Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1669/2007-6
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: CUSTAS
PREPAROS
PARTE VENCIDA
MATÉRIA DE FACTO
ANULAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/22/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: 1 - As custas consistem nas despesas que as partes são obrigadas a fazer para a condução do processo, afora as remunerações (honorários) dos seus advogados e as despesas pessoais das próprias partes, isto é, os encargos.
2 - Preparos são as importâncias que vão sendo exigidas às partes a título de antecipação de custas, antes de chegar à altura em que estas devem ser contadas e satisfeitas.
3 - A sentença, ou outra decisão final, deve regular entre as partes o encargo das custas, condenando no respectivo montante uma delas, ou distribuindo-o por ambas, conforme os critérios legais. Com esta condenação é que surge a obrigação das custas, sendo a sentença, nesta parte, sempre constitutiva, e não durante a lide como obrigação eventual ou condicional. Aqueles critérios legais constam principalmente dos artigos 446º e 449º do Código do Processo Civil. Os mais importantes são dois: a) – paga as custas quem dá causa a elas; b) – paga as custas quem tira proveito do processo.
4 – Apesar de à Autora ter sido denegado o benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de preparos e demais custas judiciais, não lhe foram exigidos adiantamentos monetários a título de antecipação de custas já que foi atribuído efeito suspensivo ao recurso desta decisão, prosseguindo, por isso, os autos seus termos, sem que a autora tivesse que pagar taxa de justiça inicial ou subsequente ou tivesse suportado qualquer outro encargo.
5 – Assim, porque é a sentença que regula entre as partes o encargo das custas e tendo a Autora obtido ganho definitivo da acção, não tem esta que suportar as custas, razão por que inexiste qualquer interesse da agravante em ver decidido o recurso por si interposto.
(G.F.)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1.
[M. L.] intentou a presente acção declarativa de condenação com processo sumário contra [O. M. ], pedindo a condenação deste no pagamento de uma indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em virtude de infiltrações que teve na sua habitação, em virtude da conduta do Réu.

Refere, em síntese, que subitamente começou a ter infiltrações na sua casa e, tendo procurado saber a sua origem, veio a descobrir ser da floreira do andar contíguo ao do Réu, o qual tinha uma floreira comum a este, e que, tendo o Réu retirado a sua, não acautelou a saída de águas da dita floreira, que taparam o ralo que era comum às duas floreiras. Conclui referindo que tal originou infiltrações e humidades diversas, com estrago de electrodomésticos, e peticiona uma indemnização no valor global (por danos patrimoniais e não patrimoniais) de Esc. 1.879.850$00.

O Réu (habilitado depois do falecimento dos primitivos Réus) contestou, negando as imputações efectuadas pela Autora, e referindo que a causa das humidades não foi o fechar da floreira nem do ralo.

A Autora requereu o benefício do apoio judiciário, na modalidade de dispensa total do pagamento de preparos e demais custas processuais, tendo o requerimento sido indeferido, razão por que dele recorreu, tendo o recurso sido admitido, a processar como agravo, com subida deferida com o primeiro recurso posteriormente interposto da decisão proferida na causa principal que deva subir imediatamente e com efeito suspensivo.

Nas alegações, a agravante conclui que deve ser deferido o apoio judiciário.

Foi requerida uma perícia por parte do Réu, a qual não foi realizada por falta de pagamento de preparos.

Procedeu-se a julgamento, tendo sido proferido despacho que fixou a matéria de facto apurada, o qual não mereceu reclamação e, em seguida, foi proferida sentença, conhecendo do mérito da causa.

O Tribunal, julgando a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, condenou, em consequência, o Réu a pagar à Autora a quantia de € 4324,4, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, a título de danos patrimoniais sofridos, e € 2000, a título de danos não patrimoniais, quantia esta acrescida de juros desde a presente decisão até integral pagamento, absolvendo-se o Réu do demais peticionado.

Inconformado, recorreu o Réu, formulando as seguintes conclusões:
1ª – Não deve ser dado como provado o quesito 7º e sim o 66º pois não houve fechamento da varanda do apelante porque esta ainda lá está, o que houve foi uma ampliação da casa para fora no terraço, suprimindo a floreira mas o que foi suprido na floreira foi a mesma área com que a casa foi ampliada, pelo que continuou a ter terraço sem floreira.
2ª – Aqui não devem ser dados como provados os quesitos 8º a 12º (aqui pelo menos o início) e 13º.
3ª – A aparente contradição nas respostas aos quesitos 14º a 17º e 58º.
3ª – Das respostas dadas aos quesitos 18º a 41º deve ser retirada a expressão devido às obras efectuadas.
4ª – As atinentes aos quesitos 19º a 59º devem ser encaradas com as sérias reservas apontadas, tendo em conta os valores atribuídos aos objectos alegadamente danificados.
5º - Devem ser dados como provados na totalidade os quesitos 60º a 62º e 64º a 67.

A Autora contra – alegou, defendendo a bondade da decisão recorrida.
2.
Na 1ª instância consideraram-se provados os seguintes factos:
1º - A Autora é dona da casa designada pela letra” J”, correspondente à habitação Solário B, n° 10, 2° piso, corpo 5, sito na E.N. 378, Sesimbra (alínea a).
2º - Na referida casa, habitavam a Autora, seu marido e os dois filhos menores do casal, à data da propositura da acção (alínea b).
3º - Os Réus são donos da casa designada pela letra “M”, Habitação Solário C, nº 12, 3° piso, Corpo 6, contígua à facção “N”, Habitação Solário C, nº 13, situada no piso, imediata e verticalmente superior ao da Autora (alínea c).
4º - Esta casa, pertencente aos Réus, possuía, tal como todas as outras, naquela fachada do prédio, uma varanda com uma floreira comum, ou seja, a floreira de que provinham as águas infiltrada, era comum às duas casas – a imediatamente superior à casa da Autora e à dos Réus (alínea d).
5º - A Autora, logo que se apercebeu da causa de tais infiltrações, efectuou esforços no sentido de contactar os Réus, o que conseguiu, através do filho destes, o qual a Autora apenas conhece por [O. ] (alíneas e e f).
6º - Expôs-lhe a situação e pediu-lhe que informasse os Réus, para que estes tomassem alguma providência (alínea g).
7º - No início do mês de Fevereiro de 1997, finalmente, e por ordem e conta dos Réus, foram efectuadas obras nessa parte da floreira (alínea h).
8º - Obras essas que consistiram na ligação exterior de um tubo, em substituição do anterior ralo, o que passou a permitir a saída das águas para os esgotos (alínea i).
9º - A Autora passou os meses de Novembro e Dezembro de 1996 e Janeiro e alguns dias de Fevereiro de 1997, altura em que finalmente os Réus mandaram ligar um tubo para escoamento das águas pluviais na parte da floreira pertencente ao Solário C, n° 13, 3° Piso, a apanhar água (alínea j).
10º - A filha da Autora, de cinco anos de idade, sofre de bronquite asmática, e com toda esta situação, foi a Autora obrigada a ir por duas vezes com ela para o hospital, pois o seu estado de saúde agravou-se (alínea k).
11º - A meio do mês de Novembro de 1996, a Autora detectou infiltrações de água em sua casa (quesito 1º).
12º - As referidas infiltrações eram mais intensas e notórias na cozinha e sala (quesito 2).
13º - Logo a Autora verificou que as referidas infiltrações, provinham da floreira do andar superior ao seu (quesito 3º).
14º - Ou seja, da floreira da casa designada pela letra “N”, Habitação Solário C, nº 13, 3° piso, corpo 5, que se situa no piso imediatamente superior ao da Autora (quesito 4º).
15º - Veio a Autora a verificar que as infiltrações se deviam à falta de escoamento das águas pluviais, que caíam da referida floreira (quesito 6º).
14º - No inicio do mês de Novembro de 1996, os Réus deram por concluídas umas obras que levaram a efeito em sua casa, e que consistiram no fechamento da varanda e parte da floreira comum, para construção de uma marquise com terraço (quesito 7).
15º - Os Réus executaram as obras na floreira, sem tomarem em conta que a mesma era comum, não só à sua casa, como também ao Solário C, n° l3, 3° piso (quesito 8º).
16º - Tanto assim foi, que os Réus taparam o ralo comum para escoamento das águas da floreira, também esta, comum aos dois Solários, o n° 12° de sua propriedade e n° 13° (quesito 9º).
17º - Sendo esse ralo comum, era através deste que as águas eram conduzidas, tanto as de rega das flores aí existentes, como as pluviais para os esgotos (quesito 10º).
18º - Com as obras efectuadas pelos Réus, a parte da floreira pertencente à fracção, Solário C, n° 13°, 3° piso, ficou sem ralo para escoamento das águas (quesito 11º).
19º - O que deu origem, com a chegada das chuvas fortes em Novembro de 1996, a que as águas pluviais se infiltrassem para o tecto e paredes da casa da Autora (quesito 12º).
20º - O facto de os Réus fecharem a varanda da sua casa e a floreira foi causa directa e necessária, para infiltração de águas em casa da Autora (quesito 13º).
21º - Após o facto referido em I) a água deixou de se infiltrar na casa da Autora (quesito 15º).
22º - Apesar da eficácia de tal solução, a água que se havia infiltrado nas paredes e tecto da casa da Autora, era de tal forma abundante, que não parou imediatamente de cair (quesito 16º).
23º - Só com a chegada do tempo quente, é que a casa da Autora começou a secar (quesito 17º).
24º - A Autora verificou que a água vinda da floreira sem escoamento, devido às obras efectuadas pelos Réus, inundou toda a placa superior da casa da Autora, saindo nos mais diversos pontos da casa, destruindo mobiliário e electrodomésticos (quesito 18º).
25º - A Autora adquiriu móveis e electrodomésticos em virtude de as inundações terem estragado os seus (quesito 19º).
26º - Adquiriu um fogão (quesito 20º).
27º - Adquiriu uma carpete (quesito 21º).
28º - Adquiriu uma máquina de café (quesito 22º).
29º - Um cortinado de cozinha (quesito 23º).
30º - Um candeeiro de sala (quesito 24º).
31º - Na compra destes artigos a Autora teve uma despesa no montante de Esc. 242.000$00 (quesito 25º).
32º - Todos estes bens da Autora, ficaram inutilizados ou muito deteriorados em consequência das infiltrações (quesito 26º).
33º - Foi a Autora obrigada a substituir, de imediato, a TV que deixou de funcionar e os cortinados da cozinha que ficaram bolorentos e que se romperam à lavagem (quesito 27º).
34º - Actualmente o fogão, frigorifico, máquina de café, candeeiro de sala, aparelhagem sonora e armários de cozinha já foram substituídos (quesito 28º).
35º - Foi a Autora obrigada a substituir a televisão, que lhe custou Esc. 110 000$00; Pelo frigorífico a Autora gastou mais de Esc. 80.000$0 (quesitos 29º e 37º).
36º - A aparelhagem sonora deixou de funcionar (quesito 38º).
37º - A foto dos filhos e respectiva moldura ficou estragada (quesito 39º).
38º - Os armários de cozinha, em madeira de mogno, apodreceram, incluindo os armários superiores, precisando de ser substituídos por uns novos, tendo a Autora solicitado um orçamento para a sua substituição cujo valor se cifra em Esc. 435.000$00 (quesito 40º).
39º - A Autora, cansada das infiltrações, e já em desespero, foi aconselhada por um engenheiro, a furar o tecto da casa, de forma a criar locais de passagem para as águas que se encontravam infiltradas no tecto, devido às obras efectuadas pelos Réus (quesito 41º).
40º - A Autora, seguindo o conselho que lhe foi dado, fez um furo no tecto de sua casa, junto à entrada, mas tal solução não funcionou (quesito 42º).
41º - A Autora, durante os meses em que duraram as infiltrações, foi obrigada a apanhar água de dia e de noite que caía por toda a casa, tendo de arrastar móveis e electrodomésticos, e depois de a água deixar de cair, ainda teve de pintar e limpar toda a casa (quesito 45º).
42º - Devido à água que lhe entrava para dentro de casa, a Autora teve de pôr os seus dois filhos, de 5 e 9 anos de idade a dormir com ela e o marido, privando-se da sua intimidade e sem conforto para nenhum dos quatro (quesito 49º).
43º - A casa da Autora esteve sempre húmida, respirando-se um ambiente insalubre e doentio (quesito 50º).
44º - Para cozinhar a Autora tinha de abrir um chapéu – de - chuva, dentro de casa, pois a água caía-lhe sobre a comida que tinha ao lume (quesito 51º).
45º - A Autora chamou o piquete da Electricidade do Sul SA (quesito 52º).
46º - A Autora ficou sem luz eléctrica tempo concretamente não apurado (quesito 56º).
47º - As inundações aconteceram na época natalícia, em que a Autora esperava passar o Natal em casa com a família e mais alguns familiares que já tinham sido convidados, planos que foi obrigada a alterar, tendo de ser a Autora a deslocar-se para casa de familiares devido ao estado de sua casa (quesito 57º).
48º - A Autora durante mais de três meses viveu inquieta e em grande pânico, temendo curtos circuitos e sem descansar dia e noite aparando as águas que caiam (quesito 59º).
49º - Parte da casa dos Réus situa-se por cima, mas da casa da Autora (quesito 61º).
50º - A floreira em questão não tinha divisória (quesito 62º).
51º - A vizinha de baixo do Réu fez a mesma obra de tapagem do terraço e, na ocasião e a fim de se precaver da possibilidade de humidades provenientes da floreira, solicitou ao Réu a feitura de uma tela de alcatrão para a água não passar na respectiva floreira, o que o réu autorizou e bem e foi lá feito por um pedreiro (quesito 63º).
52º - Inicialmente não existia no andar da Autora a cozinha que existe hoje em dia, pois a Autora fez obras, fechando-o e aumentando-o pelo aproveitamento do terraço (quesito 64º).
53º - Os Réus, a título de cautela, efectuaram a obra referida em I) (quesito 67º).
54º - A casa do réu tinha e continua a ter muitas infiltrações e sem que se saiba sequer qual a sua proveniência (quesito 68º).
3.
A apelação e os agravos que com ela tenham subido são julgados pela ordem da sua interposição; mas os agravos interpostos pelo apelado que interessem à decisão da causa só são apreciados se a sentença não for confirmada (artigo 710º, n.º 1 CPC).

Acrescenta o n.º 2 do artigo 710º que os agravos só são providos quando, independentemente da decisão do litígio, o provimento tenha interesse para o agravante.

Aferindo-se esse interesse a posteriori, importa conhecer, desde já, da apelação.

É no corpo das alegações de recurso que têm de ser indicadas as razões da discordância com o julgado. Se aí o recorrente nada diz em contrário do decidido sobre determinada questão, é porque com aquela se conforma, transitando a decisão em julgado, não obstante as conclusões aflorarem eventualmente essa questão.
Na verdade, as conclusões são um mero resumo dos fundamentos ou da discordância com o decidido, sendo ilegal o alargamento do seu âmbito para além do que do corpo daqueles consta.

Por seu turno, sendo as conclusões a materialização do ónus de concluir, a que alude o artigo 690º CPC, aplica a enunciação abreviada , concisa e clara dos fundamentos; e esta directiva é tanto mais compreensível quanto é certo que o âmbito do recurso nos é dado pelo teor das conclusões, só abrangendo as questões aí contidas, salvo se outras houver de conhecimento oficioso (artigo 690º, n.º 1 e n.º 4 CPC).

Colocam-se assim à apreciação deste Tribunal as seguintes questões:
a) – Matéria de facto: deverão ou não ser alteradas as respostas dadas aos quesitos referidos pelo Apelante?
b) - Contradição nas respostas dadas aos 14º a 17º e 58º.
4.
Visando a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que julgue a acção improcedente, pretende o Recorrente que seja alterada a decisão da matéria de facto, questionando as respostas dadas aos quesitos 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 18º, 41º, 60º, 61º, 62º, 64º, 65º, 66º e 67º bem como as atinentes quesitos 19º a 59º.

A Autora pretende que todos os quesitos, cujas respostas impugna, sejam dados como “não provados” à excepção dos quesitos 60º a 62º e 64º a 67º, para os quais peticiona respostas de “ provado”.

Convirá relembrar, antes de mais, quanto aos poderes da Relação relativamente à alteração da matéria de facto decidida pelo Tribunal a quo o seguinte:

Vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre (artigo 655º CPC), segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada.

Segundo este princípio, que se opõe ao princípio da prova legal, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, nem preocupação do julgador quanto à natureza de qualquer delas Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª edição, 471..

Além deste princípio, que só cede perante situações de prova legal – prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares e por presunções legais Antunes Varela, local citado. -, vigoram ainda os princípios da imediação, da oralidade e da concentração, pelo que o uso pela Relação dos poderes de alteração da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto, ampliados pela reforma processual operada pelo DL n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 180/96, de 25 de Setembro, deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados Ac. RP, de 19-09-2000, CJ, XV, Tomo IV, 186 a 189..

Assim, à luz do disposto no artigo 712º CPC, a decisão do tribunal da 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690º-A, a decisão com base neles proferida (al. a), se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas (al. b) ou ainda se o recorrente apresentar documento novo superveniente, que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a resposta assentou (al. c).

Embora a lei faculte em termos gerais que as partes peticionem a modificação da decisão sobre a matéria de facto, exige no entanto que observem o ónus da discriminação fáctica e probatória – artigo 690º-A – e o ónus conclusivo – artigos 684º, n.º 3 e 690º, n.º 4 CPC.

Dispõe o artigo 690º-A CPC que, quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada, diversa da recorrida.

No caso presente, torna-se perfeitamente claro não ser aplicável a previsão das referidas alíneas do n.º 1 do artigo 712º, do CPC, pois que, por um lado, tendo sido inquiridas testemunhas por forma oral, por outro, não foram gravados os depoimentos dessas testemunhas, pelo que do processo não constam todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa.

Acresce que não foi apresentado documento novo superveniente e, por fim, os elementos fornecidos pelo processo não impõem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas.

Não se pode, pois, sindicar a prova oral produzida em audiência (artigo 712º, n.º 1, alínea a) do CPC).
4.2.
Mesmo quando não constem do processo todos os elementos probatórios que serviram de base à decisão da matéria de facto, a Relação pode, oficiosamente, anular essa decisão em dois casos: a) – quando repute deficiente, obscura ou contraditória sobre determinados pontos; b) – quando considere indispensável a ampliação da matéria de facto, em ordem a evitar contradições na decisão (artigo 712º, n.º 4).

A resposta será deficiente quando for incompleta, isto é, quando não abranger a totalidade da pergunta; será obscura quando admitir várias interpretações, de modo a que dela se possam extrair diversos entendimentos; será contraditória com outra quando ambas façam afirmações inconciliáveis entre si, de modo que a veracidade de uma exclua a veracidade da outra.
Ora lendo os citados quesitos, não se nos afigura ocorrer qualquer obscuridade ou contradição na matéria de facto neles tida por provada e não provada.

Improcedem, assim, as conclusões do Apelante, não havendo, pois, fundamento para a alteração da matéria de facto nem para a anulação da decisão sobre tal matéria.
5.
Depois de notificada, veio a Autora/Apelada peticionar que a Relação conhecesse do recurso de agravo por si interposto, porque continuava a manter interesse nele.

Trata-se do recurso interposto da decisão que lhe denegou o benefício do apoio judiciário, na modalidade de dispensa de preparos e demais custas judiciais.

Mas será que lhe assiste qualquer interesse?

As custas consistem nas despesas que as partes são obrigadas a fazer para a condução do processo, afora as remunerações (honorários) dos seus advogados e as despesas pessoais das próprias partes, isto é, os encargos.

Preparos são as importâncias que vão sendo exigidas às partes a título de antecipação de custas, antes de chegar à altura em que estas devem ser contadas e satisfeitas. O pagamento dos preparos é indispensável, em geral, para que o processo siga os seus termos ou sejam praticados certos actos que interessam à parte que deve fazê-lo. Assim se consegue, ao menos em certa escala, haver o montante das custas de litigantes, dos quais, por falta de bens apreensíveis, não poderia ser cobrada coercivamente.

Estes adiantamentos monetários necessários à promoção das acções e recursos são, actualmente, designados por taxa de justiça, matéria regulada no Código das Custas Judiciais.

Temos, assim, que os processos estão sujeitos a custas, as quais compreendem a taxa de justiça e os encargos (artigo 1º do CCJ). A taxa de justiça é paga gradualmente e corresponde ao somatório das taxas de justiça inicial e subsequente (artigos 22º e 13º, n.º 2 CCJ). Os encargos compreendidos pelas custas estão enumerados no artigo 32º do CCJ.

Quem deve suportar o encargo das custas?

A sentença, ou outra decisão final, deve regular entre as partes este encargo, condenando no respectivo montante uma delas, ou distribuindo-o por ambas, conforme os critérios legais. Segundo CHIOVENDA Instituzioni, I, 518., com esta condenação é que surge a obrigação das custas, sendo a sentença, nesta parte, sempre constitutiva, e não durante a lide como obrigação eventual ou condicional. Aqueles critérios legais constam principalmente dos artigos 446º e 449º do Código do Processo Civil. Os mais importantes são dois: a) – paga as custas quem dá causa a elas; b) – paga as custas quem tira proveito do processo.

A – Paga as custas quem dá causa a elas. É o princípio mais amplo. Vale para a generalidade dos processos. O mesmo princípio por sua vez comporta duas fundamentais aplicações, que devem ser consideradas cada uma de per si.
1 – Paga as custas a parte vencida. Esta norma é a primeira e a mais importante aplicação do princípio. Consta do artigo 446º, n.º 2, e a sua justificação particular está na ideia de que o processo não deve ocasionar dano ao pleiteante que tem razão.

Parte vencida é aquela que decaiu no pleito – aquela a quem a sentença seja desfavorável, por não ter acolhido a sua pretensão, já negando-lhe o direito que deduziu em juízo, ou não chegando a apreciar a sua existência, já reconhecendo o direito deduzido pela outra parte. A sucumbência equivale portanto ao insucesso na lide – insucesso que não deixa de existir quanto ao Réu pelo facto de ele não contestar.

2 – Paga as custas o Autor. Esta norma é outra aplicação do mesmo princípio. O seu enunciado geral consta do artigo 449º, n.º 1, que o formula nestes termos: «Quando o réu não tenha dado causa à acção e a não conteste, são as custas pagas pelo autor».

Reportando – nos ao caso sub judicio, constata-se que à agravante não foram exigidos adiantamentos monetários a título de antecipação de custas, já que foi atribuído efeito suspensivo ao recurso que lhe denegou o benefício da assistência judiciária, de tal sorte que o processo seguiu os seus termos sem que a autora tivesse que pagar taxa de justiça inicial ou subsequente.

Como se referiu, é a sentença, ou outra decisão final, que deve regular entre as partes este encargo, condenando no respectivo montante uma delas, ou distribuindo-o por ambas, conforme os critérios legais. Com esta condenação é que surge a obrigação das custas, sendo a sentença, nesta parte, sempre constitutiva, e não durante a lide como obrigação eventual ou condicional.

Entretanto, a Autora teve ganho da acção tanto na 1ª instância quanto na Relação, pelo que, sendo o Réu a parte vencida, a ora agravante não tem que suportar custas nem encargos.

E. porque se trata de uma acção cuja alçada não admite recurso para o STJ, a acção termina aqui, razão por que se não alcança qual o interesse do agravante em ver decidido o recurso por si interposto.

Nestes termos, por falta de fundamento, decide-se não tomar conhecimento do recurso de agravo interposto pela Apelada.
6.
Pelo exposto, na improcedência da apelação, confirma-se a sentença recorrida.
Custas pelo Apelante.

Lisboa, 22 de Março de 2007.
Granja da Fonseca
Pereira Rodrigues
Fernanda Isabel Pereira.