Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1209/08.4TVLSB.L1-7
Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO
Descritores: CONTRATO PARA PESSOA A NOMEAR
RATIFICAÇÃO
SOCIEDADE COMERCIAL
REGISTO
INCUMPRIMENTO
LEGITIMIDADE PASSIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/02/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAR A DECISÃO
Sumário: I – Celebrado um contrato para pessoa a nomear, nos termos do artº 452º, do Código Civil, a circunstância da sociedade a nomear não ter sido - à data da citação dos RR. para a presente acção -, objecto de registo na Conservatória do Registo Comercial, impossibilita a prática, pela mesma, do respectivo acto de aceitação da nomeação ou ratificação, por ausência da imprescindível personalidade jurídica, nos termos do artº 5º, do Código das Sociedades Comerciais.
II - Logo, os únicos celebrantes do negócio, a par da A., vinculados aos deveres aí expressos, são os RR. intervenientes no contrato, os quais, dessa forma, respondem, pessoal e solidariamente, pelo incumprimento das obrigações nele assumidas.
III - Em qualquer circunstância, o acto de aceitação da nomeação ou ratificação teria que observar, imperativamente, a forma escrita, nos termos do artº 454º, nº 1, do Código Civil, e ser devidamente comunicado à contraparte no negócio, o que não consta dos autos ter ocorrido, impossibilitando, por si só, os RR. de serem substituídos na posição contratual assumida no contrato. IV – Ademais, os sócios desta sociedade só poderiam pretender prevalecer-se do regime consignado no artº 19º, do Código das Sociedades Comerciais, após terem efectuado o respectivo registo na Conservatória do Registo Comercial - o que não aconteceu.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa
( 7ª Secção ).

I – RELATÓRIO.
Intentou A, S.A., a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra B, C e D.
                Alegou essencialmente que:
          Explora a “ Galeria… “, tendo cedido, onerosamente, a utilização de uma loja dessa Galeria …. a F, Lda., sociedade representada pelos RR..
Acontece que,
a partir de Maio de 2005, começou a não ter lugar o pagamento das contrapartidas monetárias acordadas para tal cedência.
Verifica-se que
À data da mencionada cedência a sociedade ainda não se encontrava registada, pelo que devem ser os RR. a responder, pessoalmente, por aquelas omissões.
Conclui pedindo a condenação dos RR. a pagar-lhe a quantia global de € 105.448,30, acrescida de juros, correspondente ao total dos montantes em dívida.
Regularmente citado, o R. B contestou, arguindo a excepção de falta de legitimidade e alegando ter deixado de ter contacto com a sociedade F, Lda..
Terminou pugnando pela procedência da excepção e pela improcedência da acção.
Os RR. C e D contestaram, arguindo a excepção de falta de legitimidade passiva por dever ter sido a sociedade a ser demandada e dizendo que foi acordada a diminuição da retribuição devida pela cedência, o que a A. não fez repercutir no seu pedido.
Pedem a absolvição da instância e, subsidiariamente, a subtracção ao pedido da quantia de € 9.968, 61 e a recontagem dos juros.
A A. replicou pugnando pela improcedência da excepção e considerando que a redução do valor da contrapartida devida foi feito depender do pagamento das quantias em dívida àquela data, pagamento que não ocorreu.
                 Procedeu-se ao saneamento dos autos conforme fls. 237 a 246.
Realizou-se audiência final, tendo sido proferida decisão de facto conforme fls. 329 a 330.
Foi proferida sentença que julgou a presente acção parcialmente procedente, com a condenação solidária dos RR. a pagarem à A. a quantia de € 62.396,12, acrescidos dos juros vencidos e vincendos, desde as datas apostas em cada uma das facturas de fls. 104 a 123 até pagamento, às taxas elencadas e outras que venham a vigorar, absolvendo-se os RR. do demais peticionado ( cfr. fls. 333 a 343 ).
Apresentaram os RR. C e D recurso desta decisão, o qual foi admitido como de apelação.
Juntas as competentes alegações, a fls. 355 a 363, formularam os RR. C e D apelantes as seguintes conclusões :
 a) A douta Sentença recorrida, dando por reproduzido o Despacho Saneador proferido, faz uma errada interpretação e aplicação do direito, na medida em que, como adiante melhor se verá, no caso vertente, é aplicável o art. 19º/2 e 3 do Código das Sociedades Comerciais (CSC), com a consequente liberação dos RR e responsabilização exclusiva da sociedade.
b) A Recorrida e os Recorrentes, em representação da Sociedade comercial F, Lda., celebraram um Contrato de Utilização de Loja a 15 de Março de 2004.
c) Nesse mesmo contrato previu-se expressamente que a sociedade a constituiria “adquirir os direitos e assumir as obrigações provenientes do (...) contrato logo que a mesma se encontre validamente constituída” (cfr. art. 28º do Contrato de Utilização de Loja).
d) A Escritura de Constituição da sociedade F, das quais os Recorrentes são sócios, ocorreu a 27 de Julho de 2004 e o seu registo definitivo em 24 de Setembro de 2008.
e) A Recorrida peticiona o pagamento das rendas vencidas entre Maio de 2005 e Janeiro de 2007, data em que já tinha sido outorgada a escritura de constituição da sociedade.
f) As obrigações em causa são de carácter duradouro, contínuo e periódico, gozando de autonomia própria. As mesmas renovam-se na data do respectivo vencimento, pelo que é ao momento do respectivo incumprimento que se deve atender para aferir do regime jurídico concretamente aplicável.
g) O art. 36º, n.º 2, do CSC e, bem assim, o regime das sociedades civis para o qual o mesmo remete, não tem aplicação no caso vertente porquanto se reporta a obrigações decorrentes de negócios jurídicos instantâneos celebrados antes da constituição da Sociedade, o que não é o caso.
h) A 21 de Fevereiro de 2006, por acta de Assembleia Geral, aprovaram os RR. a assunção pela sociedade dos negócios celebrados em momento anterior ao respectivo registo, decidindo pela atribuição à sociedade F,Lda. de toda e qualquer responsabilidade decorrente dos negócios celebrados pelos respectivos sócios em nome daquela, em data anterior ao respectivo registo, nos termos do art. 19º, n.ºs 2 e 3 do CSC.
i) Com tal assunção ficaram os sócios, aqui Recorrentes, liberados das responsabilidades previstas no art. 40º do CSC, as quais seriam imputadas única e exclusivamente à Sociedade.
j) Pelo exposto, não devem ser os aqui Recorrentes, mas sim a Sociedade, os demandados na presente acção judicial, sendo os primeiros parte ilegítima nos presentes autos.
l) Ao não ter julgado conforme com as antecedentes conclusões a douta Sentença recorrida viola as citadas disposições legais, e, em consequência, deverá ser proferido Acórdão no qual venha a ser julgada que a legitimidade passiva pertence à Sociedade F e, em consequência, alterar a decisão proferida, absolvendo os Recorrentes do pedido.
Apresentou a apelada contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido.
 
II – FACTOS PROVADOS.
Encontra-se provado nos autos que :
1 - A A. explora a Galeria….
2 - Em 15 de Março de 2004, a A. e a sociedade F, Lda. acordaram que a primeira cederia à segunda a utilização da loja em galeria comercial, com o n.º 9, sita no piso -1 do …., nos termos do doc. de fls. 12 a 47.
3 - Os RR. apuseram os respectivos nomes manuscritos em nome da sociedade.
4 - Nos termos do art.º 28.º do acordo, sob a epígrafe contrato para pessoa a nomear, os RR. nomearam desde logo a sociedade para adquirir os direitos e assumir as obrigações emergentes do contrato logo que a sociedade se encontrasse validamente constituída.
5 - Nos termos do n.º 2 do mesmo art.º 28.º, a A. poderia rescindir o acordo no caso de a sociedade não vir a ser constituída no prazo de dois meses a contar da celebração do contrato.
6 - Nos termos do n.º 3 do mesmo art.º 28.º, os RR. comprometeram-se, na qualidade de sócios da sociedade a constituir, a especificar e expressamente ratificar no acto da escritura da constituição da sociedade a celebração do contrato, que seria assumido pela sociedade.
7 - Do art.º 5.º do acordo (fls. 19 e 20) consta, assinaladamente, que a sociedade F,Lda. pagaria à A., a título de remuneração, uma retribuição periódica mensal, resultante da soma de duas parcelas designadas por remuneração mínima e por remuneração percentual, sendo a primeira pré-determinada no valor de € 3.257,40 e a segunda pela aplicação da percentagem de 7% ao valor da facturação bruta da loja, considerando como tal o valor das rendas sem IVA desse mês (…).
8 - Essa remuneração deveria ser paga até o dia 5 do mês imediatamente anterior a que dissesse respeito, através de transferência bancária.
9 - A A. teria o direito de actualizar anualmente o valor da remuneração mínima, por referência à inflação.
10 - O contrato de sociedade de F, Lda. data de 27 de Julho de 2004, tendo o teor de fls. 200 a 203, em que não se faz qualquer alusão à ratificação do acordo firmado com a A..
11 - Nos termos do artigo 4.º/2, para obrigar a sociedade é necessária a intervenção de dois gerentes (fls. 202).
12 - Em 21 de Feverereiro de 2006, os RR. reuniram-se, no que denominaram de assembleia-geral, especificando que a sociedade ainda não se encontra matriculada na Conservatória do Registo Comercial, aprovando a assunção pela sociedade de negócios celebrados em momento anterior ao respectivo registo: decidindo-se pela atribuição à sociedade F, Lda. de toda e qualquer responsabilidade decorrente dos negócios celebrados pelos respectivos sócios em nome daquela, em data anterior ao registo definitivo da mesma, nos termos do art.º 19.º/2/3 do C.S.C..
13 - A sociedade F, Lda. foi registada na Conservatória do Registo Comercial já na pendência da acção, em 24 de Setembro de 2006 (doc. de fls. 225).
14 - A A. emitiu factura relativa à contrapartida de Maio de 2005, com vencimento em 3 de Maio de 2005, no montante de € 4 845, 57 (doc. de fls. 104).
15 - A A. emitiu factura relativa à contrapartida de Junho de 2005, com vencimento em 4 de Junho de 2005, no montante de € 4.845,57, constando a quantia de € 3.257, 40 como remuneração mínima mensal (doc. de fls. 105).
16 - A A. emitiu factura relativa à contrapartida de Julho de 2005, com vencimento em 5 de Julho de 2005, no montante de € 4.927,01, constando a quantia de € 3.257,40 como remuneração mínima mensal (doc. de fls. 106).
17 - A A. emitiu factura relativa à contrapartida de Agosto de 2005, com vencimento em 1 de Setembro de 2005, no montante de € 4.927,01, constando a quantia de € 3.257, 40 como remuneração mínima mensal (doc. de fls. 107).
18 - A A. emitiu factura relativa à contrapartida de Setembro de 2005, com vencimento em 3 de Setembro de 2005, no montante de € 4.927, 01, constando € 3.257,40 como remuneração mínima mensal (doc. de fls. 108).
19 - A A. emitiu factura relativa à contrapartida de Outubro de 2005, com vencimento em 4 de Outubro de 2005, no montante de € 4.927,01, constando € 3.257,40 como remuneração mínima mensal (doc. de fls. 109).
20 - A A. emitiu factura relativa à contrapartida de Novembro de 2005, com vencimento em 5 de Novembro de 2005, no montante de € 4.927, 01, constando € 3.257,40 como remuneração mínima mensal (doc. de fls. 110).
21 - A A. emitiu factura relativa à contrapartida de Dezembro de 2005, com vencimento em 6 de Dezembro de 2005, no montante de € 4.927, 01, constando € 3.257,40 como remuneração mínima mensal (doc. de fls. 111).
22 - A A. emitiu factura relativa à contrapartida de Janeiro de 2006, com vencimento em 14 de Janeiro de 2006, no montante de € 4.927,01, constando € 3.257,40 como remuneração mínima mensal (doc. de fls. 112).
23 - A A. emitiu factura relativa à contrapartida de Fevereiro de 2006, com vencimento em 8 de Fevereiro de 2006, no montante de € 3.606, 43, constando € 3.257,40 como remuneração mínima mensal (doc. de fls. 113).
24 - A A. emitiu factura relativa à contrapartida de Março de 2006, com vencimento em 4 de Março de 2006, no montante de € 3.606,43 (doc. de fls. 114).
25 - A A. emitiu factura relativa à contrapartida de Abril de 2006, com vencimento em 4 de Abril de 2006, no montante de € 3.606,43 (doc. de fls. 115).
26 - A A. emitiu factura relativa à contrapartida de Maio de 2006, com vencimento em 3-5-2006, no montante de € 3 606, 43 (doc. de fls. 116).
27 - A A. emitiu factura relativa à contrapartida de Junho de 2006, com vencimento em 3-6-2006, no montante de € 3 606, 43 (doc. de fls. 117).
28 - A A. emitiu factura relativa à contrapartida de Julho de 2006, com vencimento em 4-7-2006, no montante de € 3 606, 43 (doc. de fls. 118).
29 - A A. emitiu factura relativa à contrapartida de Agosto de 2006, com vencimento em 3-8-2006, no montante de € 3 606, 43 (doc. de fls. 119).
30 - A A. emitiu factura relativa à contrapartida de Setembro e Outubro de 2006, com vencimento em 10-10-2006, no montante de € 7 212, 86 (doc. de fls. 120).
31 - A A. emitiu factura relativa à contrapartida de Novembro de 2006, com vencimento em 3-11-2006, no montante de € 3 606, 43 (doc. de fls. 121).
32 - A A. emitiu factura relativa à contrapartida de Dezembro de 2006, com vencimento em 4-12-2006, no montante de € 3 606, 43 (doc. de fls. 122).
33 - A A. emitiu factura relativa à contrapartida de Janeiro de 2007, com vencimento em 5-1-2007, no montante de € 3 606, 43 (doc. de fls. 123).
34 - Em 5 de Dezembro de 2005, a A. e F, Lda., representada pelos RR. B e C acordaram nos termos do doc. de fls. 93 a 97, designadamente que a contrapartida devida pela utilização da loja entre Setembro de 2004 e Agosto de 2005, ambos inclusive, seria de € 2 117, 31 (remuneração mínima) (fls. 94), acrescida da percentagem de 7% ao valor da facturação bruta da loja, considerando como tal o valor das vendas sem IVA desse mês.
35 - Em 20 de Janeiro de 2006, a A. e F, Lda.”, representada pelos RR. B e C acordaram nos termos do doc. de fls. 99 a 103, designadamente, que a contrapartida devida pela utilização da loja entre Setembro de 2005 e Agosto de 2006, ambos inclusive, seria de € 2 166, 01 (remuneração mínima) (fls. 100), acrescida da percentagem de 7% ao valor da facturação bruta da loja, considerando como tal o valor das vendas sem IVA desse mês.
36 – De ambos os acordos consta o reconhecimento de dívida e o compromisso de pagamento, na primeira adenda de € 37.055,87 e na segunda de € 21 638, 56.

III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.
São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar :
Natureza jurídica do contrato celebrado, gerador do crédito ora exigido pela A.. Aplicação, in casu, do regime jurídico específico do contrato para pessoa a nomear ( artsº 452º a 456º, do Código Civil ). Responsabilidade, pessoal e solidária, dos Réus pelo pagamento das contrapartidas devidas em virtude do incumprimento contratual. Da sua legitimidade passiva.
Passemos à sua análise :
Referiu-se nos factos provados que o contrato - donde emergem as obrigações em apreço - teria sido celebrado entre a A. , S.A., e a sociedade F Lda., aí representada pelos ora RR.[1]
Trata-se aqui, sob a capa da fixação de pretensa matéria de facto, duma autêntica interpretação, de natureza essencialmente jurídica[2], das características e substância daquele mesmo acordo negocial, mormente no que concerne à identificação das partes que nele foram efectivos outorgantes[3].
Neste domínio - da indagação, interpretação e aplicação das regras de direito relativamente aos factos articulados - a liberdade do julgador é total e absoluta, em conformidade com o princípio consignado no artº 664º, do Cod. Proc. Civil.
Ora,
Não obstante o teor equívoco do artº 2º, da petição inicial[4], afigura-se-nos que a A. e os RR. aceitaram, concretamente, haver firmado, entre si, o acordo formalizado pelo documento junto a fls. 12 a 36, intitulado : “ Contrato de Utilização de Loja em Galeria Comercial “ - que, por isso mesmo, é dado, todo ele, por inteiramente reproduzido naquele artigo da petição inicial -, querendo, para seu regime disciplinador, a integralidade do clausulado nele incluso.
Assim sendo,
estipularam as partes - na cláusula 28ª ( e última ) desse mesmo acordo - que : “ 1. Nos termos dos artsº 452º e 453º, do Código Civil,[5] OS SEGUNDOS CONTRAENTES nomeiam, desde já, a sociedade que se encontram actualmente a constituir na qualidade de sócios sob a denominação “ F, Lda. “ ou outra que vier a ser aprovada pelo RNPC, para a exploração da loja objecto do presente contrato, para adquirir os direitos e assumir as obrigações provenientes do presente contrato logo que a mesma se encontre validamente constituída.
( …) 3. Os SEGUNDOS CONTRAENTES comprometem-se, desde já, na qualidade de sócios da sociedade a constituir, a especificar e expressamente ratificar no acto da escritura de constituição da sociedade a celebração do presente contrato que será, deste modo, e nos termos legais aplicáveis, assumido pela referida sociedade. “ ( cfr. fls. 36 ).
Isto é,
Em conformidade com o que se encontra expressamente previsto nesta cláusula final, as partes atribuíram ao negócio, de forma inequívoca[6], a natureza de um verdadeiro contrato para pessoa a nomear, sujeito ao regime previsto nos artsº 452º a 456º, do Código Civil.
De resto,
Tal natureza jurídica é a que melhor se compagina com a circunstância de, nessa altura, nem sequer haver sido, ainda, celebrado o contrato de sociedade relativamente à F, Lda., o que era do conhecimento de todos os intervenientes no acto.
Ou seja,
Não fazia sentido que, naquele momento, os outorgantes tivessem aceite como verdadeiro celebrante no negócio um ente puramente abstracto, sem existência jurídica, que não passava, então, duma mera e conjectural hipótese ( embora seriamente projectada em termos da sua possível concretização ).
Ao invés,
Quiseram que, uma vez regularmente constituída e dotada de plenos poderes, no domínio jurídico, tal pessoa colectiva/sociedade viesse a aceitar, ratificando a sua nomeação, passando, então, depois de comunicado o facto à A., a assumir, retroactivamente, a posição jurídica, que pertencera, primitivamente, aos ora RR..
Encontrando-nos, portanto, aqui, perante a figura jurídica do contrato para pessoa a nomear.  
Tal significa que
 o contrato consubstanciado no documento de fls. 12 a 36, produziu imediatamente os seus efeitos relativamente aos intervenientes no negócio, podendo vir a produzi-los, eventualmente, na esfera jurídica de um terceiro, que não figura no acto como representado por qualquer dos outorgantes.
Após a aceitação por parte do nomeado e sua comunicação à contraparte, os iniciais intervenientes perderão a qualidade de contraentes, passando aquele a assumi-la desde a celebração do negócio.
Ou seja,
Trata-se dum contrato que começa por pertencer ao interveniente e que pode vir a consolidar-se definitivamente na sua titularidade, caso não exista ou não produza efeitos a nomeação da pessoa prevista no acordo[7].
Debruçando-nos sobre a situação sub judice :
Encontravam-se os celebrantes do contrato para pessoa a nomear perfeitamente cientes da ausência do pacto constitutivo da sociedade F, Lda..
Nesta sequência,
Passados cerca de quatro meses, em 27 de Julho de 2004, veio a ser efectivamente celebrado o contrato de sociedade da F Lda., embora sem conter qualquer alusão à ratificação do acordo firmado com a A. , S.A., nem à aceitação da nomeação, como celebrante no negócio, que havia sido prevista nos termos dos artsº 452º a 453º, do Código Civil.
Ulteriormente, verificou-se o incumprimento continuado das obrigações de pagamento assumidas pelos RR. no dito acordo de 15 de Março de 2004.
Entretanto,
Em 21 de Feverereiro de 2006, os RR. reuniram-se, no que denominaram de assembleia-geral, especificando que a sociedade ainda não se encontra matriculada na Conservatória do Registo Comercial, aprovando a assunção pela sociedade de negócios celebrados em momento anterior ao respectivo registo: decidindo-se pela atribuição à sociedade F, Lda. de toda e qualquer responsabilidade decorrente dos negócios celebrados pelos respectivos sócios em nome daquela, em data anterior ao registo definitivo da mesma, nos termos do art.º 19.º, nºs 2 e 3, do Código das Sociedades Comerciais.
De salientar, ainda, que
Até ao momento da citação dos RR., inexistia registo definitivo daquele contrato de sociedade, o qual só teve lugar em 24 de Setembro de 2008.
Vejamos :
Nos termos do artº 5º, do Código das Sociedades Comerciais : “ As sociedades gozam de personalidade jurídica e existem como tais a partir da data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem, ( … ) “.
Assim,
Não tendo a sociedade F, Lda. sido objecto do competente registo na Conservatória do Registo Comercial,
Tal significa que
1º - Os RR. não se encontravam em  condições legais de beneficiar do regime consignado no artº 19º, do Código das Sociedades Comerciais, que pressupõe, necessariamente, o prévio registo da sociedade comercial em causa, não sendo juridicamente possível, in casu, a assunção pela sociedade dos negócios anteriores ao registo[8] ;
2º - Não era possível conceber-se a possibilidade da prática de qualquer acto de aceitação ou ratificação do contrato realizado, por parte da pessoa a nomear, por esta carecer da imprescindível de personalidade jurídica.
Acrescente-se que,
em conformidade com o disposto no artº 454º, nº 1, do Código Civil, tal ratificação teria que ser escrita e devidamente comunicada à contraparte no negócio, o que nunca sucedeu.
Conforme refere o Prof. Inocêncio Galvão Telles, in “ Direito das Obrigações “, pag. 159 : “ A nomeação deve ser feita por escrito dirigido ao outro contraente dentro de cinco dias a contar do contrato, salvo se se tiver convencionado prazo diverso ( artº 453º, nº 1 ). E para que se torne eficaz deve ser acompanhada do instrumento de ratificação do contrato ou de procuração anterior a este ( artº 453º, nº 2 ) ( … ) A ratificação deve constar de documento escrito. “
Assim sendo,
os únicos celebrantes do contrato em apreço, a par da A., são os ora RR. que nele intervieram, a título pessoal, com a expectativa de serem oportunamente substituídos, nessa qualidade jurídica, pelo ente colectivo que se propuseram constituir.
Porém,
A sua posição jurídica no negócio não chegou a ser assumida pela sociedade que deveria ter ratificado a nomeação e que, como se disse, nunca o chegou a fazer, não se tendo reunido, sequer, as condições legais, necessárias e indispensáveis, para que tal pudesse ter-se concretizado[9].
 Logo, e inexoravelmente,
São os RR. - partes vinculadas ao cumprimento das obrigações expressas no contrato em apreço - pessoal e solidariamente responsáveis pelo pagamento dos montantes em dívida exigidos pela A. na presente acção.
Da mesma forma, e logicamente,
Assiste-lhes plena legitimidade passiva para serem demandados pela A., o que, ao invés, não assistira à sociedade referida devida à irrefutável ausência de ratificação - e respectiva notificação à A. - do negócio.
A apelação improcede, embora por fundamentos diversos dos constantes na decisão recorrida.

IV - DECISÃO :
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
 
Lisboa, 2 de Dezembro de 2009.       

Luís Espírito Santo                                              
Pires Robalo              
Cristina Coelho
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[1] Consta no respectivo ponto 1 : “ Em 15 de Março de 2004, a A. e a sociedade F, Lda. acordaram que a primeira cederia à segunda a utilização da loja da galeria comercial, com o nº 9, sita no piso -1, do….. “, de resto na sequência da alegação constante do artº 2º, da petição inicial.
[2] O que significa que tal falsa questão de facto ter-se-á por não escrita ( artº 646º, nº 4, do Cod. Proc. Civil ).
[3]Logo no rosto do contrato alude-se a que são nele outorgantes : H, S.A. ( promotora do complexo imobiliário composto por uma Galeria Comercial e Escritórios ), PRIMEIRA OUTORGANTE ; B, C e D em representação da sociedade F, Lda., a constituir com esta denominação ou outra que venha a ser aprovada pelo RNPC, como SEGUNDA OUTORGANTE ( cfr. fls. 12 ).
[4] Que refere : “ Em 15 de Março de 2004, foi celebrado entre a A. e a sociedade F, Lda, ( adiante Sociedade ) um contrato de utilização de loja em galeria comercial, relativo à Loja nº 9, sita no piso -1 do …. Plaza, de que se junta cópia certificada como documento 1 e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. ( sublinhado nosso ).
[5] Sublinhado nosso.
[6] Que dúvidas poderão a este respeito subsistir quando os outorgantes referem, eles próprios, as disposições legais avocadas para regular os termos da relação jurídica assim constituída ?
[7] Vide, sobre este ponto, Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in “ Código Civil Anotado “, Volume I, pags. 433 a 444 ; Luís Menezes Leitão, in “ Direito das Obrigações “, Volume I, pags. 257 a 259 ; Prof. Inocêncio Galvão Telles, in “ Manual dos Contratos em Geral “, pags. 326 a 328, onde refere : “ Realizado o contrato, os seus efeitos produzem-se directamente sobre o estipulante, é ele que se torna sujeito dos direitos e das obrigações, mas esta direcção da eficácia do negócio jurídico está dependente de uma condição resolutiva, qual é a revelação do nome de terceiro, desde que este tenha dado ao agente poderes para o representar, ou ratifique o contrato. E aquela condição funciona como suspensiva da eficácia do contrato em relação ao terceiro. Note-se, a condição não respeita propriamente aos efeitos na sua objectividade, mas à pessoa do seu destinatário ; tem valor subjectivo. Portanto, não há dois contratos, um dos quais se substitua retroactivamente ao outro. O contrato, objectivamente, é um só, permanece o mesmo ; apenas se dá um desvio na direcção dos efeitos jurídicos, que, atribuídos originariamente ao contratante, passam ( sem transmissão, por força do princípio da retroactividade ) para o terceiro interessado. “.
[8] O nº 2, do artº 19º, do Código das Sociedades Comerciais, prevê que : “ Os direitos e obrigações decorrentes de outros negócios jurídicos realizados em nome da sociedade, antes de registado o contrato, podem ser por ela assumidos mediante decisão da administração, que deve ser comunicada à contraparte nos noventa dias posteriores ao registo “, o que logicamente pressupõe que assunção, pela sociedade, de negócios anteriores ao registo da sua constituição só pode suceder e produzir efeitos após esse mesmo registo e nunca em momento anterior à este.
[9] Saliente-se que poderiam perfeitamente os RR. ter convencionado que não contratariam para si, mas exclusivamente para terceiro, situação em que, na ausência da nomeação, o contrato não produziria efeito algum : nem para o terceiro porque falta a nomeação ; nem para o interveniente porque não contratou nomine próprio ( vide sobre este ponto, Prof. Inocêncio Galvão Telles, in “ Direito das Obrigações “, pag. 160 ). Porém, os RR., podendo fazê-lo, não salvaguardaram tal posição.