Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8871/2003-7
Relator: PIMENTEL MARCOS
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
LITISPENDÊNCIA
SUSPENSÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/11/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: A excepção de litispendência visa evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão.
Entre uma acção executiva e uma acção declarativa não existe identidade de causa de pedir, pelo que não se verifica a excepção de litispendência.
Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a procedência da primeira tira razão de ser à existência da segunda.
A acção executiva não pode ser suspensa com fundamento na pendência de causa prejudicial, pois, não tendo por fim a decisão de uma causa, não pode nela verificar-se a relação de dependência exigida pelo art. 279º do CPC.
Todavia, tal suspensão já será possível nos embargos de executado ou nos embargos de terceiro.
Decisão Texto Integral: Acórdão no Tribunal da Relação de Lisboa:

C. instaurou execução com processo ordinário
contra
D... Ldª e outros
invocando como título executivo três letra de câmbio no montante  total de 18.471.709$00, subscritas pela sociedade e avalizadas pelos restantes executados.
Os executados D Ldª e... deduziram embargos, alegando, em síntese, na parte que agora interessa:
A execução foi instruída com 3 letras de câmbio e cada uma delas tem como negócio jurídico subjacente um contrato de locação financeira;
As letras foram entregues à exequente subscritas e avalizadas em branco, destinando-se a garantir o cumprimento das obrigações decorrentes dos referidos contratos;
Está a decorrer uma acção declarativa de condenação contra a executada “D Ldª”, na qual a autora (aqui exequente) pede a condenação da ré (ora executada) no pagamento das rendas que serviram de base ao preenchimento dos títulos que são causa de pedir desta execução;
Por isso verifica-se a excepção de litispendência;
Deve ser declarada a suspensão da instância com fundamento em que se encontra pendente causa prejudicial.

Os embargos foram contestados.
No que diz respeito à invocada litispendência diz a embargada o seguinte:
- não é verdade que na acção declarativa sejam pedidas as (mesmas) verbas reclamadas na presente execução, pois aqui pede-se o pagamento da quantia de 18.539.016$00 e ali a importância de 41.842.860$00;
- Quer a causa de pedir, o próprio título, quer os sujeitos passivos- avalistas - não são os mesmos

Entretanto, os embargantes, invocando o preceituado nos artigos 275º e 30º, nº 3 do CPC, requereram que a execução fosse apensa à aludida acção declarativa, que corre termos pela 1ª secção da 12ª Vara Cível da comarca de Lisboa, com o nº 110/01.
 Por despacho de 04.10.02 foram as pretensões dos embargantes indeferidas (fls. 110 a 114 destes autos).

Destas decisões foi interposto recurso pelos embargantes, os quais formularam as seguintes conclusões:

(...)
I
Litispendência.
Como resulta dos artigos 497º e 498º do CPC, existe litispendência quando se repete uma causa, estando a anterior ainda pendente. E a causa repete-se quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
In casu estamos perante uma acção declarativa, por um lado, e uma acção executiva, em que foram deduzidos embargos de executado, por outro.
Quanto aos sujeitos apenas existe coincidência em relação à exequente e à executada sociedade, pois os restantes executados não são demandados na acção declarativa.
Nesta execução, e com fundamento nas aludias letras, pede a exequente que os executados lhe paguem a quantia de 18.471.709$00 e juros de mora.
Na acção declarativa, a A pede que a ré seja condenada (além do mais) a pagar-lhe a quantia de 41.842.860$00 e a restituir-lhes as máquinas locadas.
Portanto, o pedido não é o mesmo, embora nos pareça que as quantias pedidas na execução possam estar englobadas no pedido (mais amplo) feito na acção declarativa. O facto de se pedir na execução aquela quantia não significa necessariamente que não esteja incluída nesta, de maior valor. Mas a embargada diz que se trata de “verbas” diferentes. Todavia, como é obvio, se se tratar das mesmas quantias, em futura execução sempre haveria que se proceder à dedução dos montantes aqui pagos.
É que acção declarativa é pedida a quantia de 15.886.430$00 e juros de mora relativos às rendas vencidas e não pagas, sendo certo, como se disse, que este pedido é deduzido apenas contra a sociedade.
Mas os pedidos feitos numa acção executiva e numa acção declarativa são diferentes, mesmo quando se trata de uma obrigação pecuniária.
Na acção declarativa pede-se que o réu seja condenado a pagar ao autor uma determinada quantia. Trata-se de uma acção de condenação tendente à obtenção de um título executivo contra o réu. Nas acções executivas tal título já existe. A finalidade de uma acção executiva não é decidir uma causa, mas antes dar satisfação efectiva a um direito já declarado por sentença ou constante doutro título executivo.
Portanto, nas duas acções não se pretende exercer o mesmo direito, o que seria essencial para a verificação da litispendência.
Ora, se se desse como verificada tal excepção, como pretendem os agravantes, estes seriam absolvidos da instância, o que seria, obviamente, um absurdo.
E em relação aos agravantes pessoas singulares jamais se poderia verificar tal excepção, por não serem demandados na acção declarativa.
A causa de pedir (acto ou facto jurídico de que deriva o direito que o autor pretende fazer valer) é diferente.
De um lado está em causa um procedimento que realiza coercivamente o direito ( emergente do(s) título(s) executivo(s) ) e do outro uma acção destinada a fazer reconhecer em juízo certo direito (ainda indemonstrado ).
Na acção executiva alega a exequente que é dona e portadora de três letras de câmbio subscritas pela executada e avalizadas pelos executados, as quais se venceram em 31.05.01 e não foram pagas.
Na acção declarativa a autora invoca a celebração com a ré de 3 contratos de locação mobiliária.
E alega o seguinte, em síntese:
a ré deixou de pagar determinadas rendas, nomeadamente as vencidas desde 7 de Agosto de 2000 a 7 de Maio de 2001;
a falta de pagamento das rendas constitui fundamento para a resolução do contrato de locação financeira;
procedeu à resolução do contrato e pediu o pagamento das rendas e a restituição do equipamento locado, o que a ré não fez.
Portanto, na acção declarativa invoca a autora a causa debendi (a relação causal ou subjacente). Na execução a relação cambiária.
É certo que a questão suscitada nos embargos e na acção declarativa pode ser, em parte, semelhante.
Por isso, a questão poderia eventualmente ser suscitada nos embargos. Entre a execução e a acção declarativa não existe identidade de causa de pedir, pois não se trata de duas acções pendentes sobre o mesmo objecto, pelo que não existe litispendência.
A litispendência é uma excepção dilatória, pelo que implica a absolvição do réu (do executado) da instância. E, como é óbvio, os executados (pessoas singulares) jamais poderiam ser absolvidos com tal fundamento, pois não ocupam qualquer posição processual na acção declarativa.
Como estabelece o nº 2 do artigo 497º do CPC,  a excepção de litispendência tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior. Mas tal não sucede entre uma acção declarativa e uma acção executiva.
E como se refere na douta sentença, tem-se entendido correntemente que em processos executivos a litispendência só funciona num único caso: quando sejam penhorados os mesmos bens, nos termos definidos no art. 871º do Cod Proc. Civil - v Acs. R. Porto de 13 Nov. 90 in CJ XV-5-186, STJ de 10 Dez 96 in BMJ 462-365 e CJ (STJ) IV-3-127 e R. Lisboa de 26 Maio 98 in CJ XXIII-3-109.

Não se verifica, pois, a alegada excepção da litispendência.
II
Suspensão da execução.
Nos termos do nº 1 do artigo 279º do CPC, o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.
Portanto, este artigo permite ao tribunal ordenar a suspensão da instância quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta, ou seja, quando estiver pendente causa prejudicial.
Diz-se que uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão daquela pode prejudicar a decisão desta, isto é, quando a procedência da primeira tira razão de ser à existência da segunda (quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda)[1].

Já vimos qual a acção a que se referem os embargantes/agravantes.
Trata-se, portanto, de uma acção declarativa em que se pede a condenação da ré, ora embargante, a pagar à A. (ora embargada) determinadas quantias a e a entregar-lhe determinados bens
In casu pede-se a suspensão duma execução com fundamento na pendência de uma acção declarativa que seria a prejudicial.
Como se tem entendido na doutrina e na jurisprudência, a acção executiva não pode ser suspensa com este fundamento, uma vez que, não tendo por finalidade a decisão de uma causa, não pode verificar-se a relação de dependência a que o artigo citado se refere.
Escreveu a este propósito Lebre de Freitas[2]: “a acção executiva não pode ser suspensa com fundamento na pendência de causa prejudicial, pois, não tendo por fim a decisão de uma causa, não pode nela verificar-se a relação de dependência exigida pelo preceito”. No mesmo sentido pode ver-se o Conselheiro Rodrigues de Bastos[3].
A razão de ser da suspensão com fundamento na pendência  de causa prejudicial é a economia processual e a coerência de julgados e, por isso, só se justifica na fase declarativa do processo.
Os agravantes defendem que a suspensão por causa prejudicial também se aplica às execuções, citando para o efeito alguns acórdãos. Trata-se, porém, de decisões bastante antigas ou que nada têm que ver com a matéria aqui em discussão. E por assento do STJ de 24.05.1960 (BMJ  97-173) foi decidido em sentido contrário, o que significa que já então a questão era discutida, mas que venceu a tese no sentido de que a 1ª parte do artigo (então o 284º) não era aplicável às execuções.
Invocam porém o acórdão do STJ de 18.06.96 (CJ ano 1996, 2º, 149) segundo o qual “é permitida a  suspensão da instância em acção executiva quando a oposição por embargos depende de uma decisão a proferir em dependência do julgamento de outra causa (questão prejudicial)”
A verdade é que neste mesmo douto acórdão se declara expressa e claramente que a execução propriamente dita não pode ser suspensa ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 279º. O que estava em causa era a suspensão dos embargos, o que é muito diferente.
E na verdade entende-se que a suspensão é possível nos embargos de executado ou, por exemplo, nos embargos de terceiro. Mas então não estará já em causa a acção executiva em si, mas antes uma fase declarativa desse processo.
Relativamente às execuções também já defendia Alberto dos Reis[4] que a suspensão só poderia ter lugar “no caso de serem opostos embargos, de estes serem recebidos e de o embargante prestar caução”.
A suspensão pode ainda ser ordenada quando ocorrer outro motivo justificado. Mas, por um lado, não está aqui em causa este fundamento e, por outro, não se vê que outro motivo poderia justificar a suspensão da execução.
III
Apensação.
O artigo 275º do CPC prevê a apensação de acções nos casos referidos no seu nº 1.
Mas, como determina o seu nº 3, “a junção deve ser requerida ao tribunal perante o qual penda o processo a que os outros tenham de ser apensados”.
Assim sendo, tal requerimento (fls. 108) deveria ter sido dirigido à 12ª Vara, o que, por si só, seria razão justificativa do indeferimento do requerido.
Entretanto, como se refere na douta sentença, já Alberto dos Reis[5] dizia que as acções executivas estavam excluídas desta previsão.
Esta disposição legal justifica-se por uma razão de economia processual e de uniformidade de julgamentos. É que se trata de acções que, embora propostas em separado, poderiam ter sido propostas num único processo.
Daí que não se justifique a apensação de uma acção declarativa a uma acção executiva ou vice-versa.
Sobre a questão referem os agravantes:
Quanto à apensação de acções dir-se-á simplesmente o seguinte: o Decreto-Lei nº 329-A/95 de 12 de Dezembro, que alterou o artigo 275º bem como alterou o artigo 30º ambos do CPC, revela a expressa orientação do legislador no sentido de que o artigo 275º tem em vista as acções declarativas e as acções executivas.
Com efeito, a partir de 1995 são ampliados os casos em que é admitida a apensação de acções, isto é, para além da coligação, prevê-se o litisconsórcio, a oposição e a reconvenção e, admite-se expressamente a coligação quando os pedidos deduzidos contra os vários réus se baseiam na invocação da obrigação cartular quanto a uns e da respectiva relação subjacente quanto a outros.
Ora, certamente que do actual nº 3 do artigo 30º só podemos concluir que no âmbito da relação cartular estamos a falar de acções executivas e no âmbito da relação subjacente falamos de acções declarativas.
Esta questão era discutida no domínio da legislação anterior a 1995 e a introdução deste nº 3 veio resolver uma dúvida então existente e que era a de saber se era admissível a coligação passiva para apreciação da obrigação consubstanciada em título de crédito, quanto a uns réus, e da obrigação causal ou subjacente, quanto a outros. 
Com a redacção dada ao actual nº 3 do artigo 30º é admitida a coligação quando os pedidos deduzidos contra os vários réus se baseiam na invocação da obrigação cartular, quanto a uns, e da respectiva relação subjacente, quanto a outros.
Mas, como é óbvio, não se pode cumular uma acção declarativa com uma acção executiva. E quando neste artigo se fala em “obrigação cartular” pretende-se aludir ainda às acções declarativa.
A coligação pressupõe a existência de uma pluralidade de partes principais e uma pluralidade de pedidos, os quais são formulados diferenciadamente por cada um dos autores e contra cada um dos réus. A coligação contem uma cumulação de partes principais e uma cumulação objectiva, mas esta última tem de ser repartida por cada uma das partes activas ou passivas, isto é, tem de haver uma distribuição de vários pedidos por cada um dos autores ou réus[6].
Sobre a cumulação de execuções regem os artigos 53º e 54º do CPC. E sobre a coligação o artº 58º.
Não se justifica, pois, a requerida apensação.
IV
Das custas.
Quanto à condenação em custas dizem os agravantes: por tudo o que fica exposto e por parecer à recorrente que as "sucessivas pretensões formuladas" no seu articulado, são legítimas e têm suporte na lei processual civil, não podem com toda a certeza ser descritas como causadoras de anomalias estranhas ao normal andamento da causa e muito menos passíveis de tributação.
Em relação a esta questão foi decidido em 1ª instância: diante das sucessivas pretensões formuladas, crê-se vislumbrar anomalias  estranhas ao normal andamento da causa, e  passíveis de tributação; motivo porque, não   acolhidas tais pretensões, se condenam os  embargantes nas inerentes custas de incidente, a que se fixa a taxa de justiça de 2 UCs ( v arts. 446º nº 1 CPC e 16º CCJ ).
Não nos parece, contudo, que estejamos perante a previsão dos citados artigos. Todavia, terão os agravantes em alguns casos pisado o risco da litigância temerária. Apesar disso parece-nos não se justificar sua condenação como litigantes de má fé.
V
Quanto ao efeito a atribuir ao recurso não se vê qualquer justificação para ser alterado, pelas razões constantes do despacho que lhe fixou o efeito meramente devolutivo.
Com efeito, não se vê que os despachos em causa possam causar aos agravantes prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação.
**
Por todo o exposto acorda-se em negar provimento ao agravo confirmando-se os despachos recorridos (excepto quanto à condenação em custas - fls. 119).

Lisboa, 11.05.2004.

Pimentel Marcos
Jorge santos
Vaz da Neves

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[1] Alberto dos Reis – Comentário, III, pag 206 e 268.
[2] CPC Anotado, I – 502.
[3] Notas ao CPC II (1966) pag. 47.
[4] Ob cit. pag. 271.
[5] Ob cit. pag. 213.
[6] Miguel Teixeira de Sousa, in “As Partes...”, pag 87.