Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
749/18.1T8TVD.L1-4
Relator: ALVES DUARTE
Descritores: RETRIBUIÇÃO
AJUDAS DE CUSTO
DESCONTOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/27/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I. Constitui matéria de facto os acontecimentos concretos da vida, reais ou hipotéticos, que sirvam de pressuposto às normas legais aplicáveis, sejam acontecimentos externos (realidades do mundo exterior) ou internos (realidades psíquicas ou emocionais do indivíduo) de que se obtenha conhecimento através dos sentidos ou das regras da experiência (juízos empíricos).

II. A decisão da matéria de facto não pode incluir elementos ou proposições que, a priori, contenham implicitamente a resolução da questão de direito objecto da acção.

III. É questão de direito saber se o art.º 279.º, n.os 1 e 2, al. e) do CT permite ao empregador descontar na retribuição do trabalhador quantias adiantadas a título de subsídio de refeição.

IV. Nessa medida, o empregador pode compensar nas quantias variáveis devidas a título de subsídio de refeição as quantias fixas que mensalmente adiantou ao trabalhador para despender com as mesmas.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


IRelatório:


AAA, com o patrocínio do Ministério Público, intentou a presente acção declarativa com, processo comum, contra BBB, S.A., peticionando a condenação desta a pagar-lhe:
- €2.100,00 a título de indemnização por cessação ilegal de contrato de trabalho;
- as retribuições referentes a férias, subsídios de férias e de Natal que deixou de auferir desde 30 dias antes da data da propositura da acção e as vincendas até ao trânsito em julgado da sentença;
- €1.587,79 relativos a férias, subsídio de Natal e subsídio de férias vencidos;
- €7.889,00 relativos a deduções ilegais efectuadas nos pagamentos das suas retribuições;
- juros de mora à taxa legal sobre todas as peticionadas quantias.

Para tanto, alegou, em síntese, que:
- A Ré dedica-se à actividade de instalação e montagem de fornos industriais no estrangeiro;
- Após ter trabalhado para a Ré entre 17 de Janeiro de 2015 e 20 de Abril de 2017, foi de novo admitido ao seu serviço a 15 de Junho de 2017 através de contrato de trabalho celebrado sob a forma verbal e por tempo indeterminado para desempenhar as funções de montador de 1.ª de refractários – fornos industriais, auferindo ordenado base de €700,00, acrescido de €36,00 diários de subsídio de refeição no estrangeiro, e €36,72 diários de subsídio de deslocação – destacamento pagos todos os dias do calendário mensal;
- Em data próxima de 17 de Outubro de 2017 recebeu uma carta com tal data em que a Ré lhe comunicava a caducidade do contrato de trabalho a termo celebrado a 15 de Junho de 2017, com final reportado a 24 de Outubro de 2017;
- Tal comunicação, proferida quando a 15 de Junho de 2017 nunca celebrou qualquer contrato de trabalho a termo reduzido a escrito com a Ré, configura um despedimento ilegal que ocorreu sem justa causa nem procedimento disciplinar, na sequência da qual deixou de trabalhar para a Ré;
- A Ré não lhe pagou, relativamente a tal contrato de trabalho:
- €668,48 (700 + 36,72 x 31 dias : 22 x 8 dias ) a título de 8 dias de férias não pagas;
- €668,48 a título de 8 dias de subsidio de férias não pago;
- €250,83 a título de subsídio de Natal, proporcional ao tempo de disponibilidade do seu trabalho;
- Nos pagamentos que lhe foram efectuados entre Janeiro de 2015 e Outubro de 2017, na maioria dos meses a Ré, sem justificação, procedeu à subtracção ou desconto de um valor identificado como - A. Custo Paga Al. com o valor unitário de 15, 12 e 10 euros diários e a partir de Julho de 2016 com a designação de Desp. Trabalhador suport. pela E. Empregadora e valor unitário que variava com montante diferente de 10, 25, 20, 14, 15, 16, 17,5 euros e 8 euros, no valor total de €7.889,00.

Citada a ré, foi convocada e realizada audiência de partes, na qual as mesmas não quiseram acordar sobre o litígio que as divide.

Para tal notificada, a ré contestou, impugnando parcialmente os factos alegados pelo autor e alegando, em síntese, que:
- o Autor recebeu todos os valores que lhe eram devidos a título de ajudas de custo, sendo que os descontos que eram efectuados no recibo de vencimento correspondiam apenas aos valores de ajudas de custo para alimentação que já lhe tinham sido adiantadas e aos valores correspondentes aos custo do alojamento do Autor e que eram suportados directamente pela própria Ré, sendo tais custos repercutidos nos recibos para cumprimento de obrigações fiscais e legais, não só a desconto nas também a crédito, integrando o valor global das ajudas de custo abonado em cada recibo;
- a cessação do contrato foi motivada pelo facto do Autor ter abandonado o posto de trabalho e, posteriormente, recusado o regresso invocando motivos pessoais e pedido carta para ir para o desemprego;
- os valores peticionados pelo Autor relativos a retribuição de férias e subsídio de férias estão incorrectos pois o cálculo dos mesmos deve ser feito apenas com base no valor da retribuição e não das ajudas de custo.

Proferido despacho saneador, foi julgada a instância válida e regular, fixado o objecto do processo e os temas de prova, admitidas as provas arroladas pelas partes e designada a data para realização da audiência de julgamento.

Realizada a audiência de julgamento, o Mm.º Juiz preferiu a sentença, na qual julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência:
"1) Declarou que a comunicação de caducidade do contrato de trabalho do autor, feita pela ré em 17.10.2017, com efeitos a 24.10.2017, consubstanciava um despedimento ilícito do autor e em consequência:
a)- Condenou-a a pagar-lhe a quantia de €2.100,00 a título de indemnização em substituição da reintegração, acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos desde 25.10.2017 e vincendos até integral pagamento;
b)- Condenou-a a pagar-lhe as retribuições, no valor mensal ilíquido de €700,00, incluindo subsídio de férias e de natal, que o mesmo deixou e deixará de auferir, desde 09.03.2018 até ao trânsito em julgado desta decisão, às quais deverão ser deduzidas as importâncias que comprovadamente tenha auferido nesse mesmo período com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, e ainda os valores recebidos a título de subsídio de desemprego (os quais, a existirem, deverão ser entregues pela ré à segurança social) cujo montante carece de posterior liquidação em incidente a deduzir após o trânsito em julgado desta decisão, acrescidos de juros de mora à taxa legal, vincendos após liquidação;
2) Condenou-a a pagar-lhe a quantia ilíquida de €254,55 a título de retribuição de férias, acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos desde 25.10.2017 e vincendos até integral pagamento;
3) Condenou-a a pagar-lhe a quantia ilíquida de €254,55 a título de subsídio de férias, acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos desde 25.10.2017 e vincendos até integral pagamento;
4) Condenou-a Ré a pagar-lhe a quantia ilíquida de €250,83 a título de subsídio de natal, acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos desde 25.10.2017 e vincendos até integral pagamento;
5) Absolveu-a relativamente ao mais por ele peticionado;
6) Condenou-o como litigante de má fé no pagamento de multa no valor de 3 UC´s.

Inconformado, o autor interpôs recurso, pedindo que a decisão da sentença seja em parte revogada e substituída por outra que condene a ré no pagamento de €7889 euros, culminando as alegações com as seguintes conclusões:

(…)

A ré não contra-alegou.

Admitido o recurso na 1.ª Instância, nesta Relação de Lisboa foi proferido despacho a conhecer das questões que pudessem obstar ao conhecimento do recurso[1] e, colhidos os vistos,[2] cumpre agora apreciar o mérito do recurso, cujo objecto, como pacificamente se considera, é delimitado pelas conclusões formuladas pelo apelante, ainda que sem prejuízo de se ter que atender às questões que o tribunal conhece ex officio.[3] Assim, porque em qualquer caso nenhuma destas nele se coloca, importa apreciar:
i.- a impugnação da decisão proferida sobre o facto julgado não provado em 3);
ii.- a condenação da apelada a devolver ao apelante as quantias descontadas no total de €7889,00.
***

IIFundamentos.

1. Factos julgados provados:
1) A Ré dedica-se à actividade de instalação e montagem de fornos industriais que designadamente leva a cabo no estrangeiro em países como Alemanha, Áustria, França e Islândia;
2) Após ter trabalhado para a Ré entre 17 de Janeiro de 2015 e 20 de Abril de 2017 mediante celebração dum contrato de trabalho a termo incerto, a 15 de Junho de 2017 o Autor foi de novo admitido ao serviço da Ré através de contrato de trabalho celebrado sob a forma verbal e por tempo indeterminado para desempenhar as funções de montador de 1.ª de refractários – fornos industriais;
3) Desde tal data o Autor passou a trabalhar para a Ré, sob as ordens, direcção e fiscalização desta, auferindo uma retribuição base ilíquida mensal de €700,00 e outras quantias que lhe eram pagas a título de ajudas de custo;
4) Em data próxima de 17 de Outubro de 2017 o Autor recebeu uma carta com tal data em que a Ré lhe comunicou a caducidade do contrato de trabalho a termo celebrado a 15 de Junho de 2017, com final reportado a 24 de Outubro de 2017, após o que, e por causa de tal comunicação o Autor deixou de trabalhar para a Ré;
5) Não obstante o teor daquela comunicação, em 15 de Junho de 2017 o Autor nunca celebrou com a Ré qualquer contrato de trabalho a termo reduzido a escrito;

6) Relativamente ao contrato de trabalho executado entre 15 de Junho de 2017 e 24 de Outubro de 2017 a Ré não pagou ao Autor:
a)- as retribuições correspondente a 8 dias férias não pagas e respetivo subsídio;
b)- €250,83 a título de subsídio de Natal proporcional ao tempo de duração do contrato;

7) Nos pagamentos efectuados ao Autor entre Janeiro de 2015 e Outubro de 2017, na maioria dos meses a Ré procedeu ao desconto de um valor identificado como 'A. Custo Paga Al.', com o valor unitário de 15, 12 e 10 euros diários e, a partir de Julho de 2016 com a designação de 'Desp. Trabalhador suport. pela E. Empregadora' e valor unitário que variava com montante diferente de 8, 10, 25, 20, 14, 15, 16, 17,5 euros, no valor total de
€7.889,00, e que mensalmente se traduziram nos seguintes montantes: Ano de 2015: Janeiro – 225 euros; Fevereiro – 420 euros; Março – 372 euros; Abril – 36 euros; Maio – 300 euros; Agosto – 240 euros; Setembro – 10 euros; Outubro – 372 euros; Dezembro – 360 euros; Ano de 2016: Janeiro – 372 euros; Fevereiro – 348 euros; Março – 405 euros, Abril – 420 euros; Maio – 168 euros; Julho – 250 euros; Agosto – 310 euros; Outubro – 496 euros; Novembro – 750 euros; Dezembro – 90 euros; Ano de 2017: Janeiro – 600 euros; Fevereiro – 364 euros; Abril – 400 euros; Junho – 280 euros; Julho – 165 euros; Agosto – 48 euros: Outubro – 88 euros;

8) Quando o Autor prestava trabalho efectivo no estrangeiro, a Ré efectuava-lhe o pagamento de ajudas de custo diárias para alimentação, que substituíam o subsídio de alimentação, as quais eram pagas por duas formas:
a)- Um montante fixo, correspondente ao valor diário de €36,00, adiantado semanalmente ao Autor;
b)- Um montante variável em conformidade com a obra onde o trabalhador se encontrasse e os custos locais de alimentação, pago no final de cada mês, conjuntamente com a remuneração mensal;

9) Nos períodos em que o Autor se encontrava fora do território nacional a Ré pagou todas as despesas de alojamento do Autor, sem que este tivesse suportado quaisquer despesas com o seu alojamento durante tais períodos de trabalho;

10) Para cumprimento de obrigações fiscais e legais, em cada um dos recibos de vencimento do Autor a Ré:
a)- inscreveu como abonos (creditou) com a designação de 'Ajuda de Custo' ('s/IRS', até ao valor do limite legal em que as mesmas não eram tributadas; e 'c/IRS' na parte em que o valor era superior ao limite legal não tributado), o valor global correspondente à soma das ajudas de custo para alimentação (referidas nas als. a) e b) do ponto 8) dos factos provados), e do valor suportado directamente pela Ré com os custos do alojamento do Autor;
b)- sob a designação de 'Adiantamento Ajudas de Custo', fez o desconto (deduziu) o valor das ajudas de custo referidas na al. a) do ponto 8) dos factos provados, o qual havia já sido adiantado semanalmente ao Autor;
c)- sob a designação de 'A. Custo Paga Al.' e, posteriormente, de 'Desp. Trabalhador suport. pela E. Empregadora', fez o desconto (deduziu) o valor dos custos por ela própria suportados com o alojamento do Autor (de tal forma que este valor era, em cada recibo, simultaneamente creditado e descontado, não tendo impacto na definição dos abonos a pagar ao Autor em cada mês, mas permitindo assim que fique registada e computada como ajuda de custo o valor do alojamento que a Ré lhe assegurou e pagou), assim tendo sucedido relativamente aos descontos referidos no ponto 7) dos factos provados.

2. Factos julgados não provados:
1)- No âmbito dos contratos de trabalho celebrados com a Ré, para além da retribuição base e do pagamento de € 36,00 diários para compensação de despesas de alimentação no estrangeiro, pagos 7 dias por semana, foi também acordado o pagamento de um subsídio de deslocação/destacamento no valor diário de € 36,72, pagos todos os dias do calendário mensal, cujo valor está reflectido nos recibos de vencimento com a designação de 'ajudas de custo s/ IRS.- valor unit', pelo valor total de € 72,72;
2)- A retribuição correspondente aos 8 dias férias não pagas ao Autor e o respetivo subsídio, referidos na al. a) do ponto 6) dos factos provados, cifram-se, cada um, em € 668,48;
3)- Os descontos referidos no ponto 7) dos factos provados, correspondem a uma injustificada ou ilegal redução das retribuições devidas ao Autor;
4)- A cessação do contrato nos termos referidos nos pontos 4) e 5) dos factos provados apenas ocorreu porque o Autor abandonou o posto de trabalho, deixando de comparecer para o cumprimento do contrato de trabalho, não obstante lhe ser comunicado telefonicamente o dia, hora e local para onde seria destacado, e porque, depois de contactado pela Ré para informar os motivos de tal conduta, ter o mesmo recusado voltar ao trabalho e pedido para lhe enviarem carta para ir para o desemprego algum tempo, invocando motivos pessoais;
5)- A funcionária da Ré que contactou com o Autor, por pensar que o contrato existente em 17 de Janeiro de 2015 se mantinha em vigor, remeteu ao Autor a carta por este solicitada, desconhecendo a inexistência de contrato escrito em 15 de Junho de 2017 e que o contrato anterior tinha cessado.

3. Motivação da decisão da matéria de facto:

(…)

4. O direito.

4.1.- A impugnação da decisão da matéria de facto.

Vejamos então a impugnação da decisão proferida acerca da matéria de facto julgada não provada em 3).

(…)

E sendo assim, não pode dela conhecer-se no âmbito da impugnação da decisão da matéria de facto em que o apelante a trouxe ao desembargo desta Relação, pelo que rejeitamos dela conhecer.

Embora, como vem sendo sustentadamente assinalado pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, isso não invalida que se deva conhecer das demais questões suscitadas no recurso.[4]

4.2.- A devolução pela apelada das quantias descontadas ao apelado.

O apelante pretende que se lhe reconheça o direito a receber integralmente da apelada as quantias que despendeu a título de ajudas de custo, ou seja, sem os descontos que esta reflectiu nos seus recibos de vencimento, situação com que discordava mas que teve de sujeitar-se por necessitar dos rendimentos do seu trabalho e que violou o disposto no art.º 279.º, n.os 1 e 2, alínea e) do Código do Trabalho.

Vejamos.

As citadas normas rezam assim:
"1. Na pendência de contrato de trabalho, o empregador não pode compensar a retribuição em dívida com crédito que tenha sobre o trabalhador, nem fazer desconto ou dedução no montante daquela.
2. O disposto no número anterior não se aplica:

(…)

e)- A preço de refeições no local de trabalho, de utilização de telefone, de fornecimento de géneros, de combustíveis ou materiais, quando solicitados pelo trabalhador, ou outra despesa efectuada pelo empregador por conta do trabalhador com o acordo deste".

De relevante provou-se que:
"8) Quando o Autor prestava trabalho efectivo no estrangeiro, a Ré efectuava-lhe o pagamento de ajudas de custo diárias para alimentação, que substituíam o subsídio de alimentação, as quais eram pagas por duas formas:
a)- Um montante fixo, correspondente ao valor diário de €36,00, adiantado semanalmente ao Autor;
b)- Um montante variável em conformidade com a obra onde o trabalhador se encontrasse e os custos locais de alimentação, pago no final de cada mês, conjuntamente com a remuneração mensal;

9) Nos períodos em que o Autor se encontrava fora do território nacional a Ré pagou todas as despesas de alojamento do Autor, sem que este tivesse suportado quaisquer despesas com o seu alojamento durante tais períodos de trabalho;

10) Para cumprimento de obrigações fiscais e legais, em cada um dos recibos de vencimento do Autor a Ré:
a)- inscreveu como abonos (creditou) com a designação de 'Ajuda de Custo' ('s/IRS', até ao valor do limite legal em que as mesmas não eram tributadas; e 'c/IRS' na parte em que o valor era superior ao limite legal não tributado), o valor global correspondente à soma das ajudas de custo para alimentação (referidas nas als. a) e b) do ponto 8) dos factos provados), e do valor suportado directamente pela Ré com os custos do alojamento do Autor;
b)- sob a designação de 'Adiantamento Ajudas de Custo', fez o desconto (deduziu) o valor das ajudas de custo referidas na al. a) do ponto 8) dos factos provados, o qual havia já sido adiantado semanalmente ao Autor;
c)- sob a designação de 'A. Custo Paga Al.' e, posteriormente, de 'Desp. Trabalhador suport. pela E. Empregadora', fez o desconto (deduziu) o valor dos custos por ela própria suportados com o alojamento do Autor (de tal forma que este valor era, em cada recibo, simultaneamente creditado e descontado, não tendo impacto na definição dos abonos a pagar ao Autor em cada mês, mas permitindo assim que fique registada e computada como ajuda de custo o valor do alojamento que a Ré lhe assegurou e pagou), assim tendo sucedido relativamente aos descontos referidos no ponto 7) dos factos provados".

No que concerne às despesas de alojamento do apelante, não se suscitam dúvidas de qualquer espécie uma vez que, como vimos, provou-se que a apelada "pagou todas as despesas de alojamento do Autor, sem que este tivesse suportado quaisquer despesas com o seu alojamento durante tais períodos de trabalho"[5] e, portanto, em caso algum se poderia falar em compensação de créditos já que nenhum existia daquele contra esta. Com esse procedimento tinha a apelada em vista reflectir fiscalmente o valor por ela dispendido com essas despesas.

Quanto às ajudas de custo, convém agora lembrar que o n.º 1 do art.º 260.º do Código do Trabalho estatui que "não se consideram retribuição: a) As importâncias recebidas a título de ajudas de custo (…), devidas ao trabalhador por deslocações, (…) ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador".

Posto isto, o que importa agora determinar é se a apelada pagou ao apelante o valor total por este dispendido a título de diárias para alimentação.[6]

E a resposta não pode deixar de ser afirmativa, já que na prática a apelada lhe pagava a esse título uma quantia fixa, que adiantava semanalmente, acrescida da diferença do custo total dispendido, que lhe pagava conjuntamente com a remuneração mensal e foi isso mesmo que reflectiu nos recibos de vencimento, o que se conforta com o estatuído nos citados art.os 260.º, n.º 1, alínea a) e 279.º, n.os 1 e 2, alínea e) do Código do Trabalho: é que, por um lado as ajudas de custo não são retribuição e, por outro, a compensação feita foi apenas pelas quantias a esse título já adiantadas pela apelante, sendo que, quanto ao mais, a apelada apenas se limitou a reflectir fiscalmente essa situação, pois que em qualquer caso cada uma dessas quantias não excedia o limite de 1/6 da retribuição, como o exige o n.º 3 deste último preceito legal.[7]

E com isto se conclui pelo improvimento total da apelação e consequente confirmação da sentença recorrida.
***

IIIDecisão.

Termos em que se acorda:
i.- não conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto e, considerando as razões que lhe subjazem, eliminar do rol dos não provados o seguinte facto:
"3) Os descontos referidos no ponto 7) dos factos provados, correspondem a uma injustificada ou ilegal redução das retribuições devidas ao Autor";
ii.- no mais, negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo apelante (art.º 527.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela I-B a ele anexa).
***


Lisboa, 27-02-2019.


(António José Alves Duarte)
(Maria José Costa Pinto)
(Manuela Bento Fialho)


[1]Art.º 652, n.º 1 do Código de Processo Civil.
[2]Art.º 657.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
[3]Art.º 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. A este propósito, Abrantes Geraldes, Recursos no Processo do Trabalho, Novo Regime, 2010, Almedina, páginas 64 e seguinte. 
[4]Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25-03-2010, no processo n.º 740/07.3TTALM.L1.S1, de 28-04-2016, no processo n.º 1006/12.2TBPRD.P1.S1 e de 06-06-2018, no processo n.º 4691/16.2T8LSB.L1.S1, publicados em http://www.dgsi.pt.
[5]Facto provado em 9).
[6]Convém referir que para efeitos do art.º 279.º, n.os 1 e 2, alínea e) se considera que as refeições foram tomadas no local de trabalho, atendendo ao facto provado enumerado em 1) e ao disposto no art.º 193.º, n.os 1 e 2, ambos do Código do Trabalho.
[7]Neste sentido, cfr. o acórdão da Relação de Lisboa, de 25-11-2010, no processo n.º 835/07.3TTSNT.L1-4, publicado em http://www.dgsi.pt, de acordo com o qual, embora discorrendo acerca do n.º 1 do art.º 270.º do Código do Trabalho de 2003, em tudo similar àquele, "tal como decorre da al. e) do n.º 2.º da referida norma, afigura-se lícito ao empregador compensar na quantia devida a título de subsídio de refeição o preço de custo das refeições que fornece no seu local de trabalho e o trabalhador ali efectivamente toma, desde que não exceda um sexto da
respectiva retribuição".