Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4966/2006-1
Relator: MARIA JOSÉ SIMÕES
Descritores: MULTA
DISPENSA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/27/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I – É ao recorrente que incumbe o ónus de indicar quais os concretos meios probatórios com vista à requerida “dispensa” do pagamento da multa liquidada nos termos do nº 6 do artº 145º do CPC por extemporânea apresentação do requerimento de interposição de recurso, não competindo ao Tribunal decidi-lo oficiosamente.
II – A comprovação da situação económica do recorrente com vista à dispensa do pagamento da multa processual devida pela apresentação extemporânea de requerimento de recurso insere-se nos chamados incidentes atípicos da instância, a que devem ser aplicadas as regras ínsitas nos artºs 303º e segs. do CPC, resultando, assim, existir uma restrição à apresentação de provas supervenientes em articulados autónomos daqueles que são expressamente referidos no citado preceito legal.
(MJS)
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa
I. Nos presentes autos lavrou a relatora a decisão sumária com o seguinte teor:

a) O documento comprovativo de se encontrar desempregado entregue pelo recorrente em 16/06/2004 não devia ter sido mandado desentranhar.

Face fundamentar o requerimento apresentado a fls. 71 (agora 19), a fim de obter “isenção” do pagamento da multa que lhe foi liquidada nos termos do artº 145º nº 6 do CPC por apresentação extemporânea de requerimento de interposição de recurso de apelação, o ora recorrente alegou que se encontrava desempregado, que vivia em casa de uma cunhada que o sustentava a si e a sua mulher, a qual também se encontrava desempregada.
Ora, tal requerimento deu entrada em Tribunal em 06/10/2003, tendo o ora recorrente arrolado duas testemunhas e protestado juntar certidão da Junta de Freguesia.
Em face de tal requerimento, a Mmª Juíza a quo, ordenou em 10/10/2003, a notificação daquele para, no prazo de 10 dias, juntar documento comprovativo da sua qualidade de desempregado e de sua mulher e cópia dos últimos dois extractos bancários das contas de que seja titular e designou, desde logo data para inquirição das duas testemunhas arroladas e solicitou à competente autoridade policial que prestasse informação sobre a situação económica daquele.
Ora, em 29/10/2003, tendo já decorrido o aludido prazo de dez dias após a notificação do despacho de fls. 73, ocorrida em 17/10/2003, o ora recorrente veio pedir, a prorrogação de mais dez dias para junção dos documentos solicitados, prazo que foi concedido por despacho de 30/10/2003 (cfr. fls. 80, agora 24 destes autos).
Não obstante ter decorrido já desde a primeira notificação para junção de documentos pelo ora recorrente, mais de um mês, veio este novamente requerer em 25/11/2003, a concessão de mais dez dias, alegando que a Junta de Freguesia da sua área de residência só entregaria o atestado de insuficiência económica dentro daquele prazo.
Em face disso, em 05/03/2004, a Mmª Juiz a quo concedeu-lhe novo prazo de 10 dias (cfr. fls. 84, agora 27).
Porém, alegando que se mantêm as mesmas circunstâncias que levaram à formulação do anterior pedido de prazo, em 26/03/2004, solicitou o ora recorrente mais dez dias, o que lhe foi negado por despacho de 14/05/2004 (cfr. fls.93, agora 29).
E, conforme se observa dos autos, o recorrente só veio em 16/06/2004 a entregar a declaração emitida pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional, a qual atesta que aquele apenas neste mesmo dia se inscreveu como desempregado.
Ou seja, decorridos mais de oito meses após a formulação do pedido de isenção é que o ora recorrente veio juntar aos autos documento comprovativo em como se encontrava desempregado, mas inscrito apenas nessa situação desde o próprio dia da entrega do documento, o que quer dizer que aquando da formulação do pedido de isenção de pagamento da multa que lhe foi liquidada ainda nem sequer estava inscrito como desempregado, podendo assim, naquela data de 06/10/2003 estar ou não nessa situação.
E mais, apesar de decorrido todo esse tempo, não se dignou o ora recorrente a efectuar a junção de documento comprovativo da situação de desempregada de sua mulher nem dos dois últimos extractos de contas bancárias de que fosse titular.
Ora, para poder beneficiar da redução ou dispensa da multa prevista no nº 7 do artº 145º do CPC, tem o requerente de indicar quer os factos concretos susceptíveis de fundamentar a sua pretensão, quer os meios de prova necessários à sua verificação, não podendo o Tribunal fazê-lo oficiosamente (anotação 2 ao citado preceito legal in Breves Notas ao Código de Processo Civil, Abílio Neto, 1ª Ed., pag. 49).
É inequívoco que no caso em apreço, os objectivos ligados à celeridade processual e à eficácia do Tribunal foram largamente violados e só o efeito preclusivo permitirá evitar por muito mais tempo que se penalize a parte que, viu decidida a seu favor determinada questão e que, por não transitar a sentença se vê privada de a executar, só porque o ora recorrente protela por mais de seis meses, com sucessivos expedientes dilatórios, o prazo para eventualmente lhe ser concedida dispensa de pagamento ou para o caso de tal lhe ser negado, efectuar o pagamento devido pela interposição de recurso.
Aliás, o artº 265º nº 1 do CPC impõe ao juiz o dever de “providenciar pelo andamento regular e célere do processo”, objectivo este para cuja prossecução não basta apenas o seu empenhamento, mas também o de todos os intervenientes, com especial destaque para as partes e seus mandatários, com vista a poder obter-se “com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio” – artº 266º nº 1 do CPC.
Por isso, não tendo sido junto em prazo razoável o documento comprovativo da alegada situação de desemprego por parte do ora recorrente, bem andou a Mmª Juíza a quo ao determinar o desentranhamento do mesmo, por ser o mesmo apresentado muito para além - como ficou demonstrado supra - do prazo judicialmente deferido para a sua junção.


b) Deveriam ter sido solicitadas informações à autoridade policial através de outros meios e ouvida a testemunha aditada pelo ora recorrente para comprovação da sua situação económica, pela qual este pretende ser isento da multa processual devida pela apresentação intempestiva de requerimento de recurso.

Como já na abordagem da questão anterior fizemos referência é ao ora recorrente que incumbe o ónus de indicar quais os concretos meios probatórios com vista à requerida “dispensa” do pagamento da multa liquidada nos termos do nº 6 do artº 145º do CPC por extemporânea apresentação do requerimento de interposição de recurso, não competindo ao Tribunal decidi-lo oficiosamente.
No caso sub judice, o Tribunal a quo entendeu fazendo uso do princípio da aquisição processual, solicitar à autoridade policial informação sobre a situação económica do requerente.
Porém, como se observa da informação policial prestada a fls. 78, agora 22 destes autos de recurso, a autoridade policial não logrou obter tal informação por ser desconhecido o paradeiro do requerente.
Alega agora o recorrente que a autoridade policial deveria obter informações sobre a sua situação económica, através de outros meios que não apenas a audição deste.
Mas, pergunta-se, por que meios?
O recorrente não os indica.
Na verdade, desconhecendo o paradeiro do requerente/ora recorrente não se descortina que outros meios poderia a autoridade policial fazer uso para apurar a situação económica daquele.
Por outra via, pretende o ora recorrente que deveriam ter sido ouvidas as novas testemunhas por si aditadas, a fim de serem ouvidas sobre a sua situação económica.
Cabe, desde logo, aqui salientar que o recorrente nas conclusões deste recurso fala no plural (em testemunhas) quando apenas aditou uma única testemunha (cfr. fls. 101, agora fls. 30 destes autos).
Mas, aparte desta imprecisão, o que se observa dos autos é que o recorrente arrolou duas testemunhas para comprovar a sua alegada situação de carência económica.
Todavia, apesar de terem sido designadas duas datas para inquirição das mesmas, tal diligência nunca chegou a ocorrer, por na primeira das datas designadas ter faltado o ilustre mandatário do recorrente e da segunda por as duas testemunhas não terem comparecido, apresentando-se, então, para ser inquirida a testemunha que se pretendia aditar ao primitivo rol indicado.
Ora, como bem refere a Mmª Juíza a quo a comprovação da situação económica do recorrente com vista à dispensa do pagamento da multa processual devida pela apresentação extemporânea de requerimento de recurso insere-se nos chamados incidentes atípicos da instância, a que devem ser aplicadas as regras ínsitas nos artºs 303º e segs. do CPC.
Efectivamente no nº 1 do artº 303º do CPC preceitua-se que “no requerimento em que se suscite o incidente e na oposição que lhe for deduzida, devem as partes oferecer o rol de testemunhas e requerer os outros meios de prova”, donde resulta existir uma restrição à apresentação de provas supervenientes em articulados autónomos daqueles que são expressamente referidos no citado preceito legal.
Deste modo, não se descortinando sequer nos autos se a impossibilidade de comparência das duas testemunhas arroladas inicialmente foi demonstrada ou não, parece-nos que a lei pretende proibir o oferecimento mais tarde (para além do requerimento inicial ou da oposição a este) de outras provas.
Assim, tratando-se de prova que tem necessariamente de ser oferecida com o requerimento inicial do incidente suscitado, não cabe dúvidas de que teria de ser rejeitado o depoimento da testemunha que se pretendia aditar ao rol inicialmente apresentado pelo recorrente, ficando precludido o direito do ora recorrente de fazer prova sobre a sua alegada carência económica.
Mas, mesmo que assim não se entendesse, um outro argumento legal deitaria por terra a pretensão do recorrente.
É que tendo em conta que o rol de testemunhas só pode ser aditado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência de julgamento (cfr. artº 512º-A nº 1 do CPC), o recorrente só efectuou tal requerimento, através de fax, como se constata dos autos (cfr. fls. 101, agora fls. 30), no próprio dia designado para a inquirição das testemunhas, pelo que tal aditamento nunca poderia ser admitido por manifestamente extemporâneo.
Improcedem, assim, na íntegra, as conclusões do recorrente/agravante.


II. Da transcrita decisão reclamou o agravante A para a conferência, peticionando o deferimento da reclamação, com a consequente isenção ou atenuação de uma multa por apresentação de recurso no 3º dia depois do prazo.
Sustenta, em síntese, o seu pedido no facto de a condenação ser elevada para quem está desempregado, devendo o Juiz do processo investigar se existe ou não o estado de pobreza do requerente ou corresponde a má-fé ou fraude, devendo, de qualquer modo, o documento ter ficado no processo ou, pelo menos, ser objecto de instrução probatória oficiosa, devendo ser admitida a depor a testemunha, atestando a pobreza do requerente. De qualquer modo, requer que, mesmo que se aceite não ter sido feita prova da pobreza, ao abrigo do nº 7 do artº 145º do CPC deveria o Juiz ao indeferir a dispensa da multa, assinar prazo para depósito do montante da mesma.

A parte contrária, não obstante a tal instada, nada disse.

III. Entende o Tribunal que a decisão lavrada pela relatora é de manter, por concordar inteiramente com os respectivos fundamentos.

IV. Termos em que se acorda indeferir a reclamação, confirmando a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante.
Lisboa, 27/02/2007
(Maria José Simões)
(Azadinho Loureiro)
(Ferreira Pascoal)