Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2863/2007-6
Relator: PEREIRA RODRIGUES
Descritores: HABILITAÇÃO DE HERDEIROS
INCERTOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/19/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I. A dedução de habilitação contra herdeiros incertos só se justifica quando o requerente não tenha possibilidade de os determinar e identificar, não sendo suficiente a ignorância da sua identidade nem a mera dificuldade (subjectiva) na obtenção de informações a seu respeito.
II. O requerente terá sempre de comprovar que efectuou diligências com vista a identificar os herdeiros da parte falecida e algumas dessas diligências estão, em princípio, ao seu alcance em face de contactos que pode levar a efeito junto de pessoas e serviços.

III. É que, à partida, não é bom caminho demandar incertos como herdeiros, com a inerentes inconveniências da citação edital e da representação pelo Ministério Público, sabendo-se que os mesmos, com maior ou menor dificuldade, poderão ser identificados e citados para os termos da acção.

IV. Em todo o caso, se o requerente demonstrar ter realizado as diligências que podia realizar e que estas se frustraram com vista à identificação dos sucessores do falecido sempre poderá requerer ao tribunal a realização das necessárias ao fim em alcance e só em último recurso se justificando a citação edital de incertos.

(P.R.)

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

I. OBJECTO DO RECURSO.

No Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, Banco A, por apenso à acção declarativa em que é Autor e Réus B e C, requereu a habilitação de herdeiros contra a esposa do segundo Réu falecido e dos herdeiros incertos, alegando que ignora se aquele deixou herdeiros ou testamento. Concluiu pedindo a citação edital dos herdeiros incertos.

Em face do incidente formulado nos termos descritos foi proferido douto despacho a ordenar que os autos aguardem que a requerente comprove as diligências efectuadas com vista a identificar os sucessores do falecido Réu.

Inconformado com o despacho, veio o requerente interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando doutas alegações, com as seguintes CONCLUSÕES:

1. O A, ora recorrente, na habilitação de herdeiros que requereu nos autos, não se limitou a solicitar a citação dos herdeiros incertos do falecido Joaquim não requerendo qualquer diligência nem invocando sequer dificuldades na obtenção de informações com vista a essa identificação.

2. Efectivamente o A, ora requerente, na habilitação de herdeiros que requereu, afirmou expressamente que ignorava se o dito Joaquim havia deixado quaisquer outros herdeiros, para além da recorrida, bem como a respectiva identificação, o que, evidentemente demonstra a sua dificuldade na identificação dos eventuais herdeiros do dito Joaquim.

3 O pressuposto - errado - de que partiu o Snr. Juiz "a quo", no despacho recorrido, vai ao arrepio da realidade, ao arrepio da lei, ao arrepio de factos públicos e notórios e à manifesta impossibilidade legal de obter das autoridades fiscais, únicas entidades que poderiam prestar quaisquer indicações acerca de quem são os eventuais herdeiros do falecido, tais informações, isto caso tenha sido instaurado processo de imposto sucessório por óbito do dito Joaquim.

4. As certidões de assento de óbito, nos termos da lei - artigo 201° do Código do Registo Civil - e como é publico e notório, não constam quem são herdeiros do falecido. Constam apenas os elementos referidos no artigo 201° do Código do Registo Civil.

5. Uma certidão de nascimento do dito Joaquim não nos indicaria os herdeiros do falecido, pois que dela não constam os descendentes, sendo que provavelmente, atento a idade com o dito Joaquim faleceu, provavelmente os seus pais já não se encontram vivos.

6. Quem deveria fazer tais diligências, caso assim o entendesse, devia ser o tribunal e não o ora recorrente, pois que como explicitado foi já o A., ora recorrente, não tinha "maneira" de conseguir apurar tais elementos.

7. Não é pelo facto de o A., ora recorrente, não ter esclarecido as diligências que teria tomado que a habilitação não deve prosseguir.

8. O despacho recorrido, violou expressamente o disposto no artigo 375°, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil, donde impor-se a sua revogação e a sua substituição por acórdão que ordene, pura e simplesmente, o prosseguimento do incidente de habilitação deduzido em 1.ª Instância, com as citações que expressa e detalhadamente foram requeridas, após a efectivação pelo Tribunal, caso assim o entenda, das diligências que considere necessárias.

Não houve contra-alegação.

Admitido o recurso na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a este Tribunal da Relação, sendo que nada obstando ao conhecimento do mesmo, cumpre decidir.

A questão a resolver é a de saber se deve, ou não, ser ordenado o seguimento do incidente de habilitação nos termos em que foi requerido.

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II. FUNDAMENTOS DE FACTO.

Os factos a tomar em consideração para conhecimento do agravo são os que decorrem do relatório acima inscrito.

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III. FUNDAMENTOS DE DIREITO.

Como se deixou acima expresso, o Recorrente, por apenso à acção declarativa em que é Autor e Réus B e C, requereu a habilitação de herdeiros contra a esposa do segundo Réu falecido e dos herdeiros incertos, alegando que ignora se aquele deixou herdeiros ou testamento e pediu a citação edital dos herdeiros incertos, tendo em face do incidente assim deduzido sido proferido despacho a ordenar que os autos aguardem que o requerente comprove as diligências efectuadas com vista a identificar os sucessores do falecido Réu.

A questão que se coloca é a de saber se o Recorrente tem de comprovar a realização de tais diligências ou se, sem mais, deve ser ordenado o seguimento do incidente.

Ora, a questão em apreço já foi tratada nos Acórdãos citados no despacho recorrido, de 06.07.2005, do Supremo Tribunal de Justiça e de 29.06.2006 da Relação de Lisboa, em recursos também interpostos pelo ora Recorrente e em ambos se entendeu que a demanda de incerto apenas se justifica se a parte demandante não tem possibilidade de os determinar e identificar.

Com efeito, no douto aresto do STJ defendeu-se que “conjugando o disposto no art. 375°, n.° 1, com o art. 16°, n.° 1, ambos do CPC, a citação dos requeridos como incertos só se justifica quando o autor não tem possibilidade de os determinar e identificar, não sendo suficiente a mera dificuldade “subjectiva” na obtenção de tais informações, dificuldade essa susceptível de (ser) ultrapassada, se for caso disso, com a cooperação do tribunal, nos termos no art. 266°, n.° 4 do CPC.”

Por outro lado, com base nas mesmas disposições legais entendeu-se, em caso similar ao dos autos, no douto Acórdão desta Relação acima citado que “o ora recorrente não pode deixar de tentar identificar, de forma diligente, os interessados directos em contradizer, diligência que, no caso, se revela facílima visto que pode sempre, para o efeito, contactar a viúva que demandou em acção declarativa.

Já não lhe é lícito, contrariamente ao que dantes sucedia, declarar a mera ignorância; por outro lado, não se afigura que a referida disposição da Lei Geral Tributária obste a que o recorrente seja bem sucedido, pois a identificação dos sucessores do falecido demandado não é matéria que se prenda com a confidencialidade atinente ao sigilo sobre os dados recolhidos quanto à situação tributária dos contribuintes e elementos de natureza pessoal.

Seja como for, o recorrente terá sempre, neste domínio, de comprovar que efectuou diligências nesse sentido junto das entidades tributárias e só se houver recusa, com base na confidencialidade ou sigilo, é que lhe será legítimo recorrer à cooperação do próprio tribunal”(1).

Ora, o entendimento defendido na jurisprudência citada parece ser de seguir, na medida em que o Recorrente não mostra ter realizado quaisquer diligências com vista a identificar os herdeiros do réu falecido e algumas dessas diligências estão ao seu alcance em face de contactos que pode levar a efeito junto de pessoas e serviços.

Por outro lado não parece à partida bom caminho demandar incertos como herdeiros, com a inerentes inconveniências da citação edital e da representação pelo Ministério Público, sabendo-se que os mesmos facilmente poderão ser identificados e citados para os termos da acção.

Certo é que se o Recorrente demonstrar ter realizado as diligências que podia realizar e que estas se frustraram com vista à identificação dos sucessores do falecido sempre poderá requerer ao tribunal a realização das necessárias ao fim em alcance e só em último caso se justificando a citação edital de incertos, até porque a viúva chamada à habilitação terá o dever de prestar cooperação nesse sentido por força do disposto no art. 266º/1 do CPC.

Improcedem, por isso, as conclusões do recurso, sendo de manter a decisão recorrida.

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IV. DECISÃO:

Em conformidade com os fundamentos expostos, nega-se provimento ao agravo e confirma-se o despacho recorrido.

Custas nas instâncias pelo agravante.

Lisboa, 19 de Abril de 2007.

FERNANDO PEREIRA RODRIGUES

FERNANDA ISABEL PEREIRA

MARIA MANUELA GOMES

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