Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
395/2008-6
Relator: CARLOS VALVERDE
Descritores: ERRO NA FORMA DO PROCESSO
CONTESTAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/07/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I - O erro na forma do processo importa apenas a anulação dos actos que não possam ser aproveitados e que nestes se devem incluir os que impliquem uma diminuição das garantias do réu;
II - A contestação não se constitui como acto processual que necessariamente tenha de ser afectado pela nulidade consistente no erro na forma do processo, antes é de configurar como acto processual que só não deve ser aproveitado se com a sua prática no condicionalismo previsto na forma de processo indevidamente utilizada o réu veja diminuído o seu direito de defesa e tal não é de considerar quando este, na contestação que apresentou em respeito pelo prazo do processo sumário, se limita a dizer que a acção deve seguir a forma de processo ordinário e não se reclama pela concessão do prazo mais longo deste processo para apresentar nova contestação.
C.V.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
D., solteira, maior, intentou acção emergente de acidente de viação, com processo sumário, contra A - Companhia de Seguros, pedindo, a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 67.950,08 e juros legais moratórios.
Citada, contestou a Ré e, depois de chamar a atenção para o erro na forma do processo, porquanto, visto o valor do pedido, a acção deveria seguir a forma de processo ordinário, impugnou a factualidade trazida aos autos pela A..

Por despacho de 2-3-07, prolatado a fls. 43, constatando-se o erro na forma do processo, deu-se sem efeito todo o processado, com excepção da petição inicial e determinou-se que o processo seguisse a forma ordinária, iniciando-se com a notificação desse despacho o prazo para a Ré contestar.

Por despacho de 30-4-07, prolatado a fls. 46, na consideração de que a Ré não apresentara contestação na sequência da notificação do despacho de fls. 43, consideraram-se confessados os factos articulados pela A. e ordenou-se o cumprimento do disposto no nº 2 do art. 484º do CPC.

Deste despacho interpôs a Ré recurso, recebido como de agravo e subida diferida.

Inconformada com a sentença, dela a Ré interpôs recurso de apelação.

A Ré apresentou oportunamente alegações em ambos os recursos, questionando nestes, nuclearmente, o facto de não se ter relevado a contestação que atempadamente apresentou após a sua citação para a acção.

A A. apenas contra-alegou no recurso de agravo, pugnando pelo seu desatendimento.

A matéria de facto que importa ao conhecimento dos recursos é a constante do relatório que antecede.

Começa-se, em obediência ao disposto no art. 710º, 1 do CPC (na redacção, como a dos demais normativos adjectivos indicados, anterior ao DL nº 303/2007, de 24/8, aqui aplicável - art. 11º,1 deste diploma), pelo conhecimento do recurso de agravo.

No despacho em crise relevou-se a não apresentação pela Ré de nova contestação, no prazo previsto para o processo ordinário, contado desde a notificação do despacho que corrigiu a forma do processo e anulou todo o processado com excepção da petição inicial, desconsiderando-se a contestação anteriormente apresentada pela Ré, na sequência da sua citação para a acção.

Sendo certo que o erro na forma do processo importa apenas a anulação dos actos que não possam ser aproveitados e que nestes se devem incluir os que impliquem uma diminuição das garantias do réu (art. 199º, 1 e 2 do CPC) e que o processo sumário, no confronto com o processo ordinário, tem um custo natural que se repercute na diminuição das garantias do réu na tramitação processual - desde logo e no que ao caso importa, o prazo da contestação é mais curto -, não é menos certo -exactamente porque a lei visa proteger o interesse da defesa - que não parece de ter como inutilizada a contestação apresentada pelo réu no prazo previsto para o processo sumário, quando este não pretende oferecer nova contestação, por desnecessidade, para o efeito, do prazo mais longo do processo ordinário.

Isto é, a contestação não se constitui como acto processual que necessariamente tenha de ser afectado pela nulidade consistente no erro na forma do processo, antes é de configurar como acto processual que só não deve ser aproveitado se com a sua prática no condicionalismo previsto na forma de processo indevidamente utilizada o réu veja diminuído o seu direito de defesa e tal não é de considerar quando este, na contestação que apresentou em respeito pelo prazo do processo sumário, se limita a dizer que a acção deve seguir a forma de processo ordinário e não se reclama pela concessão do prazo mais longo deste processo para apresentar nova contestação, sob pena de se prejudicar a parte que a lei quer proteger e de se ter como contrariado o princípio da economia processual reflectido no regime da nulidade em referência.

Corrigida e bem a forma do processo, não era, todavia, de dar sem efeito a contestação apresentada pela Ré e que esta considerou suficiente à defesa do seu direito; mas a entender-se que tal nulidade implicava a anulação de todo o processado, salvando-se apenas a petição inicial, então haveria que ordenar a repetição da citação da Ré, de acordo com todo o seu formalismo legal, pois só assim ficariam salvaguardas, de forma cabal, as garantias de defesa desta, nomeadamente pelo facto de ficar a saber que tinha de contestar novamente a acção, sob pena de se considerarem confessados os factos articulados na petição inicial (arts. 235º, 1 e 2 e 484º, 1 do CPC), o que se não satisfaz, sem mais, com a notificação ao mandatário da Ré do despacho que corrigiu a forma do processo e onde se referiu que, com tal notificação, se iniciava “o prazo para contestar, segundo a forma ordinária”.

Não tendo sido ordenada novamente a citação da Ré, o sentido do despacho de fls. 43, que mandou corrigir a forma do processo, só pode ser o de permitir à Ré apresentar, outra contestação, por não querer aproveitar a já apresentada, pelo que, no seu silêncio, era de ter esta como processualmente válida e operante à sua defesa e, logo, de não considerar confessados os factos articulados pela A. na petição inicial, em face da não apresentação de outra contestação, escoado que foi o prazo para tal efeito previsto no processo ordinário, contado da notificação que corrigiu a forma inicial do processo.

Nestes termos, no provimento do agravo, revoga-se o despacho de fls. 46 que considerou confessados os factos articulados pela A. na petição inicial e ordenou o cumprimento do nº 2 do art. 484º do CPC, o qual deverá ser substituído por outro que, levando em conta a contestação apresentada em 30-06-2006 pela Ré, enquadre os ulteriores termos do processo, com o que fica prejudicado o conhecimento do recurso de apelação.
Custas pela agravada.
Lisboa, 7 -02-2008
Carlos Valverde
Granja da Fonseca
Pereira Rodrigues