Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ALFREDO COSTA | ||
Descritores: | TIR ROL DE TESTEMUNHAS PRAZO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/20/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
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Sumário: | 1.–Se o arguido/recorrente mantém a sua residência no local constante do TIR, conforme declaração prestada nos autos. E por motivos a que o mesmo é alheio, a notificação foi devolvida com a indicação “não habita aqui”, não tendo efetivamente recebido a notificação. Das duas uma: a)-o tribunal a quo admite como válida a argumentação expendida pelo ora arguido/recorrente e admite o requerimento que apresenta o rol de testemunhas; b)-o tribunal a quo não admite como válida a argumentação expendida pelo ora arguido/recorrente, mas então cabia-lhe apurar da veracidade das razões invocadas pelo arguido/recorrente. 2.–O arguido/recorrente, em prazo, pois é de considerar que terá sido alheio ao não recebimento da notificação por aviso postal simples, apesar de residir na morada constante do TIR, veio apresentar o seu rol de testemunhas. O tribunal a quo não poderia ter ignorado o rol de testemunhas devendo a sentença refletir a produção de prova oferecida pela Defesa. 3.–O tribunal a quo ao não admitir o rol de testemunhas impediu o arguido/recorrente de se defender, o que impõe que se anule o despacho que não admitiu os elementos de prova aí apresentados. Nulidade que se tem de arrastar quer ao julgamento quer à sentença, devendo proceder-se à realização de novo julgamento onde se leve em linha de conta o rol de testemunhas apresentado e se reflita o mesmo ao nível da Sentença. (Sumário elaborado pelo Relator ) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes, na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa. I–RELATÓRIO: 1.1.–Por despacho proferido em 6.05.2021 (referª 130536654), no processo comum singular nº 3674/16.7T9SNT, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo Local Criminal de Sintra - Juiz 2, não foi admitido o rol de testemunhas apresentado pelo arguido por extemporâneo. *** 1.2.–O arguido CB______ não se conformou com o teor do mencionado despacho e interpôs recurso interlocutório (datado de 28.05.2021) expendendo as seguintes conclusões: a)- Em primeiro lugar, importa notar que a lei n.º 13-B/2021, de 05/04, « entra em vigor no dia 6 de abril de 2021.» (cfr. art.º 7º), pelo que, ao contrário do que decorre do despacho recorrido, atento o disposto no art.º 21º-A, nº 5, da Portaria nº 114/2008, nenhum prazo começou a correr no dia 06/04/2021, sendo esse, antes e quanto muito, o primeiro dia útil posterior à elaboração da notificação, dia esse em que «presumindo-se feita a expedição». b)- É que o primeiro dia do prazo para apresentação da contestação, não é o dia em que se considera efetivada a notificação, mas sim o dia seguinte, uma vez que para os efeitos de contagem, o 1º dia do prazo é o dia seguinte àquele em que se considera feita a citação – CC, Artº 279º, al. b): 07/04/2021. c)- Acresce que, não pode ser feita a equiparação de “dia útil” ao regime das “férias judiciais”, o que significa que o 3º dia posterior ao da elaboração da notificação, é o dia 09/04/2021 (sexta feira), sendo irrelevante para tal efeito a referência no 21º-A, nº 5, da Portaria nº 114/2008 ao “primeiro dia útil seguinte”. d)- Do que se conclui que o Rol de Testemunhas apresentado é tempestivo. e)- De resto, só por lapso poderá o Tribunal a quo ter feito constar do despacho recorrido que «o arguido notificado», uma vez que , no dia 29/03/2021, a carta que remetida para notificação do despacho que designou data para realização de audiência de julgamento, foi devolvida, dela constando “Não habita aqui”. f)- O Tribunal a quo não desenvolveu qualquer diligência para apurar tal situação ou levar ao arguido efetivo conhecimento do apontado despacho, desconhecendo portanto, à data da prolação do despacho recorrido, se o Arguido efetivamente mudou de residência, ou se a devolução da carta foi determinada por outra qualquer ocorrência anómala, se tal situação foi culposa, ou não. g)- Pior: Em audiência de julgamento, foi o arguido questionado sobre a razão da devolução da carta com a aposição da menção aí constante, não podendo o Arguido apresentar qualquer razão para o sucedido, declarando que não recebeu efetivamente a notificação, mantendo porém ali o seu domicílio efetivo. h)- Poderá portanto ter ocorrido erro do serviço de Correio, ou qualquer outra circunstância que tenha impedido o efetivo conhecimento, pelo Arguido, da designação de data para realização de audiência de julgamento. i)- O direito de defesa pessoal não foi assegurado ao recorrente, não contendo os autos elementos objetivos que indiciem que aquele, independentemente da sua maior ou menor diligência, teve acesso efetivo e conheceu, em tempo útil, o despacho que agendou a realização da audiência de julgamento. j)- E sendo certo que o arguido que preste TIR pode ser notificado para os ulteriores ternos do processo mediante via postal simples para a morada indicada no TIR ou posteriormente alterada, considerando-se realizada a notificação sempre que haja prova do respetivo depósito, nos termos plasmados no art. 196º CPP, uma interpretação dessa norma que desobrigue o Tribunal de apurar se o não-recebimento da notificação assim efectuada, demonstrado nos autos por devolução do aviso postal, é ou não culposo, contorce os mais primários princípios de justiça, obliterando por completo o direito de defesa (art.º 32º da C.R.P.), mostrando-se desconforme até ao princípio da proporcionalidade, ínsito no art.º 2 da Constituição, que estabelece a República Portuguesa como um Estado de direito democrático. k)- Não faz sequer qualquer sentido que, proibindo a lei processual a realização de atos inúteis, se questione o Arguido sobre as razões que terão determinado a devolução da carta que lhe foi remetida para notificação da data designada para audiência e, declarando o arguido manter residência na local onde para a qual a notificação foi expedida, não ser daí retirada qualquer consequência! l)- Pelas razões apontadas, não se pode considerar que o arguido recorrente estava regularmente notificado da data da audiência, tendo sido cometida a nulidade insanável prevista na al. c) do art. 119º do CPP, a qual determina a invalidade da audiência realizada e, consequentemente, a da sentença que, na sua sequência, foi proferida – v. ac. Rel. Lisboa de 25-2-2004, Proc. 10011/2003-3, citado por Vinício Ribeiro, em anotação ao CPP, Coimbra Editora, ed. 2008. m)- Pelo exposto, o Tribunal a quo violou o art.º 113.º n.º 9 do C.P.P., que consigna que a notificação respeitante à designação de dia para julgamento, deve ser notificada ao Arguido e ao defensor, correndo o prazo para a prática de acto processual subsequente a partir da data da notificação efectuada em último lugar. n)- Termos em que deverá o despacho recorrido ser revogado e em consequência, ser proferido Acórdão que, considerando não estar o arguido regularmente notificado do despacho que designou data para a audiência de julgamento, julgue cometida a nulidade insanável prevista na al. c) do art. 119º do CPP, anulando todos os actos subsequentes… *** 1.3.–Este recurso veio a ser admitido por despacho proferido em 4.06.2021, a subir com o recurso interposto da decisão final (referª 131173894). *** 1.4.–O MP veio responder ao recurso interlocutório com as seguintes conclusões: I-Foi o recurso ora em questão interposto pelo arguido CB______ do douto despacho proferido no processo em epígrafe, que rejeitou o rol de testemunhas apresentado pelo mesmo, por extemporâneo. II-O recorrente discorda da aplicação do prazo para apresentação do rol de testemunhas e, da conclusão de que se mostra devidamente notificado do despacho que designou data para realização de audiência de discussão e julgamento, o que em seu entender consubstancia uma nulidade insanável. III- O arguido foi submetido a T.I.R. e, em tal acto, indicou a morada para notificações, ficando ciente das obrigações decorrentes desta medida de coacção. IV- As subsequentes notificações passaram a ser efectuadas por via postal simples com prova de depósito para a morada do T.I.R. V- Ora, o arguido nunca comunicou qualquer outra morada ao Tribunal. VI- E bem sabia – porque consta do T.I.R. que prestou e, cuja cópia lhe foi entregue, que o incumprimento da obrigação de comunicação de nova morada legitima, a sua representação por defensor em todos os actos processuais. VII- O arguido foi notificado e o seu defensor também o foi, o que em termos processuais penais, é o bastante para que a defesa do arguido seja assegurada e exercida atempadamente. VIII- Com a notificação do defensor e devolução da prova de depósito respeitante à notificação do arguido na morada do T.I.R., do despacho que designou data para realização de audiência de discussão e julgamento, inicia-se, então, a contagem do prazo para apresentação de contestação e rol de testemunhas. IX- O arguido foi notificado do despacho que designa dia para audiência – notificações expedidas a 01/03/2021 e P.D. de 03/03/2021, ressalvando a suspensão de prazos, prevista na Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, cessada a 05/04/2021, conforme Lei n.º 13-B/2021, de 05/04, começando assim a correr o respectivo prazo a 06/04/2021. X- E, é de facto esta a data em que se inicia a contagem dos prazos, que se mostraram suspensos, pelo que as considerações tecidas pelo arguido quanto à contagem do prazo de forma diversa, não se mostram suportadas na lei e não deverão merecer acolhimento. XI- O arguido invoca a verificação da nulidade prevista na alínea c) do art. 119º do Código de Processo Penal, contudo, a mesma não se verifica, pois para além dos aludidos argumentos supra expostos quanto à sua notificação, sendo certo que se encontrava efectivamente notificado nos termos prescritos na lei processual penal, o arguido veio a comparecer e prestou as declarações que entendeu em sede de audiência de discussão e julgamento. XII- A decisão recorrida não merece qualquer reparo. *** 1.5.–A sentença datada de 18.05.2021 tem a seguinte parte decisória: Tudo visto e ponderado decido: a)- Condenar o arguido CB______, na forma consumada e em autoria material, pela prática de um crime de usurpação de funções, previsto e punido, pelo artigo 358.º, alínea b), do Código Penal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 8 (oito) euros, o que perfaz um total de € 1.440 (mil, quatrocentos e quarenta) euros; b)- Condenar o arguido, no pagamento das custas do processo, com a taxa de justiça que se fixa em 3 UC, nos termos dos artigos 513.º, 514.º, do Código Processo Penal e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa. * Após trânsito: · Remeta boletim à D.S.I.C.; · Comunique à O.A.. * Ordena-se o depósito da sentença, nos termos do disposto no artigo 372.º, n.º 5, do Código de Processo Penal. * Notifique. *** 1.6.–O arguido CB______ interpôs recurso desta sentença, tendo, para esse efeito, formulado as seguintes conclusões: (…) j)[1]-Nada, rigorosamente nada, permite afirmar o que vem plasmado no ponto 19 dos factos provados, que se impõe, atenta a dimensão do erro de julgamento, ser julgado como não provado: «19- O arguido ao praticar os actos referidos em 9 a 17., identificando-se expressamente como advogado dos ali denunciantes e assistentes, respectivamente, nos aludidos processos, sabia que não estava em condições de o fazer, por ter a sua inscrição na Ordem dos Advogados suspensa desde o dia 18 de Março de 2014, em consequência do acórdão proferido pelo Conselho de Deontologia da Ordem dos Advogados, que transitou em julgado, e de que o arguido tinha conhecimento (…)». k)- Esse “tinha conhecimento” não poderá jamais assentar nos documentos que integram a certidão de fls. 3 a 31, ou o suporte digital de fls. 32, nem a certidão de fls. 38 a 52, o auto de denúncia de fls. 75, a certidão de fls. 86 a 112, o documento de fls. 127, o print extraído do DR referente a edital e constante de fls. 186 e ss., nem dos documentos da Ordem dos Advogados de fls. 195 a 199, nem sequer dos documentos constantes do apenso A (NUIPC 4788/16.9T9SNT), designadamente, certidão de fls. 3 a 21 e documento de fls. 65 a 75, ou do Apenso B (Processo disciplinar n.º 1178/2011-L/D do Conselho de Deontologia da Ordem dos Advogados), a fls. 3 a 221, pois nenhum destes documentos se refere à notificação pessoal do arguido do acórdão da 2ª seção do Conselho de Deontologia de Lisboa da Ordem dos Advogados, datado de 18 de Março de 2014, proferido no âmbito do processo disciplinar n.º 729/2009-L7D, em que foi determinada a suspensão por tempo indeterminado da inscrição do arguido para o exercício da profissão de advogado, com efeitos reportados ao dia 18 de Março de 2014. l)- Veja-se, aliás, que o facto 19, refere que o Arguido teria necessariamente conhecimento deste circunstancialismo… em duas datas diferentes, o que torna óbvio que a conclusão em causa, é apenas isso mesmo: uma conclusão destituída de suporte probatório! m)- No ponto 20 dos factos provados, que igualmente se impõe ser julgado não provado, apenas se refere que «O arguido foi notificado da decisão que lhe rejeitou o procedimento cautelar que lhe indeferiu o requerimento de procedimento cautelar de suspensão de eficácia de ato, decisão esta que transitou em julgado em 2 de Setembro de 2013.», sem que se refira como e (uma vez mais), quando, pois que nem daí resulta que tal notificação fosse pessoal, ou sendo feita na pessoa do mandatário constituído, tenha dela sido dado conhecimento ao ora Arguido. n)- Também tal notificação, aliás, também não tem respaldo nos documentos que integram a certidão de fls. 3 a 31, ou o suporte digital de fls. 32, nem a certidão de fls. 38 a 52, o auto de denúncia de fls. 75, a certidão de fls. 86 a 112, o documento de fls. 127, o printextraído do DR referente a edital e constante de fls. 186 e ss., nem dos documentos da Ordem dos Advogados de fls. 195 a 199, nem sequer dos documentos constantes do apenso A (NUIPC 4788/16.9T9SNT), designadamente, certidão de fls. 3 a 21 e documento de fls. 65 a 75, ou do Apenso B (Processo disciplinar n.º 1178/2011-L/D do Conselho de Deontologia da Ordem dos Advogados), a fls. 3 a 221. o)- Quanto ao segundo excerto deste facto 19 - «sendo que sempre teria conhecimento de tal, pelo menos, no dia 15 de Maio de 2014, data em que foi publicado o edital n." 400/2014 da Ordem dos Advogados.» - tratando-se de uma notificação edital, não tem a virtualidade de dar conhecimento PESSOAL ao Arguido daquela suspensão – e nem esse efectivo conhecimento está, de resto, dado como provado enquanto facto! -, sendo de resto manifesto que a publicação de edital, não oferece quaisquer garantias de efectivo conhecimento do visado do acto aí divulgado. p)- Por outro lado, a matéria de facto provada no ponto 19, exsuda a mais alarmante e flagrante violação do princípio in dúbio pro reo, respaldando uma posição de verdadeira presunção de culpabilidade que desobriga o Ministério Público de alegar e demonstrar, e consequentemente o Tribunal de justificar, aquele que é o elemento cognitivo indispensável ao preenchimento do tipo objectivo: o conhecimento, pelo agente, do facto de não poder praticar determinado acto. q)-É uma “posição” (ou uma forma de não a tomar, relativamente ao valor da publicação de edital enquanto prova do conhecimento efectivo do arguido da suspensão de inscrição na O.A. que lhe foi aplicada), objectivamente, bizarra, que não encontra reflexo no princípio da presunção de inocência, que antes de mais é um princípio de direito probatório, que preside à livre apreciação da prova, respaldando uma posição de verdadeira presunção de culpabilidade que desobriga o Ministério Público de alegar e demonstrar aquele que é o elemento cognitivo indispensável ao preenchimento do tipo objectivo: o conhecimento, pelo agente, do facto de não poder praticar determinado acto. r)- Relativamente a essa circunstância, percorre-se um caminho que é absolutamente impossível dilucidar, porque resumido a uma adjectivação que não constitui, de todo, justificação do processo lógico que lhe está subjacente: « (…)uma tal argumentação de desconhecimento não só surpreende como até ofende os princípios basilares do processo penal, pois que, conforme demonstrado nos autos, pelo menos, desde 15/05/2014, data da publicação do edital da Ordem dos Advogados, (…). s)-A sentença recorrida é, pois, nula por falta de fundamentação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 379.º nº1 alínea a) do CPP, ao obliterar por completo qualquer expressão de análise crítica da prova. t)- Finalmente, devem ainda ser julgados não provados, por arrastamento e porque se tratam de factos meramente conclusivos, dependentes dos demais elencados supra incorrectamente julgados, os factos elencados em 11 e 12, na parte em que referem «11- Não obstante saber que havia sido suspenso do exercício da profissão de advogado e que a sua inscrição estava cancelada desde o dia 18 de Março de 2014, (…)»; E «16- Não obstante saber que havia sido suspenso do exercício da profissão de advogado e que a sua inscrição estava suspensa com efeitos reportados ao dia 18 de Março de 2014, (…)» *** 1.7.–Admitido o recurso (referª 131933422), o MP não apresentou resposta à interposição do recurso da decisão final *** 1.8.–Remetido o processo a este Tribunal da Relação, na vista a que se refere o art. 416º do CPP, o Ex.mo. Sr.º. Procurador-geral Adjunto emitiu parecer sufragando os fundamentos invocados na resposta do MP ao recurso intercalar. *** 1.9.–Cumprido o preceituado no art.º 417º nº 2 do CPP, o arguido/recorrente não deduziu resposta ao parecer. *** 1.10.–Colhidos os vistos legais e realizada a conferência prevista nos art.ºs 418º e 419º nº 3 al. c) do CPP, cumpre decidir. *** II–FUNDAMENTAÇÃO 2.1.–Do âmbito do recurso e das questões a decidir: De acordo com o preceituado nos arts. 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação. Além destas, o tribunal está obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afetem o recorrente, nos termos dos arts. 379º nº 2 e 410º nº 3 do CPP e dos vícios previstos no art.º 410º nº 2 do CPP, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito[2]. Umas e outras definem, pois, o objeto do recurso e os limites dos poderes de apreciação e decisão do Tribunal Superior[3]. Seguindo esta ordem lógica, no caso concreto e atentas as conclusões, as questões a tratar são as seguintes: A- Do recurso interlocutório: 1-Saber se o arguido foi regularmente notificado do despacho que designou data para realização de audiência de julgamento; 2-Saber se o rol de testemunhas deduzido pelo arguido é extemporâneo. B- Do recurso da decisão final: 1.-Erro de julgamento, nos termos do art.º 412º do CPP; 2.-Nulidade da sentença por falta de fundamentação. *** 2.2.–Fundamentação de facto 2.2.1.-Do recurso Interlocutório 2.2.2.-O despacho recorrido proferido em 6.05.2021 (referª 130536654) tem o seguinte teor: Requerimento registado a 30/04/2021: Dispõe o artigo 315.º, do Código de Processo Penal: “1 - O arguido, em 20 dias a contar da notificação do despacho que designa dia para a audiência, apresenta, querendo, a contestação, acompanhada do rol de testemunhas. É aplicável o disposto no n.º 14 do artigo 113.º. (…)”. Dispondo o artigo 113.º, do referido Código: “(…) 14 - Nos casos expressamente previstos, havendo vários arguidos ou assistentes, quando o prazo para a prática de atos subsequentes à notificação termine em dias diferentes, o acto pode ser praticado por todos ou por cada um deles até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar. (…)”. Conforme decorre dos autos, foi o arguido notificado do despacho que designa dia para audiência – notificações expedidas a 01/03/2021 e P.D. de 03/03/2021, conforme registos nos autos – ressalvando a suspensão de prazos, prevista na Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, cessada a 05/04/2021, conforme Lei n.º 13-B/2021, de 05/04, começando assim a correr o respetivo prazo a 06/04/2021. Pelo exposto, face à extemporaneidade, não se admite o rol apresentado pelo(a)(s) arguido(a)(s), nos termos do artigo 315.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, tudo sem prejuízo de, a verificar-se o alegado conhecimento, decorrente de eventuais declarações que o arguido queira prestar, possa vir a ser requerida a inquirição, nos termos do disposto no artigo 340.º, do Código de Processo Penal. Notifique. Ainda sobre esta mesma questão, consta da ata da 1ª sessão de audiência, com a referência número 130738864, datada de 11.05.2021, o seguinte: “(…) requerida e dada a palavra ao Ilustre Mandatário do arguido, quanto à questão suscitada acerca da falta de notificação do arguido, pelo mesmo, foi dito, em síntese: “Crê-se que tal questão, afigura neste momento, uma nulidade que tem de ser arguida.” * Após, concedida a palavra à Digna Procuradora da República, pela mesma foi dito: “Uma vez que o arguido prestou Termo de Identidade e Residência nos presentes autos, ao que acresce o facto do exercício profissional que o mesmo anteriormente tinha, o arguido teria plena consciência das obrigações que decorrem deste TIR e de que deveria indicar uma morada para efeitos de notificação postal simples, com prova de depósito, nada veio comunicar aos autos, relativamente à alteração de tal morada, sendo certo que tinha conhecimento de que se pretendesse ser notificado noutra morada, teria que o fazer. Assim sendo, entende-se que a invocada nulidade não tem qualquer fundamento e que deverá ser indeferido o requerido pelo arguido.” * Posteriormente, pela Mmª Juiz de Direito, foi proferido o seguinte: DESPACHO “Relativamente à nulidade suscitada, atento o Termo de Identidade e Residência prestado nos autos e bem assim, a prova de depósito constante dos mesmos, a fls. 519 e sem prejuízo da devolução documentada a fls. 520, conforme dispõe o art.º 196º do C. P. Penal, não poderá a mesma colher, pelo que se indefere. Sem prejuízo, o arguido encontra-se presente e desde já, declarou habitar na morada, pelo que, de qualquer forma, sempre seria de indeferir. Não obstante, e atento o despacho já proferido nos autos, relativamente à não admissão do rol oportunamente apresentado, entende-se que estão salvaguardados todos os prazos legais, posto que as razões pelas quais, a referida carta foi devolvida, são posteriores ao seu efetivo depósito na morada constante do Termo de Identidade e Residência prestado.”. Argumenta o arguido/recorrente que no dia 29/04/2021, a carta que lhe foi remetida para notificação do despacho que designou data para realização de audiência de julgamento, foi devolvida, dela constando “Não habita aqui”. O Arguido, em audiência, não conseguiu apresentar qualquer razão para o sucedido, uma vez que não recebeu a notificação, mantendo porém ali o seu domicílio efetivo. É, pois, seu entendimento que terá existido erro do serviço de Correio, ou qualquer outra circunstância que tenha impedido o efetivo conhecimento, pelo Arguido, da designação de data para realização de audiência de julgamento. Conclui no sentido de que o Tribunal a quo violou o art.º 113.º n.º 9 do C.P.P., pelo que não se pode considerar que tenha sido regularmente notificado da data da audiência. Por estas razões invoca a nulidade insanável prevista na al. c) do art. 119º do CPP, que, no seu entender, determina a invalidade da audiência realizada e, consequentemente, a da sentença que, na sua sequência, foi proferida. Posto isto, apreciemos: As regras gerais sobre notificações encontram-se previstas no art. 113º, do C. Processo Penal. Face ao disposto nas quatro alíneas do seu nº 1 podemos distinguir quatro modalidades de notificação: a)-a notificação pessoa; b)-a notificação por via postal registada; c)-a notificação por via registada simples; e d)-a notificação por editais e anúncios. No que tange á notificação por via postal simples, dispõe o nº 3 do mesmo artigo que o funcionário judicial lavra uma cota no processo com indicação da data da expedição e do domicílio para onde foi enviada a carta, e o distribuidor do serviço postal deposita a carta na caixa do correio do notificando, lavra uma declaração indicando a data e confirmando o local do depósito, e envia-a ao tribunal remetente, considerando-se a notificação efetuada no 5º dia posterior à data indicada na declaração do distribuidor. Trata-se pois, da comummente designada notificação por via postal simples com prova de depósito. É sabido que o termo de identidade e residência é a medida de coacção aplicável a todo o cidadão constituído arguido (art. 196º, nº 1, do C. Processo Penal) e, uma das obrigações que decorre do termo de identidade e residência é a de o arguido indicar uma morada à sua escolha, para que possa ser notificado mediante via postal simples (nº 2, do art. 196º, do C. Processo Penal). E ao arguido deve ser dado conhecimento (que tem de constar do termo) de que: deve comparecer perante a autoridade competente e de se manter à sua disposição sempre que a lei o obrigue ou para tal seja devidamente notificado; não deve mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado; as posteriores notificações serão feitas para a morada escolhida, salvo se comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria do tribunal; o incumprimento das anteriores obrigações legitima a sua representação por defensor em todos os atos nos quais tenha o direito ou de dever de estar presente e ainda a realização da audiência na sua ausência, nos termos do art. 333º (nº 3, alíneas a), b), c) e d), do art. 196º, do C. Processo Penal). Assim, a notificação de arguido que prestou termos de identidade e residência é feita por via postal simples com prova de depósito, como ocorreu in casu. Na verdade, cotejando o teor dos autos confirma-se que o arguido prestou TIR e no âmbito do qual ficou devidamente advertido que a notificação por via postal simples se considerava efetuada ainda que a carta, devidamente depositada nos termos do art.º 113.º, n.º 3 e 196.º, n.º 3, alínea c), ambos do CPP, viesse devolvida. Ou seja, não podem deixar de se considerar válidas as notificações que sejam efetuadas ao arguido, não obstante a sua devolução. Não obstante, diremos que esta regra comporta exceções. E uma delas, diremos desde já que é a que o ora arguido/recorrente configura e suscita ao Tribunal. Se o arguido/recorrente mantém a sua residência no local constante do TIR, conforme declaração prestada nos autos. E por força da sua argumentação, por motivos a que o mesmo é alheio, a notificação foi devolvida com a indicação “não habita aqui”, não tendo efetivamente recebido a notificação. Das duas uma: a)-o tribunal a quo admite como válida a argumentação expendida pelo ora arguido/recorrente e admite o requerimento que apresenta o rol de testemunhas; b)-o tribunal a quo não admite como válida a argumentação expendida pelo ora arguido/recorrente, mas então cabia-lhe apurar da veracidade das razões invocadas pelo arguido/recorrente. O tribunal a quo, não optou por qualquer uma das duas soluções e proferiu despacho a não admitir a junção do rol de testemunhas. Face a esta controvérsia o arguido não pode ser prejudicado nos seus direitos de defesa que invoca. Em caso de dúvida é de considerar que o arguido não foi, efetivamente, notificado da data designada para audiência. Entender o contrário seria violar o disposto no art. 32º da Constituição da República Portuguesa que contém os mais importantes princípios materiais do processo criminal, dando corpo ao que podemos designar por constituição processual criminal. Em suma, o arguido/recorrente, em prazo[4], pois é de considerar que terá sido alheio ao não recebimento da notificação por aviso postal simples, apesar de residir na morada constante do TIR, veio apresentar o seu rol de testemunhas. O rol de testemunhas não foi admitido por extemporâneo, considerando que o arguido foi regularmente notificado nos termos dos art.ºs 113.º, n.º 3 e 196.º, n.º 3, alínea c), ambos do Código Processo Penal. Este tribunal ad quem discorda do entendimento pugnado pelo tribunal recorrido, considerando, pelo supra expendido, que estava em tempo a junção do rol de testemunhas. Nada impedia, pois, que o rol de testemunhas pudesse ser admitido em juízo, por deduzido em tempo - art.º 315.º, do Código Processo Penal. Entende o Arguido/Recorrente que tal questão configura uma nulidade insanável prevista na al. c) do art. 119º do Código Processo Penal. Discordamos desta argumentação. Vejamos mais em detalhe: A lei é clara ao dar relevância à contestação e rol de testemunhas para a boa decisão da causa. Desde logo, face ao disposto no art.º 374.º, do Cód. Proc. Pen., - que versa sobre os requisitos da sentença. É que em sede de motivação deve indicar o exame critico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. Cominando-se no art.º 379.º, nº 1, al.ª a), do Código Processo Penal, com a sanção da nulidade a Sentença que não contiver as menções referidas no n.º 2 do artigo 374.º. E como referido no art.º 368.º, n.º 2, do mesmo diploma legal, para se decidir sobre a culpabilidade, tem o tribunal, também, de apreciar os factos que resultaram da discussão do alegado pela defesa. O que neste caso, tal é omisso face à não admissão do rol de testemunhas do arguido/recorrente. Nestes termos, a sufragar o entendimento do tribunal recorrido, estar-se-ia perante a violação das mais elementares garantias de defesa que o processo deve assegurar, em clara violação do disposto no art.º 32.º, n.º 1, da C.R.P., e bem assim do princípio do contraditório, art.º 32.º, n.º 5, da mesma Lei Fundamental. É que, fazem parte dessas garantias de defesa do arguido todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para defender a sua posição e contrariar a acusação.[5] Concluindo, o tribunal a quo não poderia ter ignorado o rol de testemunhas, no quadro que interpretou, devendo a sentença refletir a produção de prova oferecida pela Defesa. Ao agir de forma diversa impediu-se o ora arguido/recorrente de se defender, o que impõe se anule o despacho onde se não admitiu os elementos de prova aí apresentados. Nulidade que se tem de arrastar quer ao julgamento quer à sentença, devendo proceder-se à realização de novo julgamento onde se leve em linha de conta o rol de testemunhas apresentado e se reflita o mesmo ao nível da Sentença, nos moldes mencionados. Procede, nesta parte o recurso interposto pelo arguido/recorrente ficando prejudicadas todas as demais questões suscitadas ao nível dos recursos interlocutório e da decisão final. *** 3.–DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes da 3ª secção deste Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso interlocutório, embora por fundamentos diferentes aos invocados, revogando o despacho recorrido e devendo ser substituído por outro que admita o requerimento de rol de testemunhas, devendo proceder-se à realização de novo julgamento pelo mesmo tribunal, onde se leve em linha de conta o rol de testemunhas apresentado e se reflita o mesmo ao nível da Sentença. Sem custas. *** Tribunal da Relação de Lisboa, data e assinatura eletrónica. Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (art.º 94°, n.º 2 do C.P.P.) Lisboa, 20-10-2021 Alfredo Costa Rosa Vasconcelos _______________________________________________________ [1]As alíneas anteriores respeitam ao recurso intercalar que havia sido intentado e já admitido antes do recurso interposto da decisão final. [2]Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28.12.1995 e o AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07.12.2005 [3]Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág. 113; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061 [4]Prazo de 20 dias para contestar, estabelecido no art.º 315º do CPP [5]Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, págs. 516. |