Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
96185/19.6YIPRT.L1-2
Relator: LAURINDA GEMAS
Descritores: INJUNÇÃO
REVOGAÇÃO DO CONTRATO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/02/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A SENTENÇA
Sumário: I - Um facto ou uma alegação de facto não poderá deixar de ser uma realidade objetiva passível de ser apreendida por um qualquer meio de prova, distinguindo-se das questões jurídicas, cuja resposta é dada por via da interpretação e aplicação das regras de direito aos factos considerados como provados.
II - Assim, discutindo-se nos autos se a Autora tem direito a exigir da Ré o valor peticionado relativo às prestações mensais do contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes por falta de denúncia válida do mesmo, não se pode responder a tal questão na decisão da matéria de facto, fazendo aí constar que os meses de junho a setembro de 2019 foram “corretamente faturados” e que as faturas originadas pela prestação de serviços respeitantes a tais meses, cujo “total em dívida é de 20.284 €”, se encontram por liquidar.
III - Sendo a revogação unilateral do contrato de prestação de serviço consentida pela lei, face ao preceituado no art. 1170.º do CC, aplicável por via do disposto no art. 1156.º do CC, impõe-se concluir que, no seguimento da receção pela Autora (cf. art. 224.º do CC) da declaração pela qual a Ré revogou unilateralmente o contrato, este veio a cessar a sua vigência no dia 1 de junho de 2019, não mais estando as partes obrigadas ao seu cumprimento.
IV - Tendo o contrato findado, procede a exceção perentória deduzida pela Ré e improcede necessariamente a pretensão da Autora, assente num pressuposto fáctico que não se verifica, o de que o contrato de prestação de serviços continuava em vigor e, por isso, a Ré estaria obrigada a cumpri-lo, realizando a prestação pecuniária contratualmente estipulada (cf. art. 762.º do CC).
V - Questão diferente, mas que não cabe aqui apreciar (sendo mesmo questão nova), é a de saber se dada a forma como a Ré veio fazer cessar o contrato, com a sua revogação unilateral, ainda que lícita, incorreu na obrigação de indemnizar a Autora. Com efeito, não constitui o objeto do litígio, conformado pelo pedido formulado e respetiva causa de pedir indicados no requerimento de injunção, saber se a Autora tem direito a uma indemnização (pretensão que, aliás, não podia fazer através de procedimento de injunção), pelo que constituiria uma violação dos princípios do contraditório, do dispositivo e da estabilidade da instância apreciar se a Ré devia ser condenada no pagamento das quantias peticionadas, mas agora a título de indemnização de (supostos) danos pela revogação unilateral/resolução do contrato.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados

I - RELATÓRIO
Nos presentes autos de ação declarativa sob a forma de processo comum, transmutados de procedimento de injunção, vieram a Autora Activos…, U., Lda. e a Ré E., Lda. interpor recursos (ambos independentes) da sentença que julgou a ação parcialmente procedente.
Os autos tiveram início com a apresentação, em 15-10-2019, de requerimento de injunção no qual a Autora peticionou o pagamento da quantia de 26.736,00 €, dos quais 26.568 € de capital, 15 € de juros de mora e 153 € de taxa de justiça, alegando que:
- Em 21 de setembro de 2105 as partes celebraram um contrato de prestação de serviços pelo qual a Requerente se obrigou a realizar todas as operações de logística, armazenagem e transporte de mercadorias da Requerida.
- Como contrapartida desses serviços a Requerida pagaria a quantia mínima mensal de 5.400 € (acrescida de IVA) a qual acresciam custos específicos conforme tabela de proposta comercial nº 1095 B/2015.
- Acordaram que esse contrato teria uma duração inicial de 3 anos, ou seja, até 21-09-2018, e que, caso não fosse validamente denunciado, se renovaria por iguais períodos.
- A Requerida não denunciou validamente o contrato indicado, tendo o mesmo sido renovado em 21-09-2018.
- Independentemente dos serviços prestados, nos termos do acordo e proposta anexa, a Requerida obrigou-se a pagar à Requerente a quantia mínima mensal de 5.400 € mais IVA.
- A Requerida não pagou as quantias referentes aos meses de junho a setembro de 2019, apesar de terem sido corretamente faturados.
- Tal prestação de serviços originou a emissão das seguintes faturas, que se encontram por liquidar:
· n.º 132, datada de 04-07-2019, com vencimento a 04-08-219, no valor de 6.642 €;
· n.º 155, datada de 01-08-2019, com vencimento a 01-09-2019, no valor de 6.642 €;
· n.º 170, datada de 30-08-2019, com vencimento a 30-09-2019, no valor de 6.642 €;
· n.º 50339, datada de 30-09-2019, com vencimento a 30-10-2019, no valor de 6.642 €.
- A obrigação em causa vence juros de 4% ao ano desde a data de vencimento de cada fatura.
- O total em dívida é de 26.583 €.
Citada a Ré, deduziu Oposição/contestação, na qual se defendeu por exceção, alegando, em síntese, que, mediante carta registada, procedeu à resolução do contrato com efeitos a 1 de junho de 2019, pelo que as faturas cujo pagamento é reclamado, sendo posteriores, devem ser consideradas indevidas.
A Autora veio, no seguimento de despacho que a convidou a fazê-lo por escrito, responder à matéria de exceção, alegando, em síntese e no que ora importa, que “nunca aceitou a resolução contratual efetuada em 26 de Fevereiro de 2019 por não estar indicada qualquer justa causa e estar fora do tempo contratual quanto a data dos seus efeitos”, encontrando-se “o contrato em vigor pelo que os débitos mensais efectuados pela A. são legítimos”.
Foi proferido despacho saneador e de identificação do objeto do litígio (nos seguintes termos: “se assiste à A. o direito de exigir da R. o valor peticionado e relativo à prestação de serviços que a A. invoca ter prestado por falta de denúncia válida do contrato realizado entre ambas”) e enunciação dos temas de prova (nos seguintes termos: “A contratação realizada entre as partes, o tipo de serviço realizado, o período de tempo acordado, período de vigência e revogação; o valor contratado e a facturação enviada pela A. à R. de valores diferentes do acordado; renegociação dos valores contratados; envio da carta de 26 de Fevereiro de 2019, pela R. à A. e sua vontade de resolução; a não aceitação pela A. da resolução contratual feita pela R. por alta de indicação de justa causa e fora do tempo contratual quanto a data dos seus efeitos”).
De seguida, realizou-se a audiência final de julgamento.
Em 29-12-2020, foi proferida sentença, da qual foram interpostos recursos pelas partes, tendo a Autora na sua alegação recursória vindo arguir a nulidade da sentença.
Em 07-07-2021, foi apreciada a arguição de nulidade nos seguintes termos:
“Vieram ambas as partes recorrer da decisão proferida a fls. 74 e seguintes, vindo igualmente a A. arguir a sua nulidade.
Quanto à invocada nulidade:
Verificamos da leitura da decisão supra, que a factualidade inserida a seguir à alínea c) dos factos não se encontra devidamente assinalada com qualquer referência de alínea, voltando a ocorrer essa indicação de alínea a seguir com a alínea d) e seguintes, sem que o que adiante se indica, aconteça com qualquer referência de alínea:
“A requerida não denunciou validamente o contrato indicado, tendo o mesmo sido renovado em 21/9/18”.
Verificamos então que houve lapso no texto final da decisão que incluiu este facto, quando a nossa convicção não foi nesse sentido, pelo que se irá proferir nova decisão, que será notificada às partes.
Se vierem a renovar os seus recursos, deverão ser atendidas, as taxas já liquidadas e constantes, respectivamente, de fls. 79 e 83 v.
Segue decisão final, rectificada”.
Na sentença (recorrida) então proferida consta o segmento decisório com o seguinte teor:
“Nestes termos julga-se parcialmente procedente por provada a presente acção e em consequência condena-se a R. a pagar à A. a quantia de € 20.284, 00.
Custas pela A. que decaiu em 1/8 e pela R.
Notifique.
Registe.”
Inconformadas com esta (última) decisão, vieram ambas as partes interpor, de novo, recurso de apelação.
A Autora, na sua alegação recursória, formulou as seguintes conclusões:
A) O contrato dos autos teve o seu início em 21 de Setembro de 2015 com a duração de 3 anos.
B) Foi estabelecido que as renovações contratuais são por períodos iguais ao inicial, ou seja mais 3 anos em cada renovação.
C) Tendo sido considerada ilícita a denúncia promovida pela R., o contrato, em 21 de Setembro de 2018, renovou-se por mais 3 anos.
D) Três anos após 2018 é o ano de 2021 e não 2019 como a douta sentença, seguramente por lapso, concluiu.
E) Desta forma, todas as facturas apresentadas na injunção são devidas, nomeadamente a factura do mês de Setembro de 2019, assim como o serão outras que se tenham vencido após essa data e até 21 de Setembro de 2021.
F) O facto da A. ter permitido à R. levantar as suas mercadorias em Maio de 2019 em nada contraria a continuação do contrato.
G) Até porque, por força do contrato celebrado a A. nunca poderia opor à R. o levantamento e depósito das suas mercadorias.
H) Ou seja não é lícito nem faz qualquer sentido considerar que pelo facto da R. ter levantado as mercadorias em Maio de 2019 o contrato terminaria em Setembro de 2019.
I) Não existe qualquer nexo entre estas duas datas ou acontecimentos.
J) Além disso, o período temporal das facturas não é o do mês de calendário, mas sim o de mês contratual, pelo que a factura de Setembro sempre seria devida na sua totalidade.
K) A douta sentença fez uma errada interpretação do contrato e do direito com os seus fundamentos e violou o disposto nos artigos 406º do CC.
Termina requerendo que a sentença seja revogada e substituída por outra que declare a presente ação integralmente procedente por provada.
Por sua vez, a Ré, na sua alegação recursória, formulou as seguintes conclusões:
A. Na decisão sobre a matéria de facto apenas devem constar os factos provados e os factos não provados, com exclusão de afirmações genéricas, conclusivas e que comportem matéria de direito, pelo que o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, violou o disposto no n.º 4 do art.º 607.º do CPC na redação das alíneas e), f) e g) dos factos provados.
B. Deve ser expurgada da alínea e) dos factos provados a expressão “apesar de terem sido correctamente facturados”.
C. Deve ser suprimida da alínea f) dos factos provados a expressão “Tal prestação de serviços originou a”, sendo substituída por “A A. procedeu à”.
D. Deve ser totalmente suprimida a alínea g) dos factos provados (“O total em dívida é de € 20.284”), uma vez que é na parte de Direito da sentença que deve ser decidido se existe ou não algum montante em dívida.
E. Não se compreende, salvo o devido respeito, por que motivo o Tribunal a quo considera que o contrato teria deixado de produzir efeitos a partir de setembro de 2019.
F. A Ré, através de carta registada com aviso de receção datada de 26 de fevereiro de 2019, fez cessar os efeitos do contrato a partir de 1 de junho de 2019 (e não a partir de setembro desse ano, como erradamente se refere na sentença).
G. A resolução do contrato é efetuada por simples declaração à parte contrária, não carecendo de ser confirmada ou ratificada por sentença judicial, nem de aceitação pela parte do destinatário para a produção dos seus efeitos, tornando-se eficaz logo que chegue ao poder do destinatário ou seja dele conhecida.
H. A Autora não prestou quaisquer serviços à Ré após 31 de maio de 2019, data em que todos os produtos desta última que permaneciam no armazém da primeira foram levantados.
I. A Autora não pediu que o Tribunal declarasse a ilicitude da resolução contratual nem, tão pouco, pediu que lhe fosse paga uma indemnização por prejuízos causados pela resolução.
J. Conforme resulta inequivocamente do estipulado no n.º 3 da 13.ª cláusula do contrato, a Autora jamais teria direito a ser indemnizada pela Ré devido à cessação antecipada da vigência do contrato.
K. Mesmo que não existisse essa disposição, sempre se diga que a Ré poderia livremente fazer cessar os efeitos do contrato, uma vez que, estando em causa um contrato de prestação de serviços, são-lhe aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições do contrato de mandato (cfr. art.º 1156.º do Código Civil).
L. Tendo em conta que, nos termos do disposto no art.º 1170.º, n.º 1, do Código Civil, o mandato é livremente revogável, o contrato de prestação de serviços também pode ser livremente revogado, ou melhor, resolvido, por qualquer das partes.
M. No caso em apreço nunca poderia considerar-se que o contrato teria sido celebrado também no interesse do mandatário (ou, neste caso, do prestador de serviços) – não sendo aplicável o disposto no n.º 2 do art.º 1170.º do Código Civil - uma vez que a Autora, para além de não ter pedido nenhuma indemnização, não alegou qualquer outro interesse na manutenção do contrato para além da componente financeira.
N. A Autora limitou-se a pedir que a Ré fosse condenada a pagar-lhe quatro faturas, que emitiu no errado pressuposto de que o contrato ainda se teria mantido em vigor de 1 de junho de 2019 em diante.
O. A Autora não ampliou o pedido nem a causa de pedir, pelo que no âmbito dos presentes autos nunca poderia a Ré ser condenada a pagar-lhe quaisquer outras faturas.
P. Deve ser negado provimento ao recurso da Autora.
Q. Deverá ser julgado procedente o presente recurso independente apresentado pela Ré, revogando-se a sentença, e absolvendo-se a Ré de todo o peticionado pela Autora
Apenas a Ré apresentou alegação de resposta, em que pugnou pela improcedência do recurso interposto pela Autora concluindo nos seguintes termos:
I. A Ré, através da carta datada de 26 de fevereiro de 2019 fez cessar a vigência do contrato a partir de 1 de junho de 2019, sendo certo que a partir dessa data não lhe foram prestados mais serviços pela Autora.
II. A resolução do contrato é efetuada por simples declaração à parte contrária, não carecendo de ser confirmada ou ratificada por sentença judicial, nem de aceitação pela parte do destinatário para a produção dos seus efeitos, tornando-se eficaz logo que chegue ao poder do destinatário ou seja dele conhecida.
III. A Autora não pediu que o Tribunal declarasse a ilicitude da resolução contratual nem, tão pouco, pediu que lhe fosse paga uma indemnização por prejuízos causados pela resolução.
IV. A Autora limitou-se a pedir que a Ré fosse condenada a pagar-lhe quatro faturas, que emitiu no errado pressuposto de que o contrato ainda se teria mantido em vigor de 1 de junho de 2019 em diante.
V. A Autora não ampliou o pedido nem a causa de pedir, pelo que no âmbito dos presentes autos nunca poderia a Ré ser condenada a pagar-lhe quaisquer outras faturas.
VI. Deve ser negado provimento ao recurso da Autora.
VII. Deverá ser julgado procedente o recurso independente apresentado pela Ré, revogando-se a sentença, sendo a Ré absolvida de todo o peticionado pela Autora
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II - FUNDAMENTAÇÃO
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC).
Identificamos as seguintes questões a decidir:
1.ª) Se deve ser alterada a decisão da matéria de facto nos termos indicados pela Ré;
2.ª) Se a Ré está (ou não) obrigada a pagar à Autora a quantia peticionada em cumprimento do contrato celebrado entre as partes.
Factos provados
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos (alterámos a redação em conformidade com o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 e substituímos as referências a “Requerente” e “Requerida” por “Autora” e “Ré”, respetivamente; acrescentámos o que consta entre parenteses retos, ao abrigo dos artigos 607.º, n.ºs 3 e 4, 662.º, n.º 1, e 663.º, n.º 2, do CPC, e os cortes no texto, face ao adiante decidido):
a) - Em 21 de setembro de 2015 [na sentença consta 2105, mas deverá ler-se, 2015] as partes celebraram um contrato [consubstanciado no doc. 2 junto com a Oposição, em que a Ré figura como 1.ª outorgante e a Autora como 2.ª outorgante, documento cujo teor se dá por reproduzido] de prestação de serviços pelo qual a Autora se obrigou a realizar todas as operações de logística, armazenagem e transporte de mercadorias da Ré
b) - Como contrapartida desses serviços a Ré pagaria a quantia mínima mensal de 5.400 euros (acrescida de IVA) à qual acresciam custos específicos conforme tabela de proposta comercial n.º 1095 B/2015.
c) - Acordaram que esse contrato teria uma duração inicial de 3 anos, ou seja, até 21-09-2018, e que, caso não fosse validamente denunciado, se renovaria por iguais períodos [mais precisamente, as cláusulas 12.ª e 13.ª do contrato têm o seguinte teor:
12.ª Cláusula
Vigência
1. O presente contrato é válido por 3 anos, sendo automaticamente renovado por igual período, salvo comunicação em contrário por uma das partes com antecedência mínima de 90 dias, através de carta registada com aviso de recepção.
13.ª Cláusula
Revogação
1. O presente contrato pode ser revogado por uma das partes por razões imputadas ao incumprimento das obrigações nelas previstas pela outra parte.
2. A revogação do contrato deve ser feita por carta registada com aviso de recepção, enumerando as razões que sustentam a revogação unilateral do contratual.
3. Em caso de revogação unilateral pela PRIMEIRA OUTORGANTE do contrato não há direito a qualquer indemnização.
4. O presente contrato pode ser revogado por mútuo acordo.”]
d) - Independentemente dos serviços prestados, nos termos do acordo e proposta anexa, a Ré obrigou-se a pagar à Autora a quantia mínima mensal de 5.400 euros mais IVA.
e) - A Ré não pagou as quantias referentes aos meses de junho a setembro de 2019, apesar de terem sido corretamente faturados.
f) - Tal prestação de serviços originou a emissão das seguintes faturas, que se encontram por liquidar: Faturas:
- [N.º] 132 [datada de] 04-07-2019 [com vencimento a] 04-08-219 [no valor de] 6.642 €;
- [N.º] 155 [datada de] 01-08-2019 [com vencimento a] 01-09-2019 [no valor de] 6.642 €;
- [N.º] 170 [datada de] 30-08-2019 [com vencimento a] 30-09-2019 [no valor de] 6.000 € [face ao acordo das partes nos articulados e ao documento 1 junto aos autos pela Autora, o valor correto é 6.642 €].
g) - O total em dívida é de 20.284 €;
h) - A Ré no âmbito da sua atividade comercial, dedica-se à distribuição, venda ao desenvolvimento de tecnologias de informação, formação, comércio de equipamento e material informático. Edição de livros e revistas e venda a retalho de produtos alimentares. Comércio por grosso de outros produtos alimentares e comércio por grosso não especializado, conforme objeto social ínsito na certidão comercial permanente.
i) - A 12.ª cláusula do contrato em causa junto a fls. 17 e seguintes estabelece que o contrato é válido por 3 anos, salvo comunicação em contrário de uma das partes com antecedência mínima de 90 dias através de carta registada com aviso de receção.
j) - Em 26 de fevereiro de 2019 a Ré endereçou a carta cuja cópia se encontra junta a fls. 36, que foi enviada à Autora por correio registado com aviso de receção à Autora [que se mostra assinado com data de 28-02-2019] e cujo teor se deixa aqui integralmente reproduzido para todos os legais efeitos [comunicando-lhe designadamente:
“a resolução do contrato de prestação de serviços, celebrado em 21 de Setembro de 2015 com Activos Lda. com efeito a partir do dia 1 de Junho de 2019.
Nos termos da lei, o contrato de prestação de serviço é livremente revogável por qualquer das partes desde que seja respeitado um prazo razoável de pré-aviso, não necessitando de alegar qualquer justa causa para o fazer.
Ora tendo em conta que no contrato celebrado, foi estipulado por vossa iniciativa, um período de pré-aviso de 90 dias para a não renovação do mesmo, entendemos que será esse o prazo considerado por Vós como aceitável para o pré-aviso de cessação do contrato que a qualquer momento nos é facultado por lei”].
l) - Foram trocados vários e-mails entre as partes que se encontram reproduzidos a fls. 21 e seguintes, cujo teor integral se deixam aqui reproduzidos para todos os legais efeitos.
m) - Em 31 de maio de 2019 os produtos da Ré que permaneciam no armazém da Autora foram levantados pela Ré com a concordância da Autora.
n) - A Ré tentou renegociar os termos do contrato em termos de preço, mas as partes não chegaram a acordo.
o) - Em março de 2018, foi realizada uma reunião entre as sócias gerentes das partes e dois colaboradores, sem êxito.
Na sentença recorrida foram considerados não provados os seguintes factos (alterámos a redação em conformidade com o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 e substituímos as referências a “Requerente” e “Requerida” por “Autora” e “Ré”, respetivamente):
(Da Pi)
A Ré não denunciou validamente o contrato indicado, tendo o mesmo sido renovado em 21-09-2018.
-50339 30-09-2019 30-10-2019 6.642 €
(Da Oposição/contestação)
- No dia 21 de setembro, ao assinar o contrato de prestação de serviço, que no n.º 4 da cláusula 2.ª remete para a proposta comercial, estava convencida, na sua boa fé, estar a mesma retificada quanto ao valor confirmado por mail.
- Sofia e Filipe, em que foi sugerida uma oferta de serviços para além do já contratado, com a manutenção de valores, o que foi recusado pela Ré, já que não iria solucionar a questão principal de prejuízo financeiro.
- Mais, nessa mesma reunião reiterou a sua vontade de terminar o contrato, em finais de junho, adiando depois para finais de setembro.
- Tendo a Autora ficado bem ciente desse facto, e respondido a emails onde a vontade de terminar o contrato está bem expressa, e dentro do prazo de antecipação de 90 dias em relação ao final do contrato a 21 de setembro de 2018.
1.ª questão – Da modificação da decisão da matéria de facto
Em primeiro lugar, importa que nos detenhamos nas alíneas e), f) e g) da decisão da matéria de facto, apreciando se, como defende a Ré, devem ser eliminadas/alterada(s).
A resposta deve ser afirmativa, já que o seu conteúdo não corresponde, verdadeiramente, a nenhum facto substantivamente relevante, mas antes a conclusões jurídicas que só em sede de fundamentação de direito poderão ser retiradas dos factos provados.
Com efeito, preceituam os n.ºs 3 e 4 do art. 607.º do CPC que, na sentença, o juiz deve “discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final”;  e que, “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”.
É sabido que nem sempre é fácil destrinçar matéria de facto e matéria de direito, sendo muitas vezes a própria natureza do litígio que funciona como critério orientador. Por exemplo, numa ação de despejo em que não se discuta a existência de uma relação jurídica locatícia é pacífico que a expressão “renda” pode ser utilizada na decisão da matéria de facto; ao invés, já será de evitar numa ação de reivindicação em que exista controvérsia sobre a verificação de certos factos atinentes a um alegado acordo e à sua qualificação como contrato de arrendamento.
Mas um facto ou uma alegação de facto não poderá deixar de ser uma realidade objetiva passível de ser apreendida por um qualquer meio de prova, distinguindo-se das questões jurídicas, cuja resposta é dada por via da interpretação e aplicação das regras de direito aos factos considerados como provados. Daí que, quanto a estas, independentemente de impugnação da decisão da matéria de facto no recurso (que no caso até existiu), o Tribunal superior não fique vinculado ao que foi decidido na sentença – cf. art. 5.º, n.º 3, do CPC.
A jurisprudência tem vindo a entender que tudo se passa como se a resposta a tais questões (supostamente) de “facto” fosse de considerar não escrita. Nesta linha, veja-se o acórdão da Relação do Porto de 07-10-2013, no proc. n.º 488/08.1TBVPA.P1, disponível em www.dgsi.pt, conforme se alcança do respetivo sumário: “Na vigência do Código de Processo Civil anterior, mas igualmente após 1.09.2013, ocasião em que passou a vigorar a Lei 41/2003, de 26 de junho (NCPC) a matéria de facto à qual há que aplicar o direito tem de cingir-se a verdadeiros factos e não a questões de direito ou a meros juízos conclusivos. Neste sentido, a revogação do artigo 646, n.º 4 do anterior CPC, não significa que o princípio nele estabelecido haja sido alterado.” E o acórdão do STJ de 07-05-2014, no proc. n.º 39/12.3T4AGD.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt, citando-se parte do respetivo sumário: “I -   Compete ao Supremo Tribunal de Justiça, por tal constituir matéria jurídica, apreciar se determinada asserção – tida como “facto” provado – consubstancia na realidade uma questão de direito ou um juízo de natureza conclusiva/valorativa, caso em que, sendo objeto de disputa das partes, deverá ser julgada não escrita.”
Sobre esta problemática, também se reveste de interesse o artigo de Paulo Ramos de Faria, “Escrito ou não escrito, eis a questão! (A inclusão de proposições de direito na pronúncia de facto)”, publicado na Revista JulgarOnline, novembro de 2017, em que o autor explica a razão de ser do preceito constante do art. 646.º, n.º 4, do anterior Código de Processo Civil, concluindo que “é manifestamente errada a inclusão de proposições de direito na pronúncia de facto. Sinalizado o erro, tais proposições devem ser tidas por imprestáveis, inúteis ou irrelevantes – vale qualquer predicação que evidencie a sua inidoneidade para, no lugar de um facto, servir de premissa ao silogismo judiciário –, mas nunca por inexistentes ou não escritas.”
No caso dos autos, face ao objeto do litígio e ao objeto do recurso, é manifesto que as referidas alíneas da decisão da matéria de facto, mais do que contendo um inócuo juízo puramente conclusivo, entram de forma ostensiva no domínio da questão de direito a decidir, cuja resposta apenas poderá ser dada partindo dos factos concretos atinentes à vigência e conteúdo do contrato celebrado entre as partes, aos quais há que aplicar as regras de direito com a liberdade que promana do art. 5.º, n.º 3, do CPC. Verifica-se inclusivamente ter sido dado como provado um valor errado da fatura n.º 170, o que, só por ostensivo lapso de escrita ou confusão entre facto e direito, se pode explicar e cuja retificação já se fez.
Pelo exposto, determina-se a alteração da decisão da matéria de facto:
- eliminando a alínea g);
- agrupando as alíneas e) e f) numa única alínea [designada pela letra e)] e retificando o seu conteúdo, que passa a ser:
“e) - A Ré não pagou as quantias referentes aos meses de junho a setembro de 2019, que a Autora faturou, com a emissão das seguintes faturas:
- N.º 132, datada de 04-07-2019, com vencimento a 04-08-219, no valor de 6.642 €;
- N.º 155, datada de 01-08-2019, com vencimento a 01-09-2019, no valor de 6.642 €;
- N.º 170, datada de 30-08-2019, com vencimento a 30-09-2019, no valor de 6.642 €”.
2.ª questão – Do (in)cumprimento e cessação do contrato
Apesar de ambas as partes terem interposto recurso independente, cumpre apenas apreciar se a Ré está ou não obrigada a pagar a quantia peticionada, correspondente ao somatório das prestações mensais acordadas no contrato - de prestação de serviços - celebrado entre as partes.
É fora de dúvida ser esta a qualificação jurídica do contrato em apreço (cf. art. 1154.º do CC), somente se discutindo se cessou, como a Ré exceciona, e se esta se encontra obrigada a cumpri-lo, pagando tais prestações e, na afirmativa, qual o respetivo montante.
Na sentença recorrida fundamentou-se a decisão de procedência parcial da ação nos seguintes termos:
No caso em apreço está em discussão a existência da resolução do contrato e sua validade ou a não renovação contratual.
As partes celebraram um contrato de prestação de serviço.
É sabido que tal contrato não dispõe de regime próprio e que lhe são aplicáveis, com as devidas adaptações, as disposições do contrato de mandato (artigo 1156.º do Código Civil).
À luz do regime jurídico do contrato de mandato, subsidiariamente aplicável, é então possível fazer cessar o contrato por vontade unilateral provinda do mandante ou do mandatário e independentemente da apresentação de qualquer motivo justificativo (n.º 1 do artigo 1170.º do Código Civil).
A denúncia é uma forma de extinção privativa de contratos de execução duradoura, em regra por tempo indeterminado, que opera pela comunicação de uma parte à outra de que não deseja a manutenção do contrato, produzindo-se os respectivos efeitos extintivos do contrato apenas para o futuro.
Embora a livre revogabilidade do mandato seja tida como um dos traços característicos deste tipo contratual, a lei afasta-a quando esteja em causa um mandato conferido também no interesse do mandatário salvo ocorrendo justa causa (n.º 2 do artigo 1170.º do Código Civil).
Donde resulta que também o contrato de prestação de serviços é livremente revogável por qualquer das partes, não obstante acordo em contrário, salvo se tal contrato tiver sido celebrado no interesse de ambas as partes ou de terceiro.
A obrigação de indemnizar constitui um contrapeso para o exercício da faculdade de revogação conferida pelo n.º 1 do artigo 1170.º do Código Civil.
Trata-se de um caso de responsabilidade objectiva por factos lícitos, que pode derivar da vontade das partes (al. a) do artigo 1172.º do Código Civil) ou do incumprimento de deveres contratuais.
No caso em apreço e de harmonia com a cláusula 13º estava clausulada a possibilidade de revogação por incumprimento das obrigações ou por mútuo acordo, afastando o direito de indemnizar se a revogação unilateral fosse da parte da A.
A indemnização está conexionada com o não cumprimento dos requisitos do pré-aviso (é este o facto ilícito).
A indemnização destina-se a ressarcir os danos causados e, portanto, a restabelecer o equilíbrio patrimonial.
Resulta, do artigo 1172º do Código Civil que:
«A parte que revogar o contrato deve indemnizar a outra do prejuízo que esta sofrer:
a) Se assim tiver sido convencionado;
b) Se tiver sido estipulada a irrevogabilidade ou tiver havido renúncia ao direito de revogação;
c) Se a revogação proceder do mandante e versar sobre mandato oneroso, sempre que o mandato tenha sido conferido por certo tempo ou para determinado assunto, ou que o mandante o revogue sem a antecedência conveniente;
d) Se a revogação proceder do mandatário e não tiver sido realizada com a antecedência conveniente.
No caso em apreço, sabemos que a R. tentou renegociar o preço acordado, mas tal decorre da própria negociação e de eventual renegociação futura mas não houve incumprimento contratual, sequer tal foi invocado, pelo que a R. tinha sempre a possibilidade contratual de informar a parte contrária de que não estaria de acordo em manter a relação contratual, cumprindo o prazo de 90 dias, nessa comunicação e utilizando o envio de carta registada com aviso de recepção.
A A. autorizou a retirada dos produtos da R. do seu armazém e facturou os restantes meses entre junho e outubro desse ano de 2019, no entanto, considerando a revogação a partir dessa data, Setembro de 2019, a facturação respeitante a setembro desse ano, deverá ser rectificada para € 6.000,00 respeitante a 21 dias, não sendo mais devidos custos relativos a partir de 21 de setembro de 2019, uma vez que o contrato não se renovou, sendo esse o nosso entendimento, pelo que a apresentação de uma factura - 50339 de 30/9/19 a 30/10/19 no valor de € 6.642, não tem já a mesma sustentabilidade contratual ou legal.
Analisando a fundamentação da sentença recorrida, embora seja confusa, parece-nos ser manifesto o erro de julgamento de que enferma, já que, só por evidente lapso, se considerou que o prazo de 3 anos de duração do contrato terminava em 2019, pelo que se entendeu que o contrato não se renovou a partir de 21 de setembro de 2019. Na verdade, a renovação ocorreu a 21 de setembro de 2018, neste particular assistindo razão à Autora.
Porém, daí não decorre, sem mais, que sejam devidas as mensalidades faturadas relativas aos meses de junho a setembro de 2019, considerando a defesa atinente à cessação desse mesmo contrato (com efeitos a partir de 1 de junho de 2019).
Desde já salientamos que a pretensão da Autora assenta na vigência - por falta de denúncia válida - do contrato celebrado entre as partes, não respeitando a uma indemnização conexionada com a cessação do contrato por iniciativa da Ré. Na verdade, se pretendesse fazer valer o direito a uma tal indemnização, a Autora nem sequer poderia ter lançado mão do procedimento de injunção, como resulta claro da lei, desde logo do disposto no art. 7.º do Capítulo do Anexo do Decreto-Lei n.º 269/98, de 01-09, nos termos do qual “Considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro.” Este normativo deve ser alvo de interpretação atualista, tendo em conta que o Decreto-Lei n.º 32/2003 foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10-05 (que estabelece medidas contra os atrasos no pagamento de transações comerciais, e transpõe a Diretiva n.º 2011/7/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16-02-2011) – cf. art. 13.º do Decreto-Lei n.º 62/2013. Atente-se também no que dispõe o seu art. 2.º quanto ao âmbito de aplicação do diploma, prevendo “todos os pagamentos efetuados como remuneração de transações comerciais, excluindo, além do mais, os “pagamentos de indemnizações por responsabilidade civil”. Trata-se de entendimento que nos parece ser pacífico na jurisprudência, extensível aos casos regulados apenas pelo Decreto-Lei n.º 269/98 de 01-09, citando-se, a título exemplificativo, os seguintes acórdãos (que podem ser consultados em www.dgsi.pt):
- o ac. da Relação de Évora de 07-12-2012, no proc. n.º 11/12.3TBETZ.E1: “O regime legal da acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos previsto no DL 269/98 de 1/09, apenas é aplicável às obrigações pecuniárias directamente emergentes de contratos, não podendo tal acção ser usada para as pretensões originadas pelo incumprimento do contrato que se traduzam no pedido de indemnização do dano derivado do incumprimento do contrato”.
- o ac. da Relação de Lisboa de 14-05-2020, no proc. n.º 60038/19.1YIPRT.L1-6: “I.–O processo de injunção não é meio processualmente adequado à resolução de situações factuais em que como causa de pedir emerge uma eventual obrigação pecuniária mas reportada ao incumprimento, cumprimento defeituoso ou indemnização decorrente do incumprimento. II.–A circunstância de, na presente situação concreta, a primitiva e intentada injunção se ter transmutado em acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, não legitima a utilização indevida daquela (injunção). III.–Não sendo o procedimento adequado, existe um obstáculo que impede o tribunal de conhecer do mérito da causa, o que se configura como uma excepção dilatória, dando lugar à absolvição da instância”.
- o ac. da Relação do Porto de 24-05-2021, no proc. n.º 2495/19.0T8VLG-A.P1: “I - Para obter um título executivo e assim exigir o pagamento coercivo de um valor pecuniário correspondente à indemnização por incumprimento prevista em cláusula penal inserida em contrato de adesão, o procedimento injuntivo não é meio processual adequado; II - Além de não ser uma obrigação pecuniária stricto sensu, a indemnização prevista na cláusula penal que a recorrente acionou por via da injunção não emerge directamente do contrato, mas da sua resolução por incumprimento; III - Situando-se a pretensão indemnizatória da recorrente no campo da responsabilidade civil contratual, é, expressamente, excluída do âmbito de aplicação do regime da injunção, como prevê o artigo 2.º, n.º 2, al. c), do Dec. Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio, que transpôs para o ordenamento jurídico interno a Directiva n.° 2011/7/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Fevereiro de 2011”.
- o ac. da Relação de Lisboa de 25-05-2021, no proc. n.º 113862/19.2YIPRT.L1-7: “1.– Só pode ser objeto do pedido de injunção o cumprimento de obrigações pecuniárias diretamente emergentes do contrato, mas já não pode ser peticionado naquela forma processual obrigações com outra fonte, nomeadamente, derivada de responsabilidade civil. 2.– Ocorrendo erro na forma de processo, regra geral, apenas se anulam os atos que não puderem ser aproveitados (art. 193º, nº 1 do CPC), embora com o limite de garantias de defesa (nº 2). 3.– Contudo a convolação imposta pelo preceito tem “limites naturais”, nomeadamente a de se verificar que o ato que foi praticado não reúne os requisitos específicos do ato para o qual seria convolado”.
Assim, a Autora, alegando que o contrato se encontrava ainda em vigor, designadamente em setembro de 2019, veio pedir a condenação no pagamento das “mensalidades” que considera contratualmente devidas.
Ora, a Ré veio alegar que, nessa data, já havia feito cessar o contrato, importando apenas saber se, como diz, tal revogação (é indiferente que a Ré tenha usado a expressão “resolução”) operou válida e eficazmente, sendo certo que a resposta não pode deixar de ser afirmativa.
Não nos parece que estejamos perante uma situação de revogação unilateral do contrato prevista na cláusula 13.ª, a qual, em nosso entender, até pela referência às razões que a sustentam, se reporta a uma verdadeira resolução do contrato, fundada em justa causa, que a lei admite, desde logo no art. 432.º do CC.
No entanto, esta cláusula 13.ª poderá servir para integração negocial (cf. art. 239.º do CC), quanto à forma pela qual se deve proceder à revogação unilateral do contrato, que, é consentida pela lei, face ao preceituado no art. 1170.º do CC, aplicável por via do disposto no art. 1156.º do CC. No tocante à faculdade de revogação unilateral do contrato de prestação de serviços, citamos, pelo seu interesse, a título meramente exemplificativo, os seguintes acórdãos (que podem ser consultados em www.dgsi.pt):
- o Ac. da Relação de Coimbra de18-11-2014, no proc. 926/10.3TVPRT.C1:
“I – O contrato por via do qual alguém se obriga a prestar a outrem determinados serviços de arquitectura, mediante retribuição, e do qual não resulta para o prestador dos serviços qualquer outro interesse que não seja o de receber a retribuição, é um contrato de prestação de serviços que, por força do disposto no arts. 1156º e 1170º do C.C., é livremente revogável por qualquer das partes, independentemente da existência de justa causa.
II – Todavia, não obstante a sua livre revogabilidade, estando em causa um contrato oneroso que tem como objecto a prestação de determinados serviços, a sua revogação unilateral por parte do contraente a quem se destinam os serviços implica, em princípio, a obrigação de indemnizar a outra parte pelos prejuízos decorrentes da cessação antecipada do contrato.
III – Não haverá, porém, lugar a qualquer indemnização quando exista justa causa para a revogação do contrato e desde que essa justa causa se reconduza a qualquer facto ou circunstância que seja imputável à contraparte.
IV – A justa causa, enquanto pressuposto da faculdade de revogar o contrato (como acontece na situação previstas art. 1170º, nº 2, do CC.), há-de corresponder a qualquer facto, situação ou circunstância que torne inexigível, de acordo com as regras da boa fé, a manutenção da relação contratual e que poderá ser ou não imputável à contraparte; todavia, enquanto factor de exclusão da obrigação de indemnizar a cargo da parte que revoga o contrato, apenas releva a justa causa que se reconduza a um comportamento ou actuação da contraparte, de forma a que possa afirmar-se que a revogação do contrato decorreu de uma determinada actuação da contraparte que, segundo as regras da boa fé, tornava inexigível para a parte revogante a manutenção da relação contratual”.
- o ac. da Relação de Lisboa de 11-12-2019, no proc. n.º 20406/16.2T8LSB.L1:
“I - Aos contratos de prestação de serviços são aplicáveis, nos termos do preceituado no artigo 1156º do Código Civil, com as necessárias adaptações, as disposições que regem o mandato.
II - A parte que unilateralmente revogar o contrato de prestação de serviços, inobservando o prazo acordado para o efeito, pode ter que indemnizar a outra parte, desde logo se tal tiver sido acordado, o que resulta da aplicação do disposto no artigo 1172º al. a) do Código Civil.
III - O princípio da boa-fé revela determinadas exigências objectivas de comportamento – de correcção, honestidade e lealdade – impostas pela ordem jurídica, postulando certos modos de actuação ao longo de toda a execução do contrato, incluindo na parte final da relação contratual.
IV - Viola este princípio a parte que, com a sua actuação, cria na outra a convicção que poderia livremente renegociar o contrato ou denunciar o mesmo sem o espartilho do prazo contratualmente consagrado.
V - Tal comportamento, violador do princípio da boa fé e da tutela da confiança, determina que a pretensão indemnizatória da autora esteja condenada ao fracasso, tal como foi concluído na decisão recorrida”.
- o Ac. da Relação do Porto de 19-11-2020, no proc. 10608/19.5T8PRT.P1:
“I - Um contrato de prestação de serviços pode ser livremente revogado por uma das partes desde que não exista interesse comum. II - A revogação unilateral do acordo é eficaz independentemente do prazo de antecedência com que foi efectuada. III - O cumprimento ou não desse prazo revela apenas para a concessão e fixação da indemnização. IV - O valor do dano a indemnizar terá de ser proporcional ao período de antecedência que não foi efetivamente cumprido. V - Cabe ao lesado demonstrar a dimensão do seu dano real que deve ser calculado de acordo com a teoria da diferença. VI - Não tem direito a qualquer indemnização o contraente que sofreu apenas uma diminuição de 3 dias no período de comunicação, foi remunerado pela sua prestação por mais 30 dias e não alegou e provou qualquer dano efectivo”.
Na esteira dos citados preceitos legais e jurisprudência, é fora de dúvida que, no seguimento da receção pela Autora (cf. art. 224.º do CC) da declaração pela qual a Ré revogou unilateralmente o contrato, este veio a cessar a sua vigência no dia 1 de junho de 2019, não mais estando as partes obrigadas ao seu cumprimento. Tendo o contrato findado, procede a exceção perentória deduzida pela Ré e improcede necessariamente a pretensão da Autora, assente, ao fim e ao cabo, num pressuposto fáctico que não se verifica, o de que o contrato de prestação de serviços continuava em vigor e, por isso, a Ré estaria obrigada a cumpri-lo, realizando a prestação pecuniária contratualmente estipulada (cf. art. 762.º do CC).
Questão diferente, mas que não cabe aqui apreciar, é a de saber se dada a forma como a Ré veio fazer cessar o contrato, com a sua revogação unilateral, ainda que lícita, incorreu na obrigação de indemnizar a Autora. Com efeito, saber se um tal direito indemnizatório assiste a esta última não constitui o objeto do litígio, conformado pelo pedido formulado e respetiva causa de pedir indicados no requerimento de injunção.
Nos presentes autos, constituiria mesmo uma ostensiva violação dos princípios do contraditório, do dispositivo e da estabilidade da instância (consagrados designadamente nos artigos 3.º, 5.º, 260.º e 609.º, n.º 1, do CPC), apreciar se a Ré devia ser condenada no pagamento das quantias peticionadas, mas agora a título de indemnização de (supostos) danos pela (i)lícita revogação unilateral/resolução do contrato.
Lembramos que no despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova nada se refere (e bem) a respeito de tal matéria (danos e indemnização), sendo certo que as considerações constantes da sentença, de tão parcas e com o lapso de se considerar que o contrato cessava em setembro de 2019 (quando isso sucedera em setembro de 2018), nem permitem pensar que tenha sido apreciada uma tal questão, ou seja, a de saber se é devida indemnização pela cessação contratual, pelo que se trataria de questão nova, da qual o tribunal recorrido não conheceu.
Quanto à inadmissibilidade da apreciação de questões novas nos recursos, veja-se, a título meramente exemplificativo, o acórdão do STJ de 23-03-2017, na Revista n.º 4517/06.5TVLSB.L1.S1 - 2.ª Secção, com sumário disponível em www.stj.pt: “Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais através dos quais se visa reapreciar e modificar decisões já proferidas que incidam sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, e não criá-las sobre matéria nova, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas, salvo aquelas que são de conhecimento oficioso (art. 627.º, n.º 1, do CPC).” Também Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5.ª edição, Almedina, pág. 119, explica que: “A natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objeto decorrente do facto, de em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas.
Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. Seguindo a terminologia proposta por Teixeira de Sousa, podemos concluir que tradicionalmente temos seguido um modelo de reponderação que visa o controlo da decisão recorrida, e não um modelo de reexame que permita a repetição da instância no tribunal de recurso”.
Assim, sem necessidade de mais considerações, impõe-se concluir que improcedem as conclusões da alegação de recurso da Autora e procedem as conclusões da alegação de recurso da Ré, com a revogação da sentença recorrida na parte em que condenou a Ré no pagamento de parte da quantia peticionada.
Vencida a Autora (Apelante e Apelada), é responsável pelo pagamento das custas processuais em ambas as instâncias (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).
***
III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso interposto pela Autora e conceder provimento ao recurso interposto pela Ré, e, em consequência, revogar a sentença recorrida, na parte em que condenou a Autora no pagamento da quantia de 20.284, 00 €, que se substitui pela decisão de absolvição da Ré de todo o pedido.
Mais se decide condenar a Autora no pagamento das custas da ação e dos presentes recursos.
D.N.

Lisboa, 02-12-2021
Laurinda Gemas
Arlindo Crua
António Moreira