Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
892/13.3TBAGH.L1-8
Relator: ANTÓNIO VALENTE
Descritores: IMPUGNAÇÃO DE PATERNIDADE
CADUCIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/29/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - O prazo de caducidade de três anos para propor a acção de impugnação de paternidade, previsto no art. 1842º nº 1 a) do Código Civil, conta-se do momento em que o requerente tem conhecimento de factos que indiciam com grande probabilidade que o filho não seja seu, não se exigindo uma certeza absoluta da não paternidade.
- Tendo o requerente efectuado uma vasectomia total em 14/06/2005 e tendo a menor nascido a 01/02/2008, existiam razões para que o requerente tivesse fortes indícios de que a criança não era sua, pelo que o prazo de caducidade se deverá contar desde tal data do nascimento.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:



I-Relatório:



N... veio intentar acção de impugnação de paternidade, nos termos do art. 1839°, n° 1 do Código Civil, na qualidade de marido da mãe (rectius, ex-marido da mãe). 

O Ministério Público e o Requerente foram notificados, nos termos do art. 3°, n° 3 do NCPC, para se pronunciarem sobre a caducidade do direito do autor de propor a presente acção (cfr. despacho de fls. 33 e 34). 

O Ministério Público pronunciou-se pugnando para que seja declarada a caducidade do direito do autor propor a presente acção, pelo decurso do prazo estatuído no art. 1842°, n° 1, al. a) do Código Civil, que não é considerado inconstitucional (cfr. fls. 37 a 40). 

O Requerente defende que só a partir da data de realização de estudo do esperma, em 2013, é que deve ser contado o prazo para proposição da acção e requer a audição de um médico cirurgião (cfr. fls. 41 a 44).

Foi proferida decisão, em sede de despacho saneador, indeferindo a audição do médico cirurgião e julgando verificada a caducidade de o Autor propor a presente acção em juízo, absolvendo as Rés do pedido.

Dão-se como assentes os seguintes factos:

A) O Autor realizou uma vasectomia em 14/06/2005 (cfr. fls. 10).
B) A menor L... nasceu em 01/02/2008.
C) O requerente que declarou perante oficial público que era o pai da menor (cfr. fls. 7 a 9).
D) Em 23/04/2013 o Autor realizou um “estudo do esperma que revelou a inexistência de quaisquer espermatozóides, contagem zero,  azoospermia” (ver fls. 11).

Inconformado recorre o Autor, concluindo que:

- A sentença em crise não enumera quais os factos que o tribunal considerou provados e quais aqueles que foram julgados não provados, limitando-se ao Relatório e, depois, à Fundamentação, decisão sobre factos que o recorrente desconhece e que o tribunal a quo considerou como provados para permitir a decisão que proferiu.;
- Trata-se, pois, de um erro material da sentença, artigo 614°/1 do C.P.C. que deve ser corregido.;
- Considerou a decisão proferida que "a vasectomia é um método contraceptivo a longo prazo consabidamente muito eficiente. Pelo que, a realização prévia de uma vasectomia trata-se, sem dúvida, de uma circunstância que o requerente podia concluir pela sua não paternidade. Após o nascimento da menor, o requerente ainda dispôs de 3anos para dissipar alguma dúvida, se a houvesse, e interpor a competente ação, mas não o fez", considerando que o prazo dos três anos conta-se a partir do dia do nascimento da menor, sendo irrelevante o estudo de esperma realizado em 23-04-2013 que revelou a inexistência de quaisquer espermatozoides, contagem zero, azoospermia;
- Parece-nos que não é líquido que assim seja. Na realidade aquando da realização da vasectomia não foi feito ao recorrente o exame referido supra, o que só ocorreu em 23-04-2013, dito de outra forma, apesar da vasectomia, o recorrente só na data do exame realizado é que teve a certeza absoluta do resultado da mesma, pelo que o prazo só pode começar a contar daquela data e não do nascimento da filha;
- O resultado da vasectomia não é imediato, já que as primeiras ejaculações após a intervenção podem ser constituídas por espermatozoides previamente presentes na parte dos canais deferentes relacionados com as estruturas ligadas com o exterior, sendo por isso que, no período imediato à operação, se deve recorrer temporariamente a outro método contraceptivo seguro até se comprovar que não chegam espermatozoides à uretra. De facto, deve-se aguardar um certo período de tempo até que se produzam, no mínimo, 10 a 15 ejaculações, após as quais se deve realizar uma análise ao esperma. Só quando a análise comprovar a ausência de espermatozoides é que se pode começar a manter relações sexuais sem se ter de recorrer a outro recurso contraceptivo;
- O recorrente conheceu efetivamente que não podia ter filhos e o exame realizou-se em 23-04-2013;
- O Tribunal ao decidir como o fez, não interpretou corretamente a norma constante do artigo 1842°/l-a) do Código Civil, ao iniciar a contagem do prazo com o nascimento da filha, devendo esta ser interpretada no sentido de que a contagem do prazo inicia-se com o conhecimento da circunstância que permita concluir pela sua não paternidade, o exame  realizado e, supra, referido.

O Mº Pº contra-alegou defendendo a bondade da decisão recorrida.

Cumpre apreciar.

O presente recurso assenta em dois aspectos diferentes: o primeiro respeita à não enumeração dos factos provados que fundamentam a decisão, o segundo aos critérios que levaram o Mº Juiz a quo a julgar verificada a caducidade.

Quanto ao primeiro caso, embora não tenha enumerado os factos em separado ou numa rubrica da decisão em que os qualifique enquanto tal, o certo é que a decisão recorrida menciona os factos relevantes para apreciação da questão da caducidade, factos esses que acima referimos, de A) a D).

Quanto à caducidade.

Dispõe o art. 1842º nº 1 do Código Civil que “a acção de impugnação de paternidade pode ser intentada (...) pelo marido, no prazo de três anos contados desde que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade”.

O Autor havia realizado  uma vasectomia em 14/06/2005. Tal intervenção visa, como é sabido, através da ressecção (neste caso total) dos canais deferentes, obter a esterilidade masculina.

É certo que tal efeito pode não se revelar de imediato. Como diz o próprio requerente, “as primeiras ejaculações após a intervenção podem ser constituídas por espermatozóides previamente presentes na parte dos canais deferentes relacionadas com as estruturas ligadas com o exterior (...) De facto, deve-se aguardar um certo período de tempo até que se produzam, no mínimo, 10 a 15 ejaculações, após as quais se deve realizar uma análise ao esperma. Só quando a análise comprovar a ausência de espermatozóides é que se pode começar a manter relações sexuais sem ter de recorrer a outro recurso contraceptivo”.                                                                                                               
A menor nasceu a 01/02/2008. Ou seja, terá sido concebida mais ou menos dois anos após a vasectomia do requerente. E este assumiu a paternidade no Registo Civil (fls. 8).

O prazo de caducidade conta-se, efectivamente, desde a data em que o requerente tem conhecimento de factos ou circunstâncias que o podem levar a concluir não ser o pai da criança.

Mas isso não significa que tal conclusão tenha de equivaler a uma certeza absoluta. Pode acontecer que perante determinados factores, o requerente assuma como altamente provável que o filho não seja seu; isso basta para possibilitar a propositura da acção, no decurso da qual e mediante as várias modalidades de prova, se alcançará, tanto quanto possível, um juízo de certeza no sentido afirmativo ou negativo.

Ora, afigura-se-nos ser uma questão de mero senso comum que, tendo o requerente efectuado uma vasectomia total e sendo a criança concebida cerca de dois anos depois, haveria fortes razões para que o requerente tivesse fundadas dúvidas quanto à sua paternidade. Neste sentido, poderia ter efectuado o exame ao esperma logo na altura, em vez de esperar mais de cinco anos após o nascimento da menor, tendo inclusivamente declarado ser o pai da menor no registo, logo após o nascimento.

O prazo de caducidade é estabelecido nestes casos para evitar que se prolonguem no tempo situações de indefinição ou que, anos depois do nascimento do menor e de estarem consolidadas relações de facto de paternidade, tudo seja alterado com as profundas perturbações da vida pessoal e familiar (sobretudo do menor) que daí resultam.

Pelo que se exige um mínimo de diligência ao progenitor, o qual deverá propor a acção logo que depare com factualidade que o leve à convicção de que o filho não é seu. Não é necessário que tenha a certeza absoluta mas que as dúvidas se fundem em razões credíveis e ponderosas.

No caso em apreço, tendo feito a vasectomia em 14/06/2005, nascendo a menor em 01/02/2008, existiam fortes razões para que o requerente tivesse, pelo menos, como muito provável que a criança não era sua. Podia ter feito nessa altura o estudo do esperma mas, ao invés, declarou em sede de registo que a L... era sua filha. Só mais de cinco anos depois é que realizou o aludido exame ao esperma.

Entendemos que o prazo de caducidade se começou a contar do nascimento da menor, já que antes, como é evidente, não seria possível o requerente instaurar a acção de impugnação de paternidade. Tinha três anos para realizar o focado exame ao esperma e para instaurar a acção e, sem que seja invocada qualquer razão significativa, não o fez.

Caso contrário, e se aceitássemos a tese do recorrente, a caducidade só se iniciaria quando ele achasse por bem fazer tais estudo do esperma, fosse 2013, em 2020 ou em 2030, o que francamente é inconcebível.

Assim, entendemos que o direito de propor a presente acção caducou em 01/02/2011.   

Conclui-se pois que:

– O prazo de caducidade de três anos para propor a acção de impugnação de paternidade, previsto no art. 1842º nº 1 a) do Código Civil, conta-se do momento em que o requerente tem conhecimento de factos que indiciam com grande probabilidade que o filho não seja seu, não se exigindo uma certeza absoluta da não paternidade.

– Tendo o requerente efectuado uma vasectomia total em 14/06/2005 e tendo a menor nascido a 01/02/2008, existiam razões para que o requerente tivesse fortes indícios de que a criança não era sua, pelo que o prazo de caducidade se deverá contar desde tal data do nascimento.

Termos em que se julga a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.


LISBOA, 29/10/2015


António Valente
Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais

Decisão Texto Integral: