Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
15420/18.6T8LSB.L1-7
Relator: JOSÉ CAPACETE
Descritores: RECURSO
QUESTÃO NOVA
ACÇÃO EXECUTIVA
TÍTULO EXECUTIVO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/22/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDÊNCIA
Sumário: I - São de reponderação, os recursos ordinários, visando a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal a quo no momento em que a proferiu, o que significa que o tribunal ad quem não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi invocada pelas partes na instância inferior ou sobre pedidos que nela não foram formulados.
II - Tal significa que os recursos ordinários são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas, estando, por isso excluída a possibilidade de alegação de factos novos na instância de recurso.
III - Assim, por comportar um inadmissível ius novarum, é de julgar improcedente o recurso no caso de, em sede de alegações e conclusões, o recorrente invocar, pela primeira vez, que instaura a ação executiva ao abrigo do art. 771.º, do C.P.C., quando, no requerimento executivo, apresenta como título executivo uma sentença, que o tribunal recorrido considera não ser de condenação, e, por conseguinte, não constituir título executivo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa
I – RELATÓRIO:
LF intentou a presente ação executiva contra TF, constando do respetivo requerimento executivo, além do mais, o seguinte:
«Requerimento de Execução de Decisão Judicial Condenatória
Finalidade:   Execução nos próprios autos
(...)
Forma: Acção Executiva
Espécie: Exec Sentença próprios autos (Ag. Exec) s/ Desp Liminar
Valor da Execução: 10 853,92 € (Dez Mil Oitocentos e Cinquenta e Três Euros)
(...)
Finalidade da Execução:   Pagamento de Quantia Certa – Dívida civil (Cível Central)
Título Executivo:    Decisão judicial condenatória
Factos:
1 - Por douta sentença proferida no apenso de oposição à execução e do douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que a confirmou, foi o aqui Executado ordenado a restituir ao executado, aqui exequente, as quantias penhoradas no âmbito desses autos, através da notificação que lhe foi efectuada em 28 de Maio de 2015.
2 - Sucede que, pese embora tenha sido penhorada ao vencimento do aqui Exequente a quantia global de € 15.150,00, o aqui Executado apenas devolveu ao Exequente a quantia de € 4.950,00, faltando assim restituir-lhe a importância de € 10.200,00.
3 - É pelo exposto devido ao Exequente a quantia global de € 10.853,92, sendo que € 653,92 correspondem aos juros de mora à taxa supletiva legal (juros civis) sobre o capital de € 10.200,00 desde o termo o prazo supletivo de 10 dias, contado desde a notificação ao Executado supra referida.
4 - São ainda devidos juros de mora até ao efectivo e integral pagamento.
Exequente
Nome/Designação: LF
(...)
Executado:
Nome/Designação: TF
(...)
Liquidação da obrigação
(...)
Valor dependente de simples cálculo aritmético                       10.853,92 €
(...)
Total   10.853,92 €
No âmbito dos autos de execução foi penhorada ao vencimento do executado a quantia global de € 15.150,00. Até ao presente o Sr. Agente de Execução apenas devolveu ao executado a quantia de € 4.950,00, faltando assim restituir-lhe a importância de € 10.200,00.
15.100-4.950=10.200,00
Juros de mora calculados à taxa legal cível, desde 11 de Julho de 2015 até ao presente dia, sob o capital em dívida: € 653,92.»
*
A execução foi rejeitada nos termos do despacho de fls. 68-72, datado de 21 de setembro de 2018, com fundamento na falta de título executivo.
*
O exequente não se conformou com o assim decidido, pelo que interpôs o presente recurso de apelação, concluindo assim as respetivas alegações:
1. A decisão recorrida rejeitou a presente execução com o fundamento na falta de título executivo, por entender que o despacho judicial apresentando enquanto tal pelo Recorrente não consubstancia um verdadeiro título executivo.
2. O Tribunal a quo ignorou, de forma absoluta, o disposto no artigo 771º do Código de Processo Civil.
3. O Agente de Execução, nos termos do disposto no artigo 756º do Código de Processo Civil, é, salvo raras excepções, constituído fiel depositário dos bens por ele penhorados.
4. O Agente de Execução, nas vestes de depositário, encontra-se obrigado a apresentar e entregar os bens penhorados assim que tal lhe for ordenado.
5. O nº 3 do artigo 771º do Código de Processo Civil dispõe que o Agente de Execução, na sua qualidade de depositário, pode ser executado para o pagamento do valor do depósito e das custas e despesas acrescidas caso não apresente os bens que tenha recebido, quando notificado para o efeito.
6. O disposto nesse nº 3 do artigo 771º do Código de Processo Civil é corolário do princípio à tutela jurisdicional efectiva, consagrado no nº 5, do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.
7. O entendimento, sufragado na decisão recorrida, de que o Recorrente necessita de intentar acção declarativa para poder exigir do Agente de Execução as quantias que este lhe penhorou e não entregou depois de notificado para o efeito, para além de ser contrária ao disposto no artigo 20º, nº 5 da Constituição – que deverá servir como norteadora da interpretação legal –, viola o disposto no artigo 771º do Código Processo Civil.
8. A reforma do mapa judiciário e da organização dos tribunais atribui competência aos juízos de execução no âmbito de processos de execução de natureza cível, que não sejam atribuídas a outro juízo especializado em função da matéria.
9. O despacho judicial junto aos autos com o requerimento de execução como título executivo é um verdadeiro despacho condenatório.
10. O facto de a condenação constante do despacho resultar directamente da lei, não transforma o despacho em causa num despacho de mero expediente.
11. Um despacho que ordena uma actuação, neste caso a restituição ao executado das quantias que lhe haviam sido penhoradas, configura um despacho condenatório.
12. Os despachos condenatórios, nos termos do disposto no artigo 705º do Código de Processo Civil, são equiparáveis às sentenças condenatórias quanto à sua admissibilidade para figurarem como título executivo.
13. A marcha processual dos autos onde foi proferido o despacho demonstra que o Tribunal apurou as circunstâncias de facto e aplicou o direito ao proferir o despacho que ordenou ao Agente de Execução, nas suas vestes de depositário, a entrega ao aqui Recorrente da totalidade das quantias que lhe havia penhorado.
14. Podem ser constituídos títulos executivos judiciais contra quem não configure como parte nesses autos, como em relação a testemunhas, depositários e liquidatários.
15. Uma decisão judicial, mesmo que errada processualmente mas transitada em julgado, é título executivo. Então, execute-se o título.
*
O executado contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, com a consequente manutenção da decisão recorrida.
*
II – ÂMBITO DO RECURSO:
Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639.º, n.º 1, do CPC) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.
Efetivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635.º, n.º 3), esse objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo art. 635.º).
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo (cfr. os arts. 627.º, n.º 1, 631.º, n.º 1 e 639.º, do CPC).
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3, do CPC) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 608.º, n.º 2, do CPC, ex vi do art. 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
À luz destes considerandos, neste recurso importa decidir se há lugar à revogação da decisão recorrida e à sua substituição por outro que determine o prosseguimento da ação executiva.
*
III – FUNDAMENTAÇÃO:
3.1 – Fundamentos de facto:
Os factos relevantes para a decisão da causa são os que constam do relatório supra a que acresce o seguinte:
1. Em 20 de junho de 2012, AV instaurou contra o seu marido, LF, ação executiva por alimentos, a que corresponde o Proc. n.º 1235/13.9TMLSB, requerendo a penhora do valor mensal de € 600,00, a título de pensões vencidas, e de € 600,00 mensais, a título de pensões de alimentos vincendas;
2. O ali executado, LF, aqui exequente, deduziu oposição àquela execução, a que correspondeu o Proc. n.º 1235/13.9TMLSB-A, no âmbito do qual foi proferida sentença datada de 6 de janeiro de 2014, de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
«Decisão:
Face ao exposto, este Tribunal decide:
a) Julgar procedente, por provada, a oposição à execução, e, consequentemente;
b) Julgar extinta a execução a que os presentes autos correm por apenso.
*
Custas pela Exequente, sem prejuízo do apoio judiciário de que possa beneficiar.
Registe e notifique.»
3. Imediatamente após o que, na mesma sentença, consta o seguinte:
«Após trânsito, comunique ao Sr. agente de execução a fim de proceder ao levantamento da penhora sobre o vencimento do Executado e à restituição ao mesmo das quantias que que hajam sido penhoradas no âmbito dos autos principais de execução.»
4. A sentença proferida no Proc. n.º 1235/13.9TMLSB-A foi confirmada por acórdão do Tribunal de Relação de Lisboa, datado de 24 de fevereiro de 2015.
*
Motivação:
Para prova dos factos enunciados em 1. a 4. supra, foi considerado o teor da sentença cuja cópia consta de fls. 5-15, e do Ac. da R.L. cuja cópia consta de fls. 62-67.
3.2 – Do mérito do recurso:
Resulta inequívoco do requerimento executivo, acima transcrito, que nesta execução, agora instaurada por LF, contra TF, agente de execução que foi na ação executiva contra aquele instaurada por AV, o título executivo de que o aqui exequente se serve é a sentença referida nos pontos de facto 2. e 3.
O tribunal a quo considerou, e muito bem, na cuidada e bem estruturada decisão recorrida, inexistir título executivo, pois:
- a sentença cuja cópia consta de fls. 5-15 não configura uma sentença de condenação, nos termos e para os efeitos do art. 703.º, n.º 1, al. a), do C.P.C.;
- o despacho proferido imediatamente após a parte dispositiva da sentença, e acima igualmente transcrito[1], não configura, nos termos e para os efeitos do art. 705.º, n.º 1, do C.P.C., um despacho que condenatório no cumprimento duma obrigação, equiparado a uma sentença.
Sucede que o apelante estrutura todo o recurso trazendo à liça, pela primeira vez, o disposto no art. 771.º, n.º 3, aplicável ex vi do art. 756.º, n.º 1, do C.P.C..
Afirma o apelante, enfaticamente, que «o tribunal a quo ignorou, de forma absoluta, o disposto no art. 771.º, do Código de Processo Civil».
É evidente que o tribunal a quo ignorou o disposto no art. 771.º, do C.P.C.!
Não poderia ter deixado de o ignorar, pois que a presente execução foi instaurada, inequivocamente, com base na sentença cuja cópia consta de fls. 5-15 (art. 703.º, n.º 1, al. a), do C.P.C.), e não à luz do disposto no art. 771.º, do C.P.C., nomeadamente do seu n.º 3; ou seja, o despacho recorrido foi proferido tendo em conta o requerimento executivo apresentado pelo exequente, e o título que lhe serviu de base.
Constitui, por isso, matéria nova, que o tribunal a quo não considerou, nem podia ter considerado, aquando da prolação do despacho recorrido, por nunca ter sido suscitada, a invocação, no recurso do disposto no art. 771.º, do coc, ou seja, a alegação de que a execução foi instaurada ao abrigo do n.º 3 daquele artigo.
Como se referiu acima, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, isto é, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Tal como referido no Ac. da R.C. de 22.10.2013, Proc. n.º 221/12.3TBTMR-A.C1 (Barateiro Martins), in www.dgsi.pt, no direito português, os recursos ordinários, como é o caso, são de reponderação, visando a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento, o que significa que o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi invocada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados.
Daí o dizer-se que os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamentos de questões novas, estando, por isso, excluída a possibilidade de alegação de factos novos na instância de recurso.
Não podendo o presente recurso comportar um ius novarum, isto é, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo, terá o mesmo, sem necessidade, de mais considerandos, por absolutamente desnecessários, de ser julgado improcedente.
*
IV – DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar a apelação improcedente, mantendo, em consequência, a decisão proferida.
Custas pelo apelante – art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.

Lisboa, 22 de Janeiro de 2019

(Acórdão assinado digitalmente)
Relator
José Capacete
Adjuntos
Carlos Oliveira
Diogo Ravara

[1] «Após trânsito, comunique ao Sr. agente de execução a fim de proceder ao levantamento da penhora sobre o vencimento do Executado e à restituição ao mesmo das quantias que que hajam sido penhoradas no âmbito dos autos principais de execução.»