da norma do artigo 195° no sentido de considerar realizada pelo tribunal a quo considerando que a falta de notificação da renúncia do mandatário não tem influência na venda pois, foram observados os trâmites legais, os quais foram notificados aos executados, mostrando-se salvaguardado o princípio do contraditório é passível de juízo de desconformidade constitucional por violação do princípio da proibição da indefesa consagrado no artigo 20° da Constituição assim como do princípio da igualdade do artigo 13° da CRP.
Q.– Por outro lado, a questão da violação dos preceitos constitucionais já havia sido alegada no requerimento de anulação de venda, não se pronunciando contudo, o despacho aqui em causa sobre a mesma o que redunda no nosso modesto entender numa nulidade nos termos do artigo 615° n.º1 d).
S.– Deste modo violou o despacho do tribunal a quo os artigos 839° n.º1 c), 195°, 47°do CPC e os artigos 13°, 18° e 200 da CRP, pois a omissão de notificação de renúncia do mandatário aos Autores nos termos do artigo 47 do CPC, consubstancia indubitavelmente uma situação que influencia a análise da causa, nos termos do artigo 195° e para os efeitos do artigo 839 n.º1 c) pois estes em virtude de desconhecerem a renúncia ao mandato, não se pronunciaram acerca das diversas notificações atinentes a penhoras, valores bases da venda e da própria venda, podendo alterar o desfecho do dito processo, não tendo assim sido respeitado o seu direito de acesso ao direito e de igualdade no processo.

Dos autos não constam contra-alegações.
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II– O Tribunal de 1ª instância considerou apuradas as seguintes circunstâncias de facto emergentes do processo executivo:
«a)- Por requerimento de 20/03/2015 o Exmo. Mandatário dos
executados veio renunciar ao mandato
b)- Nunca foi dado cumprimento ao disposto no artigo 47º do Código de Processo Civil
c)- Em 03/07/2015 foram os executados Margarida... e
Manuel... notificados para se pronunciarem sobre a modalidade e valor da venda
d)- Em 24/09/2015 foram os executados Margarida... e
Manuel... notificados da decisão de venda
e)- Em 20/01/2016 foram os executados Margarida... e Manuel... notificados da data designada para abertura de propostas
f)- Em 09/03/2016 foram os executados Margarida... e
Manuel... notificados dos autos de abertura de propostas
g)- Em 05/05/2016 foram os executados Margarida... e
Manuel... notificados para deduzirem oposição à penhora
h)- Em 25/05/2016 foram os executados Margarida... e
Manuel... notificados para se pronunciarem sobre a modalidade e valor da venda
i)- Em 01/07/2016 foram os executados Margarida... e
Manuel... notificados da decisão de venda
j)- Em 11/01/2017 foram os executados Margarida... e
Manuel... notificados da data designada para abertura de propostas
k)- Em 14/02/2017 foram os executados Margarida... e
Manuel... notificados do auto de abertura de propostas
l)- Em 06/04/2017 foram os executados Margarida... e
Manuel... notificados da nota discriminativa de despesas e honorários
m)- Em 09/10/2017 foram os executados Margarida... e
Manuel... notificados da extinção da execução».
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III– São as conclusões da alegação de recurso, no seu confronto com a decisão recorrida, que determinam o âmbito da apelação, salvo quanto a questões de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo. Assim, face ao teor das conclusões de recurso, as questões que essencialmente se colocam reconduzem-se a verificarmos se foi cometida uma nulidade processual determinante da anulação da venda, ficando esta sem efeito, e se a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia.
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IV– 1– Referem os apelantes que no requerimento da anulação da venda havia sido colocada a questão da violação dos preceitos constitucionais que invocaram mas que o despacho recorrido não se pronunciara sobre essa questão, o que redundaria na nulidade prevista no art. 615, nº1-d) do CPC.
Nos termos do nº 1-d) do art. 615 do CPC é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar – nulidade por omissão de pronúncia. A nulidade da omissão de pronúncia traduz-se, pois, no incumprimento por parte do julgador daquele dever prescrito no nº 2 do art. 608 do mesmo Código, de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada.
O nº 3 do art. 613 do mesmo Código manda aplicar, com as necessárias adaptações, o disposto no art. 615 aos próprios despachos.
As ditas questões reconduzem-se a todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente cabia conhecer, não abrangendo (enquanto fundamento da nulidade da sentença) os argumentos ou as razões jurídicas invocadas pelas partes; deste modo, o não conhecimento de questão cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, embora a não constitua a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da adoptada e que as partes hajam invocado.                
Delimitando o significado das aludidas “questões” ensinava Alberto dos Reis ([1]) «São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão».

Considerou o Tribunal de 1ª instância:
«… Da análise do processo, e admitindo-se que não foi notificada a renúncia ao mandato aos executados, certo é que foram efetuadas todas as notificações legalmente exigidas a ambos os executados.
Os executados tiveram sempre conhecimento do andamento processual, diligências e atos praticados, designadamente da venda, tendo-lhes sido remetido cópia do auto de abertura de propostas.
A preterição de uma formalidade que a lei prescreva apenas produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa – n.º 1 do artigo 195º do Código de Processo Civil.
No caso em apreço, temos que a circunstância de não ter sido notificada aos executados a renúncia ao mandato não influi na venda – foram observados os trâmites legais, os quais foram notificados aos executados, mostrando-se salvaguardado o princípio do contraditório.
(…) Essencial é que aos executados tenha sido dado conhecimento dos autos, o que foi feito, estranhando-se que os mesmos aleguem que apenas tiveram conhecimento da venda com a habilitação de herdeiros (habilitação essa que data de 2014; admite-se, porém, que os mesmo pretendessem referir-se à partilha), quando foram notificados da venda com cópia do auto de abertura de propostas (sendo certo que não alegam não ter recebido as notificações que o tribunal/AE lhes dirigiu)».
Temos, pois, que nestes termos o Tribunal entendeu que não havia sido cometida qualquer nulidade processual com repercussões na venda e que o princípio do contraditório fora salvaguardado.
Os apelantes haviam alegado que a circunstância de não estarem representados por advogado redundava numa desigualdade processual ilegítima, representando uma violação ilegítima dos princípios da igualdade, da proibição da indefesa e do direito ao patrocínio judiciário e a uma protecção jurídica eficaz, com assento nos arts. 2, 13 e 20 da Constituição.
O tribunal de 1ª instância ficou-se pela salvaguarda do princípio do contraditório, afigurando-se que a questão nesta parte colocada pelos requerentes tinha uma dimensão mais ampla, na vertente da salvaguarda dos supra referidos direitos dos requerentes que a Constituição lhes garantia, não estando prejudicada pela solução adoptada por aquele tribunal. Isto, muito embora, o escopo principal do princípio do contraditório tenha deixado de ser a defesa, no sentido negativo da oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir activamente e no êxito do processo ([2]).
Entende-se, deste modo, que se verifica a invocada nulidade da omissão de pronúncia.
Cumprindo a este Tribunal conhecer, de qualquer modo, do objecto da apelação, atento o disposto no nº 1 do art. 665 do CPC.
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IV– 2– De acordo com a alínea c) do nº 1 do art. 839 do CPC a venda fica sem efeito «Se for anulado o ato da venda, nos termos do artigo 195.º».
Determinando o nº 1 daquele art. 195 que a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. E consignado o nº 2 do mesmo artigo que quando um acto tenha sido anulado anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente.
Como sublinha Lebre de Freitas ([3]) em processo civil a nulidade ou anulação de um acto da sequência repercute, em regra, a sua eficácia nos actos subsequentes que entretanto hajam sido praticados; e, num movimento de sentido inverso, o efeito da nulidade ou anulação do acto só se verifica quando o vício é susceptível de afectar a realização da finalidade do processo (como sequência).
Sendo que na acção executiva a verificação da influência da prática ou omissão concreta no exame ou na decisão da causa se reportará à realização das providências executivas – penhora, venda, pagamento.
Deste modo, a anulação do acto da venda nos termos do art. 195 pode ocorrer quer por nulidade da própria venda (consoante o nº1 do art. 195) quer por nulidade de acto anterior de que ela dependa absolutamente (consoante o nº 2 do art. 195) ([4]).
Rui Pinto ([5]) diz-nos que para que o acto processual da venda possa ser anulado nestes termos, basta que «seja processualmente inválido algum dos actos-sequência que compõem a fase da venda», exemplificando com a falta ou irregularidade da notificação do despacho que ordenou a venda, designadamente por falta de identificação dos bens e valor base, a nulidade da publicidade da venda, a omissão da notificação dos preferentes e a ausência do juiz na abertura das propostas.
O pedido de anulação do acto há-de ser deduzido no prazo previsto no art. 199 do CPC.
Vejamos, então.
Na execução a que nos reportamos os executados ora apelantes não teriam de se fazer representar por advogado, já que não se verificava a necessidade de patrocínio judiciário obrigatório, nos termos do art. 58 do CPC.
Todavia, não se poderá negar que os executados tinham direito a ser assistidos por mandatário judicial, uma vez que fora essa a sua opção - estaremos no âmbito do exercício do seu direito de defesa. Sendo que o nº 2 do art. 20 da Constituição assegura que todos têm direito «a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade».
Sabemos que por requerimento de 20-3-2015 o então mandatário dos executados veio renunciar ao mandato, mas que os executados não foram notificados daquela renúncia.
Também sabemos que, de qualquer modo, em 3-7-2015 os executados foram notificados para se pronunciarem sobre a modalidade e valor da venda, em 24-9-2015 foram notificados da decisão de venda, em 20-1-2016 foram notificados da data designada para abertura de propostas, em 9-3-2016 foram notificados do auto de abertura de propostas, em 25-5-2016 voltaram a ser notificados para se pronunciarem sobre a modalidade e valor da venda, em 1-7-2016 notificados da decisão de venda, em 11-1-2017 foram notificados da data designada para abertura de propostas e em 14-2-2017 foram notificados do auto de abertura de propostas, bem como em 9-10-2017 foram notificados da extinção da execução.
Assim, aos executados foi proporcionado o acompanhamento da execução em toda a fase da venda, sendo-lhes dado conhecimento de que a venda tinha ocorrido e da extinção da execução – dificilmente poderemos concluir que estivessem alheados do processo.
Estranha-se que caso não tivessem entendido a significação e alcance das notificações recebidas ao longo de mais de dois anos os executados não houvessem contactado com o mandatário que haviam constituído para procurarem esclarecer-se - e que apenas houvessem tido conhecimento da venda a propósito do processo de partilha, daí decorrendo o conhecimento da omissão da notificação da renúncia. De facto não é plausível que tendo recebido tantas notificações relacionadas com a venda os executados apenas se apercebessem de que ela tivera lugar a propósito do processo de partilha; por outro lado, não é conforme à actuação do comum das pessoas naquela situação – executados a quem haviam sido penhorados bens - que apesar de tais notificações ao longo daquele período de mais de dois anos não houvessem contactado o mandatário que haviam constituído, nem mesmo para lhe solicitar qualquer esclarecimento sobre as inúmeras notificações que iam recebendo.
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IV– 3– Alicerçam os apelantes a sua alegação de recurso na circunstância de o mandato que haviam conferido haver cessado pela aludida renúncia, sem que eles de tal tivessem notificados, não havendo sido dado cumprimento ao disposto no art. 47 do CPC.
As razões que aduzem assentam na circunstância de por omissão dessa notificação deixarem de ter mandatário nos autos de execução, sem que o soubessem, com consequências no processamento daqueles autos.
Efectivamente, nos termos do art. 47 do CPC a renúncia por parte do mandatário deverá ser notificada ao mandante – logo, deveria ter sido notificada aos executados.
Todavia, dispõe o nº 2 do mesmo artigo que os efeitos da renúncia se produzem a partir daquela notificação que é pessoalmente notificada ao mandante.
Assim, a renúncia será imediatamente eficaz na data em que ocorrer a notificação pessoal do mandante se o patrocínio judiciário não for obrigatório ([6]) – como é o caso.
Com referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre ([7]) aquele acto (a renúncia) realiza a sua eficácia no momento em que chega ao conhecimento do seu natural destinatário, tendo a notificação ao mandante uma função extintiva do mandato como acto exterior que aperfeiçoa o acto jurídico da renúncia.
Nas palavras de Alberto dos Reis ([8]): «Enquanto a notificação se não fizer, o acto não produz efeitos».
Do que acabámos de expor decorre que não havendo os executados/mandantes sido notificados pessoalmente da renúncia, esta não teria eficácia naquele processo mantendo-se o mandatário constituído como tal, com os direitos e deveres que lhe assistiam.
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IV– 4– Sucede que para exercer esses direitos e estar sujeito a esses deveres ao mandatário constituído deveriam ter sido dirigidas oportunas notificações referentes aos termos do processo – o que não é evidenciado (em sentido positivo ou negativo) pelos factos que o Tribunal de 1ª instância consignou.
No requerimento do incidente de declaração de nulidade os executados afirmaram que «sempre estiveram plenamente convencidos que, paralelamente às suas notificações, as mesmas estariam igualmente a ser dirigidas ao seu Ilustre Mandatário», mas nada sabemos sobre tal – nem se alguma ou nenhuma das notificações foi dirigida ao ainda mandatário dos executados, nem sobre o convencimento dos executados.
O que teria relevância para o enquadramento da situação dos autos - o mandatário constituído mantinha-se como tal, mas a carência das necessárias notificações sobre os termos do processo, assumindo o Tribunal que a notificação da renúncia fora efectuada e que aquele já não era mandatário dos executados (o que configurava um desajustamento da realidade face ao disposto no nº 2 do art. 47 do CPC) teria consequências no âmbito do invocado direito dos executados a um processo equitativo, considerada a proibição da indefesa, se convencidos de que continuavam a litigar assistidos por advogado.
Temos, pois, que se em tese e por si só a falta de notificação da renúncia aos executados, quando dessa renúncia foi dado conhecimento no processo, não constituirá uma nulidade com influência “no exame ou na decisão da causa” – desde logo na venda que teve lugar; na realidade tudo dependerá do circunstancialismo envolvente e que não foi apurado, não bastando para tal os factos consignados pelo Tribunal de 1ª instância para a decisão do incidente.
Para a inutilização de todo o processado incluindo a venda que ocorreu, dadas as consequências significativas daí advenientes, deverão ser apurados e ponderados os factos invocados pelos executados no seu requerimento do incidente de anulação (assim, designadamente, os factos que estão incluídos nos arts. 14, 20, 21, 22, 36, 37 e 38 do requerimento inicial do incidente) bem como, eventualmente, factos constantes de resposta que haja sido oferecida pela parte contrária e que tenham interesse para o efeito (tal eventual resposta não integra o presente apenso).
Sendo relevantes as circunstâncias atinentes à observância das regras sobre o prazo de arguição (art. 199 do CPC).
Haverá, pois, que anular a decisão recorrida a fim de que produzida a prova necessária, seja apurada aquela matéria de facto, uma vez que, por ora, se reputa de insuficiente a factualidade elencada para a decisão do incidente (art. 662, nº 2-c) e 292 e seguintes do CPC).
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V– Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em anular a decisão recorrida devendo o processo prosseguir com as diligências atinentes para ampliação da matéria de facto, nos termos supra referidos.
Custas pelo vencido a final.
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Lisboa, 27 de Junho de 2019


Maria José Mouro
José Maria Sousa Pinto
Jorge Vilaça


[1]No «Código de Processo Civil  Anotado», Coimbra Editora, vol. V, pag. 143.
[2]Neste sentido ver Lebre de Freitas, «Comentários ao Código de Processo Civil», Almedina, 1999, pag. 23.
[3]«Em Introdução ao Processo Civil», Coimbra Editora, 3ª edição, pag. 22.
[4]Ver Amâncio Ferreira, «Curso de Processo de Execução», Almedina, 12ª edição, pag. 407, e Lebre de Freitas, «A Ação Executiva», Gestlegal, 7ª edição, pag. 402.
[5]Em «Manual da Execução e Despejo», Coimbra Editora, 2013, pag. 975.
[6]Ver, a propósito, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, «Código de Processo Civil Anotado», vol. I, Almedina, 2018, pag. 79.
[7]No «Código de Processo Civil Anotado», I vol., Coimbra Editora, 3ª edição, pag. 101.
[8]No «Comentário», vol. I, Coimbra Editora, 1960, pag. 52.