Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2179/14.5T8FNC.L1-2
Relator: EZAGÜY MARTINS
Descritores: EXECUÇÃO DE SENTENÇA
ENTREGA DE COISA CERTA
PRAZO DA CONTESTAÇÃO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
DOENÇA DO ARRENDATÁRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/15/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Sumário: Em observância do disposto no n.º 7 do art.º 713º, do Código de Processo Civil, passa a elaborar-se sumário, da responsabilidade do relator, como segue:

“I - Trata-se, no artigo 863º, n.ºs 2 e 3, e no artigo 864º, n.ºs 1 e 2 – para que remete o n.º 1 daquele artigo 863º – ambos do Código de Processo Civil, de incidentes distintos quanto ao seu fundamento e tramitação e com prazos diversos para a sua dedução. II – O primeiro, é o que se pode designar de “Incidente de suspensão precária da desocupação”, podendo ter dois fundamentos, aos quais correspondem distintas legitimidades. III - O primeiro fundamento é a titularidade de direito incompatível por terceiro detentor que não tenha sido ouvido e convencido na ação declarativa; o segundo fundamento é privativo do arrendamento para fim habitacional: a diligência colocar em risco de vida a pessoa que se encontra no local, por razões de doença aguda. IV - Note-se porém que nos termos do artigo 861º, n.º 6, do Código de Processo Civil, “Tratando-se da casa de habitação principal do executado, é aplicável o disposto nos n.ºs 3 a 5 do artigo 863º (…)”, ainda que não se trate de “local arrendado”. V - Já no artigo 864º, e sob a epígrafe “Diferimento da desocupação de imóvel arrendado para habitação”, se trata do “Incidente de deferimento da desocupação”, a ser requerido pelo inquilino/executado, “dentro do prazo de oposição à execução (…) por razões sociais imperiosas”. VI - Não se trata agora da verificação – na sequência de iniciativa do agente de execução – de que a diligência põe em risco de vida a pessoa que se encontra no local, por razões de doença aguda, mas do equacionamento de razões sociais imperiosas no sentido do diferimento da desocupação, que requerida haja sido pelo arrendatário. VII – Esse diferimento poderá apenas poderá ser concedido desde que tratando-se de resolução por não pagamento de rendas, a falta do mesmo se deva a carência de meios do arrendatário, ou sendo o arrendatário portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%.”.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção (cível) deste Tribunal da Relação


I – A requereu execução – de sentença – para entrega de coisa certa, contra B e C.

Alega que “Por sentença judicial de 21 de Janeiro de 2014”, transitada em julgado, “foi a Exequente reconhecida como dona e legítima proprietária do prédio urbano sito à Travessa (…) no Funchal, composto por edifício de dois pisos afeto à habitação (…) e os Executados, condenados a restituir à Exequente o aludido prédio.”.

E “Os Executados já foram notificados do teor daquela sentença judicial, contudo, não restituíram o dito prédio à Exequente”, que assim “pretende o despejo dos Executados” do referido “prédio urbano”.

Citados os Executados, não procederam aqueles à entrega do imóvel à Exequente, nem deduziram embargos.

Sendo, por despacho reproduzido a folhas 28, determinada a “entrega efectiva ao Exequente do imóvel”.

Vindo a diligência a ser suspensa pela Sr.ª Agente de Execução, “No dia 18 de Junho de 2014, pelas 09h 30m, na Travessa (…), Funchal”, “nos termos do n.º 3 do artigo 863.° do CPC", conforme se mostra consignado a folhas 44, por não ter “sido possível dar cumprimento à referida diligência em virtude de termos sido recebidos pelo executado C, e o mesmo ter apresentado um atestado médico.”.

Notificada, opôs-se a Exequente à suspensão, manifestando o seu ceticismo quanto à situação de doença do executado B, e designadamente, quanto ao caráter “grave” da sua “depressão”, requerendo a realização de diligências “com o intuito de aferir da veracidade, ou não, da doença alegada no atestado médico”.

E mais sustentando que “embora o executado B tenha apresentado um documento susceptível de suspender a instância, a verdade, é que a mesma deverá prosseguir em relação ao Executado C, procedendo-se ao seu despejo imediato.”.

Por requerimento de 2014-06-30, a folhas 53-57, requereu o executado B a confirmação da suspensão da execução, pelo prazo de seis meses.

Respondendo a Exequente a tal requerimento – conforme folhas 71-74 – pugnando pela não confirmação da “suspensão da presente execução, prosseguindo os autos os demais termos legais, nomeadamente com o despejo imediato dos executados.”.

Por despacho de 2014-11-06, reproduzido a folhas 77 e 78, foi liminarmente indeferido “o presente incidente” e determinado “o levantamento da suspensão e a prossecução dos autos”.

E isso, assim, “à luz das disposições conjugadas dos artigos 864º, n.º 1, e 865º, n.º 1, alínea a), do C.P.C.”, e na sequência da seguinte ordem de considerações:

“O executado B foi citado para a presente execução em 28 de Março de 2014.

A agente de execução agendou a realização da entrega do imóvel para o dia 18 de Junho de 2014, do que as partes foram notificadas.

A 18 de Junho de 2014, o executado C apresentou à agente de execução atestado médico, datado de 29 de maio de 2014, referente ao executado B.

A agente de execução decidiu suspender a diligência nos termos do artigo 863º, n.º 3, do CPC.

O exequente opôs-se à suspensão, impugnando a doença alegada, em termos que descreve.

Por requerimento datado de 30 de Junho de 2014, o executado B veio requerer a confirmação da suspensão da execução, reiterando o problema médico de que padece, o qual descreve.

(…)

De acordo com o disposto no artigo 864º, n.º1, do Código de Processo Civil, o incidente de diferimento da desocupação de imóvel arrendado para habitação tem de ser deduzido "dentro do prazo de oposição", sendo que, tal não sucedendo, a petição de diferimento da desocupação será liminarmente indeferida por ter "sido deduzida fora do prazo", nos termos da alínea a) do n.º1 do artigo 865º do Código de Processo Civil.

No caso em apreço, face à data da citação, é manifesta a extemporaneidade do requerido, porquanto deduzido muito para além do prazo que o executado dispunha para se opor à execução.”.

Inconformado, recorreu o executado B, formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões:

“1ª)- Diferentemente do que na sua parte dispositiva a douta sentença impugnada pressupôs, o incidente que o executado ora Apelante deduziu, foi o da confirmação da suspensão da execução para entrega de coisa certa que a Agente de Execução decretou, nos termos previstos no nº 3 do artigo 863º do CPC, a 18.06.2014.

2ª)- Confirmação essa que foi requerida expressamente ao abrigo e nos termos do nº 4 do mesmo artigo 863º, a 30.06.2014.

3ª)- Após notificação da decisão de suspensão efectuada pela A.E. ao Apelante por carta registada expedida a 18.06.2014, e por este recebida no seguinte dia 20.

4ª)- Sendo que o prazo próprio para o requerimento dessa confirmação, era o de 10 dias a contar de tal notificação ou advertência, conforme previsto na 2ª parte do nº 4 daquele artigo 863º.

5ª)- Pelo que esse incidente foi deduzido tempestivamente.

6ª)- Ao indeferi-lo liminarmente, com base na norma do nº 1 do artigo 864º do CPC, por considerar que ele foi deduzido fora de prazo, que seria o da oposição à execução, a douta sentença recorrida confundiu o incidente deduzido, com o incidente de “Diferimento da desocupação de imóvel arrendado para habitação”, este sim, previsto e regulado no artigo 864º.

7ª)- Assim, a douta sentença violou a norma do nº 4 do artigo 863º, e, por errada aplicação ao caso concreto, também a do nº 1 do artigo 864º, ambas do CPC.”.

Remata com a revogação da “sentença recorrida”, a substituir “por outra que receba o incidente da confirmação da suspensão, e o mande seguir”.

Não se mostram produzidas contra-alegações.

II- Corridos os determinados vistos, cumpre decidir.

Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objeto daquele – vd. art.ºs 635º, n.º 3, 639º, n.º 3, 608º, n.º 2 e 663º, n.º 2, do Código de Processo Civil – é questão proposta à resolução deste Tribunal, a de saber se não era caso de indeferimento liminar da requerida suspensão da execução.


*

Com interesse, para além do que se deixou referido em sede de relatório, considera-se assente a factualidade enunciada na decisão recorrida.

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Vejamos:

1. Na decisão recorrida – e depois, como visto já, se assinalar haver a agente de execução decidido suspender a diligência nos termos do artigo 863º, n.º 3, do Código de Processo Civil – convocou-se o disposto nos artigos 864º, n.º1 e 865º, n.º 1, alínea a), do mesmo Código, para, concluindo pelo extemporâneo da “petição de diferimento da desocupação” – requerimento do executado B, de 2014-06-30, a folhas 53-57, de confirmação da suspensão da execução, pelo prazo de seis meses – fundamentar o indeferimento liminar do “presente incidente”.

Ora é diverso o âmbito dos citados artigos 863º, n.ºs 2 e 3, e 864º do Código de Processo Civil.

O primeiro, sob a epígrafe “Suspensão da execução” – e depois de no seu n.º 1 prever tal suspensão “se o executado requerer o diferimento da desocupação do local arrendado para habitação, motivada pela cessação do respetivo contrato nos termos do artigo seguinte – trata, nas palavras de Rui Pinto,[1] do “Incidente de suspensão precária da desocupação”.

Regulando, nos seus referenciados n.ºs 2 e 3, “um incidente declarativo inominado (no passado previsto nos artigos 60.° e 61.° RAU), subsidiariamente sujeito aos artigos (…) 292.° a 294.° do nCPC, e dividido em duas fases: uma fase de suspensão liminar pelo agente de execução e uma fase de apreciação para confirmação pelo juiz da causa”,[2] a ser requerida pelo executado ou terceiro detentor da coisa, no prazo de dez dias contados da correspondente “advertência” do agente de execução.

Iniciando-se o incidente “com um acto de oposição à apreensão acompanhada de prova escrita e deduzida antes da conclusão das diligências de apreensão”.

Aquela oposição, e como igualmente assinala o citado Autor, “pode ter dois fundamentos, aos quais correspondem distintas legitimidades.

2. O primeiro fundamento é a titularidade de direito incompatível por terceiro detentor que não tenha sido ouvido e convencido na acção declarativa.

(…)

3. O segundo fundamento (…) é privativo do arrendamento para fim habitacional: a diligência colocar em risco de vida a pessoa que se encontra no local, por razões de doença aguda. Visa-se, deste modo, a "preservação de valores humanistas insuperáveis, como a saúde e a vida, e ainda que à custa de drástica limitação do direito de propriedade privada (…)”[3] (grifado nosso).

Note-se porém que nos termos do artigo 861º, n.º 6, do Código de Processo Civil, “Tratando-se da casa de habitação principal do executado, é aplicável o disposto nos n.ºs 3 a 5 do artigo 863º (…)”, ainda que não se trate de “local arrendado” …

Já no artigo 864º, e sob a epígrafe “Diferimento da desocupação de imóvel arrendado para habitação”, se trata do “Incidente de deferimento da desocupação”, a ser requerido pelo inquilino/executado, “dentro do prazo de oposição à execução (…) por razões sociais imperiosas”, vd. n.º 1, sendo nosso o grifado.

Alcançando-se dos n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo o diverso fundamento deste incidente, relativamente ao da “suspensão precária da desocupação”.

Não se trata agora da verificação – na sequência de iniciativa do agente de execução – de que a diligência põe em risco de vida a pessoa que se encontra no local, por razões de doença aguda, mas do equacionamento de razões sociais imperiosas no sentido do diferimento da desocupação, que requerida haja sido pelo arrendatário.

Impondo o legislador, desta feita, a consideração, pelo juiz, das “exigências da boa-fé, a circunstância de o arrendatário não dispor imediatamente de outra habitação, o número de pessoas que habitam com o arrendatário, a sua idade, o seu estado de saúde e, em geral, a situação económica e social das pessoas envolvidas, só podendo ser concedido desde que se verifique algum dos seguintes fundamentos:

a) Que, tratando-se de resolução por não pagamento de rendas, a falta do mesmo se deve a carência de meios do arrendatário, o que se presume relativamente ao beneficiário de subsídio de desemprego, de valor igual ou inferior à retribuição mínima mensal garantida, ou de rendimento social de inserção;

b) Que o arrendatário é portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%..

Confrontando-nos pois com incidentes distintos quanto ao seu fundamento e tramitação e com prazos diversos para a sua dedução.

2. No caso em apreço resulta manifesta a confusão feita, na 1ª instância, entre um e outro dos aludidos incidentes.

O que assim decorre incontornavelmente dos autos é que, em 2014-06-30, veio o executado B requerer, “ao abrigo e nos termos do artigo 863º/4 do C.P.C.” – e reiterando a invocação da situação clínica e risco de vida, de que é dada notícia no apresentado atestado médico – a “confirmação da suspensão da execução” que a senhora agente de execução havia decidido, “nos termos do n.º 3 do artigo 863º”, e que comunicada foi àquele logo aquando da diligência, em 2014-06-18.

Tendo destarte deduzido o incidente (de suspensão precária da desocupação) – e considerando que o 10º dia subsequente à suspensão da diligência foi um Sábado, dia 28 e, logo, o 11º um Domingo, dia 29 – em prazo.

Não sendo pois caso de “indeferimento liminar” do requerimento de confirmação da suspensão da execução – ao qual a Exequente já respondeu – e designadamente por extemporaneidade…nos quadros do artigo 865º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil…que reporta ao incidente previsto no artigo 863º n.º 1 e no artigo 865º, n.ºs 1 e 2, de diferimento da desocupação de imóvel arrendado para habitação.

Devendo, na 1ª instância, ser observado o disposto no artigo 863º, n.º 5 do Código de Processo Civil, decidindo-se, sem prejuízo de diligências que se entenda serem comportáveis na particular tramitação do incidente – a que como assinalado já são subsidiariamente aplicáveis os artigos 292º a 294º do Código de Processo Civil – a manutenção da execução suspensa ou o levantamento da suspensão da mesma.

Com procedência, nesta conformidade, das conclusões do Recorrente.

III - Nestes termos, acordam em julgar a apelação procedente e revogam a decisão recorrida, devendo o incidente prosseguir os seus termos, na 1ª instância.

Custas por quem vier a ficar vencido no incidente respetivo.


Lisboa, 2015-10-15

(Ezagüy Martins)

(Maria José Mouro)

(Maria Teresa Albuquerque)


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[1] In “Manual da Execução e Despejo”, Coimbra Editora, 2013, pág. 1148.
[2] Ibidem.
[3] Idem, págs. 1148-1150.