Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
418/06.5PBLSB.L1-9
Relator: ALMEIDA CABRAL
Descritores: REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA PENA
AUDIÇÃO DO ARGUIDO
VIOLAÇÃO GROSSEIRA DOS DEVERES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/16/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I- A revogação da suspensão da execução da pena nunca pode ser decretada sem a prévia audição do arguido, nos termos previstos nos artºs. 61.º, n.º 1, al. b) e 495.º, n.º 2, do C.P.P., havendo, também, de ser feito relevar o circunstancialismo fáctico verificado à data da respectiva decisão;
II- Por outro lado, a mesma revogação pressupõe a efectiva comprovação da existência de uma consciente violação grosseira e repetida dos deveres que ao referido arguido haviam sido impostos (sumario elaborado pelo relator).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1 – No Juízo Central Criminal de Lisboa, Processo Comum Colectivo n.º 418/06.5PSLSB, onde é arguido e ora recorrente AA.., foi este julgado e condenado, em cúmulo jurídico, pela prática de três crimes e falsificação de documento e de um crime de burla qualificada, na pena única de quatro anos de prisão, suspensa na sua execução com sujeição a regime de prova.
Esta decisão foi proferida em 19/02/2010 e transitou em julgado em 22/03/2010.
Porém, no decurso da referida suspensão da execução da pena o arguido/recorrente sofreu mais duas condenações, sendo uma no âmbito do Proc. Comum Singular n.º 188/11.5PBSXL, no qual foi condenado na pena de dois anos de prisão, também suspensa na sua execução, pela prática de um crime de furto qualificado, na forma tentada e, a outra, no âmbito do Proc. Comum Singular n.º 726/13.9PAALM, no qual foi condenado na pena efectiva de três anos e seis meses de prisão, pela prática de um crime de violência doméstica.
Para além disso, o arguido apenas cumpriu parcialmente as obrigações decorrentes do regime de prova e não cumpriu nenhuma das acções previstas no plano individual de reinserção social.
O arguido já tem averbadas várias condenações no seu certificado de registo criminal.
Ponderando o descrito circunstancialismo, considerou o tribunal “a quo” haver o arguido/recorrente infringido, grosseira e repetidamente, os deveres que lhe haviam sido impostos, comprometendo, assim, de forma definitiva, o juízo de prognose positiva subjacente à decisão que decretou a suspensão da execução da pena, não se mostrando o mesmo capaz de interiorizar as finalidades preventivas, sendo que a pena imposta não constituiu advertência suficiente de modo a afastá-lo de novas práticas criminosas, razão por que revogou o mesmo tribunal a suspensão da execução da pena em causa, decisão que sustentou com a prolação do seguinte despacho:
“(…) 1. Nos presentes autos, o arguido AA.. foi condenado pela prática de 3 (três) crimes de falsificação de documento p. e p. pelo art. 256.º, n.ºs 1 e 3, do CP e de 1 (um) crime de burla qualificada p. e p. pelos arts. 217.º e 218.º, n.° 1, do CP, na pena única de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com submissão a regime de prova assente em plano de reinserção social.
O acórdão condenatório foi proferido no dia 19-02-2010 e transitou pacificamente em julgado no dia 22-03-2010 (vide certidão de fls. 437).
Conforme resulta das certidões de fls. 683 a 708, o arguido AA.. sofreu, entretanto, as seguintes condenações criminais:
--no âmbito do Processo Comum Singular n.° 188/11.5PBSXL, por sentença proferida no dia 27-02-2014, transitada em julgado no dia 31-03-2014, o arguido AA… foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos arts 22.º, 23.º, 203.º, n.° 1, e 204.º, n.° 1, al. f), todos do CP, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, relativamente a factos cometidos no dia 07-02-2011;
--no âmbito do Processo Comum Singular n.° 726/13.9PAALM, por sentença proferida no dia 12-12-2014, transitada em julgado no dia 09-02-2015, o arguido AA… foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica p. e p. pelo art. 152.º, n.°s 1, als. b) e c) e 2, do CP, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, relativamente a factos cometidos os dias 26-04-2013 e 03-06-2014;
Do relatório social de fls. 583 a 585 ressalta, muito em síntese, que o condenado cumpriu apenas parcialmente as obrigações decorrentes do regime de prova que lhe foi imposto, que manifestou uma atitude de ambivalência perante a DGRS (ora colaborando com estes serviços, ora manifestando comportamentos de resistência passiva), que não cumpriu nenhumas das acções previstas no plano individual de reinserção social no que diz respeito à escolaridade, à formação profissional ou ao emprego e que, em suma, não apresenta condições para adesão a contexto estruturados.
Do que se deixa exposto resulta que o arguido incorreu na prática de duas infracções criminais dolosas durante o período de suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado nestes autos, o que leva este tribunal a concluir que não se mostrou capaz de interiorizar as finalidades preventivas e que esta pena não constituiu advertência suficiente por modo a afastá-lo da prática de novas delinquências.
Para além do crime de furto qualificado, cometido menos de um ano depois do trânsito em julgado do acórdão condenatório proferido nestes autos, o arguido AA foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, exercida sobre a sua companheira BB, relativamente a factos cometidos de forma reiterada ao longo do tempo, entre os dias 26-04-2013 e 03-06­2014, o que determinou a sua condenação numa pena de prisão efectiva de 3 anos e 6 meses, conforme se viu, que se encontra a cumprir de momento no EP de Sintra.
Todas estas condenações levam este tribunal a considerar que o arguido AA.. denota persistência criminosa e que as finalidades que estiveram na base da suspensão da pena não puderam, por meio dela, ser alcançadas, em face da forma reiterada como incorreu na prática dos factos acima mencionados e que inclusive ditaram a imposição ao condenado de uma pena de 3 anos e 6 meses de prisão efectiva.
Acresce que os antecedentes criminais também não abonam a favor do arguido.
Tem averbado no seu certificado de registo criminal a prática de diversos crimes, desde o crime de condução sem habilitação legal, passando pelos crimes de condução perigosa de veículo rodoviário, de burla simples, de furto de veículo ou ainda de falsidade de depoimento, o que demonstra uma personalidade arredia ao direito, demonstrativa de uma evidente dificuldade de cumprimento das normas jurídicas.
Por último, importa referir que o arguido AA.. não procurou aproveitar a oportunidade que lhe foi concedida mediante a suspensão da execução da pena subordinada a regime de prova, por forma a potenciar a sua efectiva inserção social, na medida em que, conforme resulta do relatório social acima mencionado, não cumpriu nenhumas das acções previstas no plano individual de reinserção, no que diz respeito à escolaridade, à formação profissional ou ao emprego.
Em suma: para além de ter incorrido na prática de novos delitos, que não podem ser considerados meras bagatelas penais, quer atendendo aos bens jurídicos violados, quer atendendo às penas impostas, o condenado AA.. não cumpriu as obrigações decorrentes do regime de prova imposto pela suspensão da execução da pena de prisão, limitando-se a comparecer intermitente nos serviços da DGRS, mas sem que, empenhadamente, tenha procurado aumentar a sua escolaridade, adquirir novas valências formativas e inserir-se na vida laboral.
Em face do exposto, ao abrigo do disposto no art. 56.º, n.° 1, als. a) e b), do CP, decide este tribunal revogar a suspensão da execução decretada e, em consequência, determinar que o arguido AA.. cumpra à ordem destes autos a pena única conjunta de 4 (quatro) anos de prisão. (…)”.
*
 Com esta decisão, porém, não se conformou o arguido, pelo que da mesma interpôs o presente recurso, o qual sustentou no facto de haver o tribunal “a quo” incorrido na prática da nulidade prevista no art.º 119.º, al. c) do C.P.P., ao não lhe ter dado a oportunidade de se pronunciar sobre a possibilidade de revogação da suspensão em causa, conforme o previsto no art.º 495.º, n.º 2, assim como entende ter o mesmo tribunal incorrido, ainda, na prática da nulidade prevista no art.º 120.º, n.º 2, al. d) e no vício descrito no art.º 410.º, n.º 2, al. a), do mesmo C.P.P., ao proferir uma decisão que não levou em conta as suas actuais “condições sociais e económicas”, as quais justificam a não revogação da mesma suspensão.
Da motivação do respectivo recurso extraiu as seguintes conclusões:
“(...) 1 - O Arguido foi condenado, por sentença de 19/02/2010, pela prática de três crimes de falsificação de documento, p. p. pelo art.º 256.º, nºs. 1 e 3, do Código Penal, e de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217.° e 218.°, n.° 1, do Código Penal, na pena única de quatro anos de prisão, suspensa por igual período de tempo, com submissão a regime de prova assente em plano de reinserção social.
2 - Na pendência da suspensão da pena, o Arguido incorreu na prática de um crime de furto qualificado na forma tentada.
3 - Por outro lado, o Arguido foi igualmente condenado pela prática de um crime de violência doméstica.
4 - Conforme o despacho proferido a 07 de Setembro de 2018, referente ao Processo N.° 418/06.5PSLSB, o Arguido não cumpriu com as obrigações às quais se encontrava vinculado pelo regime de prova que lhe foi imposto.
5 - O Tribunal fundou a revogação da suspensão da execução efetiva da pena decretada, aludindo às disposições do art. 56.°, n.° 1, als. a) e b) do C.P., determinando que o Arguido, cumpra uma pena única de quatro anos de prisão.
6 - Como razões capitais da revogação da indicada suspensão, indicou o tribunal a quo: o incumprimento das ações previstas no plano individual de reinserção social; o cometimento de duas novas infrações criminais dolosas, na pendência da suspensão e a persistência nas razões de ordem preventiva geral e especial dirigida à atividade criminosa e antecedentes criminais do Arguido.
7 - Tendo sido determinado plano individual de reinserção social, o arguido faltou ao cumprimento das obrigações a que estava vinculado, muito devido ao seu estado de saúde mental que motivaram diversos internamentos entre 2007 e 2013.
8 - À luz do art. 495.° do C.P.P., havendo falta de cumprimento do plano individual de reinserção social, há lugar audiência do arguido para que possa justificar as eventuais razões que levaram ao não cumprimento.
9 - No presente caso, a audiência prévia não se verificou, nem tem pouco o Arguido foi notificado.
10 - Razão pela qual e, faltando esse pressuposto processual, violou o despacho ora recorrido, a disposição do artigo art. 495.° do C.P.P., o que importa a nulidade insanável do ato processual que revoga a suspensão da pena, assim como a invalidade da decisão.
11 - Considerou o tribunal a quo que as finalidades das penas não puderam ser alcançadas, designadamente no respeitante à prevenção (geral e especial) dirigida ao Arguido.
12 - O tribunal a quo, firma tal decisão no facto de o Arguido ter cometido no período da suspensão, dois crimes.
13 - Funda o despacho recorrido, a decisão de revogação da suspensão da pena aplicada ao Arguido num enfoque de salvaguarda da prevenção geral e especial, ignorando por completo que o Arguido foi sujeito a um elemento ressocializador, ergo, o seu período de reclusão junto do Estabelecimento Prisional de Sintra de 14/02/2018 a 10/07/2018.
14 - No caso concreto, em tendo em devida conta que a revogação de que ora se recorre, foi aplicada sem a audiência prévia do Arguido e sem que fossem consideradas as suas condições socioeconómicas actuais, sempre se dirá que os parâmetros de prevenção geral e especial apreciados a quo, se encontram incompletos por desconhecerem da actual condição do Arguido, descurando os pressupostos de ressocialização já alcançados durante o seu período de reclusão.
15 - Justificou ainda o tribunal a quo, a revogação da suspensão da pena de prião, fundando o seu raciocínio de censura ao comportamento do Arguido no facto de este ter antecedentes criminais.
16 - Nunca antes, no presente processo havia sido ordenada a realização por parte das equipas competentes de Relatório Social ao Arguido.
17 - Sendo que o crime sobre o qual impendia a suspensão, conheceu o seu cometimento no ano de 2010.
18 - Ao decidir revogar a suspensão decretada, recriando uma verdadeira decisão condenatória póstuma de cumprimento de prisão efectiva, decidiu o tribunal cercear o Arguido da sua liberdade sem conhecer das suas condições sociais e económicas hodiernas.
19 - Descurando assim, diligência essencial para descoberta da verdade material e para o juízo de censura a dirigir ao Arguido.
20 - Ao decidir-se pela revogação da suspensão da pena, sem curar de se dotar de tais elementos, o tribunal cometeu a nulidade prevista no art. 120.°, n.° 2, al. d) do Código de Processo Penal.
21 - E ao proferir decisão revogatória da suspensão da pena com omissão de factos relevantes para a determinação da revogação, lavrou despacho ferido do vício de insuficiência da matéria de facto provada, do art. 410.°, n.° 2, al. a) do Código de Processo Penal.
22 - Quanto à situação social e económica do Arguido, desde dos vinte anos de idade, o Arguido apresentou uma personalidade propensa a transtornos psicológicos.
23 - Os excessos cometidos pelo Arguido, despoletaram patologias do foro psicológico, que culminaram com três internamentos.
24 - Os internamentos foram procedidos de episódios psicóticos agudos, atividade delirante, atividade alucinatória visual e a comportamentos de heteroagressividade para com a sua esposa.
25 - O Arguido nunca logrou um contexto estável em sociedade, tendo inclusive, já cumprido pena efetiva de prisão.
26 - Hoje em dia, e em liberdade, o Arguido procura mudar a sua vida, construindo ou reconstruindo o seu percurso social, junto dos seus amigos e familiares.
27 - Depois da reclusão, o Arguido conseguiu um emprego.
28 - O Arguido encontra-se por ora inscrito Centro de Emprego e Formação Profissional do Seixal, com o escopo de se integrar no mercado de trabalho e lograr uma situação económica e financeira mais favorável.
29 - Tais factos, consubstanciam e provam a vontade do Arguido abandonar o seu anterior percurso crimógeno e estabelecer uma vida estável e em harmonia com a sociedade.
Termos em que se requer a V. Exas. Senhores Juízes Desembargadores, que o presente recurso seja julgado procedente por violação do disposto nos artigos 495.°, 120.°, d) e 410.°, n.° 2, a) todos do CPP e em consequência, deverá o presente recurso ser julgado procedente e ex vi ser o douto despacho recorrido revogado, substituindo-se por douto acórdão que, valorando os elementos objectivos constantes dos autos, decida pela não revogação da suspensão da pena de prisão aplicada ao Arguido. (…)”.
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O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
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Notificado da interposição do recurso, apresentou o Ministério Público a respectiva “resposta”, onde, a final, extraiu as seguintes conclusões:
“(…)
Em conclusão, dir-se-á que:
- o tribunal procedeu à audição prévia do recorrente (nos termos do artigo 495.°, n.° 2, do CPP), pelo que não se verifica a nulidade insanável prevista no artigo 119.°, alínea c) do CPP;
- resulta do texto da decisão recorrida que o tribunal considerou (para apreciar e decidir a questão da revogação da suspensão da execução da pena) a matéria de facto, para tal efeito, bastante, elo que improcede o invocado vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão.
Assim, sendo improcedentes, pelas razões expostas, os fundamentos do presente recurso, deve manter-se a decisão recorrida (…)”.
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Neste Tribunal a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu “parecer” no sentido da parcial procedência do recurso.
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Mantêm-se verificados e válidos todos os pressupostos processuais conducentes ao conhecimento do recurso, o qual, por isso, deve ser admitido, havendo-lhe, também, sido correctamente fixados o efeito e o regime de subida.
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2 - Cumpre apreciar e decidir:

É o objecto do recurso em causa, à luz das razões invocadas pelo recorrente, a nulidade da decisão recorrida, seja por não ter tido o mesmo a oportunidade de se pronunciar nos termos previstos no art.º 495.º, n.º 2 do C.P.P. – diploma onde se integram as disposições legais a seguir citadas sem menção de origem –, seja por não terem sido realizadas as diligências necessárias e essenciais ao apuramento dos factos que, de forma suficiente, sustentem a referida decisão.
Vejamos:
Como resulta dos autos, a pena de quatro anos de prisão em que o recorrente foi condenado ficou suspensa na sua execução, por igual período de tempo, com sujeição a regime de prova.
Todavia, elaborado o respectivo Plano de Reinserção Social, não só não cumpriu o arguido/recorrente os deveres e regras de conduta impostos no plano individual de reinserção, como, durante o período de suspensão da execução da pena, sofreu o mesmo duas condenações pela prática de diversos crimes.
Assim, ante o descrito circunstancialismo, proferiu o tribunal “a quo” o despacho recorrido. Havia que ser proferida uma decisão relativamente à pena que se encontrava pendente, ante aquele que veio a ser o posterior comportamento do arguido e o que dispõem os artºs. 55.º e 56.º do Cód. Penal.
Ora, à luz do referido art.º 56.º, n.º 1, als. a) e b), a revogação da suspensão da execução da pena apenas terá lugar quando se comprovar que o arguido: a) - infringiu grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; b) - Cometeu crime pelo qual veio a ser condenado e revelou que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio da mesma, ser alcançadas.
Por outro lado, dispõe o art.º 495.º, relativo à “Falta de cumprimento das condições de suspensão”, que “o tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão (…)”.
Assim sendo, reportados ao caso dos autos, começa o arguido/recorrente por sustentar a sua argumentação no facto de o tribunal “a quo” haver decidido revogar a suspensão da execução da pena sem que o tivesse ouvido, como se prevê no citado art.º 495.º, estando, assim, a respectiva decisão ferida de nulidade, à luz do disposto no art.º 119.º, al. c).
Ora, não deixa de ter alguma razão o recorrente, não podendo minimizar-se o facto de ser a sua liberdade que está em causa e de ser de quatro anos a pena de prisão imposta.
Na tomada de uma decisão de consequências tão graves, como é aquela que revoga uma suspensão de execução da pena, haverão de ser esgotados todos os procedimentos necessários ao apuramento da factualidade que permita sustentar, à margem de qualquer dúvida, a mesma decisão, designadamente, dando-se ao arguido a possibilidade de se pronunciar, como se prevê, desde logo, no art.º 61.º, n.º 1, al. b).
Como se vem pacificamente entendendo, a pena de prisão é a ultima ratio das reacções criminais, reservando-se, por isso, para os casos mais graves.
Por outro lado, devendo uma pena não superior a cinco anos ser tida, ainda, como uma curta pena de prisão, haverá de continuar a relevar-se aquilo que Bérenger, autor do instituto do sursis ou da suspensão condicional da pena como reacção contra as penas curtas de prisão, já dizia em 1884, isto é, que “a prisão familiariza com a vergonha, enfraquece o sentimento de honra, altera a energia moral, expõe a todos os perigos de contactos e ensinamentos perversos (...)”, no que foi seguido, também, pelo nosso legislador de então, que dizia, igualmente, que “(…) a pena de prisão correccional, pelo modo como se cumpre, nem reprime, nem educa, nem intimida, mas perverte, degrada e macula, é um verdadeiro estágio de corrupção moral ”.
Por isso, a revogação da suspensão da execução da pena haverá de alicerça-se, necessariamente, na comprovação efectiva, para além do mais, da existência de uma violação grosseira e repetida dos deveres impostos ao arguido.
Sendo assim, no caso dos autos, não pode deixar de se salientar, desde logo, o facto de se estar perante uma decisão condenatória transitada em julgado em 22/03/2010, ou seja, há cerca de nove anos.
Depois, o arguido/recorrente foi ouvido, para os fins previstos no citado art.º 495.º, n.º 2, veja-se bem (!), em 13/09/2013, aliás, como o Ministério Público o reconhece.
Ora, havendo a decisão recorrida sido proferida em 07/09/2018, é por demais óbvio que o atrás referido dispositivo não pode ser tido por respeitado, isto é, não foi assegurado ao recorrente o exercício do contraditório.
Porque é esse, necessariamente, o pensamento legislativo, na formação da sua convicção, aquando da ponderação da eventual revogação da suspensão da execução da pena, haverá o tribunal de levar em conta todo o circunstancialismo operante à data da respectiva decisão, de modo a dar a esta o necessário cunho de actualidade, adequação e oportunidade.
Não é, pois, com uma audição prévia do arguido ocorrida cinco anos antes da decisão recorrida que poderá ter-se o mesmo por ouvido relativamente à falta de cumprimento das condições de suspensão que lhe haviam sido impostas!
Depois, como se comprova pela sentença proferida no Proc. n.º 188/11.5PBSXL, de 27/02/2014, para o que o arguido também apela na sua motivação de recurso, o mesmo vem sofrendo, desde há vários anos, de doença do foro mental, a qual já determinou, até, internamento em unidade de psiquiatria, dizendo não reunir, por isso, condições físicas para o exercício de qualquer actividade.
Sendo assim, ante um desfasamento temporal dos acontecimentos tão grande e a suposta existência de uma patologia clínica que bem pode ter vindo a condicionar todo o anómalo comportamento do arguido, não podia o tribunal “a quo” ter passado ao lado deste circunstancialismo, ignorando factos de inquestionável relevância para a prolação de uma decisão que incide sobre um valor superior, que é a liberdade do mesmo arguido.
Por outro lado, como é referido na motivação de recurso, o arguido, que já se encontra em liberdade, depois de ter cumprido pena de prisão à ordem do Proc. n.º 726/13.9PAALM, encontra-se social e familiarmente integrado, tendo, mesmo, já exercido uma actividade laboral, estando, actualmente, inscrito no Centro de Emprego e Formação Profissional.
Ora, o tribunal “a quo” haverá de proceder à realização de todas as diligências probatórias tendentes ao apuramento da veracidade destes e de outros eventuais factos com relevância para a prolação de uma decisão que se deseja tida como solidamente sustentada e justa, em todas as suas vertentes, o que não foi feito, dando, assim, razão de ser ao inconformismo do recorrente e fundamento aos vícios processuais pelo mesmo invocados.
Deste modo, tendo-se em conta que a revogação da suspensão da execução da pena é, como já se disse, uma decisão extrema, aplicável nas comprovadas e exigentes circunstâncias previstas no art.º 56.º, n.º 1, do Cód. Penal, entende-se dever o tribunal “a quo” proceder em conformidade com o atrás decidido, dando real e efectivo cumprimento ao disposto no art.º 495.º, n.º 2, designadamente recolhendo todas as provas necessárias à melhor e mais actual decisão, a qual até poderá vir a ser, novamente, no sentido da revogação da suspensão da execução da pena, ou, eventualmente, da aplicação de alguma das medidas previstas no art.º 55.º do Cód. Penal, mas que, sempre, se imponha aos seus destinatários, designadamente ao arguido, pela força dos respectivos argumentos.
Haverá, pois, de conceder-se provimento ao recurso.

3 - Nestes termos e com os expostos fundamentos, acordam os mesmos Juízes, em conferência, em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra, a elaborar após ter sido dado cabal cumprimento ao disposto no art.º 495.º, n.º 2, designadamente com a produção das provas necessárias ao apuramento exaustivo da verdade dos factos, à data da prolação da mesma e a audição do arguido/recorrente na presença do respectivo técnico.

Sem custas.
Notifique.

Lisboa, 16.05.2019

Almeida Cabral
Fernando Estrela