Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3588/10.4TBOER-C.L1-2
Relator: FARINHA ALVES
Descritores: PROMOÇÃO
NOMEAÇÃO DE CURADOR
HERANÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/28/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Não resulta de qualquer disposição legal, nem faria sentido que resultasse, a competência do Ministério Público para promover a nomeação de curador provisório a uma herança, para intentar, ou fazer prosseguir, uma ação contra a pessoa a quem cabem as funções de cabeça de casal dessa herança, numa situação em que todos os interessados na herança são pessoas maiores, capazes e presentes.
Afigurando-se que o art. 17.º, n.º 4 do CPC apenas compete ao Ministério Público a promoção da nomeação de curador especial em favor de incapazes.
O que não é o caso de herdeiros desavindos.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

José, invocando a qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de M.A., propôs contra Maria, ao abrigo do disposto nos arts. 2088º e 1278º do C. Civil, ação com processo comum ordinário, pedindo que a ré fosse condenada:

a) A “abrir mão” das fracções “X” e “Y”, de prédios que identifica e o Autor investido na posse de ambas as frações atenta a sua qualidade de cabeça de casal da referida herança.

b) A pagar a importância total de € 32.627,27 que se reporta aos frutos civis produzidos pelas duas frações e, ainda, nas despesas de condomínios e de encargos fiscais suportados pela Herança durante o período em que a Ré se apossou de ambas as frações e, ainda nos juros legais contados a partir da data da citação.

c) A pagar «in futurum», ao abrigo do disposto no art. 472 nº 1 do CPC, os frutos civis vincendos de cada uma das frações, bem como nas despesas de condomínios e respetivos encargos fiscais de cada uma das frações, à razão de € 1.211,91 por mês relativamente a uma delas e de € 369,49 por mês, relativamente à outra.

Citada, a ré contestou, tendo invocado, designadamente, a ilegitimidade do autor, por não lhe caberem as funções de cabeça de casal da herança em causa, considerando que essas funções lhe cabiam a ela, contestante, por ser a mais velha dos descendentes da autora da sucessão.

Houve réplica e tréplica.

Entretanto, no âmbito do processo de inventário instaurado para partilha da herança aberta por óbito de M.A., foi a aqui ré Maria nomeada cabeça de casal em substituição do interessado, aqui autor, José.

Após o que a ré veio requerer que o A. fosse declarado parte ilegítima, nos termos do nº 1 do art. 2088 do C. Civil e art. 494, al. e) e 495º do CPC.

Seguiu-se abundante processado, que culminou na prolação de acórdão pelo STJ, datado de 12-03-2015, que concedendo revista, revogou a decisão recorrida que havia decretado a absolvição da instância, e determinou que a ação prosseguisse os seus ulteriores termos, sendo a posição do A. assegurada por um curador especial.

No seguimento foi proferido despacho nos seguintes termos:

«Da nomeação de curador especial para ocupação da posição do autor na presente acção:

Conforme resulta do douto acórdão proferido pelo STJ no apenso B, transitado em julgado, que por sua vez revogou o acórdão da Relação de Lisboa junto a fls. 835 e segs., a acção deve prosseguir os seus termos, sendo a posição do Autor, assegurada por um curador especial que represente a herança, em virtude da Ré ter passado a assumir o cargo de cabeça-de-casal na herança aberta por óbito de M.A..

 Assim, a fim de dar cumprimento ao determinado, notifique o ainda Autor para que indique pessoa idónea, não herdeiro [pois neste caso continuaríamos com interesses conflituantes], que possa ser nomeado curador da herança, ocupando o seu lugar.

Prazo: 10 dias

Inconformada, a ré apelou do assim decidido, tendo apresentado alegações onde formula as seguintes conclusões:

a) – O recurso incide sob o despacho de 02-07-2015 no segmento que determina: “Assim, a fim de dar cumprimento ao determinado, notifique o ainda Autor para que indique pessoa idónea, não herdeiro (pois neste caso continuaríamos com interesses conflituantes), que possa ser nomeado curador da herança, ocupando o seu lugar. Prazo: 10 dias.”

b) – Este despacho, a ordenar a notificação do ainda autor para indicar pessoa idónea para assumir a função de curador especial ao invés de se traduzir num despacho que concretize o determinado no Ac. do STJ de 12-03-2015 interfere no conflito de interesses entre as partes e viola o disposto no art. 17º nºs 3 e 4 do CPC no que respeita à promoção da nomeação do curador especial.

c) – De facto, pelo despacho recorrido é o (ainda) Autor - e não o Ministério Público como impõe o art. 17 nº 3 e 4 do CPC - que foi removido do exercício do cargo de cabeça-de-casal logo nos primórdios deste processo e que portanto assume a posição somente de herdeiro, que é o gerador de conflitos contra a aqui Ré aquele que é incumbido de nomear pessoa idónea para ser curador especial.

d) – Lendo o ac. do STJ de 12-03-2015 decorre a necessidade de nomeação de um curador especial que ultrapasse o impasse de a cabeça de casal ser Ré e não poder cindir-se em dois e ocupar igualmente a posição de autora nos termos do art. 2088º do Código Civil.

e) – Assim, a letra e espírito do referido acórdão do STJ obrigariam à suspensão da instância e verificando-se a eventual inércia das partes no que se refere ao impulso processual o juiz a quo remeteria o processo ao Ministério Público em ordem a promove-lo nos termos do art. 17-4, 27º e 28º, todos do CPC. Só assim, se salvaguardaria e prevenia a situação de “conflito de interesses”. Ora, por este despacho entrega-se a identificação do curador ao maior protagonista do conflito!

f) – O despacho recorrido não identifica os fundamentos de facto ou de direito que estejam na génese de tal entorse ao regime e figura do curador especial por isso afigura-se-nos nulo nos termos do art. 615 nº 1, alínea b) do CPC.

g) – O despacho recorrido contraria a decisão (fundamento) do STJ de 12-03-2015 uma vez que não tramita o processo respeitando a tramitação do incidente de nomeação de curador especial por isso é nula também por este fundamento nos termos do art. 615 nº 1 alínea c) [1ª parte].

h) – Por via do despacho recorrido o Juiz a quo arroga-se a promoção do curador especial, interferindo na competência do Ministério Público, pronunciando-se sobre questões que não podia conhecer, ferindo o despacho de nulidade nos termos do art. 615 nº 1 alínea d) [2ªparte]

i) – O despacho recorrido ao não cumprir de forma cabal o acórdão do STJ de 12-03-2015, não respeitando a tramitação inerente à nomeação do curador especial suspendo a instância no sentido de suprir a incapacidade, e, mais grave, cometendo ao autor a nomeação de pessoa idónea para as referida função, viola caso julgado, na vertente da autoridade de caso julgado, o disposto no art. 17 do CPC, mormente, os nºs 3 e 4 da referida norma e os art. 27º e 28º do CPC.

Nestes termos :

Pede-se a prolação de acórdão que revogue o segmento do recorrido, e em consequência declare a acção suspensa até que se encontre sanada a situação de falta de capacidade judiciária através da nomeação de um curador especial, promovida pelo Ministério Público nos termos do art. 17º do CPC.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foi proferido despacho breve onde se ponderou que, por não estar em causa uma situação de incapacidade, não havia lugar à intervenção do Ministério Público nos termos do art. 17.º do CPC.

Cumpre decidir.

Sendo o objeto dos recursos delimitado, em regra, pelas respetivas conclusões, e não se suscitando a apreciação de questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, no presente recurso está, fundamentalmente, em causa saber se a nomeação de curador à herança, que foi determinada no acórdão do STJ, deve ser promovida pelo Ministério Público, nos termos do art. 17.º do CPC, não podendo ser deferida ao anterior autor a indicação da pessoa a nomear.

A matéria de facto a considerar é a que já decorre do relatório que antecede. No fundo, apenas está em causa dar cumprimento ao determinado no acórdão do STJ, no sentido de nomear um curador especial à herança, para assegurar a posição desta na ação já pendente. De modo que o enunciado da questão a resolver já contém os pressupostos de facto relevantes.

Assim delimitada a questão a resolver, julga-se que não assiste razão à recorrente, devendo ser mantido o despacho reclamado.

Antes de mais, o acórdão do STJ apenas determinou a nomeação de um curador especial para assegurar a posição do A. na ação intentada. Não determinou como é que essa nomeação deveria ser feita, não decorrendo dele que tal nomeação deva ser promovida pelo Ministério Público.

Assim, ao não remeter para o Ministério Público a promoção da nomeação de curador, a decisão recorrida não desrespeitou o decidido no acórdão do STJ.

Posto isto, acompanhamos o despacho de admissão do recurso, na parte em que considerou que, por não estar em causa uma situação de incapacidade, não havia lugar à intervenção do Ministério Público nos termos do art. 17.º do CPC.

Nos termos do art. 3.º do respetivo Estatuto, aprovado pela Lei n.º 47/86 de 15-10, compete, especialmente, ao Ministério Público:

a) Representar o Estado, as Regiões Autónomas, as autarquias locais, os incapazes, os incertos e os ausentes em parte incerta;

b) Participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania;

c) Exercer a ação penal orientada pelo princípio da legalidade;

d) Exercer o patrocínio oficioso dos trabalhadores e suas famílias na defesa dos seus direitos de carácter social;

e) Assumir, nos casos previstos na lei, a defesa de interesses coletivos e difusos;

f) Defender a independência dos tribunais, na área das suas atribuições, e velar para que a função jurisdicional se exerça em conformidade com a Constituição e as leis;

g) Promover a execução das decisões dos tribunais para que tenha legitimidade;

h) Dirigir a investigação criminal, ainda quando realizada por outras entidades;

i) Promover e realizar ações de prevenção criminal;

j) Fiscalizar a constitucionalidade dos atos normativos;

l) Intervir nos processos de falência e de insolvência e em todos os que envolvam interesse público;

m) Exercer funções consultivas, nos termos desta lei;

n) Fiscalizar a atividade processual dos órgãos de polícia criminal;

o) Recorrer sempre que a decisão seja efeito de conluio das partes no sentido de fraudar a lei ou tenha sido proferida com violação de lei expressa;

p) Exercer as demais funções conferidas por lei.

Percorrendo as diversas alíneas acabadas de transcrever, julga-se ser seguro que pretensão da ora apelante não encontra fundamento nas formuladas sob as letras a) a o). No caso, não estão em causa interesses de pessoas incapazes ou de ausentes, nem de trabalhadores ou de entidades públicas.

E, quanto à última alínea, julga-se que não resulta de qualquer disposição legal, nem faria sentido que resultasse, a competência do Ministério Público para promover a nomeação de curador provisório a uma herança, para intentar, ou fazer prosseguir, uma ação contra a pessoa a quem cabem as funções de cabeça de casal dessa herança, numa situação em que todos os interessados na herança são pessoas maiores, capazes e presentes. Afigurando-se que o art. 17.º, n.º 4 do CPC apenas comete ao Ministério Público a promoção da nomeação de curador especial em favor de incapazes.

O que não é o caso de herdeiros desavindos.

Assim, não compete ao Ministério Público promover a nomeação de curador à herança para prosseguimento da ação instaurada contra a atual cabeça de casal. Pelo que essa nomeação há-de ser promovida através das partes iniciais.

E, destas, só pode ser através do A., uma vez que, configurando-se a existência de um conflito de interesses entre a herança e a ré, não poderá ser deferida a esta a indicação da pessoa que deverá representar a herança na ação destinada a resolver esse conflito.

Pelo que a decisão ora recorrida, ao menos na parte impugnada, não podia ser diferente.

Devendo ser mantida.

Julgando-se prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas, todas assentes na ideia, que se julga infundada, de que a cabia ao Ministério Público promover a nomeação de curador especial à herança.

Improcedendo o recurso.

Termos em que acordam em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

Lisboa, 28-04-2016

(Farinha Alves)

(Tibério Silva)

(Ezagüy Martins)