Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
788/22.8PATVD.L1-9
Relator: EDUARDO DE SOUSA PAIVA
Descritores: CONCURSO APARENTE DE INFRACÇÕES
CONCURSO REAL DE INFRACÇÕES
ROUBO
OFENSAS CORPORAIS
AMNISTIA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/20/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: Sumário (da responsabilidade do Relator):
I. Existe concurso aparente entre o crime de roubo e o crime de ofensa à integridade física, quando a violência física é usada como meio para a obtenção da entrega da coisa, quer porque tal violência física já está prevista na estrutura do crime de roubo, quer porque a ofensa corporal é o meio ou modo de execução para o fim obtenção da coisa alheia. De igual modo, existe concurso aparente entre o crime de violência depois da subtração e o crime de ofensas corporais, quando estas ofensas são o meio para a conservação, pelo agente, da coisa alheia obtida.
II. Porém, constitui crime autónomo de ofensa à integridade física, a punir em concurso efetivo com o crime de roubo antecedente, a violência física usada após a substração, quando o agente já estava na posse pacífica dos objetos de que se apropriara, não visava constranger o ofendido a entregar-lhos, nem tão-pouco a mantê-los em seu poder, sendo absolutamente gratuita e desnecessária, seja para a execução do crime de roubo, que já estava consumado, seja para a manutenção pelo agente dos objetos de que ilicitamente se apropriara, cuja posse pacífica já tinha. Violência física, esta, que apenas visava constranger o ofendido a afastar-se rapidamente do local.
III. Neste caso, após a consumação do crime de roubo, o agente formulou uma nova resolução criminosa com a específica intencionalidade de ofensas corporais e foi então que ordenou ao ofendido que abandonasse o local rapidamente e, como o não fizesse rapidamente, desferiu-lhe diversos pontapés.
IV. O roubo de valores muito diminutos, por praticado por motivo fútil, agrava a censurabilidade da conduta e como tal deve ser tido em conta na determinação da medida da pena.
V. Nos termos no artº 14º da Lei nº 38-A/2023 (amnistia de infrações e perdão de penas), cabe ao juiz do julgamento ou da condenação, “a aplicação das medidas prevista na presente lei”, mas em lado nenhum da lei se estabelece ou impõe que o referido o referido tribunal tenha sempre que apreciar a questão na sentença, podendo em alguns casos aplicar tais medidas previstas em momento posterior ao da prolação da sentença.
VI. Para o efeito importa distinguir entre a amnistia de infrações e o perdão de penas.
VII. Assim, quando se trate de infrações amnistiadas, como nas previstas no artº 4º da citada Lei, a apreciação da questão deve ter lugar até ou na própria sentença, porque a sua consequência é a extinção da responsabilidade criminal, quanto às respetivas infrações.
VIII. Porém, quando esteja em causa o perdão de penas, a sua apreciação não tem necessariamente de ter lugar na sentença condenatória, podendo ocorrer a todo o tempo e, portanto, em seguida ao trânsito em julgado da condenação, designadamente quando as penas em causa - e em especial o seu quantum - se tenham tornado definitivas.
IX. Deste modo, quando a decisão de ponderação da aplicação do perdão de penas pode ser efetuada em momento posterior à decisão condenatória, esta, ao não o efetuar, não estando obrigada a fazê-lo naquele momento, não omitiu pronuncia devida, pelo que, não enferma de tal nulidade.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I.- RELATÓRIO
No processo comum coletivo nº 788/22.8..., do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo Central Criminal de Loures – Juiz 5, por acórdão proferido a .../.../2025, foi tomada a decisão de:
«(…)
1 – Condenar o arguido AA pela prática em coautoria material e na forma consumada de dois crimes de roubo previstos e punidos pelo art. 210º, nºs. 1 do C. Penal, na pena, cada um deles, de 2 (dois) anos de prisão.
2 – Condenar o arguido AA pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punível pelo art. 143º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão.
3- Condenar o arguido AA pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de injúrias agravado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts 181º n.º 1 e 184º do CP, na pena de na pena de 2 (dois) meses de prisão.
4- Em cúmulo jurídico das penas unitárias aplicadas vai o arguido AA condenado na pena única de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão.
5 - Condenar o arguido BB pela prática, em autoria material, na forma consumada pela prática de dois crimes de roubo, previsto e punido pelo art. 210º, nºs. 1 do C. Penal, na pena cada um deles de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.
6 - Condenar o arguido BB pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punível pelo art. 143º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão.
7 – Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, condenar o arguido BB na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.
8 - Ao abrigo do disposto no (…) artº 82º-A do CPP, aplicável ex vi artº 16º nº 2 da Lei 130/2015 de 04.09, em face do disposto no artº 67º-A nº 1 a), b) e nº 3 do CPP, condenam os arguidos AA e BB, cada um deles no pagamento aos ofendidos CC e DD da quantia de €300,00 (trezentos) euros a título de indemnização.
(…)»
***
O arguido AA interpôs recurso concluindo:
«A) O Acórdão recorrido padece de vícios que comprometem a sua validade e justiça, nomeadamente a insuficiência da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, alíneas a) e c), do Código de Processo Penal.
B) O Tribunal a quo não valorou adequadamente as conclusões do Relatório Social, desconsiderando elementos fundamentais sobre a situação socioeconómica, familiar e pessoal do arguido, que deveriam ter sido ponderados na determinação da medida concreta da pena.
C) Relatório onde se evidenciam sinais de ressocialização, alteração de comportamentos e melhoria da situação socioeconómica do arguido, pois que o mesmo se encontra a residir e trabalhar no estrangeiro, tem mantido um percurso de vida mais estável e não apresenta comportamentos delituosos desde os factos de ....
D) A omissão das referências constantes do Relatório Social constitui violação do princípio da individualização da pena, previsto no artigo 71.º do Código Penal, afetando a justeza e proporcionalidade da sanção aplicada.
E) Não foi feita prova suficiente que permita concluir que o recorrente AA praticou qualquer ato de execução do crime de roubo imputado, nem que tenha existido um acordo prévio com o coarguido BB para a prática do mesmo, pelo que não se verificam os pressupostos legais da coautoria.
F) Ao ter sido considerado coautor do crime de roubo, o recorrente foi condenado com base em pressupostos fácticos e jurídicos incorretos, não demonstrados em sede de julgamento, impondo-se a sua absolvição nesse segmento.
G) A pena única de 3 anos e 9 meses de prisão efetiva aplicada ao recorrente é manifestamente excessiva e desproporcional face à factualidade provada, ignorando sinais evidentes de ressocialização e ausência de nova prática criminal desde os factos, ocorridos em ....
H) O Tribunal desconsiderou as mudanças positivas no percurso de vida do arguido, incluindo emprego no estrangeiro, reaproximação familiar e abstinência de consumos abusivos, que demonstram um processo ativo de reintegração social.
I) Nos termos do artigo 40.º do Código Penal, a pena deve contribuir para a reinserção do agente e não ultrapassar o necessário à proteção dos bens jurídicos e da ordem jurídica, o que não se verifica no presente caso.
J) A aplicação de uma pena de prisão suspensa na sua execução seria mais adequada, proporcional e eficaz para satisfazer as finalidades preventivas e ressocializadoras da pena, nos termos do artigo 50.º do Código Penal.»
*
O arguido BB também interpôs recurso, apresentando as seguintes conclusões:
«1.º O presente recurso tem por objeto o douto Acórdão proferido em ... de ... de 2025, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Juízo Central Criminal de Loures, Juiz 5, que condenou o Recorrente na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática de dois crimes de roubo (artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal) e de um crime de ofensa à integridade física simples (artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal).
2.º A decisão recorrida valorou de forma arbitrária e incorreta a alegada identificação do Recorrente como autor dos factos, sustentando-a exclusivamente no depoimento de um dos ofendidos, sem que tenha sido realizada qualquer diligência de reconhecimento formal ou informal nos termos do artigo 147.º do Código de Processo Penal.
3.º O Tribunal a quo considerou como provado que os arguidos, incluindo o aqui Recorrente, foram identificados na presença de ambos os ofendidos, facto esse manifestamente incorreto e contraditado pela prova produzida, violando assim os deveres de fundamentação e análise crítica da prova previstos no artigo 127.º do CPP.
4.º A suposta identificação realizada na noite dos factos foi efetuada com base em descrições físicas vagas e genéricas, sem confirmação presencial por ambos os ofendidos.
5.º A aceitação desta identificação como prova suficiente e definitiva para efeitos de condenação configura violação dos princípios constitucionais da presunção de inocência e da imparcialidade na apreciação da prova, consagrados nos artigos 32.º, n.ºs 1 e 2, 205.º e 204.º da CRP, bem como do direito a um processo equitativo (artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem).
6.º O Recorrente argui a inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 26.º, 28.º e 210.º, n.º 1, todos do Código Penal, quando interpretadas no sentido de que:
a) O tribunal pode valorar, como prova plena, um reconhecimento não formalizado;
b) A identificação realizada por apenas um ofendido, sem qualquer confirmação ou elemento probatório autónomo, é suficiente para condenação.
7.º Tais interpretações violam os artigos 2.º, 13.º, 18.º, 32.º, 205.º e 204.º da CRP e o artigo 6.º da CEDH, razão pela qual se impugna a decisão de condenação por falta de prova legal, objetiva e segura quanto à identidade do autor dos factos.
8.º O Recorrente invoca, por essa via, a violação do princípio in dubio pro reo, pois, tendo subsistido dúvida séria e objetiva quanto à autoria dos factos, o Tribunal a quo decidiu contra o arguido, o que é vedado pela Constituição e pela lei processual penal.
9.º O Recorrente impugna a decisão sobre matéria de facto nos termos do artigo 412.º do Código de Processo Penal, considerando incorretamente julgados, entre outros, os factos provados sob os n.ºs 1, 3, 4, 7, 8, 10, 13, 14 e 16.
10.º As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida são os depoimentos das testemunhas CC e EE (ofendidos) e do agente da PSP FF, prestados em audiência de discussão e julgamento, conforme transcrições constantes do recurso e gravações referenciadas nas motivações que precedem.
11.º As concretas passagens da gravação a que se refere o Recorrente são, designadamente:
Testemunha DD (ata com referência citius n.º ...): 00:10:02; 00:10:11; 00:10:26; 00:10:45; 00:10:47; 00:07:53; 00:07:57.
Testemunha CC (ata com referência citius n.º ...): 00:02:36; 00:03:57; 00:04:05; 00:05:38; 00:05:58; 00:07:51; 00:07:59; 00:08:04; 00:08:06.
Testemunha FF (PSP) (ata com referência citius n.º ...).: 00:11:13; 00:11:14.
12.º As provas que devem ser renovadas são as declarações das testemunhas DD, CC e do agente FF, nos termos do artigo 430.º do CPP, caso o Tribunal da Relação entenda que a reapreciação da prova não permite a alteração da matéria de facto sem renovação.
13.º O Tribunal incorreu em erro de julgamento ao considerar como provado que o Recorrente se apoderou de bens dos ofendidos com violência e intenção de subtração, quando da prova resulta que os bens foram entregues voluntariamente, sem resistência, e que as agressões foram reativas e desprovidas de desígnio apropriativo.
14.º O Recorrente argui a inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 26.º, 28.º e 210.º, n.º 1, do Código Penal, quando interpretadas no sentido de que o tribunal pode condenar com base unicamente num reconhecimento informal por um dos ofendidos, não corroborado por outros elementos probatórios, por violação dos artigos 1.º, 2.º, 13.º, 18.º, 32.º, 204.º e 205.º da CRP.
15.º A factualidade tida como provada não permite a condenação por dois crimes autónomos de roubo e dois de ofensa à integridade física, devendo os factos de agressão ser considerados como meio de execução dos crimes de roubo, o que consubstancia um concurso aparente de normas (consumpção), em conformidade com os artigos 30.º, n.º 2, 210.º e 143.º do Código Penal.
16.º O Tribunal a quo incorreu em erro de direito ao não aplicar o princípio da insignificância, que constitui causa de exclusão da tipicidade material penal, por inexistência de desvalor jurídico relevante, uma vez que os factos imputados ao Recorrente não causaram lesões, dores ou prejuízos patrimoniais relevantes, conforme entendimento reiterado da jurisprudência nacional (cf. Acs. TRP de 28.04.2021, TRE de 22.09.2015 e doutrina de Figueiredo Dias e Paula Ribeiro de Faria).
17.º O Tribunal recorrido omitiu pronúncia sobre a aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, apesar de estarem reunidos os requisitos objetivos e subjetivos para a aplicação do perdão de penas, nos termos do seu artigo 3.º, o que constitui nulidade nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, conforme jurisprudência dos Acórdãos da TRC de 04.12.2023 e 16.01.2024.
18.º Aplica-se ao caso concreto um perdão de 1 ano de prisão, previsto no artigo 3.º da Lei n.º 38-A/2023, por ter menos de 30 anos à data da prática dos factos e por os mesmos serem anteriores a 19 de junho de 2023.
19.º O Tribunal a quo, ao não se pronunciar sobre a aplicação da referida Lei, violou os artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal e os artigos 2.º, 13.º, 18.º, n.º 2, e 32.º, n.ºs 1 e 5 da CRP.
20.º Ainda que se mantenha a condenação do Recorrente, deve a medida da pena ser revista e reduzida, tendo em conta a baixa intensidade do facto, a integração social e familiar do arguido, e os critérios do artigo 71.º do Código Penal, sendo desnecessária a pena de prisão efetiva.
21.º O tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 40.º, 70.º, 71.º e 77.º do Código Penal, ao aplicar pena manifestamente desproporcionada face à culpa do agente e às exigências de prevenção geral e especial.»
*
Os recursos foram admitidos, por despacho de .../.../2025, com subida imediata, nos autos e efeito suspensivo.
*
O Ministério Público respondeu ao recurso interposto pelo arguido AA, pugnando pela sua improcedência, concluindo que:
«1. Da leitura da motivação do recorrente e respetivas conclusões constata-se que este pretende impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto dada como provada invocando que, face à prova produzida em audiência, o ponto 3 foi incorretamente julgado, devendo o arguido ser absolvido da prática dos dois crimes de roubo.
2. Porém, da simples leitura do acórdão recorrido extrai-se de forma pacífica de que não padece de qualquer dos vícios mencionados no recurso interposto, que aliás o recorrente não concretiza, limitando-se a alegar não ter sido feita prova sobre a existência de um plano prévio e, consequentemente, à sua adesão a esse plano.
3. A decisão recorrida mostra-se isenta de qualquer censura, tendo o tribunal atendido aos depoimentos prestados pelos dois ofendidos dos crimes de roubo e de ofensa à integridade física, os quais explicaram de forma clara, sequencial e coincidente o modo como foram abordados pelos dois arguidos, inexistindo qualquer dúvida de que, no que se reporta aos crimes de roubo, cada um contribuiu para a consumação dos referidos crimes. E, ainda que o coarguido BB tenha tido um papel mais interventivo, por ter sido quem desferiu bofetadas e quem puxou o maço de tabaco da mão de um dos ofendidos, certo é que o recorrente não foi um mero espectador, tendo ordenado a entrega de bens e procedido à revista de bens na roupa de outro dos ofendidos, num contexto de absoluta intimidação.
4. O tribunal a quo aplicou os princípios e critérios de determinação da medida da pena, com a devida ponderação das concretas circunstâncias atendíveis, observando o disposto nos artigos 40.º e 71.º, do Código Penal, sendo as penas parcelares e pena única decretadas justas, proporcionais e adequadas ao caso em apreço.
5. Na fixação destas penas pesaram as fortes exigências de prevenção geral e em especial as fortíssimas exigências de prevenção especial. Toda a postura do arguido, quer nestes autos, quer perante os seus comportamentos anteriores e as condenações anteriores, é demonstrativa de que o mesmo revela total ausência de interiorização do desvalor das suas condutas, não se mostrando possível a realização de um juízo de prognose favorável.
6. E muito embora o recorrente alegue não ter sido atendido o teor do relatório social, certo é que tal foi ponderado, motivo pelo qual, as penas parcelares e única fixadas se mostram abaixo do meio da moldura abstrata.»
*
O Ministério Público respondeu, também, ao recurso interposto pelo arguido BB, formulando as seguintes conclusões:
«1. A testemunha CC, aqui ofendido, descreveu ao tribunal os factos dados como provados, relatando-os de forma clara, coerente e compaginável com as regras da experiência, indicando como autor dos mesmos o recorrente, pessoa que já conhecia, pelo que, tal depoimento não se tratou de um reconhecimento pessoal informal.
2. O reconhecimento pessoal previsto no artigo 147.º do Código de Processo Penal surge naquelas situações em que os ofendidos e/ou testemunhas dos factos desconhecem a identidade da pessoa que os cometeu, mas que, por terem tido contacto com esse agente, conseguem descrever as suas características físicas e mostram-se capazes de conseguir identifica-lo se forem novamente confrontados com essa pessoa.
3. In casu, o ofendido conhece o recorrente motivo pelo qual não efetuou qualquer reconhecimento pessoal, tendo-o indicado como um dos autores dos factos. Na verdade, não se reconhece quem já se conhece.
4. Da leitura da motivação do recorrente e respetivas conclusões retira-se que o que pretende é impugnar o processo de formação da convicção do tribunal a quo que levou à fixação da matéria de facto dada como provada, esquecendo que nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da autoridade competente”, constituindo seu objeto “(...) todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis(...)”, conforme se retira do disposto no artigo 124.º do Código de Processo Penal.
5. Porém, o acórdão cumpre os respetivos requisitos legais, nele se encontrando explicitado e explicado o processo de formação da convicção do tribunal e o exame crítico das provas que o alicerçou, nomeadamente o raciocínio lógico-dedutivo seguido e o porquê, a medida e a extensão da credibilidade que mereceram (ou não mereceram) os depoimentos prestados em audiência. Fundamentação que, de resto, se acha também alicerçada nas regras da experiência e em adequados juízos de normalidade, não se perfilando a violação de qualquer regra da lógica ou ensinamento da experiência comum. Enfim, a matéria aqui dada como provada é a que resulta da análise da prova produzida, conjugada com os princípios de processo penal convergentes na área, com destaque – inevitável e desejável sob o ponto de vista da captação psicológica - para o da imediação.
6. Mostra-se acertada a subjunção jurídica operada, sendo por demais evidente que o recorrente, com as suas condutas, cometeu, em coautoria material, dois crimes de roubo e, em autoria material, um crime de ofensa à integridade física.
7. Como se alcança da matéria de facto provada, existem dois momentos absolutamente estaques. Um primeiro momento em que os dois arguidos abordam os dois ofendidos e, através da força física e do temor que causaram, subtraem um maço de tabaco e moedas. Depois, um segundo momento que surge quando os aludidos bens já estavam pacificamente na posse dos arguidos e os ofendidos se encontravam em retirada, tendo sido novamente agredidos.
8. Como se alcança, no segundo momento os crimes de roubo já se mostravam consumados, pelo que a conduta posterior do recorrente, que nenhuma conexão teve para a verificação das anteriores condutas, é autónoma e importa a sua condenação em concurso real.
9. No caso dos autos, face aos factos provados, resulta evidente que, a existir, o princípio da insignificância penal não poderia ter aplicação nos presentes autos, atento os bens jurídicos protegidos pela norma incriminadora do crime de roubo. A gratuitidade da conduta dos arguidos não a transforma numa insignificância penal.
10. A Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto não tem aplicação automática, sendo pressupostos objetivos da sua aplicação o tipo de crime, a pena e a medida da pena somente com o trânsito em julgado existem condições (concretas) para se determinar a aplicação (ou não) de um perdão. Ou seja, somente com o trânsito em julgado da decisão e a certeza do quantum fixado e do seu modo de execução, fará sentido determinar o perdão de 1 ano, verificados que se mostrem os seus pressupostos.
11. O tribunal a quo aplicou os princípios e critérios de determinação da medida da pena, com a devida ponderação das concretas circunstâncias atendíveis, observando o disposto nos artigos 40.º e 71.º, do Código Penal, sendo as penas parcelares e pena única decretadas justas, proporcionais e adequadas ao caso em apreço.
12. Na fixação destas penas pesaram as fortes exigências de prevenção geral e em especial as fortíssimas exigências de prevenção especial, não tendo o arguido se inibido de cometer três crimes mesmo após ter sofrido já 10 condenações, duas delas pela prática de crimes de ofensa à integridade física e uma pela prática de um crime de roubo, e sem que em momento algum, tendo hipótese de o fazer, tenha demonstrado qualquer sentimento de arrependimento. Toda a postura do arguido, quer nestes autos, quer perante as condenações anteriores, é demonstrativa de que o mesmo revela total ausência de interiorização do desvalor das suas condutas.
13. É igualmente essa forte ausência de interiorização do desvalor das suas condutas que impossibilita a suspensão da execução da pena de prisão, porquanto, perante os seus antecedentes criminais e sua postura atual, com lacunas ao nível do pensamento crítico e consequencial, não é possível realizar um juízo de prognose favorável.»
*
Neste Tribunal da Relação, a Digna Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido da improcedência dos recursos, não só acompanhando os fundamentos das respostas apresentadas pelo Ministério Público na primeira instância, como reforçando com novos argumentos aquela fundamentação.
*
Foi proferido despacho a efetuar o exame preliminar, mantendo o efeito e regime de subida dos recursos.
Após os vistos, foram os autos à conferência, nada obstando à prolação de acórdão.
****
II. OBJETO DO RECURSO
Em conformidade com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do S.T.J. de 19/10/1995 (in D.R., série I-A, de 28/12/1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que os recorrentes extraem das respetivas motivações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Atendendo às conclusões apresentadas, são as seguintes as questões suscitadas a apreciar:
1 Da impugnação da matéria de facto:
- Quanto aos vícios decisórios de erro notório na apreciação da prova, insuficiência da matéria de facto provada (suscitada pelo arguido AA) e violação do princípio in dubio pro reo (suscitada pelo arguido BB) e, subsistindo algum vício, se deve ter lugar a requerida renovação da prova ;
- Quanto à impugnação ampla da matéria de facto, pela reapreciação da prova, relativamente aos factos constantes dos pontos 1, 3, 4, 7, 8, 10, 13, 14 e 16 dados como provado no acórdão recorrido, por falta ou insuficiência de prova, designadamente pela ausência de reconhecimento (suscitada pelo arguido BB).
3. Qualificação jurídico-penal (“princípio da insignificância” e concurso de infrações) – suscitada pelo arguido BB;
4. Medida concreta das penas (suscitada por ambos os arguidos);
5. Suspensão da execução das penas únicas de prisão (suscitada por ambos os arguidos).
6. Perdão de penas (omissão de pronúncia quanto à aplicabilidade da Lei nº 38-A/2023) – suscitada pelo arguido GG.
****
III. FUNDAMENTAÇÃO
***
A) DECISÃO RECORRIDA
O acórdão recorrido estabeleceu os seguintes factos provados:
«1. Em dia e hora não concretamente apuradas, antes das 03h50m, do dia ... de ... de 2022, os arguidos AA e BB, em comunhão de esforços, decidiram abordar os ofendidos EE e CC, para os obrigar a entregar bens ou valores que tivessem consigo, para proveito próprio, se necessário com recurso a ameaças ou violência.
2. Em concretização de tal desígnio no dia ........2022, os arguidos abordaram os ofendidos, pedindo-lhes a entrega de tabaco, o que estes negaram.
3. Ato continuo o arguido BB desferiu duas bofetadas na face do ofendido DD e agarrou e puxou o maço de cigarros que DD tinha na mão apoderando-se do mesmo.
4. Nestas circunstâncias os arguidos ordenaram ao ofendido CC a entrega do dinheiro que este tivesse, ao mesmo tempo que retiraram do bolso das calças de CC a carteira, a qual não tinha nenhuma quantia monetária, pelo que, se apoderaram das moedas que este tinha no bolso no montante de 3 Euros.
5. Após o que, os arguidos ordenaram aos ofendidos que abandonassem o local, e como não o fizeram rapidamente o arguido AA deferiu diversos pontapés na perna direita de CC e o arguido BB desferiu diversos pontapés no corpo de DD, que desta forma, e por lhes ter sido novamente ordenado pelos arguidos, começaram a correr, em direção à ....
6. Posteriormente, os arguidos abandonaram o local, em direção à ..., em ....
7. Como consequência direta da atuação dos arguidos, CC sentiu dores e ficou com vários hematomas na perna direita.
8. Como consequência direta da atuação dos arguidos, DD sentiu dores e ficou com um vermelhão na face.
9. No local compareceu uma brigada da Polícia de Segurança Pública, composta por FF, HH e II, que juntamente com o ofendido CC oram no encalço dos arguidos.
10. Os arguidos foram encontrados, pelos agentes e pelos ofendidos, na ..., em ..., onde foram identificados.
11. No local juntaram-se várias pessoas e, pelas 04h30m, os agentes da Polícia de Segurança Pública, para garantir a sua segurança, decidiram retirar-se.
12. Quando se dirigiam para o veículo da PSP, o arguido AA dirigiu ao agente da Polícia de Segurança Pública, FF, a expressão: “seu filho da puta”.
13. Ao atuar do modo supra descrito, os arguidos agiram de forma livre, voluntária e conscientemente, em comunhão de esforços e de intentos, com o objetivo conseguido de, através do uso da força e da violência, obter aqueles objetos, fazendo-os seus, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que atuavam contra a vontade dos respetivos donos.
14. Ao atuar da forma descrita em 5, sempre em comunhão de esforços e já após se terem apoderando dos bens pertença dos ofendidos quiseram os arguidos atingir os corpos dos mesmos, o que conseguiram, bem sabendo que ao atuarem daquela forma os iriam molestar fisicamente.
15. Ao dirigir ao agente da Polícia de Segurança Pública FF a expressão referida em 12., o arguido AA agiu com o intuito concretizado de atingir a honra, dignidade e a idoneidade pessoal e profissional daquele, quando este se encontrava no exercício das suas funções e por causa delas.
16. Os arguidos agiram livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas são proibidas e punidas por lei.
17. Consta do Relatório Social do arguido BB
BB é um dos filhos de um casal de baixa condição social, separado durante a primeira infância do arguido, tendo o pai sido uma figura ausente do seu processo de desenvolvimento. O processo de socialização primária do arguido decorreu em contextos monoparentais caracterizados pela fraca supervisão e controlo das suas rotinas, a que se associou o abandono escolar precoce e envolvimento com pares com condutas de risco.
Neste contexto manifestou comportamentos delinquentes que determinaram o contacto com sistema tutelar educativo e, posteriormente, com o sistema de justiça penal.
A impulsividade e reatividade têm sido características de funcionamento pessoal tendencialmente manifestadas pelo arguido quando confrontado com situações adversas.
BB integrou o agregado familiar materno até finais do ano de .... Segundo a progenitora, o arguido terá iniciado, entretanto, uma relação marital e deixado de residir consigo.
Apresentava uma situação de emprego, exercendo funções operárias no estrangeiro por conta da empresa .... Segundo o responsável de recursos humanos da empresa, o arguido descontinuou esta atividade laboral em ..., por sua iniciativa e sem comunicação prévia à empresa.
Segundo a progenitora, o arguido exerce atualmente atividade na ..., alternando períodos de ausência por motivos de trabalho e de permanência em ....
Com apenas o primeiro ciclo do ensino básico, o percurso laboral do arguido tem-se caracterizado pela pouca diferenciação e precaridade das atividades exercidas, em regra de natureza assalariada.
18. Consta do Relatório Social do arguido AA:
No que concerne a aspetos significativos da história de vida, salienta-se que AA é filho único do casal parental, o qual se separou quando o arguido tinha cerca de dois anos de idade, vindo a sua mãe a assumir a totalidade das responsabilidades parentais, não obstante a existência de um padrasto com o qual AA coabitou até aos 10 anos de idade, e da manutenção de contactos deste, quer com o pai, quer com o padrasto, após as respetivas separações.
Foram evidenciadas problemáticas comportamentais no arguido, durante a sua adolescência, marcadas pela insolência, desobediência e recurso à agressividade, a par com o início de consumo de estupefacientes e de álcool, respetivamente aos 10 e aos 12 anos de idade, com consequências na sua progressão escolar, vindo AA a ser intervencionado, inicialmente, pelo ...
Após o falecimento do pai, quando o arguido tinha 13 anos de idade, o seu padrão comportamental associado ao convívio com grupos de pares desviantes / procriminais, terá determinado a intervenção do Sistema de Justiça Juvenil, com a aplicação de medida tutelar de internamento em ... (JJ), onde permaneceu entre os 15 e os 17 anos de idade e onde veio a concluir o 9º ano de escolaridade.
Não tendo optado pela prossecução dos estudos, a vida adulta de AA terá sido pautada pelo consumo de substâncias psicoativas como o MDMA (vulgo ...) e a cocaína, iniciados logo após a saída do ..., e por uma permanente fragilidade da situação laboral, caracterizada por trabalhos temporários e, muitas vezes, sem vínculo contratual, em áreas diversas como a restauração, construção civil e entregas / ..., destacando-se, ainda, a preferência pelo treino de cães (exercido em regime de biscate sem qualificação profissional e/ou vínculo contratual).
Embora o período de relação do arguido com a mãe do seu filho (com quem viveu em união de facto durante cerca de 6 anos, até à separação, em ...), ter sido considerado como um período de maior estabilização comportamental, tais circunstâncias não foram impeditivas da ocorrência de contactos de AA com o Sistema de Justiça Penal, iniciado aos 18 anos.
À data dos factos as circunstâncias que determinaram a instauração do presente processo judicial, AA tinha-se separado, recentemente, da sua então companheira e mãe do seu filho (o qual estaria, já então, entregue aos cuidados da avó paterna, KK, por decisão judicial), registando-se uma dimensão de conflitualidade entre o arguido e a progenitora, impeditiva da reintegração de AA no agregado familiar da mãe, vindo o mesmo a habitar num quarto arrendado.
Nessa mesma fase, o arguido experienciou um agravamento da sua situação económica, marcada pelo registo de precariedade laboral (trabalhos temporários, sem vínculo contratual) e por períodos de inatividade / desemprego, deixando de poder pagar as respetivas rendas do quarto em que residia, passando a alternar entre a pernoita em casa de amigos / conhecidos e a condição de sem-abrigo, dormindo na rua.
Tal condição de exposição social não terá sido alheia à manutenção de consumos abusivos de álcool e estupefacientes, por parte do arguido, destacando-se, para além do consumo de haxixe, o consumo de substâncias psicoativas como o MDMA e a cocaína, junto de uma rede paritária de conhecidos, entre os quais se encontraria o coarguido BB.
Não obstante o grau de desorganização pessoal e de desajuste social vivenciado durante o final do ano de ..., AA terá conhecido uma melhoria da sua situação socioeconómica e habitacional, durante o ano de 2023, numa fase concomitante com o início de um percurso laboral no estrangeiro, nomeadamente nos ..., com vínculo contratual, obtido através de empresas de trabalho temporário (contratos de entre 3 a 6 meses), maioritariamente na área da logística.
Aparentemente, tal estabilização terá decorrido a par com uma cessação dos consumos abusivos de álcool, bem como de substâncias psicoativas, mantendo o arguido, não obstante, o consumo de haxixe, num registo alegadamente isolado de contextos de convívio social – a este respeito, o arguido afirma não ter recorrido e/ou beneficiado de qualquer tratamento especializado para a cessação dos mencionados consumos e/ou manutenção da sua abstinência.
Nessa fase inicial de reorganização laboral, durante os períodos intercalares, entre novas contratações, AA regressava a ..., ficando em quartos arrendados na zona de ..., mantendo contactos meramente pontuais com a sua mãe e com o seu filho, não se perspetivando, na altura, a reintegração do arguido no agregado familiar materno.
Com respeito à gestão dos seus recursos financeiros e do enquadramento habitacional mantido no estrangeiro, AA indica que o seu alojamento é variável, de acordo com os locais de trabalho designados pelas respetivas entidades laborais, sendo o ordenado auferido considerado suficiente para assegurar a satisfação das suas necessidades / despesas de manutenção – sem confirmação documental atualizada a respeito do último ordenado / vínculo contratual.
Nessa fase inicial de reorganização laboral, durante os períodos intercalares, entre novas contratações, AA regressava a ..., ficando em quartos arrendados na zona de ..., mantendo contactos meramente pontuais com a sua mãe e com o seu filho, não se perspetivando, na altura, a reintegração do arguido no agregado familiar materno.
19. Atualmente o arguido encontra-se de baixa médica devido a uma lesão na perna e reside em casa da progenitora.
20. O arguido BB averba no certificado de registo criminal as seguintes condenações transitadas em julgado:
a) pela prática em ........2013 de um crime de ofensa à integridade física simples na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 5 Euros (sentença proferida em ........2015 nos autos de Processo Comum n.º 559/13.2..., transitada em julgado em ........2015). Declarada extinta em ........2020;
b) pela prática em ........2018 de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 5 Euros (sentença proferida em ........2018 nos autos de Processo Comum n.º 392/18.5..., transitada em julgado em ........2018). Declarada extinta em ........20;
c) pela prática em ........2019 de um crime de injuria agravada na pena de 180 dias de multa à taxa diária de 5 Euros (sentença proferida em ........2020 nos autos de Processo Comum n.º 436/19.3..., transitada em julgado em ........2020). Declarada extinta em ........2022.
d) pela prática em ........2018 de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 3 meses de prisão substituído por 90 dias de multa à taxa diária de 6 Euros (sentença proferida em ........2019 nos autos de Processo Comum n.º 310/18.0..., transitada em julgado em ........2019). Declarada extinta em ........2020;
e) pela prática em ........2017 de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 5 Euros (sentença proferida em ........2017 nos autos de Processo Comum n.º 293/17.4..., transitada em julgado em ........2017 ). Declarada extinta em ........2018.
f) pela prática em ........2012 de um crime de rubo simples e dois crimes de furto simples na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa por igual período (Acórdão proferido em ........2015 nos autos de Processo Comum n.º 252/12.3..., transitada em julgado em ........2015). Declarada extinta em ........2017.
g) pela prática em ........2016 de um crime de ofensa à integridade física qualificada na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa por igual período de prisão (sentença proferida em ........2017 nos autos de Processo Comum n.º 131/16.5..., transitada em julgado em ........2017). Declarada extinta em ........2021.
h) pela prática em ........2013 de um crime de falsidade de testemunho na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 6 Euros (sentença proferida em ........2016 nos autos de Processo Comum n.º 337/13.9..., transitada em julgado em ........2016). Declarada extinta em ........2018.
i) pela prática em ........2019 de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 160 dias de multa à taxa diária de 5,50 Euros (sentença proferida em ........2018 nos autos de Processo Sumário n.º 263/18.5..., transitada em julgado em ........2018). Declarada extinta em ........2019.
j) pela prática em ........2018 de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 240 dias de multa à taxa diária de 5,50 Euros (sentença proferida em ........2018 nos autos de Processo Abreviado n.º 317/18.8..., transitada em julgado em ........2018). Declarada extinta em ........2024.
21. O arguido AA averba no certificado de registo criminal as seguintes condenações transitadas em julgado:
a) pela prática em ........2016 de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 60 dias de multa à taxa diária de 5,00 Euros (sentença proferida em ........2017 nos autos de Processo Sumaríssimo n.º 116/16.1..., transitada em julgado em ........2017). Declarada extinta em ........2018.
b) pela prática em ........2017 de um crime de ofensa à integridade física simples na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 5 Euros (sentença proferida em ........2018 nos autos de Processo Comum n.º 633/17.6..., transitada em julgado em ........2018). Declarada extinta em ........2021;
c) pela prática em ........2019 de um crime de roubo e de um crime de coacção agravada, na pena única de 2 anos e 4 meses de prisão, suspensa na execução pelo período de 4 anos (Acórdão proferido em ........2023 nos autos de Processo Comum n.º 664/19.1..., transitada em julgado em ........2023).»
*
O acórdão recorrido não estabeleceu quaisquer factos não provados:
*
O acórdão recorrido fundamentou a decisão sobre a matéria de facto nos seguintes termos:
«A convicção do Tribunal para o apuramento dos factos provados fundamentou-se na análise conjugada e crítica de toda a prova produzida em julgamento com particular destaque para as declarações dos ofendidos, tendo os arguidos usado do direito ao silêncio.
1 – do depoimento da testemunha CC, ofendido nos autos, que de forma coerente, consistente e objetiva descreveu a atuação dos arguidos, nomeadamente a cronologia e dinâmica dos acontecimentos e quanto ao circunstancialismo relacionado com a abordagem e a participação dos mesmos nos factos de que foi vítima, ocorridos em ........2022.
Assim, no essencial, referiu que conhece o arguido BB de vista de frequentarem os mesmos locais na cidade de ..., o outro indivíduo veio posteriormente a saber que se chamava AA. No dia dos factos já de madrugada quando se dirigia para o seu veículo automóvel para regressar a casa acompanhado de DD, encontraram na rua o BB acompanhado de outro individuo que à data desconhecia.
O BB e o outro individuo abordaram-no pedindo cigarros, o LL disse que não tinha, o que fez com que os indivíduos começassem a ficar agressivos, a falar alto e a chamarem-lhes mentirosos e um deles desferiu chapadas na cara do DD. Acto continuo meteram-lhe a mão no bolso e retiraram-lhe a carteira, que não tinha dinheiro, mas ficaram 3 euros em moedas que tinha no bolso.
Ao DD retiraram o maço de cigarros que este [tinha].
Os arguidos continuavam a obstar a passagem aos ofendidos e mandaram-lhes virar as costas e correrem, como se afastavam apenas a caminhar o AA desferiu-lhe um pontapé no joelho e o LL foi atingido com pontapés nas costas.
Afastaram-se do local e chamaram a polícia, que se deslocou até aos ofendidos num carro patrulha. Após terem descrito os indivíduos e dado as informações que dispunham sobre os mesmos, a testemunha foi na viatura policial com os agentes no encalce dos indivíduos, tendo-os encontrado junto a um bar numa das ruas da cidade onde os agentes da polícia os abordaram.
Após a abordagem policial o arguido BB entregou-lhe diretamente a si o maço de cigarros.
Quando os agentes policiais estavam a abordar os arguidos, surgiram vários amigos destes, que rodearam a viatura policial e começaram a chamar racistas aos agentes e ouviu chamar “filho da puta “dirigido a um dos agentes, não sabendo contudo identificar quem proferiu a expressão.
2 – do depoimento da testemunha DD, ofendido nos autos.
Descreveu de modo coerente e fidedigno a actuação conjunta dos arguidos o que fez em termos coincidentes com a versão da testemunha CC, apenas algo mais pormenorizado quanto à autoria das agressões de que forma alvo por parte dos arguidos.
Em síntese relatou que cerca das 3 horas da manhã se encontrava com CC a regressar a casa quando foram abordados pelos arguidos que pediram de modo agressivo cigarros dizendo: “se não nos arranjam tabaco vão ter problemas”, ao mesmo tempo que os cercaram.
A testemunha inicialmente disse que não tinha, o que não era verdade, e então de imediato o arguido BB desferiu-lhe duas bofetadas e começaram a pedir-lhes dinheiro.
A testemunha após a agressão entregou o maço de tabaco, não tinha, porém, dinheiro, mas apoderaram-se de 3 Euros que o CC tinha no bolso
Seguidamente os arguidos disseram-lhes para começarem a correr dali, como não iniciaram a correr, mas a andar a passo, o BB desferiu-lhe dois pontapés nas costas e o AA desferiu um pontapé na perna que ficou marcado. Após esta agressão começaram a correr e chamaram a polícia através do 112, que se deslocou até eles num carro patrulha.
Após terem relatado o sucedido e descrito os indivíduos através de características físicas e indumentária, o CC acompanhou a polícia na viatura destes para procurarem os arguidos.
Afirmou que mais tarde a polícia entregou-lhe o maço de cigarros de que os arguidos se tinham apoderado.
3 – do depoimento da testemunha HH, agente da PSP.
Relatou ao tribunal que conhece ambos os arguidos do exercício das suas funções. Foram chamados a uma ocorrência de duas vítimas de roubo. No local as vítimas relataram que tinham sido agredidos e que lhes tinham sido retirado dinheiro e tabaco.
Um dos ofendidos foi no carro patrulha para tentarem encontrar os arguidos. Deslocaram-se a um local da cidade de ... onde apesar da ora tardia há um bar sempre com movimento e efetivamente encontraram os arguidos no local.
Quando confrontaram os arguidos, estes exaltaram-se de imediato dizendo que eram sempre perseguidos pela polícia, porém o BB admitiu que se tinha apoderado dos cigarros e entregou-os ao ofendido. O AA nunca admitiu que tinha ficado com o dinheiro e recusou identificar-se, tendo sido a sua namorada que foi a casa buscar o cartão de cidadão.
Várias pessoas que saíram do bar que se localizava em frente ao local onde encontraram os arguidos, saíram e começaram a rodear a viatura policial e proferiram vários insultos, porém ouviu o AA a chamar “filho da puta” ao seu colega, quando já o tinham identificado e se preparavam para abandonar o local. Não procederam á revista do AA nem à detenção dos arguidos por não terem condições de segurança para o fazerem nem de transporte para a esquadra.
5 – do auto de notícia fls. 2-3, no que respeita à data, hora e local da identificação dos suspeitos.
6 - Fotografia de fls. 24
7- dos relatórios sociais, relativamente às condições sociais e características de personalidade dos arguidos.
8 - dos certificados de registo criminal juntos aos autos.
Da análise conjugada e crítica dos elementos probatórios supra mencionados, nomeadamente, os depoimentos coerentes, objetivos e consistentes das testemunhas inquiridas, que descreveram a cronologia dos acontecimentos de que foram vítimas CC e DD em ... de ... de 2022, designadamente o modo como os arguidos os abordaram e a atuação conjunta pelos mesmos empreendida, bem como das declarações prestadas relativamente aos factos a que se reporta a conduta do arguido AA.
A conjugação de todos estes depoimentos , bem como a recuperação do tabaco de que o arguido BB se tinha apoderado e que o mesmo devolveu não deixam dúvidas quanto ao sucedido.»
***
B) APRECIAÇÃO DO RECURSO
Conforme acima enunciado, face às conclusões dos recorrentes, importa apreciar (1) a impugnação da matéria de facto, (2) a qualificação jurídico-penal dos factos, (3) a medida concreta das penas, (4) se é de suspender, na sua execução, a pena única de prisão a que cada um dos arguidos foi condenado e, (5) se é aplicável o perdão de penas previsto na Lei nº 38-A/2023 e, sendo-o, quais as consequências a extrair da sua não apreciação pelo acórdão recorrido.
*
1. Impugnação da matéria de facto:
Ao nível da impugnação da matéria de facto, conforme acima enunciado são as seguintes as questões suscitadas a apreciar:
- Dos vícios decisórios de (i) erro notório na apreciação da prova, (ii) insuficiência da matéria de facto provada (suscitadas pelo arguido AA) e (iii) violação do princípio in dubio pro reo (suscitada pelo arguido BB);
- Da impugnação ampla, quanto aos factos provados constantes dos pontos 1, 3, 4, 7, 8, 10, e consequentemente os constantes dos pontos 13, 14 e 16. (dos factos provados) da decisão recorrida, que o recorrente BB entende terem sido incorretamente julgados, por falta ou insuficiência de prova, incluindo a violação do princípio da livre apreciação da prova e a ausência de reconhecimento formal (e as habituais inconstitucionalidades).
Quanto aos vícios decisórios assacados à decisão da matéria de facto, o arguido AA entende que o acórdão recorrido enferma dos vícios de erro notório na apreciação da prova e insuficiência da matéria de facto provada, porque “apresenta uma lacuna na análise dos fatos relevantes para a determinação da sanção a aplicar ao arguido, não considerou as conclusões do relatório social, omitindo informações sobre a condição familiar, social e económica do arguido, bem como fatores atenuantes relevantes para a determinação da pena”. Deste modo, segundo conclui, a decisão recorrida “ao desconsiderar as conclusões do Relatório Social, sem qualquer justificação ou análise critica, limitando-se a ignorar o seu conteúdo, incorre em erro notório na apreciação da prova, porquanto as informações constantes das Conclusões do mesmo poderiam ter conduzido a uma medida alternativa à prisão”.
Por outro lado, entende ter também ocorrido “erro notório na apreciação da prova”, porque não foi feita prova de que tenha praticado atos materiais ou de execução do crime de roubo (conforme resulta do ponto 3 dos factos provados). Assim, “tal como resulta da análise da prova produzida, apenas o arguido BB levou a cabo condutas que preenchem os elementos típicos do crime de roubo, não se demonstrando a prática de quaisquer atos de execução por parte do arguido AA”. Nem que “tenha existido um acordo prévio entre os arguidos no sentido de se apropriarem do maço de cigarros pertencente ao ofendido, através da utilização de violência física ou ameaça, nem que tenham previamente delineado as respetivas funções na prática do ilícito”. Nem tão-pouco se provou que “o arguido AA tivesse conhecimento antecipado da intenção criminosa de BB ou que tivesse, de algum modo, anuído ou contribuído para a sua concretização”.
Já o arguido BB entende que a decisão recorrida violou o princípio in dubio pro reopois tendo subsistido dúvida séria e objetiva quanto à autoria dos factos, o Tribunal a quo decidiu contra o arguido, o que é vedado pela Constituição e pela lei processual penal”.
Contraditoriamente, este recorrente invoca também, “falta de prova” da referida autoria. Ora, ou há prova ainda que ténue que permite a dúvida razoável, ou não há prova e, nesse caso, nem sequer é aplicável o princípio in dubio pro reo. Enfim.
Vejamos primeiro a questão dos vícios decisórios sobre a matéria de facto e se foi violado o princípio in dubio pro reo e, em seguida, já no âmbito da apreciação da impugnação ampla da matéria de facto, veremos se há ou não prova e, designadamente, se a prova em que o Tribunal recorrido se baseou é permitida, se foi observado o princípio da livre apreciação da prova e se seria necessária a realização de reconhecimento formal, como pretende, bem como se as provas que indica e excertos que transcreve impõem ou não decisão diversa quanto aos factos por si impugnados (constantes dos pontos 1, 3, 4, 7, 8, 10, 13, 14 e 16 dos factos dados como provados pelo douto acórdão recorrido). Isto porque, estamos a tratar diversas modalidades de impugnação da matéria de facto, com regime e fundamentos legais diversos.
Na verdade, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto pode ser feita por uma de duas vias, ou seja, ou através da arguição dos vícios previstos no artº 410º, nº 2 do Código de Processo Penal ou mediante a impugnação ampla da matéria de facto, nos termos do artº 412º, nºs 3, 4 e 6 do Código de Processo Penal.
Fazemos esta distinção porque se nos afigura que, face ao teor das respetivas alegações e conclusões, o recorrente BB aduz fundamentos de ambas, enquanto que o recorrente AA, ficando-se pela primeira, nas vertentes de erro notório na apreciação da prova e de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, fá-lo extravasando o seu âmbito, ao não se ater ao texto da decisão recorrida.
No primeiro caso, denominado de impugnação em sentido restrito ou revista alargada, equivalente a error in procedendo, por força do disposto no artº 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, o vício tem de resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência, e tem por fundamento, nos termos desta norma (e passamos a citar):
“a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova”.
Ocorre este vício, na modalidade de erro notório na apreciação da prova (invocado expressamente pelo recorrente MM), quando se dão como provados factos que, face às regras da experiência comum e à lógica normal da vida, não se poderiam ter verificado.
Estamos perante insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quando os factos provados não permitem a resolução jurídica da causa, nos termos em que o foi. Assim ocorre, designadamente quando, nem todos os elementos típicos do crime têm correspondência nos factos provados ou não constam destes os elementos essenciais para a escolha e determinação da pena.
“Trata-se de um vício de raciocínio da apreciação das provas, evidenciado pelo simples texto da decisão, erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, pois as provas revelam um sentido e a decisão recorrida extrai ilação contrária, incluindo quanto à matéria de facto provada” (Ac. TRC de 04/02/2015, proferido no processo nº 42/13.6GCMBR.C1, relatado por Inácio Monteiro, acessível em dgsi.pt).
Como bem se refere no sumário do douto Acórdão acabado de citar, também a “apreciação pelo Tribunal da Relação da eventual violação do princípio in dubio pro reo encontra-se dependente de critério idêntico ao que se aplica ao conhecimento dos vícios da matéria de facto, isto é, de ser da análise da decisão que se deve concluir pela violação deste princípio, seguindo o processo decisório evidenciado pela análise da motivação da convicção, se se chegar à conclusão que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido”.
No segundo caso, denominado de impugnação ampla da matéria de facto, equivalente a error in judicando, nos termos do artº 412º, nº 3 do Código de Processo Penal, “o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa;
c) As provas que devem ser renovadas”.
Por força do disposto no nº 4 do mesmo artigo, nas especificações referidas alíneas b) e c) do nº 3, o recorrente deve indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
Em tal caso, “o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa” (artº 412º, nº 6 do Código de Processo Penal).
“O incumprimento das formalidades impostas pelo artº 412º, nºs 3 e 4, quer por via da omissão, quer por via da deficiência, inviabiliza o conhecimento do recurso da matéria de facto por esta via ampla. Mais do que uma penalização decorrente do incumprimento de um ónus, trata-se de uma real impossibilidade de conhecimento decorrente da deficiente interposição do recurso” (Ac. RE de 09/01/2018, relatado por Ana Brito, in dgsi.pt).
Começando pela primeira modalidade, importa ainda ter presente que, nos termos do artº 374º, nº 2 do Código de Processo Penal, na sentença, “ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do julgador”. Pois é da análise de tal exposição, à luz das regras da experiência comum, que se conclui que ocorreu ou não erro notório na apreciação da prova.
Deste modo, deve o Tribunal recorrido, ao nível da fundamentação da decisão da matéria de facto, fazer uma exposição concisa, mas completa, dos motivos que o levaram a dar como provados e como não provados os factos que assim elencou, indicando os meios de prova que serviram para formar a convicção do Tribunal e fazendo o seu exame crítico, cabendo neste, a razão de ciência das testemunhas (em que o Tribunal se baseou), a forma como depuseram e a sua relação com o litígio, os tipos de documentos em que o Tribunal se baseou, seu valor e origem, bem como o valor, origem e credibilidade da demais prova que acudiu à formação da convicção do coletivo de julgadores, sem esquecer o recurso às regras da experiência comum.
«O exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção» (cfr. Ac. S.T.J. de 30.01.2002, proferido no processo nº 3063/01, in http://www.dgsi.pt.).
Na aferição do rigor e suficiência do exame crítico da prova devem ser tidos em conta critérios de razoabilidade, devendo tal exame permitir exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte, tornar percetível aos destinatários da decisão e sindicável pelo Tribunal de recurso, as razões da convicção do Tribunal que efetuou o julgamento, quanto aos factos que deu como provados e aos que deu como não provados (neste sentido, entre outros: Ac. S.T.J. de 03/10/2007, proc. 07P1779; Ac. R.L. de 10/07/2018, proc. n º 106/15.1PFLRS.L1-5, e Sérgio Poças, Da Sentença Penal – Fundamentação de facto, in Revista “Julgar”, n.º 3, págs. 21 e segs.).
Segundo é pacífico (e referido nos arestos e artigo jurídico citados no parágrafo anterior), o raciocínio lógico, motivado e objetivado na análise das provas não tem de implicar uma tomada de posição expressa e individualizada sobre todos os meios de prova produzidos por todos os sujeitos processuais, quando esses meios de prova não têm qualquer interesse, relevância ou utilidade para a decisão, sob pena de não ser crítico e antes corresponder a uma mera reprodução da atividade probatória desenvolvida, sem qualquer juízo valorativo que permita perceber qual foi o percurso intelectual seguido pelo julgador para dar como provados uns factos e como não provados outros.
Da leitura da fundamentação da decisão da matéria de facto do acórdão recorrido verificamos que o mesmo indica de forma completa os meios de prova em que se baseou para dar como provados os factos provados impugnados pelos arguidos, fazendo uma análise crítica dos mesmos. Explana de forma clara, perfeitamente percetível e circunstanciada, o raciocínio que seguiu e as provas em que se baseou para a decisão tomada sobre a matéria de facto, explicando a razão de ciência de quem depôs e a forma como o fez, analisando as restantes provas, face ao seu legal valor probatório. Conjuga as diversas provas entre si e com as regras da experiência comum, analisando-as à luz das regras da lógica e da experiência da vida, esclarecendo ainda, de forma racional, bem explicada e circunstanciada, porque se baseou numas ou não lhe merecerem credibilidades outras.
Explicou ainda como conclui terem sido os arguidos a praticar os factos que resultaram provados e como os mesmos ocorreram, bem como como apurou a situação pessoal e profissional dos arguidos e seus antecedentes criminais, em que meios de prova se baseou e porquê para a prova de tais factos que descreve nos factos provados, sendo os meios de prova em que se baseou logicamente aptos, legalmente admissíveis e suficientes para fundar tal juízo probatório.
Não encontramos, assim, na, decisão recorrida, quaisquer factos provados que, face às regras da experiência comum e à lógica normal da vida, não se poderiam ter verificado, pelo que não padece a mesma qualquer erro notório na apreciação da prova, seja quanto aos factos relativos à autoria e participação dos arguidos nos factos integradores dos crimes pelos quais foram condenados, seja quanto aos factos relativos à situação pessoal e inserção social dos arguidos.
Por outro lado, constam dos factos provados os factos necessários à escolha e determinação das respetivas penas, designadamente os atinentes aos antecedentes criminais e à situação familiar e profissional de cada um dos arguidos, pelo que, também não se verifica o invocado, pelo arguido AA, vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, uma vez que os factos provados não permitem a resolução jurídica da causa, nos termos em que o foi.
A não valoração de algumas conclusões do relatório social não integra este vício, nem qualquer outro, uma vez que conclusões não são factos e, mesmo que se tratassem de factos – mas não o são - não tendo sido alegados, cabia ao Tribunal escolher oficiosamente os mais relevantes para a escolha e determinação das penas, desconsiderando – como fez e bem - pormenores e juízos conclusivos.
Igualmente não integra nenhum daqueles vícios, a invocação feita pelo arguido AA de que não se provou a sua comparticipação num ou ambos os roubos, o plano previamente concertado entre os arguidos e a prática, por si, de atos de execução.
Ora, se o arguido queria que tais factos provados passem a não provados em sede de recurso, ou nesta sede pretendesse que fossem acrescentados aos factos provados outros relativos aos seu percurso socializador, deveria ter lançado mão da impugnação ampla da matéria de facto a respeito dos mesmos, preenchendo os requisitos previstos no artº 412º, nº 3 do Código de Processo Penal, identificando expressamente os concretos factos que se refere, o sentido em que deveriam ter sido julgados e ainda, o que não fez, indicando os depoimentos e outros meios de prova, com a transcrição dos respetivos excertos, que impunham decisão diversa.
Improcede, assim, na totalidade, a impugnação da matéria de facto efetuada pelo recorrente AA.
Apreciando a alegada, pelo arguido BB, violação do princípio da presunção de inocência, na modalidade de in dubio pro reo, importa esclarecer que não resulta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, que se tenha gerado, no espírito do coletivo de julgadores, qualquer dúvida (e muito menos razoável), quanto à efetiva verificação dos factos que deu como provados. Da leitura da fundamentação da decisão da matéria de facto resulta evidente que o Tribunal recorrido ficou bem convicto da ocorrência de tais factos, e da participação neles por parte do arguido BB e, consequentemente, da sua identidade como os tendo cometido, tanto que explica, de forma bem assertiva e afirmativa, porque lhe mereceram credibilidade os depoimentos e os meios de prova em que se baseou para dar como provados os factos que, nesse sentido, resultaram provados, e porque não lhe mereceram qualquer credibilidade os depoimentos que negaram ou ocultaram a ocorrência dos mesmos.
Na completa ausência de dúvida (e muito menos razoável), na apreciação da prova, não ocorreu a violação, pela decisão recorrida, do princípio da presunção de inocência, na vertente in dubio pro reo.
O texto do acórdão recorrido é, assim, lógico, coerente, consonante com as regras da experiência comum, sendo perfeitamente percetível aos olhos do cidadão comum, não evidenciando qualquer erro e muito menos notório, pelo que não padece de nenhum dos vícios de conhecimento oficioso, designadamente dos previstos no artº 410.º n.º 2 do Código de Processo Penal, nem viola as normas e os princípios invocados por qualquer dos recorrentes.
Estando, como está, à luz das exigências legais, bem fundamentada, a decisão da matéria de facto constante do acórdão recorrido, já que indica as provas em que se fundamenta, que são claramente suficientes para a prova dos factos que vieram a ser dados como provados, faz um correto e completo exame crítico das mesmas, o qual é conforme às regras da experiência comum, e os factos provados são claramente suficientes para a decisão tomada, não tendo subsistido no espírito do julgador qualquer dúvida razoável, improcede o recurso, nesta parte.
Inexistindo vícios decisórios, passemos à apreciação da impugnação ampla da matéria de facto, ou seja, agora no âmbito previsto no artº 412º, nº 3 do Código de Processo Penal.
Conforme já referimos, o recorrente BB manifesta a sua discordância quanto à decisão da matéria de facto, defendendo que os factos constantes dos pontos n.ºs 1, 3, 4, 7, 8, 10, 13, 14 e 16 dos factos dados como provados no acórdão recorrido foram incorretamente julgados.
Indica que, “as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida são os depoimentos das testemunhas CC e EE (ofendidos) e do agente da PSP FF, prestados em audiência de discussão e julgamento” cujos excertos transcreve na motivação do seu recurso.
Procedeu, assim, à impugnação ampla da decisão da matéria de facto, nos termos e com o âmbito previsto no artº 412º, nº 3 do Código de Processo Penal, pelo que, importa proceder à sua apreciação.
De acordo com esta norma, quando o recorrente impugne a matéria de facto, pretendendo o seu reexame, deve especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa (e, se for o caso, as provas que devem ser renovadas).
Ora, quando a prova tiver sido gravada, como ocorre no caso em apreciação, o recorrente deve indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
Em tal caso, “o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa” (artº 412º, nº 6 do Código de Processo Penal).
Importa, pois, analisar se a prova produzida e gravada impõe decisão diversa.
A citada norma esclarece que, para além das “passagens indicadas” o tribunal deve ouvir “outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa”. Assim, é relevante, desde logo, a audição dos depoimentos completos em causa, não só dos ofendidos, mas também das demais testemunhas que foram inquiridas em sede de julgamento, e ainda a visualização dos documentos em que se baseou a decisão recorrida, porquanto, na normalidade das situações, a leitura ou audição de excertos desgarrados e descontextualizados de determinados depoimentos, por o serem, não permite entender o completo sentido e alcance do seu conteúdo.
Consagrando o princípio da livre apreciação da prova, dispõe o artº 127º do Código de Processo Penal que, “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
Este princípio (da livre apreciação da prova) materializa-se numa vertente positiva, resultante da inexistência de critérios legais pré-determinados no valor a atribuir à prova e, numa vertente negativa, que implica que não é permitida uma apreciação discricionária ou arbitrária da prova produzida. Vale por dizer que, a livre convicção do julgador terá de ser pessoal, mas também objetivável, por baseada em critérios de valoração racionais, lógicos e entendíveis pela comunidade.
Desde que respeitados tais critérios, nada obsta a que o julgador, para formar a sua convicção, valorize particularmente o depoimento de uma testemunha, nomeadamente do ofendido, em detrimento de testemunhos contrários, incluindo do arguido.
Como corolário do que se deixou dito, só ocorre inobservância do princípio da livre apreciação da prova, quando o Tribunal recorrido, ao formar a sua convicção, violar os seus momentos estritamente vinculados (obtida através de provas ilegais ou proibidas ou contra a força probatória plena de certos meios de prova) ou quando violar, de forma manifesta, as regras de experiência comum.
Assim, carece de fundamento legal e constitucional, a tese do recorrente BB de que, o Tribunal recorrido ao se basear apenas no depoimento de um dos ofendidos, violou o princípio da livre apreciação da prova. Como de fundamento carece a sua asserção de que, ao assim formar a sua convicção, violou o princípio da presunção de inocência, pois que, como acima já vimos, não se tendo formado na convicção do julgador a dúvida razoável sobre a identidade deste recorrente como autor dos factos que foram imputados, não tem cabimento legal nem constitucional a aplicação do princípio in dubio pro reo.
Ensaia ainda a inédita tese de que, “serão sempre inconstitucionais as normas contidas nos artigos 26.º, 28.º e 210.º, n.º 1, todos do Código Penal”, ainda que ao abrigo do princípio da livre apreciação de prova, consagrado no artigo 127.º do Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido de que, “o Tribunal pode, ao abrigo do princípio da livre apreciação de prova, valorar a identificação realizada por apenas 1 dos Ofendidos, como prova suficiente e definitiva para condenação, ainda que, nenhuma outra prova exista nesse sentido.” Ou no sentido de que “o tribunal pode fundamentar a decisão condenatória unicamente com base em uma identificação realizada por um único Ofendido, mesmo que tal identificação não seja corroborada por outros elementos probatórios.” Ou ainda no sentido de que “a identificação dos autores dos factos realizada por um dos Ofendidos pode ser considerada prova plena e definitiva, dispensando a necessidade de outras diligências probatórias que confirmem ou validem essa identificação.” Isto, pela violação dos arts “1.º, 2.º, 13.º, 18.º, 32.º, 204.º, 205.º” da Constituição e do artº 6 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Mas não lhe assiste qualquer razão, quer porque a prova dos factos não assentou apenas no depoimento de um ofendido (como à frente veremos) e como tal o Tribunal não aplicou as referidas normas com o sentido que o recorrente lhe quer atribuir para a por si pretendida inconstitucionalidade, quer porque as normas constantes dos artigos 26.º, 28.º e 210.º, n.º 1, todos do Código Penal, são normas de direito penal substantivo, sem qualquer natureza processual, nada tendo que ver, portanto, com as regras (processuais) da apreciação e valoração da prova.
Vejamos cada um dos pontos da matéria de facto impugnada pelo arguido BB.
Desde logo, este recorrente defende não estar provada a sua identidade como autor dos factos.
Entende que, no ponto 10 dos factos provados, em vez de constar que “os arguidos foram encontrados, pelos agentes e pelos ofendidos, na ..., em ..., onde foram identificados”, deve apenas constar que, “os arguidos foram encontrados pelos agentes da PSP, na ..., em ..., onde foram identificados, na presença do ofendido CC.
É o que resulta, segundo argumenta, dos referidos depoimentos e da ausência de um auto de reconhecimento, concluindo que “não se provou que os ofendidos tivessem identificado pessoal e autonomamente os arguidos à data dos factos, com o grau de certeza exigível. A alegada identificação feita na noite dos factos resultou de um reconhecimento informal, e foi realizada com base em descrições físicas genéricas e perceções subjetivas, sem qualquer procedimento formal nos termos legais”.
Mas não é assim.
Ouvido o depoimento, prestado em audiência, pela testemunha CC, constatamos que a mesma, como bem refere o Ministério Público na resposta a este recurso (e com o qual concordamos integralmente), “descreveu os factos dados como provados, relatando-os de forma clara, coerente e compaginável com as regras da experiência, indicando como autor dos mesmos o recorrente, pessoa que já conhecia, pelo que, tal depoimento não se tratou de um reconhecimento pessoal informal.
O reconhecimento pessoal previsto no artigo 147.º do Código de Processo Penal surge naquelas situações em que os ofendidos e/ou testemunhas dos factos desconhecem a identidade da pessoa que os cometeu, mas que, por terem tido contacto com esse agente, conseguem descrever as suas características físicas e mostram-se capazes de conseguir identifica-lo se forem novamente confrontados com essa pessoa.
In casu, o ofendido conhece o recorrente motivo pelo qual não efetuou qualquer reconhecimento pessoal, tendo-o indicado como um dos autores dos factos. Na verdade, não se reconhece quem já se conhece”.
Na verdade, a referida testemunha esclareceu em julgamento que já conhecia antes o arguido BB “da zona de ...” e que, “se o visse na rua reconhecia”.
Vale por dizer, que o reconhecimento previsto no artº 147º do Código de Processo Penal – sujeito à livre apreciação do julgador (tal como o estão os depoimentos prestados em julgamento ou neste validamente lidos) – destina-se a reconhecer pessoas (que o depoente não conhece) e não a identificar pessoas já conhecidas, pelo que, sendo o arguido BB já conhecido da testemunha, desde antes da prática dos factos, não haveria que recorrer ao reconhecimento previsto nesta norma, por já ter identificado correta e cabalmente. E fê-lo, ainda e especialmente, quando prestou declarações em sede de julgamento. Declarações estas que estão plenamente sujeitas ao princípio do contraditório, com completa observância das normas e princípios constitucionais, em especial assegurando todas as garantias de defesa ao arguido.
Por outro lado, a testemunha NN, no seu depoimento prestado em audiência, esclareceu que, agindo na qualidade de agente da PSP, e na sequência de os ofendidos terem solicitado a sua presença por lhe terem sido roubados cigarros e dinheiro, logo em seguida, procuraram e encontraram os arguidos, tendo o arguido BB lhe devolvido os cigarros que roubara antes.
Deste modo, a identificação de BB, como participante dos factos que resultaram provados, baseou-se, também, e para além do mais, no depoimento desta testemunha.
No que concerne à pretendia alteração ao ponto 10 dos factos provados, o recorrente pretende, não a alteração de um facto mas a alteração da descrição de um meio de prova. Ora as provas, por o serem, não são factos, antes se destinando a provar aqueles. Ademais, não constitui evento integrador dos elementos típicos de qualquer crime, alguém ser identificado na presença de uma, de dois ou de três ou mais pessoas.
Nos termos do artº 358º, nº n.º 2 do Código de Processo Penal, os factos têm de ser “relevantes para as questões de saber:
a) Se se verificam os elementos constitutivos do tipo de crime;
b) Se o arguido cometeu crime ou nele participou;
c) Se o arguido atuou com culpa;
d) Se se verifica alguma causa que exclua a ilicitude ou a culpa;
e) Se se verificaram quaisquer outros pressupostos de que a lei faça depender a punibilidade do agente ou a aplicação a este de uma medida de segurança;
f) Se se verificaram os pressupostos de que depende o arbitramento da indemnização civil”.
De igual modo e com igual âmbito, o artº 124º do Código de Processo Penal delimita os factos que podem ser objeto de prova em processo penal, ao estabelecer, no seu nº 1, que “constituem objeto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou medida de segurança aplicáveis”, a que acrescem, nos termos do seu nº 2, “os factos relevantes para a determinação da responsabilidade civil”. Não constam de tal elenco os meios de prova.
Assim, pelas razões expostas, não são todos os factos constantes das referidas peças processuais ou que resultem da discussão da causa que têm de ser objeto de prova e decisão (como provados ou não provados) na sentença ou no acórdão que aprecia o recurso, mas apenas os factos essenciais, sendo estes os relevantes enquanto constitutivos do tipo de crime, do seu cometimento ou participação pelo arguido, da culpa deste, que constituem alguma causa que exclua a ilicitude ou a culpa, que constituam pressupostos de punibilidade do agente, que permitam a escolha e determinação da pena ou a aplicação de medida de segurança e os relativos aos pressupostos de que depende o arbitramento da indemnização civil (neste sentido se pronunciou, entre outros, o Ac. RP de 13/09/2021, relatado por Jorge Langweg e proferido no processo nº 7695/19.0T9PRT.P1).
Improcede, assim, a impugnação da matéria de facto quanto ao facto constante do ponto 10. dos factos provados do acórdão recorrido.
Defende ainda o recorrente que, dos factos constantes do ponto 1 dos factos provados, não deveria ter sido dado como provado que foi “para os obrigar a entregar bens ou valores que tivessem consigo, para proveito próprio, se necessário com recurso a ameaças ou violência”, que os arguidos abordaram os ofendidos, mas apenas “para lhes pedir um cigarro”.
Dos factos constantes do ponto 3 dos factos provados, não deveria ter sido dado como provado que o arguido BB “agarrou e puxou o maço de cigarros que DD tinha na mão apoderando-se do mesmo”.
Indica o depoimento de CC, na parte que transcreve na pág. 23 do seu recurso, de cujo excerto conclui que “os cigarros foram entregues voluntariamente por DD, a pedido do seu amigo OO, antes de qualquer agressão”.
Quantos factos constantes do ponto 4, não devia ter sido dado com o provada a parte que refere que “ao mesmo tempo que retiraram do bolso das calças de CC a carteira, a qual não tinha nenhuma quantia monetária, pelo que, se apoderaram das moedas que este tinha no bolso no montante de 3 Euros”, mas antes se devendo dar como provado que as moedas foram entregues voluntariamente.
Entende o recorrente que, os factos contantes dos pontos 7. e 8. dos factos provados se devem referir, o ponto 7 apenas ao arguido AA, e o ponto 8. que DD não sentiu dores, nem ficou com qualquer marca ou lesão, em consequência dos factos ocorridos.
Consequentemente, os factos constantes dos pontos 13., 14 e 16. (referentes aos elementos subjetivos e acordo e comunhão de esforços dos arguidos) não deveriam ter sido dados como provados.
Da audição dos depoimentos completos (e não apenas das partes descontextualizadas transcritas habilmente pelo recorrente) dos dois ofendidos e das duas testemunhas agentes da PSP PP e QQ, conjugados entre si a apreciados à luz das regras da experiência comum, retira-se terem os factos ocorrido da forma como estão descritos e resultaram provados nos pontos impugnados, ou seja, nos pontos 1, 3., 4., 7., 8., 13., 14., e 16. dos factos provados
Tais meios de prova, na parte dos excertos transcritos pelo recorrente, não implicam necessariamente decisão diversa da tomada, mas apenas permitem formar uma outra convicção, alternativa à formada pelo Tribunal recorrido.
Ora, da conjugação destes elementos probatórios com os demais elementos de prova, em que se baseou o Tribunal recorrido, se vistos no seu todo, conjugados uns e outros entre si e todos analisados e conjugados com as regras da experiência comum, é racional e justificada a formação da convicção do julgador, nos termos e com o sentido em que a formou, quanto à prática pelos arguidos dos factos que resultaram provados, bem como quanto à respetiva intencionalidade, concertação e plano conjunto, nos termos em que resultaram provados.
Como bem refere a decisão recorrida e se retira da audição integral dos depoimentos acabados de referir resulta «do depoimento da testemunha CC, ofendido nos autos, que de forma coerente, consistente e objetiva descreveu a atuação dos arguidos, nomeadamente a cronologia e dinâmica dos acontecimentos e quanto ao circunstancialismo relacionado com a abordagem e a participação dos mesmos nos factos de que foi vítima, ocorridos em ........2022», o qual no «no essencial, referiu que conhece o arguido BB de vista de frequentarem os mesmos locais na cidade de ..., o outro indivíduo veio posteriormente a saber que se chamava AA. No dia dos factos já de madrugada quando se dirigia para o seu veículo automóvel para regressar a casa acompanhado de DD, encontraram na rua o BB acompanhado de outro individuo que à data desconhecia.
O BB e o outro individuo abordaram-no pedindo cigarros, o LL disse que não tinha, o que fez com que os indivíduos começassem a ficar agressivos, a falar alto e a chamarem-lhes mentirosos e um deles desferiu chapadas na cara do DD. Ato continuo meteram-lhe a mão no bolso e retiraram-lhe a carteira, que não tinha dinheiro, mas ficaram 3 euros em moedas que tinha no bolso.
Ao DD retiraram o maço de cigarros que este [tinha].
Os arguidos continuavam a obstar a passagem aos ofendidos e mandaram-lhes virar as costas e correrem, como se afastavam apenas a caminhar o AA desferiu-lhe um pontapé no joelho e o LL foi atingido com pontapés nas costas.
Afastaram-se do local e chamaram a polícia, que se deslocou até aos ofendidos num carro patrulha. Após terem descrito os indivíduos e dado as informações que dispunham sobre os mesmos, a testemunha foi na viatura policial com os agentes no encalce dos indivíduos, tendo-os encontrado junto a um bar numa das ruas da cidade onde os agentes da polícia os abordaram.
Após a abordagem policial o arguido BB entregou-lhe diretamente a si o maço de cigarros.
Quando os agentes policiais estavam a abordar os arguidos, surgiram vários amigos destes, que rodearam a viatura policial e começaram a chamar racistas aos agentes e ouviu chamar “filho da puta “dirigido a um dos agentes, não sabendo contudo identificar quem proferiu a expressão».
Acresce que, «DD, ofendido nos autos» no seu depoimento, «descreveu de modo coerente e fidedigno a atuação conjunta dos arguidos o que fez em termos coincidentes com a versão da testemunha CC, apenas algo mais pormenorizado quanto à autoria das agressões de que forma alvo por parte dos arguidos.
Em síntese relatou que cerca das 3 horas da manhã se encontrava com CC a regressar a casa quando foram abordados pelos arguidos que pediram de modo agressivo cigarros dizendo: “se não nos arranjam tabaco vão ter problemas”, ao mesmo tempo que os cercaram.
A testemunha inicialmente disse que não tinha, o que não era verdade, e então de imediato o arguido BB desferiu-lhe duas bofetadas e começaram a pedir-lhes dinheiro.
A testemunha após a agressão entregou o maço de tabaco, não tinha, porém, dinheiro, mas apoderaram-se de 3 Euros que o CC tinha no bolso
Seguidamente os arguidos disseram-lhes para começarem a correr dali, como não iniciaram a correr, mas a andar a passo, o BB desferiu-lhe dois pontapés nas costas e o AA desferiu um pontapé na perna que ficou marcado. Após esta agressão começaram a correr e chamaram a polícia através do 112, que se deslocou até eles num carro patrulha.
Após terem relatado o sucedido e descrito os indivíduos através de características físicas e indumentária, o CC acompanhou a polícia na viatura destes para procurarem os arguidos.
Afirmou que mais tarde a polícia entregou-lhe o maço de cigarros de que os arguidos se tinham apoderado».
Já a testemunha HH, agente da PSP, «relatou ao tribunal que conhece ambos os arguidos do exercício das suas funções. Foram chamados a uma ocorrência de duas vítimas de roubo. No local as vítimas relataram que tinham sido agredidos e que lhes tinham sido retirado dinheiro e tabaco.
Um dos ofendidos foi no carro patrulha para tentarem encontrar os arguidos. Deslocaram-se a um local da cidade de ... onde apesar da ora tardia há um bar sempre com movimento e efetivamente encontraram os arguidos no local.
Quando confrontaram os arguidos, estes exaltaram-se de imediato dizendo que eram sempre perseguidos pela polícia, porém o BB admitiu que se tinha apoderado dos cigarros e entregou-os ao ofendido».
Acresce que, os factos constantes do ponto 7 não se reportam apenas, como pretende o recorrente, às consequência da atuação de um dos arguidos, mas de ambos e, portanto, não apenas às constantes do ponto 5, mas também às demais dos outros pontos dos facos provados. Por conseguinte, é insubsistente e injustificada a por si pretendida restrição fatual.
Por outro lado, segundo se retira das regras a experiência comum, o normal é que, das agressões praticadas resultem dores, hematomas (pelo menos dos pontapés) e vermelhidão nos locais atingidos (designadamente em resultado de bofetadas).
Assim, também nesta parte, nenhuma censura nos merece a decisão da matéria de facto proferida pelo douto acórdão recorrido.
Destarte, da audição integral dos acima referidos depoimentos prestados em audiência, concluímos no mesmo sentido e pelas razões constantes do acórdão recorrido, com as quais concordamos integralmente.
Nesta conformidade se conclui que a prova produzida não impunha decisão diversa da matéria de facto, antes dela resultando que se devem manter como provados os factos constantes dos pontos 1 a 4, 7, 8, 13, 14 e 16 dos factos provados do acórdão recorrido, sendo manifestamente improcedente a impugnação feita ao teor do ponto 10 (este por não se destinar a alterar um facto, mas um meio de prova).
Na verdade, e segundo é pacífico, tanto na doutrina, como na jurisprudência, a impugnação ampla da matéria de facto não se destina, em sede de recurso, a efetuar um novo julgamento da causa, mas sim a corrigir concretos erros de julgamento e, portanto, quanto a concretos pontos em que houve uma errada decisão da matéria de facto.
Acresce que, ouvida a prova gravada, em especial os depoimentos dos ofendidos e dos agentes da polícia que acorreram ao local e abordaram os arguidos, e a quem o arguido BB entregou os cigarros de que se apropriara, em conjugação com a demais prova produzida, à luz das regras da experiência comum, é manifesto que o Tribunal recorrido se poderia convencer no sentido em que formou a sua convicção.
A reapreciação da matéria de facto com a audição da prova gravada não se destina, portanto, a formar uma nova convicção pelo Tribunal de recurso, mas apenas a sindicar erros de julgamento do Tribunal de primeira instância, segundo é pacífico na jurisprudência e na doutrina. Vale por dizer que, havendo depoimentos a relatar os factos provados e outros meios de prova a demonstrá-los – e há-os e são aqueles em que o Tribunal recorrido se baseou para dar como provados os factos que deu - e tendo o Tribunal recorrido valorado tais depoimentos e outros meios de prova para dar aqueles como provados, afastado está qualquer erro de julgamento a corrigir. Questão diversa é a de ser possível, a partir dos depoimentos prestados e demais meios de prova, formar duas diferentes convicções, sendo uma a que o Tribunal recorrido formou e outra diversa a que os arguidos recorrentes pretendiam que se tivesse formado. Neste caso, não se destinando o recurso da matéria de facto a efetuar um novo julgamento, não pode o Tribunal de recurso substituir a convicção daquele por outra, ainda que possível. Será bom não se olvidar que, enquanto o Tribunal aprecia objetivamente a prova, já os arguidos fazem-no do seu ponto de vista, necessariamente subjetivo e interessado.
Assim, tendo o Tribunal de recurso, ao ouvir a prova gravada e analisados os demais meios de prova, concluído, como efetivamente concluiu, que a factualidade em apreciação e dada como provada foi relatada pelos depoentes e resulta dos demais meios de prova em que o Tribunal recorrido fundou a sua convicção para dar tais factos como provados, como ocorre na situação em apreciação, temos de julgar o recurso improcedente, nesta parte.
Importa, por último, esclarecer e reafirmar que, tendo o Tribunal recorrido concluído que os arguidos recorrentes praticaram os factos integradores dos crimes pelos quais vieram a ser condenados, escudando tal decisão na certeza da sua verificação face à prova em que se baseou e que não lhe permitiu que subsistisse qualquer dúvida razoável, não tem qualquer fundamento legal ou factual a pretensão de aplicação ao caso do princípio in dubio pro reo.
Da renovação da prova:
O recorrente BB requereu a renovação da prova, quanto aos depoimentos das testemunhas DD, CC e FF, nos termos do artº 430.º do Código de Processo Penal.
Nos termos do nº 1 deste artigo, é pressuposto para a admissão da renovação da prova verificarem-se “os vícios previstos nas alíneas do nº 2 do artigos 410º” do Código de Processo Penal e “houver razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo”.
No caso, conforme acima apreciado, não se verificam os apontados vícios, pelo que não está preenchido um dos pressupostos legais de que dependia o deferimento da requerida renovação da prova.
Importa, assim, e em definitivo, recusar a requerida renovação da prova (artº 430º, nº 2 do Código de Processo Penal), ficando prejudicada a realização de audiência.
*
2. Da qualificação jurídico-penal (concurso de crimes e “princípio da insignificância”):
O acórdão recorrido qualificou juridicamente as condutas dos arguidos como constituindo a prática, pelos mesmos, em concurso efetivo, de dois crimes de roubo e de um crime de ofensa à integridade física simples.
Entende o arguido BB que existe mero concurso de normas ou concurso aparente entre os crimes de roubo e o crime de ofensa à integridade física, já que “os elementos objetivos e subjetivos da ofensa à integridade física se mostram totalmente absorvidos pela estrutura típica do crime de roubo”. Isto por porque, “na execução do crime de roubo, a violência usada contra uma pessoa, como meio de atuação do agente para conseguir a finalidade de subtração da coisa móvel alheia, pode consistir na ofensa à integridade física, impossibilitando-a de resistir à realização da finalidade do agente”.
Estaremos perante um concurso de normas (também chamado de concurso aparente) quando os mesmos factos são formalmente subsumíveis a “uma pluralidade de tipos criminais, sendo a aplicação de um desses tipos incriminadores suficiente para punir o facto”, sendo que, “as formas do concurso de normas são a especialidade, a subsidiariedade e a consunção” (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, em anotação ao artº 30 do Código Penal).
Já o concurso de crimes encontra-se regulação no artº 30º do Código Penal, dispondo o seu nº 1 que, “o número de crimes determina-se pelo número de tipos efetivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente”. Como assinala Eduardo Correia (in Direito Criminal, vol. II, págs. 197 e segs.), e resulta desta norma, que o legislador consagrou um critério teleológico para a determinação do número de crimes praticados pelo agente.
Esclarece o referido autor que, seguindo este critério normativo, “o número de infrações determinar-se-á pelo número de valorações que, no mundo jurídico criminal, correspondem a uma certa atividade”, “pelo que, se diversos valores ou bens jurídicos são negados, outros tantos crimes haverão de ser contados, independentemente de no plano naturalístico, lhes corresponder uma só atividade, isto é, de estarmos perante um concurso ideal”.
Para além do bem jurídico protegido, face ao princípio da culpa, ao nível subjetivo importa atender à unidade ou pluralidade de resoluções criminosas.
O crime de roubo tem, como bens jurídicos protegidos, não só o património, mas também (entre outros), no caso de violência física, a integridade física de outrem.
Como bem refere o recorrente, existe concurso aparente quando a violência física é usada como meio para a obtenção da entrega da coisa de que se pretende apropriar ilicitamente, quer porque a violência física já está prevista na estrutura do crime de roubo, quer porque a ofensa corporal é o meio ou modo de execução para o fim roubo. Com igualmente refere o recorrente, assim ocorre quando o agente não tenha “visado causar qualquer dano físico como objetivo autónomo” da sua conduta.
Concordamos integralmente com a construção teórica do recorrente, mas a mesma parte de uma premissa fatual errada, que inquina a conclusão que retira no caso concreto.
Assim, a violência física descrita nos pontos 3 e 4 dos factos provados, constitui, efetivamente, meio de execução do crime de roubo e um dos seus elementos típicos, pelo que, estas ofensas corporais estão consumidas pelo crime de roubo.
Já a violência física usada após a substração, quando os arguidos já estavam na posse pacífica dos objetos de que se apropriaram, não visava constranger os ofendidos a entregarem-lhe objetos, nem tão-pouco a mantê-los em seu poder, sendo absolutamente gratuita e desnecessária, seja para a execução do crime de roubo, que já estava consumado, seja para a manutenção, pelos arguidos, dos objetos de que ilicitamente se apropriaram, cuja posse pacífica já tinham. Esta violência física visava apenas constranger os ofendidos a afastarem-se rapidamente do local.
Na verdade, conforme resultou provado, após a consumação dos crimes de roubo, os arguidos formularam uma nova resolução criminosa com específica intencionalidade de ofensas corporais e foi então que “ordenaram aos ofendidos que abandonassem o local, e como não o fizeram rapidamente o arguido AA deferiu diversos pontapés na perna direita de CC e o arguido BB desferiu diversos pontapés no corpo de DD, que desta forma, e por lhes ter sido novamente ordenado pelos arguidos, começaram a correr, em direção à ...” (conforme ponto 5 dos factos provados).
Estamos, assim, perante uma relação de concurso efetivo entre os factos integradores dos elementos típicos dos crimes de roubos e os integradores dos elementos típicos do crime de ofensa à integridade física (estes quanto às agressões descritas no ponto 5 dos factos provados).
No que concerne aos crimes de roubo, face à pluralidade de resoluções criminosas provadas dos arguidos e à pluralidade de ofendidos, tendo as condutas dos arguidos lesado o património e a integridade física de duas pessoas diferentes, estamos perante, não um, mas dois diferentes crimes de roubo.
Termos em que se concluir que os arguidos cometeram, efetivamente, dois crimes de roubo e, cada um, um crime de ofensa à integridade física simples.
No que concerne à invocação do “princípio da insignificância”, não tem a mesma o mínimo de justificação no caso, porquanto, face aos princípios da necessidade e proporcionalidade e ao princípio da subsidiariedade do direito penal, as condutas provadas dos arguidos, não só preenchem os elementos típicos dos crimes pelos quais foram condenados, como se assumem de gravidade suficiente para merecerem tutela penal. O que não ocorre é uma proporcionalidade entre a violência empregue pelos arguidos e os objetos de que se apropriaram, o que agrava a censurabilidade das suas condutas, uma vez que, mesmo para obterem valores reduzidos (três euros e um maço de tabaco) não se coibiram de empregar violência para deles se apropriarem.
Ao nível dos factos qualificados como crime de ofensas corporais (descritos no ponto 5 dos factos provados), os diversos pontapés desferidos em ambos os ofendidos, pela sua gravidade, são bem reveladores da necessidade de intervenção penal, para proteção dos bens jurídicos atingidos e respetivos direitos fundamentais dos ofendidos, constitucionalmente consagrados e protegidos.
Improcede, assim, nesta parte, o recurso.
*
3. Da determinação das medidas concretas das penas.
a) Quanto ao arguido AA
O recorrente AA manifesta a sua discordância com a pena única resultante do cúmulo das penas parcelares, de 3 anos e 9 meses de prisão a que foi, por entender que a mesma “é excessiva e desproporcional aos factos”, não tendo a decisão recorrida tomado em conta os factos referentes ao seu percurso de socialização.
Porém, não indica a concreta medida da pena que entende que lhe deveria ter sido aplicada.
Ora, nos termos do artº 412º, nº 2 do Código de Processo Penal, versando o recurso “matéria de direito, as conclusões indicam, ainda:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; e
c) Em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada”.
Assim, o recorrente, ao impugnar a decisão que fixou em 3 anos e 9 meses de prisão a pena única a que foi condenado, deveria ter indicado o sentido em que as normas jurídicas violadas com tal fixação deveriam ter sido interpretadas ou aplicadas, ou seja, deveria ter indicado a concreta pena que entende que deveria ter sido fixada.
Ao não o fazer, não deu cumprimento ao disposto no artº 412º, nº 2 do Código de Processo Penal, o que deixa o recurso por si interpostos, nesta parte, sem objeto, tornando-o manifestamente improcedente.
No caso, os elementos em falta não constam, nem das conclusões, nem das alegações, o que torna inadmissível a formulação de um convite ao seu aperfeiçoamento, em ordem ao suprimento da falha detetada na impugnação recursiva da fixação da medida concreta da pena.
Nos termos do artº 417.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, só é admissível o aperfeiçoamento das conclusões desde que os elementos em causa (e em falta nas conclusões) constem das alegações.
Na verdade, não constando os elementos em falta, nem sequer das alegações/motivação, um convite ao aperfeiçoamento implicaria permitir ao recorrente ampliar o objeto do recurso e o seu âmbito, o que equivaleria a conceder-se um novo prazo para recorrer, o que contende com o caráter perentório do respetivo prazo e não está incluído no âmbito do direito ao recurso (cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 259/2002 de 18/06/2002, in DR, IIª Série, de 13/12/2002, e nº 140/2004, de 10/03/2004, in DR, IIª Série, de 17/04/2004).
Improcede, deste modo, e de forma igualmente manifesta, também este segmento do recurso.
b) Quanto ao arguido BB
O recorrente BB discorda das penas parcelares que a decisão recorrida fixou quanto a cada um dos crimes por si cometidos, por as entender excessivas.
Começa por invocar falta de fundamentação da decisão recorrida quanto à escolha da pena. Ora, como apenas o crime de ofensa à integridade física simples admite, em alternativa, pena de prisão ou pena de multa, presumimos que se refira à escolha da pena aplicável a tal crime.
Quanto às penas concretas de prisão, defende que deveriam ser fixadas em um ano, sem que se perceba se se refere a todas as penas parcelares a que foi condenado ou apenas a uma ou alguma delas, designadamente à(s) do crime de roubo (uma vez que se refere sempre à “pena”, no singular, e não “às penas”, no plural).
Ainda assim, em benefício do arguido e do seu direito ao recurso, vamos presumir que se pretende referir a todas as penas parcelares a que foi condenado, impugnando-as recursivamente.
Argumenta, para tanto, que são reduzidas as necessidades de prevenção especial, por estar socialmente (familiar e profissionalmente) inserido e ser primário. Como reduzido entende que é o grau de ilicitude dos factos, por estar em causa um roubo de um maço de cigarros e um roubo de €3,00, tendo a agressão consistido em “duas bofetadas ligeiras”.
O acórdão recorrido condenou o arguido BB na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, resultando das seguintes penas parcelares:
- 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática, em coautoria, de um crime de roubo simples previsto pelo artº 210º, nº 1 do Código Penal;
- 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática, em coautoria, de mais um crime de roubo simples previsto pelo artº 210º, nº 1 do Código Penal; e
- 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física simples previsto pelo artº 143º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão.
A moldura abstrata da pena única é, assim, de 2 anos e 6 meses a 6 anos e 3 meses de prisão.
Vejamos a questão suscitada da alegada falta de fundamentação quanto à escolha da pena.
Apenas o crime de ofensa à integridade física simples cometido pelo arguido BB (e também o de injúrias cometido pelo coarguido, mas que está fora do objeto do presente recurso) é punido, em alternativa, com pena de prisão ou de multa.
Diversamente do que refere o recorrente, a decisão recorrida fundamentou a opção pela pena de prisão, em detrimento da multa.
Na verdade, conforme se pode ler em tal decisão, a mesma explicou, de forma clara e percetível que “não obstante a moldura penal abstrata aplicável ao crime de ofensa à integridade física simples e de injúria agravada, prever em alternativa, pena de prisão ou pena de multa, a gravidade objetiva dos factos valorada na sua globalidade e as elevadas exigências de prevenção, quer geral, quer especial de ressocialização, excluem a opção por pena não detentiva”. E mais adiante, já na parte da determinação das medidas concretas das penas (mas que faz parte integrante da fundamentação ao acórdão recorrido), desenvolve fundamentadamente em que consistem, no caso, as elevadas necessidades de prevenção geral e especial.
Como se extrai, com ostensiva clareza, a questão suscitada pelo recorrente não consubstancia, assim, qualquer nulidade do acórdão por falta de fundamentação.
Na verdade, o artº 379.º, n.º 1, al. a), por remissão para o artº 374º (ambos do Código de Processo Penal) que define os requisitos da sentença, comina com nulidade a omissão, entre outras, da fundamentação que, nos termos do n.º 2 do citado artº 374.º, é composta “da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
Constitui entendimento dominante na doutrina e na jurisprudência que o normativo legal em apreço, que visa garantir o desiderato constitucional da necessidade de fundamentação das decisões judiciais (artº 205º da Constituição da República Portuguesa), como meio indispensável ao alcance de um processo equitativo e não arbitrário, penaliza apenas a falta absoluta de fundamentação da decisão, não padecendo do vício da nulidade aquela que contém uma fundamentação deficiente, medíocre ou mesma errada.
A falta de fundamentação da decisão, seja ela um mero despacho ou uma sentença, há de revelar-se pela ininteligibilidade do discurso decisório, por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira1.
Como se extrai, com clareza, do acórdão recorrido, e em especial do excerto supra transcrito, o Tribunal a quo, explicou as razões de facto e de direito pelas quais optou pela aplicação de pena de prisão, em detrimento da pena de multa, tal como é exigido pelo citado o artº 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, permitindo, sem dificuldade, concluir pela total ausência de fundamento da alegação do recorrente de nulidade do Acórdão, por eventual falta ou insuficiência de fundamentação.
Ademais, o tribunal recorrido fundamentou a opção tomada com recurso a uma explicação clara, suficiente e indiscutivelmente inteligível.
Improcede, pois, este segmento (atinente à invocada falta de fundamentação) do recurso.
Apreciemos agora a impugnação do recorrente BB, quanto à medida concreta das penas.
Cada um dos dois crimes de roubo cometidos por este arguido (em coautoria) são punidos com pena de prisão de 1 (um) a 8 (oito) anos, enquanto que o crime de ofensa à integridade física por si praticado (em autoria material) é punido com pena de prisão de 1 (um) mês a 3 (três) anos (arts 210º, nº 1, 143º, nº 1 e 41º, nº 1, todos do Código Penal).
Na determinação da medida concreta das penas importa atender à culpa do agente, às exigências de prevenção de futuros crimes e a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele (artº 71º do Código Penal).
Pela via da culpa, segundo refere o Prof. Figueiredo Dias (“As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, pág. 239), releva para a medida da pena a consideração do ilícito típico, ou seja, “o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente”, conforme prevê o artº 71º, nº 2, al. a) do Código Penal.
A culpa, como fundamento último da pena, funcionará como limite máximo inultrapassável da pena a determinar (artº 40º, nº 2 do Código Penal). A prevenção geral positiva (“proteção de bens jurídicos”), fornecerá o limite mínimo que permita a reposição da confiança comunitária na validade da norma violada. Por último, é dentro daqueles limites que devem atuar considerações de prevenção especial, isto é, de ressocialização do agente (F. Dias, ob. cit., págs. 227 e segs.; Anabela Rodrigues, in R.P.C.C., 2, 1991, pág. 248 e segs.; e Ac. S.T.J. de 9/11/94, B.M.J. nº 441, pág. 145).
O acórdão, ao nível do grau de ilicitude dos factos, das suas consequências e da culpa dos agentes, tomou em conta que os arguidos atuaram em conjunto (quanto aos crimes de roubo, o que agrava o grau de ilicitude destes factos), agiram com dolo direto quanto a todos os crimes cometidos (a forma mais grave e intensa de dolo).
Especificamente quanto aos crimes de ofensa à integridade física, cujo grau de ilicitude reputou (e bem) de elevado, teve em conta também «a forma como o ilícito foi praticado, reveladora além do mais de uma indiferença pelas consequências para a integridade física dos ofendidos, como também a “desnecessidade” da atuação, tanto mais que já haviam agredido os ofendidos na execução do crime de roubo e repetiram a agressão física, numa demonstração de prepotência, já que na base da agressão física esteve o não cumprimento da ordem de se afastarem a correr, o que revela quanto os arguidos estão afastados das regras mínimas de respeito pela integridade física dos outros e num claro desinteresse e sobranceria, valendo-se apenas da sua superioridade física e ausência de valores de vida em sociedade, fazendo uso da sua supremacia alcançada através da intimidação».
No que concerne aos crimes de roubo, a decisão recorrida assertivamente tomou ainda em conta a enorme desproporção entre o muito reduzido benefício que os arguidos visaram obter e a grande gravidade das suas condutas, ao assinalar que, a “atuação dos arguidos, tendo em conta nomeadamente o valor dos bens subtraídos, que efetivamente é diminuto, porém se o valor dos bens de que se apoderaram é diminuto, não é menos verdade que os arguidos não tiveram nenhum rebuço ou limitação em praticar um crime grave para se apoderarem de cigarros e de 3 Euros, o que revela bem a total ausência de senso de limite de atuação, do senso de impunidade que demonstram, a naturalidade que assumem a cometer um crime da gravidade do crime de roubo, necessariamente com violência para obterem o que de momento pretendem”. O que agrava, evidentemente, o grau de ilicitude dos factos, mas também, face à personalidade assim demonstrada pelos arguidos, as necessidades de prevenção especial.
Acresce que, cada um dos crimes de roubo foi praticado em conjunto por ambos os arguidos.
Ora, as penas mais próximas do mínimo legal (que no caso do roubo é 1 ano e no caso das ofensas à integridade física é de 1 mês), devem ser deixadas para a forma menos grave e intensa de dolo (o dolo eventual), para quem atua sozinho (e não em grupo) e para casos em que as ofensas à integridade física são menos violentas (se quanto aos crimes de roubo estamos a falar de duas bofetadas e um puxão, já quanto ao crime de ofensa à integridade física estamos a falar de diversos pontapés) e os motivos para tão graves condutas não são tão fúteis como os presentes (tanto, por apenas uns cigarros e três euros, quanto aos roubos, e vários pontapés, apenas para que os ofendidos se afastassem do local com maior rapidez).
Ademais, não encontramos nas condutas criminosas dos arguidos o mais ténue indício de insignificância, antes sendo gravemente violadoras de direitos e liberdades fundamentais constitucionalmente consagrados e penalmente puníveis.
O acórdão recorrido entendeu serem elevadíssimas as necessidades de prevenção geral e, na realidade, são efetivamente elevadas no caso concreto, pelo sentimento de insegurança que condutas como as praticadas pelos arguidos geram na comunidade, impondo-se alguma severidade das penas como forma de dissuadir outros da prática dos mesmos crimes e para repor na comunidade o sentimento (fortemente abalado) de confiança na validade e eficácia das normas jurídicas violadas. As penas mais próximas do limite mínimo da moldura abstrata da pena devem ser deixadas para casos em que estão mais atenuadas as necessidades de prevenção geral.
Também são muito elevadas as necessidades de prevenção especial, quanto a ambos os arguidos, desde logo, e como se refere na decisão recorrida, pela “a ausência de demonstração da interiorização consistente do desvalor da respetiva atuação por parte dos arguidos no que respeita à prática dos crimes cometidos e, a total ausência de demonstração de interiorização do desvalor das suas condutas”. Mas também pelos “antecedentes criminais registados nomeadamente por ilícitos criminais de idêntica natureza, denotando indiferença pelos bens jurídicos protegidos pelas normas incriminadoras e igual indiferença perante as anteriores condenações, reclamando maiores exigências em termos de prevenção”. A que acresce a personalidade de cada um dos arguidos “nos termos supra mencionados, nomeadamente as relacionadas com as lacunas ao nível do pensamento crítico e consequencial, que tendo em conta os antecedentes criminais, reclamam igualmente maiores exigências em termos de prevenção especial de ressocialização”.
Recorde-se que “o arguido BB averba no certificado de registo criminal as seguintes condenações transitadas em julgado:
a) pela prática em ........2013 de um crime de ofensa à integridade física simples na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 5 Euros (sentença proferida em ........2015 nos autos de Processo Comum n.º 559/13.2..., transitada em julgado em ........2015). Declarada extinta em ........2020;
b) pela prática em ........2018 de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 5 Euros (sentença proferida em ........2018 nos autos de Processo Comum n.º 392/18.5..., transitada em julgado em ........2018). Declarada extinta em ........2020;
c) pela prática em ........2019 de um crime de injuria agravada na pena de 180 dias de multa à taxa diária de 5 Euros (sentença proferida em ........2020 nos autos de Processo Comum n.º 436/19.3..., transitada em julgado em ........2020). Declarada extinta em ........2022.
d) pela prática em ........2018 de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 3 meses de prisão substituído por 90 dias de multa à taxa diária de 6 Euros (sentença proferida em ........2019 nos autos de Processo Comum n.º 310/18.0..., transitada em julgado em ........2019). Declarada extinta em ........2020;
e) pela prática em ........2017 de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 5 Euros (sentença proferida em ........2017 nos autos de Processo Comum n.º 293/17.4..., transitada em julgado em ........2017). Declarada extinta em ........2018.
f) pela prática em ........2012 de um crime de rubo simples e dois crimes de furto simples na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa por igual período (Acórdão proferido em ........2015 nos autos de Processo Comum n.º 252/12.3..., transitada em julgado em ........2015). Declarada extinta em ........2017.
g) pela prática em ........2016 de um crime de ofensa à integridade física qualificada na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa por igual período de prisão (sentença proferida em ........2017 nos autos de Processo Comum n.º 131/16.5..., transitada em julgado em ........2017). Declarada extinta em ........2021.
h) pela prática em ........2013 de um crime de falsidade de testemunho na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 6 Euros (sentença proferida em ........2016 nos autos de Processo Comum n.º 337/13.9..., transitada em julgado em ........2016). Declarada extinta em ........2018.
i) pela prática em ........2019 de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 160 dias de multa à taxa diária de 5,50 Euros (sentença proferida em ........2018 nos autos de Processo Sumário n.º 263/18.5..., transitada em julgado em ........2018). Declarada extinta em ........2019.
j) pela prática em ........2018 de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 240 dias de multa à taxa diária de 5,50 Euros (sentença proferida em ........2018 nos autos de Processo Abreviado n.º 317/18.8..., transitada em julgado em ........2018). Declarada extinta em ........2024”.
Por seu turno, o “arguido AA averba no certificado de registo criminal as seguintes condenações transitadas em julgado:
a) pela prática em ........2016 de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 60 dias de multa à taxa diária de 5,00 Euros (sentença proferida em ........2017 nos autos de Processo Sumaríssimo n.º 116/16.1..., transitada em julgado em ........2017). Declarada extinta em ........2018.
b) pela prática em ........2017 de um crime de ofensa à integridade física simples na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 5 Euros (sentença proferida em ........2018 nos autos de Processo Comum n.º 633/17.6..., transitada em julgado em ........2018). Declarada extinta em ........2021;
c) pela prática em ........2019 de um crime de roubo e de um crime de coação agravada, na pena única de 2 anos e 4 meses de prisão, suspensa na execução pelo período de 4 anos (Acórdão proferido em ........2023 nos autos de Processo Comum n.º 664/19.1..., transitada em julgado em ........2023)».
Ora, as penas mais baixas devem ser deixadas para quem não tem antecedentes criminais e demonstrou arrependimento. Acima destas penas, devem ser fixadas as penas de quem, tendo antecedentes criminais, não cometeu outros crimes graves e designadamente de igual natureza. Acima de todas as penas concretas referidas, deve situar-se a pena de quem tem antecedentes criminais, cometeu anteriormente crimes graves e de similar natureza e não demonstrou qualquer forma de arrependimento.
Nestes termos, entendemos ser adequada e proporcional, ainda que situada no limiar mínimo aceitável, a aplicação ao arguido BB das penas concretas parcelares e da concreta pena única resultante do cúmulo jurídico daquelas, a que foi condenado pelo douto acórdão recorrido.
Idêntica conclusão se imporia quanto às concretas penas a que foi condenado o arguido AA, caso o seu recurso, neste segmento, tivesse preenchido os requisitos de admissibilidade supra assinalados.
Como bem refere o douto acórdão do STJ de .../.../2021 (Proc. 10/18.1..., acessível em http://www.dgsi.pt), «no que respeita à decisão sobre a pena, mormente à sua medida, começa por lembrar-se que os recursos não são [novos] julgamentos da causa, mas tão só remédios jurídicos. Assim, também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico.
Daqui resulta que o tribunal de recurso intervém na pena, alterando-a, quando deteta incorreções ou distorções no processo aplicativo desenvolvido em primeira instância, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que regem a pena. Não decide como se o fizesse ex novo, como se inexistisse uma decisão de primeira instância. O recurso não visa, não pretende e não pode eliminar alguma margem de atuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.»
Improcede, pois, também nesta parte, o recurso interposto, sendo que o mesmo até é manifestamente improcedente quanto à pretensão de redução das penas.
Face à recorrência com que ocorrem este tipo de recursos penais e ao seu habitual insucesso, estamos em crer que o legislador, em breve, penalizará este tipo de recursos com as consequências tributárias com que fulmina os casos paralelos de recursos para o Tribunal Constitucional.
*
4. Da suspensão da execução das penas.
Pugnam ambos os recorrentes pela suspensão da execução da pena única a que cada um foi condenado.
O arguido AA argumenta que, nesse sentido, apontam os “sinais evidentes de ressocialização e ausência de nova prática criminal desde os factos, ocorridos em ...” e “as mudanças positivas no percurso de vida do arguido, incluindo emprego no estrangeiro, reaproximação familiar e abstinência de consumos abusivos, que demonstram um processo ativo de reintegração social”, pelo que “a aplicação de uma pena de prisão suspensa na sua execução seria mais adequada, proporcional e eficaz para satisfazer as finalidades preventivas e ressocializadoras da pena”.
Já o arguido BB pede que a pena de prisão efetiva seja substituída “por sanção não privativa da liberdade”, invocado que “o tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 40.º, 70.º, 71.º e 77.º do Código Penal”.
Vejamos se é de suspender a pena única a que cada um dos arguidos foi condenado, uma vez que qualquer delas é pena de prisão não superior a 5 (cinco) anos.
Nos termos do artº 50º, nº 1 do Código Penal, o Tribunal só suspende a execução de pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos “se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Tal norma, conforme se retira da sua leitura, exige a verificação de um pressuposto de aplicabilidade e de um requisito para a efetiva suspensão.
Assim, é pressuposto de aplicabilidade do regime da suspensão, ser a pena aplicada não superior a 5 anos.
Verificado tal pressuposto, exige a lei, para que a pena possa ser suspensa na sua execução, que o Tribunal conclua que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Ou seja, não basta que a pena concreta seja não superior a 5 anos, sendo ainda necessário que o Tribunal formule um concreto e positivo juízo de prognose favorável, no sentido de que, a simples ameaça da pena seja suficiente para satisfazer as necessidades da punição, ou seja, que seja suficiente para a proteção dos bens jurídicos e para a reintegração do agente na comunidade (cfr. artº 40º, nº 1 do Código Penal).
Deste modo, não pretende o legislador que, em penas de prisão até 5 anos, a suspensão seja quase automática, devendo o Tribunal, quando não determine a suspensão, fundamentar, explicando os motivos que o levam a não suspender, tais penas, na sua execução.
É que a lei não diz que as penas de prisão não superiores a 5 anos são suspensas na sua execução, salvo se o Tribunal concluir que tal suspensão é insuficiente para as finalidades das penas. O que a lei estabelece é precisamente o contrário, ou seja, que, a suspensão tem lugar, quando o Tribunal formule um juízo de prognose favorável. Assim sendo, sempre que o Tribunal decida suspender a pena na sua execução, terá de explicar, com factos concretos, porque é que formula o tal juízo de prognose favorável, que o leva a suspender a pena na sua execução.
Os critérios a que o Tribunal há de recorrer, em ordem a formular o referido juízo de prognose favorável, hão de ser, segundo se retira do disposto no artº 50º, nº 1 do Código Penal, a personalidade do arguido, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste.
De tal conjunto de critérios retirará o Tribunal a conclusão de que a simples censura do facto e a ameaça da pena servirão para afastar o arguido da criminalidade e para censurar o facto, cumprindo, assim, a pena, as suas finalidades de proteção de bens jurídicos e de reintegração do agente na comunidade. Em suma, satisfazendo a pena as exigências de prevenção geral e de prevenção especial.
O acórdão recorrido não determinou a suspensão da execução da pena, fundamentando devidamente porque não podia formular juízo de prognose favorável no sentido de que a simples ameaça da pena seria suficiente para satisfazer as necessidades da punição, ou seja, porque não seria suficiente para a proteção dos bens jurídicos e para a reintegração do agente na comunidade.
Fê-lo com os fundamento de que (e passamos a citar):
«No crime de roubo as exigências de prevenção geral, impõem-se com particular acuidade, pela forte ressonância negativa, e alarme social que lhe está associada, bem como o elevado número de crimes cometidos na área desta comarca.
(…)
No caso concreto entende este Tribunal que as penas aplicadas aos arguidos terão de ser efetivamente cumpridas pelos arguidos, não se mostrando adequado ou suficiente às finalidades de prevenção especial e de reprovação, lançar mão do instituto da suspensão da execução da pena de prisão.
Com efeito, a simples censura do facto e a ameaça da pena mostram-se insuficientes e inadequados para que os arguidos interiorizem o carácter ilícito e censurável das suas condutas e passem no futuro a adotar comportamentos conformes com a ordem jurídica.
É que, do ponto de vista da sua conduta anterior, não se pode olvidar a existência de antecedentes criminais, pela prática de crimes de igual tipo legal, e até com factualidade muito semelhante. Ora, tal facto demonstra com meridiana clareza, a incapacidade por parte dos arguidos de interiorizarem os valores ético-jurídicos que regem a vida em sociedade e de conformarem os seus comportamentos com os mesmos. A reiteração dos comportamentos criminais anteriores dos arguidos, não consentem no nosso entender a possibilidade de prognose favorável ao não cometimento futuro de novos crimes, aliás a não aplicação de cumprimento efetivo da pena de prisão aplicada, inculcava nos arguidos o sentimento de impunidade e de tibieza do sistema, que aliás parece ter sido o único efeito que as condenações anteriores tiveram sobre os arguidos, e por isso mantiveram o padrão de conduta pregresso.
Impõe-se pois, a conclusão de que a simples censura do facto e a ameaça do cumprimento da pena de prisão, não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, encontrando-se afastada a possibilidade de aplicação da suspensão da execução da pena.»
Vejamos se é não de formular juízo de prognose favorável, no sentido de que a simples ameaça da pena seria suficiente para satisfazer as necessidades da punição, ou seja, que seria suficiente para a proteção dos bens jurídicos e para a reintegração de cada um dos agentes na comunidade.
O arguido BB lá vai trabalhando uns períodos por outros, “alternando períodos de ausência por motivos de trabalho e de permanência em ...”, num percurso laboral que se tem “caracterizado pela pouca diferenciação e precaridade das atividades exercidas, em regra de natureza assalariada”. Igual instabilidade, ainda que com algumas melhorias recentes, regista o arguido AA.
Não obstante, a ausência de qualquer forma de arrependimento, o modo de execução dos factos e a consequente energia criminosa despendida são bem demonstrativos da personalidade de ambos os arguidos.
Os arguidos, entre outras condenações que registam, destacam-se as condenações por crimes de roubo e ofensas corporais, a que acrescem os crimes que constituem o objeto do presente processo, o que demonstra alguma reiteração, de ambos, na prática de crimes e, em especial, destes.
Ambos já beneficiaram de condenação em pena de prisão suspensa na sua execução, que não foi suficiente para afastar qualquer deles do cometimento de novos crimes, como o demonstra a prática dos crimes objeto do presente processo.
O que tudo é bem elucidativo das elevadas necessidades de prevenção especial que se fazem sentir no caso, quanto a ambos os arguidos.
Deste modo, os comportamentos criminosos reiterados de cada um dos arguidos são bem reveladores da personalidade de ambos e levam a que o Tribunal não possa formular um prognóstico favorável, quanto à suficiência da simples ameaça da pena.
Por outro lado, atendendo às circunstâncias dos crimes - em grupo e com o emprego de violência física - gerando ainda elevado sentimento de insegurança na comunidade, temos de concluir serem elevadas, tanto as exigências de prevenção geral, como as exigências de prevenção especial. Consequentemente, no caso concreto, só uma pena de prisão efetiva e de duração, pelo menos, da fixada no acórdão recorrido, quanto a cada um dos arguidos, logrará “a proteção de bens jurídicos e a reintegração dos agentes na sociedade”.
Deste modo, face à personalidade, tanto de um como do outro arguido, aos respetivos comportamentos anteriores e posteriores aos factos e às circunstâncias dos crimes em reapreciação, é de concluir, com toda a segurança, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão são manifestamente insuficientes para afastar qualquer deles da criminalidade e para satisfazer as necessidades de reprovação e de prevenção de cometimento de futuros crimes.
Ademais, é elevado o sentimento de insegurança que condutas desta natureza geram na comunidade, bem como a frequência com que ocorrem, sendo certo que, in casu, só uma pena de prisão efetiva e de duração não despicienda, repõe na comunidade a confiança na validade e eficácia das normas violadas.
É quanto basta para se concluir pela não suspensão da execução da pena a que cada um dos arguidos foi condenado.
Consequentemente, improcedem, também nesta parte, os recursos.
*
6. Perdão de penas (omissão de pronúncia quanto à aplicabilidade da Lei nº 38-A/2023).
O recorrente BB defende que o acórdão recorrido é nulo por omissão de pronuncia, ao não se ter pronunciado sobre a aplicação ao caso da Lei nº 38-A/2023, que prevê a amnistia de infrações e o perdão de penas.
Nos termos do artº 379º, nº 1 do Código de Processo Penal “é nula a sentença: (…) c) quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”.
Face ao que dispõe o artº 14º da Lei nº 38-A/2023, “a aplicação das medidas prevista na presente lei, consoante os casos, compete (…) ao juiz da instância do julgamento ou da condenação”.
Mas em lado algum da lei se estabelece ou impõe que o Tribunal do julgamento ou da condenação tenha sempre que apreciar a questão na sentença, podendo em alguns casos aplicar as medidas previstas, em tal lei, em momento posterior ao da prolação da sentença.
Assim, quando se trate de infrações amnistiadas, como ocorre com as previstas no artº 4º da citada Lei, por razões óbvias, a apreciação da questão deve ter lugar até ou na própria sentença, porquanto a sua consequência é a extinção da responsabilidade criminal, quanto às respetivas infrações.
Porém, quando esteja em causa o perdão de penas, a sua apreciação não tem necessariamente de ter lugar na sentença condenatória, podendo ocorrer a todo o tempo e, portanto, em seguida ao trânsito em julgado da condenação, designadamente quando as penas em causa - e em especial o seu quantum - se tenham tornado definitivas.
Como bem refere o Ministério Público, na sua douta resposta ao recurso, dependendo a aplicação do perdão da medida concreta da pena, e da sua não suspensão, “somente com o trânsito em julgado da decisão e a certeza do quantum fixado e do seu modo de execução, fará sentido determinar o perdão de 1 ano, verificados que se mostrem os seus pressupostos”. De igual e por maioria de razão, quando já tenha decorrido o prazo para a aferição da condição resolutiva prevista no artº 8º, nº 1 da citada Lei, faz todo sentido apreciar conjuntamente, em momento posterior à prolação da sentença condenatória, a aplicabilidade do perdão e ocorrência da condição resolutiva.
Ora, se a decisão de ponderação da aplicação do perdão de penas pode ser efetuada em momento posterior à decisão condenatória, esta, ao não o efetuar, não estando obrigada a fazê-lo naquele momento, não omitiu pronuncia devida, pelo que não enferma da arguida nulidade.
O momento da apreciação da questão, desde que aconteça antes do início do cumprimento da pena a que o arguido foi condenado, não lhe coarta, restringe ou limita – obviamente - quaisquer direitos fundamentais, processuais ou garantias de defesa, pelo que, não viola quaisquer normas e princípios constitucionais e, designadamente, as consagradas nos arts 2º, 13º, 205º, n.º 1, 32.º, n.º 5, 1.º e 18.º, n.º 2, todos da Constituição da República Portuguesa.
***
IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordamos em indeferir o pedido de renovação da prova e em negar provimento aos recursos, confirmando, na íntegra, o douto acórdão recorrido, mas sem prejuízo de o Tribunal recorrido, em ulterior decisão, ponderar a aplicação do perdão previsto no artº 3º, nº 1, da Lei nº 38-A/2023.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça devida por cada um em 5 (cinco) U.C.
*
Lisboa, 20 de novembro de 2025.
Eduardo de Sousa Paiva
Nuno Matos
Cristina Luísa da Encarnação Santana
______________________________________________________
1. Sobre a temática da fundamentação das decisões judiciais vide, entre outros, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.01.2018 e acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22.05.2019 (disponíveis em www.dgsi.pt)