Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7390/2006-1
Relator: RIJO FERREIRA
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
HONORÁRIOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/21/2006
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: I - Para que se tenha um contrato por concluído basta que tenha havido acordo quanto aos elementos essenciais do mesmo desde que fique demonstrado que as partes apenas entenderam por necessário o acordo sobre esses elementos;
II - O denominado ‘contrato de arquitectura’ conclui-se no momento em que as partes acordam em que uma delas (arquitecto) vai alocar os seus conhecimentos e meios à satisfação dos interesses da outra (‘dono da obra’) para, com a colaboração desta, obter a adequada concretização de um projecto;
III - No ‘contrato de arquitectura’ o ‘dono da obra’ pode em qualquer altura, livremente e sem qualquer restrição, revogar ou desistir do contrato, contanto que indemnize a outra parte do prejuízo que ela sofrer;
IV - As partes podem convencionar antecipadamente (a fórmula de cálculo d)o montante dessa indemnizações;
V - O facto de serem deduzidos pedidos subsidiários não leva a que se considere a dívida que vier a ser apurada como ilíquida;
VI - A parte vencedora não tem direito a uma indemnização autónoma pelos honorários do advogado despendidos com o processo, cabendo essa função à procuradoria.
VII - Só haverá lugar àquela indemnização autónoma nos casos expressamente previstos na lei: má-fé (artº 457º do CPC) e de inexigibilidade da obrigação (artº 662º, nº 3, do CPC).
(RF)
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

I – Relatório

A…, B…, C… e D… intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra E… , F e G…, com fundamento, em síntese, em incumprimento culposo de contratos de prestação de serviços de arquitectura - um deles tendo por objecto projectos parcelares de intervenção nas casas de banho, camarotes de empresa e entradas do Estádio …, o outro tendo por objecto a remodelação integral do Estádio … - e, subsidiariamente, em responsabilidade pré-contratual, pedindo a procedência da acção e a consequente condenação solidária dos RR., (ou alguns deles):
I – A indemnizar os AA. por forma a que estes sejam colocados na situação em que se encontrariam caso o contrato tivesse sido pontualmente cumprido e, em consequência,
a) ao pagamento da quantia de Esc. 235.383.500$00 correspondente aos benefícios que para os AA. resultariam do cumprimento pontual do contrato;
b) Ao pagamento da quantia provisoriamente fixada e sem prejuízo de melhor liquidação em execução de sentença de Esc. 20.000.000$00, a título de indemnização pelos danos resultantes para a imagem dos AA. do incumprimento da 1ªR;
c) Ao pagamento da quantia provisoriamente fixada e sem prejuízo de melhor liquidação em execução de sentença de Esc. 20.000.000$00, a título de indemnização pelos lucros que os AA. contavam vir a receber com a celebração de novos contratos após concluírem a remodelação do projecto de Estádio … .
II – Subsidiariamente ao pedido formulado em I, a declarar a resolução do contrato celebrado com a 1ª R. e, em consequência, a indemnizar os AA. por forma a que estes sejam colocados na situação em que se encontrariam caso o contrato nunca tivesse sido negociado ou celebrado e, em consequência,
a) Condenar os RR. a pagar o valor correspondente às Cláusulas penais previstas nos vários textos contratuais, ou seja, em alternativa, no pagamento de Esc.195.437.500$00 ou Esc. 225.250.000$00;
b) Subsidiariamente ao pedido formulado em II. a), condenar os RR. a pagarem aos AA. o valor correspondente ao valor dos trabalhos já efectuados, de acordo com os critérios estabelecidos nos textos contratuais, ou seja, Esc.185.500.000$00, correspondente ao valor dos trabalhos até à conclusão do estudo prévio;
c) Subsidiariamente ao pedido formulado em II.a), condenar os RR. a pagarem aos AA. a quantia de Esc. 76.000.000$00, correspondente ao valor dos prejuízos por estes sofridos em consequência das horas já gastas e da impossibilidade de as terem aplicado a outros projectos;
d) Cumulativamente com os pedidos formulados em II.b) e II.c), a condenar os RR. no pagamento da quantia provisoriamente fixada e sem prejuízo de melhor liquidação em execução de sentença de Esc. 20.000.000$00, a titulo de indemnização pelos danos resultantes para a imagem dos AA. do incumprimento da 1ª R;
III – Subsidiariamente ao pedido formulado em II, condenar os RR. , a titulo de indemnização por responsabilidade pré-contratual,
a) A colocar os AA. na situação em que se encontrariam caso o contrato tivesse chegado a ser celebrado e fosse pontualmente cumprido e, em consequência,
i) No pagamento aos AA. da quantia de Esc. 235.383.500$00 correspondente aos benefícios que para os AA. resultariam dessa situação;
ii) No pagamento da quantia provisoriamente fixada e sem prejuízo de melhor liquidação em execução de sentença de Esc. 20.000.000$00, a titulo de indemnização pelos danos resultantes para a imagem dos AA. do incumprimento da 1ª R;
iii) No pagamento da quantia provisoriamente fixada e sem prejuízo de melhor liquidação em execução de sentença de Esc. 20.000.000$00, a titulo de indemnização pelos lucros que os AA. contavam vir a receber com a celebração de novos contratos após concluírem a remodelação do projecto de Estádio ….
b) Subsidiariamente ao pedido formulado em III. a), condenar os RR. a colocar os AA. na situação em que se encontrariam caso as negociações rompidas nunca se tivesse chegado a iniciar e, em consequência,
i) A pagarem aos AA. a quantia de Esc. 76.000.000$00, correspondente ao valor dos prejuízos por estes sofridos em consequência das horas já gastas e da impossibilidade de as terem aplicado a outros projectos;
ii) A pagarem aos AA. a quantia provisoriamente fixada e sem prejuízo de melhor liquidação em execução de sentença de Esc. 20.000.000$00, a titulo de indemnização pelos danos resultantes para a imagem dos AA. do incumprimento da 1ª R;
IV – No pagamento aos AA. da quantia provisoriamente fixada sem prejuízo de melhor liquidação em execução de sentença de Esc. 5.000.000$00 correspondente aos gastos com o patrocínio judicial da presente;
V – No pagamento aos 1ª e 3º AA. da quantia de Esc. 7.000.000$00, acrescida de IVA, relativa ao contrato parcelar adjudicado em 07.05.1999;
VI – A condenar os RR. no pagamento de juros de mora desde a data da citação, à taxa legal, sobre todas as quantias supra liquidadas”.

Os RR contestaram concluindo pela sua absolvição da instância, ou pela improcedência da acção, com a consequente absolvição dos pedidos.
A final foi proferida sentença que, considerando terem sido celebrados dois contratos – um referente a remodelação parcial e outro referente a remodelação integral – e serem devidos o preço do primeiro porque integralmente cumprido e o prejuízo decorrente para os AA do incumprimento do segundo (equivalente ao valor do trabalho realizado), condenou o 1º R. a pagar € 34.915,85 ao 1º e 3º AA e € 228.000 a todos os AA, acrescidos de juros, absolvendo o 1º R. do demais pedido e os 2º e 3º RR da totalidade dos pedidos contra si formulados.
Inconformados apelaram os AA e o 1º R. concluindo, em síntese: os AA, que a indemnização devida deve corresponder, antes, ao preço acordado deduzido do valor dos serviços não prestados e dever, ainda dever ser o R. condenado a pagar-lhe as despesas com o processo; o 1ª R., por erro na decisão da matéria de facto quanto aos quesitos 158, 193 e 210, pela inexistência do contrato referente à remodelação integral, pela inexistência de qualquer responsabilidade pré-contratual e por os juros apenas serem devidos após o trânsito em julgado.
Houve contra-alegações que propugnaram pela improcedência dos recursos.

II – Questões a Resolver
Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio (1).
De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo (2).
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (3).
Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, desde logo se evidencia não estar posta em causa a decisão recorrida na parte em que absolveu dos pedidos os 2º e 3º RR e na parte em que condenou o 1º RR no pagamento aos 1º e 3º AA da quantia de € 34.915, 85. Pelo que, nessa parte, tal sentença se mostra transitada em julgado.

Sendo as seguintes, numa sequência lógica e independentemente das apelações a que respeitam, as questões a decidir no recurso:

- se ocorre erro na decisão de facto;
- se foi celebrado contrato referente à remodelação integral do Estádio …;
- se existe responsabilidade pré-contratual;
- existindo obrigação de indemnizar, qual o seu conteúdo;
- qual o momento do início da contagem dos juros;
- se o 1º R. é responsável pelo pagamento dos honorários do advogado.

III – Fundamentos de Facto
O E… impugna a decisão da matéria de facto relativamente às respostas dadas aos quesitos 158, 193 e 210.
É o seguinte o teor dos referidos quesitos e das respectivas respostas e fundamentação:

158 - No que despenderam, entre Junho de 1999 e Janeiro de 2000, um total de 3.800 horas de trabalho?
Resposta: provado que despenderam, pelo menos, 3.800 horas de trabalho.
Fundamentação: testemunhas Engº … e Arqtº ….

193 - Sempre foi conhecido pelas AA que quando a Direcção do E… deliberasse sobre a proposta por si apresentada o iria fazer em confronto com as demais propostas que se encontravam a ser elaboradas por concorrentes das AA, designadamente pelo Sr. …?
Resposta: não provado.
Fundamentação: testemunhas Drª … e F… T… P….

210 - As AA sabiam que a vinculação com o 1º R. só existiria quando surgisse uma deliberação da Direcção deste último no sentido de adjudicar o projecto às AA e de aceitar o texto contratual a subscrever e quando tal contrato fosse assinado por, pelo menos, dois elementos da direcção mandatados para o efeito?
Resposta: não provado
Fundamentação: análise conjugada dos docs de fls 335 e 336, 337 e 338, 339 a 341, por contraposição com o doc de fls 163 e 164 (adjudicação apenas pelo 3º R em representação do …), com as actas das reuniões da direcção do E… relativas a Maio de 99 e com o doc de fls 1271 (protocolo apenas assinado pelo 3º R. em representação do E…).

Relativamente ao quesito 158 o impugnante começa por colocar em dúvida a credibilidade da testemunha Engº … (porque é actualmente sócio de uma das AA) afirmando em seguida que não só as testemunhas indicadas na fundamentação não afirmaram a realização de 3.800 horas de trabalho como, pelo contrário, a testemunha Engº … foi peremptório em afirmar que tal volume de horas lhe parecia absolutamente exagerado em face dos documentos que lhe haviam sido exibidos.
Apreciando a situação desde logo aporta afirmar que não se adopta o entendimento perfilhado pelo impugnante de que as pessoas que possam ter algum envolvimento com a causa devem ser consideradas como menos credíveis. É que, para nós, ainda existem pessoas honestas e estas são-no em todas as ocasiões, mesmo quando estão em causa interesses pessoais. Daí que a situação pessoal do Engº … em nada fragiliza a credibilidade do seu depoimento; essa credibilidade poderia surgir da invocação de concretas circunstâncias ou dos termos do seu depoimento, mas não se vislumbra que tal tenha ocorrido.
E diga-se, aliás, que a ter acolhimento o que a esse respeito foi invocado pelo impugnante, a mesma posição se teria de adoptar relativamente ao Engº … na medida em que este é irmão de um dos RR.
A quantificação do número de horas de trabalhos despendido pelos AA no projecto desenvolvido para o … é, de acordo com a experiência comum de vida, um exercício de aproximação à realidade, sendo impossível determinar com exactidão matemática o tempo despendido. Daí que se não possa esperar que as testemunhas afirmem peremptoriamente a ocorrência do número de horas quesitado; se o fizessem é que era de considerar o seu depoimento como menos credível.
Pelo contrário, as testemunhas indicadas na fundamentação da resposta dada ao quesito explicaram, com base na sua razão de ciência – a sua participação efectiva nos trabalhos do consórcio – qual o tipo de trabalho que foi efectuado, a sua extensão temporal, o número de pessoas envolvidas (e embora não tivessem determinado em concreto o seu número sempre o foram situando num montante entre 8 e 11 e, mais, foram identificando as pessoas em concreto) e a forma como quantificavam o trabalho (160 horas por mês por pessoa). E desses depoimentos resulta evidente a conformidade do quesitado com a realidade; mais, e como foi respondido, que tal número foi o ocorrido no mínimo.
E o depoimento do Engº … não tem a virtualidade de infirmar tal conclusão, em primeiro lugar porquanto o juízo formulado é por referência aos documentos que lhe foram prestados (desconhecendo o trabalho que precedeu a sua realização, embora reconheça a existência de trabalho prévio) e ao tempo em que teve participação nos acontecimentos (cerca de 3 meses); em segundo lugar porque, na acareação que teve lugar, acaba por corroborar a forma de cálculo utilizada (140 horas por mês por pessoa).
Havendo ainda que ter em conta que outros depoimentos referiram a verificação de um considerável volume de trabalho desenvolvido pelos AA na realização do projecto, designadamente as testemunhas M…, M…, A…, M… (ligadas à Câmara Municipal de …), T… (ligada ao …) e F… (ligado ao Dr. …).

No que concerne ao quesito 193 defende o impugnante que ele resulta provado quer pela afirmação da testemunha F… de que a A… sabia que o Arq. … teria a possibilidade de ficar com o estádio do E…, quer do confessado nos artigos 38 e 55 da petição inicial.
O confessado nos artigos 38 e 55 da petição inicial diz respeito a situações que lhes foram comunicadas anteriormente ao desenvolvimento do projecto de remodelação do estádio e daí não pode extrair-se o conhecimento de que o desenvolvimento de tal projecto era feito em termos de concurso.
O depoimento da testemunha F… se, por um lado, vai referindo que o Dr … lhe tinha dito que tinha compromissos com o Arq. … e que a … sabia que o Arq. … fazia sempre a pala, por outro, não consegue situar no tempo esses factos, podendo tratar-se das mesmas situações alegadas nos artigos 38 e 55 da petição inicial.
Ao que acresce o facto de no seu depoimento se não evidenciar qualquer referência à existência de uma situação de concurso ou competição entre os AA e o Arq. ….
Situação que é corroborada pelos depoimentos das testemunhas M…, M…, A…, M… e T…, que afirmam serem os AA os únicos que se movimentavam no desenvolvimento do projecto e a ausência do Arq. …, que só “apareceu depois” (M…), “de repente” (T…).

No que respeita ao quesito 210 defende o impugnante que os documentos citados na fundamentação e as respostas dadas aos quesitos 96, 99 e 102, levam a ter de considerar-se o mesmo quesito como provado.
Importa desde logo afirmar que o quesito em causa contém matéria conclusiva na medida em que encerra em si parte da decisão da causa, como bem reconhece o impugnante quando afirma que da resposta positiva ou negativa ao quesito resulta inexorável o destino da acção.
Por isso mesmo tal quesito haveria sempre de se considerar não escrito na parte em que respeita à forma de vinculação do E… e à forma do contrato. Mas é relevante, e a isso deve ser restringido o seu conteúdo, quanto ao conhecimento que os AA teriam da forma estatutária de vinculação do E….
E nessa parte não se vislumbra que esteja evidenciado esse conhecimento, antes pelo contrário.
Com efeito o facto de na fase em que se passou à elaboração da minuta do contrato (e em que, como refere o Arq. P…, foi solicitada a intervenção dos advogados e estes chamaram a atenção para a necessidade de intervenção de dois membros da direcção do E…) ser referida a necessidade da intervenção do Presidente e de um Vice-Presidente não quer dizer que anteriormente houvesse esse conhecimento.
Até porque o que resulta dos autos (e da experiência comum de vida) é que a representação externa do E… era assumida integralmente pelo seu Presidente, que como tal actuava, conforme os documentos de fls 336, 338 e 340, sendo ele quem mandava no clube (como expressamente é afirmado nos depoimentos do Engº … e do Dr. …).

Em conclusão, não se vislumbram razões para alterar a matéria de facto fixada na 1ª instância.
E porque esta se mantém inalterada para ela se remete, nos termos do artº 713º, nº 6, do CPC.

IV – Fundamentos de Direito

Diz-nos o artº 232º do CCiv que o contrato, enquanto encontro de vontades, não fica concluído enquanto as partes não houverem acordado em todas as cláusulas sobre as quais qualquer delas tenha julgado necessário o acordo.
Assim, para que haja contrato é necessário o acordo sobre todos os aspectos, essenciais ou não, que por qualquer das partes foi julgado necessário acordar, mas apenas sobre esses aspectos.
Mas aquilo que parece a enunciação de uma evidência torna-se numa complexa questão jurídica quando se trata de determinar em concreto quais foram os pontos considerados essenciais por qualquer das partes na medida em que, como refere Antunes Varela (4), pode concluir-se do contexto das negociações que, embora haja desacordo quanto a certa ou certas cláusulas, elas quiseram vincular-se contratualmente, não considerando essenciais os pontos sobre que não se formou acordo.
As partes não têm de fixar explicitamente todo o conteúdo do contrato sendo bastante para a celebração do contrato que fixem os elementos que caracterizam o contrato como contrato de certa espécie ou tipo – os elementos essenciais. Para além destes as partes podem fixar outros elementos que regulem a relação contratual mas que não são indispensáveis à existência e validade do contrato na medida em que a lei estabelece disposições destinadas a suprir a regulação das partes, segundo padrões de normalidade contratual – os elementos naturais. Podendo, ainda, haver lugar a outros elementos que não fazem parte do conteúdo necessário ou normal do contrato, mas que resultam do poder da autonomia da vontade das partes – elementos acidentais (5).
Para que se tenha um contrato por concluído basta, pois, que tenha havido acordo quanto aos elementos essenciais do mesmo desde que fique demonstrado que as partes apenas entenderam por necessário o acordo sobre esses elementos; ou, dito de outra forma, que apenas hajam considerado necessário para se vincularem o acordo sobre esses elementos essenciais.

No caso dos autos está em causa a contratação da elaboração de estudos e projectos de arquitectura e engenharia e de assistência técnica que, não obstante alguma polémica (6), é caracterizada como contrato de prestação de serviço atípico ou inominado (7).
Trata-se, no entanto, de um contrato em que não obstante a prestação devida ser um resultado de um trabalho (um concreto projecto e a adequada concretização desse projecto) esse resultado vai sendo alcançado por sucessivas etapas, em que a dinâmica da vontade das partes vai moldando o conteúdo e o objecto da relação contratual.
Mas, é bom não o perder de vista, essa dinâmica faz parte da execução do contrato e não da sua formação. O denominado contrato de arquitectura não se celebra com a definição do projecto arquitectónico (que é antes o seu objecto e o seu cumprimento) mas no momento anterior em que as partes acordaram em que uma delas (arquitecto) iria alocar os seus conhecimentos e meios à satisfação dos interesses da outra (‘dono da obra’) para, com a colaboração desta, obter a adequada concretização de um projecto.

Atentemos, agora, na factualidade apurada nos autos:
Alguns dos AA desde 1997 que se vinham insinuando junto do E… apresentando projectos de remodelação do Estádio … até que, em JAN99 foram convocados pelo G…, na qualidade de Presidente do E…, que lhes solicitou a apresentação de uma proposta para uma intervenção concreta no estádio …, ao nível das entradas, casas de banho e camarotes; proposta essa que foi apresentada e cuja adjudicação foi comunicada em 7MAI99. Em 24JUN99 teve lugar uma reunião para entrega do projecto de remodelação adjudicado; na mesma reunião os AA tomaram a iniciativa de apresentar um projecto referente à remodelação integral do Estádio …, o qual foi do agrado do G… que, afirmando ser aquilo que queria, solicitou a apresentação de uma proposta, considerando, porém, a cobertura integral do estádio. Tal proposta foi apresentada em 22JUL99 ao G… o qual afirmou que ia fazer andar as coisas. A solicitação dos AA foi emitida, em 28JUL99, uma ‘carta de conforto’ onde se afirmava que os AA estavam a trabalhar com o E… no âmbito do projecto de remodelação do Estádio …. Perante tais factos os AA consideraram-se responsabilizados pelo projecto tendo iniciado a elaboração do mesmo, visitando outros estádios, desenvolvendo reuniões com diversos departamentos do E… e com departamentos municipais, elaborando projecções e peças desenhadas. Em 26OUT99 teve lugar uma reunião entre os AA (que se apresentaram constituídos em consórcio) e a direcção do E… para apresentação do projecto e proposta. No decurso dessa reunião o G… perguntou se, em face do discutido, mantinham os honorários e, em face da resposta positiva dos AA, disse para avançarem e para apresentarem a minuta do contrato. Simultaneamente foi dada grande projecção mediática ao projecto elaborado pelos AA, que culminou numa apresentação na CM… em 30NOV99.

Perante este circunstancialismo concluiu o Mmº juiz a quo pela existência de contrato; ao que o recorrente E… obtempera não ocorrer acordo de vontades, não ter sido assinado o contrato e a falta de poderes de representação do 3º RR.
Do descrito circunstancialismo não se nos levanta qualquer dúvida de que o E… quis que os AA colocassem o seu saber e meios com vista a concretizar o projecto de remodelação total do Estádio … e que, nesse sentido, ocorreu o acordo de vontades próprio da celebração de um contrato. E o comportamento público de AA e RR é, nesse sentido, uma clamorosa afirmação da existência dos referidos laços contratuais.
E a tal conclusão nada obsta a argumentação desenvolvida pelo recorrente com base nas respostas restritivas dadas à base instrutória, nas quais se retirou as expressões que aludiam à verificação de um acordo; com efeito, sendo a existência desse acordo uma questão central não era admissível que a mesma figurasse na matéria de facto em termos de com a sua fixação se resolver a causa, pelo que tais respostas restritivas não têm o alcance de dar como não provado o acordo (como pretende o E…) mas apenas de expurgar a deficiente alegação e quesitação da pertinente matéria de facto.
Igualmente não obstam à mesma conclusão a falta de formalização escrita do acordo e a eventual falta de poderes de representação do 3º Réu. A primeira na medida em que o acordo em causa não está sujeito a forma escrita, nem tal foi convencionado, remetendo-se, nesta parte, para o que foi afirmado na sentença recorrida. A segunda porque, e desde logo, conforme posição há muito consolidada, a eventual falta de poderes de representação não é oponível a terceiros de boa-fé (como o são os AA face à resposta negativa ao quesito 210); por outro lado, em face dos estatutos do E… não resulta que seja necessária a intervenção de dois membros da direcção para vincular o clube em actos não escritos; por último o comportamento adoptados por todos os membros da direcção do E… na reunião de 26OUT99 consubstanciam uma unânime vontade de reconhecer a atribuição ou atribuir (consoante se entenda que o contrato já havia ou não sido concluído, o que não importa aqui dilucidar por ser irrelevante para a solução da causa) aos AA o projecto de remodelação integral do Estádio ….
E o conteúdo desse contrato corresponde ao teor da proposta que foi apresentada pelos AA em 22JUL99 (constante de fls. 180 a 190), cuja aceitação resulta concludente do posterior comportamento dos representantes do E….

Concluindo-se pela existência de contrato fica, assim, prejudicada a questão da responsabilidade pré-contratual, pelo que devemos avançar para a apreciação da existência de obrigação de indemnizar.
O contrato celebrado entre os AA e o E… é, como já foi afirmado, um contrato de prestação de serviço atípico ou inominado, a que se aplicam, com as necessárias adaptações, as disposições sobre o mandato (8) e, no que toca ao incumprimento defeituoso, à impossibilidade de execução e à desistência do ‘dono da obra’, as regras da empreitada (9).
De acordo com tal regulamentação o ‘dono da obra’ pode em qualquer altura, livremente e sem qualquer restrição, revogar ou desistir do contrato (10), contanto que indemnize a outra parte do prejuízo que ela sofrer, que será o correspondente aos seus gastos e ao proveito que poderia tirar do contrato (11).
Sendo, porém, lícito as partes convencionarem antecipadamente o montante das indemnizações devidas (12).
Quando em JAN2000 o E comunicou haver decidido entregar o projecto da remodelação integral do Estádio … ocorreu uma revogação/desistência do contrato celebrado com os AA (13) (não se acompanhando aqui o caminho seguido na sentença recorrida de aplicar o regime do incumprimento contratual) geradora da obrigação de indemnização, como acima ficou dito.
E a obrigação devida pela desistência do contrato por parte do E… encontrava-se antecipadamente fixada nos 7.1 e 8.3 da proposta apresentada pelos AA em 22JUL99 e que mereceu a adesão do E…: os honorários correspondentes à fase em curso acrescidos de 25% da fase seguinte.
No caso, 13.250 contos da fase da adjudicação, 13.250 contos da fase dos suportes multimédia, 159.000 contos da fase do estudo prévio (fase em curso) e 9.937.500$00 correspondentes a 25% da fase do projecto de licenciamento, num total de 195.437.500$00 (€ 974.838,14).
No pagamento desse montante devendo ser o E… condenado.

Na sentença recorrida foi determinada a contagem de juros desde a citação. Contra isso se insurgindo o E… alegando a iliquidez da dívida e o disposto na 1ª parte do nº 3 do artº 805º CCiv.
Não se vislumbra como se possa classificar a dívida como ilíquida quando no respectivo pedido a dívida se encontra clara e perfeitamente quantificada; sendo que tal quantificação não é minimamente beliscada pelo facto de serem deduzidos pedidos subsidiários. Tendo o E… sido, com a citação, judicialmente interpelado para proceder ao pagamento os juros de mora devem contar-se, como se decidiu, desde o momento da citação.

Resta, por último, apreciar a questão do pagamento dos honorários do advogado.
Tal questão tem vindo a ser recorrentemente posta perante os tribunais judiciais e tem destes recebido, tanto quanto conhecemos, uma resposta negativa.
Para assim se concluir argumenta-se (14) que, segundo o Código das Custas Judiciais, as custas de parte compreendem a taxa de justiça e os encargos, nestes se englobando a procuradoria cuja função tradicional é a de indemnização à parte vencedora pelas despesas com o patrocínio judiciário, só sendo admissível a indemnização autónoma a título de honorários, porque excepcionalmente previstos na lei, nos casos de má-fé (artº 457º do CPC) e de inexigibilidade da obrigação (artº 662º, nº 3, do CPC).
Não obstante o alegado, não encontramos razões para dissentir da posição tradicionalmente adoptada.


V – Conclusões
Do exposto podem extrair-se as seguintes conclusões:

1. Para que se tenha um contrato por concluído basta que tenha havido acordo quanto aos elementos essenciais do mesmo desde que fique demonstrado que as partes apenas entenderam por necessário o acordo sobre esses elementos;
2. O denominado ‘contrato de arquitectura’ conclui-se no momento em que as partes acordam em que uma delas (arquitecto) vai alocar os seus conhecimentos e meios à satisfação dos interesses da outra (‘dono da obra’) para, com a colaboração desta, obter a adequada concretização de um projecto;
3. No ‘contrato de arquitectura’ o ‘dono da obra’ pode em qualquer altura, livremente e sem qualquer restrição, revogar ou desistir do contrato, contanto que indemnize a outra parte do prejuízo que ela sofrer;
4. As partes podem convencionar antecipadamente (a fórmula de cálculo d)o montante dessa indemnizações;
5. O facto de serem deduzidos pedidos subsidiários não leva a que se considere a dívida que vier a ser apurada como ilíquida;
6. A parte vencedora não tem direito a uma indemnização autónoma pelos honorários do advogado despendidos com o processo, cabendo essa função à procuradoria.
7. Só haverá lugar àquela indemnização autónoma nos casos expressamente previstos na lei: má-fé (artº 457º do CPC) e de inexigibilidade da obrigação (artº 662º, nº 3, do CPC).

VI – Decisão

Termos em que, na parcial procedência da apelação dos AA e na improcedência da apelação do Réu, se revoga a decisão recorrida (na parte não transitada) e, em substituição:
a) se condena o R. E… a pagar aos AA a quantia de € 974.838,14 (novecentos e setenta e quatro mil oitocentos e trinta e oito euros e catorze cêntimos);
b) se condena o R. E… a pagar, sobre a quantia referida na alínea precedente e aquela em que já vem condenado da 1ª instância, juros de mora contados desde a citação, às taxas de juro legal sucessivamente aplicáveis;
c) se absolve o R. E… do pedido de pagamento das despesas com honorários de advogado para esta causa.

Custas da apelação do E… apelante. Custas da apelação dos AA na proporção de 5% pelos AA e 95% pelo E…. Custas da 1ª instância na proporção de vencido (que, por facilidade de cálculo, se fixam em 10% para os AA e 90% para o E….


Lisboa, 2006NOV21

(Rijo Ferreira)
[Vencido quanto à indemnização pelos honorários do advogado, conforme o projecto de acórdão que elaborei e que se anexa]

(Afonso Henrique)
(Rui Moura)

Projecto de acórdão (vencido)
[…]
Resta, por último, apreciar a questão do pagamento dos honorários do advogado.
Tal questão tem vindo a ser recorrentemente posta perante os tribunais judiciais e tem destes recebido, tanto quanto conhecemos, uma resposta negativa.
Para assim se concluir argumenta-se (15) que, segundo o Código das Custas Judiciais, as custas de parte compreendem a taxa de justiça e os encargos, neste se englobando a procuradoria cuja função tradicional é a de indemnização à parte vencedora pelas despesas com o patrocínio judiciário, só sendo admissível a indemnização autónoma a título de honorários, porque excepcionalmente previstos na lei, nos casos de má-fé (artº 457º do CPC) e de inexigibilidade da obrigação (artº 662º, nº 3, do CPC).
Tal posição, porém, apresenta-se (mesmo para os seus subscritores (16)) como insatisfatória na medida em que pretender que aquilo que é atribuído a título de procuradoria ao vencedor do pleito representa o ressarcimento das despesas feitas com o patrocínio judiciários é, face à experiência comum (17), e no dizer de alguma jurisprudência (18), negar a própria evidência.
Ora se é certo que o tribunal não pode deixar de aplicar os preceitos legislativos sob o pretexto da injustiça do seu conteúdo (artº 8º, nº 2, do CCiv), não é menos certo que na fixação do sentido e alcance da lei se presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas (artº 9º, nº 3, do CCiv). Daí que uma solução interpretativa que negue a própria evidência tenha de ser qualificada como uma anomalia do sistema jurídico, só sustentável em último caso.
É tempo, pois, de romper (19) com a arreigada reiteração daquela concepção e de reequacionar a questão.
E nesse exercício intelectual desde logo se encontram na tese tradicional duas fragilidades que, em definitivo, a comprometem.
Tal tese parte do princípio que a questão se encontra regulada no CCJ e dos seus normativos extrai que a regra é a indemnização pelas despesas com os honorários do advogado da parte vencedora ser efectuada através da procuradoria, sendo encarada como excepção qualquer desvio a essa regra.
Ora é o próprio CCJ a negar que a procuradoria seja a regra geral de indemnização pelas despesas com honorários de advogado quando admite em termos gerais (20), no seu artigo 40º, nº 7 (anteriormente 84º, nº 5), que a procuradoria é abatida nas despesas judiciais, indemnizações, diferença de juros ou pena convencional a que o vencedor tenha direito por vir a juízo. Ou seja, o que este normativo admite claramente é que há outras formas, não excepcionais, de o vencedor se ver compensado pelas despesas com os honorários do advogado, e o que há que evitar é que a procuradoria (aqui manifestamente assumida como uma forma subsidiária) possa vir a representar uma duplicação desse ressarcimento.
Por outro lado a tese em apreciação assume o CCJ como a legislação fundamental (e única) para a resolução da questão, esquecendo a natureza intrinsecamente instrumental deste, na medida em que ele se destina a regular a liquidação da tributação processual que resulta não especificamente desse código mas antes de princípios estruturantes de natureza substantiva e constitucional. Princípios esses que o CCJ tem de respeitar e em conformidade com os quais tem de ser interpretado.
E quais são esses princípios?
Em nosso modo de ver são dois princípios fundamentais de ordem constitucional (21) emergentes do facto da Nação se assumir como sociedade livre, justa e solidária constituída em estado de direito, baseado no respeito e garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e numa tutela jurisdicional efectiva (22): o princípio da responsabilidade e o princípio da justiça pública.
O princípio da responsabilidade resulta da consideração de que tendo as pessoas direito à sua liberdade pessoal, nos limites do dever de respeitar a liberdade individual dos outros e da solidariedade social, devem ser chamados a responder pelo exercício que fazem dessa liberdade, pelas consequências dos seus actos e comportamentos.
Legislativamente tal princípio encontra-se consagrado nos artigos 483º e 798º do CCiv, segundo os quais quem viola ilicitamente os direito ou interesses alheios ou incumpre as suas obrigações fica obrigado a indemnizar pelos prejuízos causado. Consistindo essa indemnização na reconstituição da situação que existiria se não tivesse ocorrido o evento que obriga à reparação (artº 562º do CCiv).
O princípio da justiça pública resulta da consideração de que a tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos e a dirimição dos correspondentes litígios deve ser confiada em exclusivo a órgãos do Estado. Encontra-se consagrado no artº 1º do CPC, que estatui não ser lícito o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito.
E como corolário deste princípio resulta, ainda, um outro princípio qual seja o de que a necessidade de recorrer ao processo não deve ocasionar dano ao pleiteante que tem razão (23), o qual encontra o seu afloramento legislativo no artº 446º, nºs 1 e 2, do CPC, que determina a condenação em custas da parte vencida.
De tais princípios estruturantes resulta, pois, inequívoco que se alguém tem necessidade de recorrer aos tribunais para obter tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses e lhe vê concedida razão, tem direito a ser indemnizado, também, pelos encargos que o recurso ao processo lhe ocasionou, que são, ainda, prejuízos que lhe advieram em função da conduta de terceiro violadora do direito ou interesse cuja tutela se visou com a acção.
Esses encargos consubstanciam-se essencialmente nas despesas que a parte é obrigada a fazer para a condução do processo, “afora as remunerações (honorários) dos seus advogados ou solicitadores e as despesas pessoais das próprias partes” (24), e recebem a designação de custas.
Entendeu o legislador que as custas do processo eram merecedoras, em função dos valores em causa (25), de uma regulamentação específica, designadamente que, de uma forma oficiosa, na decisão da causa se determinasse o responsável pelas custas e se proferisse a respectiva condenação.
Assim dedica-se no CPC uma secção – artigos 446º a 455º – às custas (custas essas que, relembra-se, em bom rigor, não incluem os honorários do advogado (26)).
Aí se determina a oficiosidade da condenação em custas (artº 446º) e se regula a responsabilidade das mesmas, segundo aqueles princípios e em casos específicos.
A responsabilidade pelas custas é encargo de quem tenha dado causa à acção; e quem dá causa à acção é o que provoca o litígio e a necessidade da sua resolução por via da acção: a parte vencida, e na proporção em que o for (artº 446º).
Quando não haja litígio e, consequentemente, a necessidade da acção não pode ser imputada à responsabilidade do vencido – o que, designadamente, se verifica quando o autor se proponha exercer um direito potestativo que não tenha origem em facto ilícito praticado pelo réu, quando a dívida seja inexigível ou quando se use do processo declarativo podendo usar-se o processo executivo ou o recurso de revisão (artº 449º, nº 2) – as custas são da responsabilidade de quem tirou proveito da acção, normalmente o seu autor (artigos 446º e 449º), excepto se houver contestação ou a finalidade legal da acção seja de protecção ao réu (artº 449º, nos 1 e 3); no primeiro caso porque o litigio, e a responsabilidade daí derivada, surge com a contestação, e no segundo caso porque é o réu que tira proveito da acção.
De tal regulamentação não se descortina qualquer desvio à aplicação dos princípios estruturantes acima apontados; pelo contrário o que ocorre é o seu integral respeito, agora reforçado pela introdução da oficiosidade da responsabilização. Ou seja, continua a ser válida a afirmação de que quem tem necessidade de recorrer aos tribunais para obter tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses e lhe vê concedida razão, tem direito a ser indemnizado, também, pelos encargos que o recurso ao processo lhe ocasionou. O que ela lhe veio acrescentar é que tal direito, no que se refere às custas, é reconhecido oficiosamente, independente da formulação do correspondente pedido.
Quanto aos honorários do advogado não se vislumbra, até aqui, qualquer disposição legal que leve a exclui-los da regra geral retirada dos citados princípios estruturantes.
O CPC, porém, refere-se aos honorários do advogado em concreto em dois casos específicos. O primeiro é a litigância de má-fé que implica a condenação numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir, que poderá consistir no reembolso das despesas que a má-fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários do advogado (artigo 457º). O segundo é o caso da inexigibilidade da obrigação no momento da propositura da acção em que o autor, não sendo contestada a existência da obrigação, é condenado nas custas e a satisfazer os honorários do advogado do réu (artº 662º).
A tese tradicional atribui a estas duas normas uma natureza excepcional, por contraposição à regra geral formulada no CCJ, concluindo ser os únicos dois casos em que será admissível uma indemnização autónoma pela integralidade dos honorários do advogado.
Não se nos afigura, porém, que tais normas tenham qualquer carácter excepcional; antes elas são a reafirmação da regra geral que decorre dos princípios estruturantes de que se alguém tem necessidade de recorrer aos tribunais para obter tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses e lhe vê concedida razão, tem direito a ser indemnizado, também, pelos encargos que o recurso ao processo lhe ocasionou, incluindo os honorários com o advogado.
Sendo a litigância de má-fé uma actividade ilícita os custos originados nessa litigância devem ser suportados por quem procedeu de forma ilícita, segundo o princípio da responsabilidade. E é isso que o artº 457º do CPC vem reafirmar; que aquele que litiga de má-fé tem de suportar os encargos que, com essa litigância (e só com ela), a parte contrária suportou, honorários incluídos (27). Não há nessa disposição nada de excepcional, mas antes uma mera reafirmação da regra, para uma particular situação.
A tese tradicional parte, aliás, neste aspecto de um pressuposto incorrecto qual seja a de que o artigo em causa estabelece que no caso de litigância de má-fé a indemnização abarca os honorários com o processo. Tal, porém, não é verdadeiro porquanto o que a disposição legal impões é a responsabilização pelos encargos, incluindo honorários, com a má-fé do litigante; ou seja, apenas os encargos decorrentes da litigância de má-fé e não de todo o processo. E pode bem ocorrer que a seja a parte vencedora que tenha litigado de má-fé; caso em que esta terá de suportar os encargos decorrentes da má-fé, mas não já os do processo na parte não decorrente daquela má-fé.
A situação prevista no artº 662º, nº 3, do CPC resulta de a acção ter sido proposta sem que houvesse litígio quanto à existência da obrigação e sem que houvesse necessidade de a intentar (28), pelo que foi o autor quem deu causa à acção e deve ser responsabilizado pelas despesas a que a mesma deu causa – as custas (em perfeita consonância com o disposto no artº 449º, nºs 1 e 2, al. b), do CPC) e os honorários do advogado (segundo as regras gerais).
Também aqui se não vislumbra qualquer carácter de excepcionalidade, mas antes a reafirmação dos princípios gerais (29).
Resta, por fim, abordar a problemática da natureza da procuradoria.
Embora, como já se referiu, na terminologia do CPC as custas não abranjam as despesas com honorários de advogados, o CCJ veio incluir no âmbito das mesmas a procuradoria (artigo 33º, nº 1, al. c), anteriormente artº 32º. nº 1, al. g), mais anteriormente artº 65º, al. e) e ainda antes artº 65º, nº 1, al. d)), a qual é fixada em função da taxa de justiça (anteriormente, valor) do processo e tem como função a indemnização à parte vencedora pelas despesas com o patrocínio judiciário.
Segundo a tese tradicional com o regime da procuradoria a lei veio estabelecer o modo de indemnização do vencedor pelas despesas com honorários do advogado, não havendo lugar a uma indemnização autónoma por tais despesas, salvo nos dois casos, tidos por excepcionais, já referidos.
Entendemos, porém, e na esteira do pensamento que vem sendo expresso, não haver fundamento para tal entendimento.
Desde logo o regime da procuradoria não é o único legalmente admissível para obter o reembolso das despesas com honorários de advogado. Quem o diz é o próprio CCJ quando, como já se referiu, no seu artigo 40º, nº 7 (anteriormente 84º, nº 5), determina que a procuradoria é abatida nas despesas judiciais, indemnizações, diferença de juros ou pena convencional a que o vencedor tenha direito por vir a juízo; mais se depreendendo que à procuradoria é atribuído um carácter residual na medida em que esta só releva no caso de não haver lugar a qualquer daquelas situações.
E, por outro lado, tal entendimento está em absoluta desconformidade com os princípios estruturantes aplicáveis, o que é sistematicamente inaceitável. Assim, sob pena de imputar a tais normas vício invalidante (como a inconstitucionalidade ou a ilegalidade), haverá de procurar da possibilidade de uma interpretação das mesmas em conformidade com a unidade do sistema jurídico, designadamente no respeito pelos princípios estruturantes que temos como referência – o da responsabilidade e o de que o processo não deve causar encargo.
De tais princípios extrai-se a regra de que se alguém tem necessidade de recorrer aos tribunais para obter tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses e lhe vê concedida razão, tem direito a ser indemnizado, também, pelos encargos que o recurso ao processo lhe ocasionou. Esse direito a indemnização estaria, como é regra geral, sujeito ao princípio do pedido; mas viu-se que o legislador excepcionou esse direito de tal princípio ao estabelecer a oficiosidade da condenação em custas. Mas porque as custas em sentido estrito não incluem as despesas com honorários, o legislador incluiu nelas a procuradoria para que, dessa forma, o sistema de oficiosidade na condenação lhe seja também aplicável, embora de uma forma mitigada na medida em que tem presente que a procuradoria, porque quantificada a forfait, pode não abranger a totalidade do despendido com honorários.
O sistema processual de condenação oficiosa em custas surge, assim, como uma forma prática, simplificada e expedita de a parte vencedora obter o pagamento das despesas por si realizadas em virtude do pleito (30), sem acréscimo de actividade processual e sem estar sujeito à densidade de alegação própria da acção de responsabilidade civil; mas tem carácter subsidiário, não retirando o direito à parte vencedora de em acção de responsabilidade peticionar o pagamento de tudo aquilo que despendeu com o processo (31), tendo apenas como limite a impossibilidade de repetir o que possa ter recebido em virtude da condenação oficiosa.

E assim sendo, como entendemos que o é, assiste aos AA o direito a serem reembolsados pelas suas despesas com o patrocínio forense na causa.
Mas apenas, como resulta do que vem de se expor, na medida do seu vencimento.
Ao intentarem a acção os AA peticionaram a condenação de três réus a pagarem-lhes determinadas quantias referentes a danos emergentes, lucros cessantes e danos na imagem atinentes a um contrato de arquitectura de remodelação integral do Estádio …, ao cumprimento de um contrato de arquitectura de remodelação parcelar do mesmo Estádio, juros de mora desde a citação e gastos com o patrocínio judicial, sendo que não lhe foi reconhecida razão (em decisão já transitada) quanto aos lucros cessante e danos na imagem e na responsabilização de dois dos réus. Pelo que, nessa parte, não lhes assiste o direito a serem indemnizados pelas correspondentes despesas do patrocínio judiciário (antes, pelo contrário, estão sujeitas ao reembolso das despesas de patrocínio judiciário que causaram aos RR).
Não sendo possível quantificar a parte dos honorários correspondente a tais aspectos entende-se ser de proceder a tal fixação por recurso à equidade, por apelo ao prescrito no artº 566º, nº 3, do CCiv.
Assim, considerando a globalidade dos pedidos e o seu montante, a estrutura das relações jurídicas invocadas, o número de réus e ao facto de a sucumbência se ter tornado definitiva na 1ª instância, tem-se por equitativo fixar em 95% a parte dos honorários correspondentes à parte em que os AA obtiveram ganho de causa.
Por outro lado não se mostram tais honorários ainda quantificados pela singela razão de que a lide ainda se não encontra finda; sendo certo que não pode considerar-se já liquidado o montante indicado pelos AA pela também singela razão da inexistência da mínima prova de que tenham sido pagos honorários naquele montante. Daí que se impõem a condenação no que vier a ser liquidado, nos termos do artigo 661º, nº 2, do CPC, havendo lugar ao abatimento da procuradoria, nos termos do artº 40º, nº 7, do CCJ.

V – Conclusões
Do exposto podem extrair-se as seguintes conclusões:

1. Para que se tenha um contrato por concluído basta que tenha havido acordo quanto aos elementos essenciais do mesmo desde que fique demonstrado que as partes apenas entenderam por necessário o acordo sobre esses elementos;
2. O denominado ‘contrato de arquitectura’ conclui-se no momento em que as partes acordam em que uma delas (arquitecto) vai alocar os seus conhecimentos e meios à satisfação dos interesses da outra (‘dono da obra’) para, com a colaboração desta, obter a adequada concretização de um projecto;
3. No ‘contrato de arquitectura’ o ‘dono da obra’ pode em qualquer altura, livremente e sem qualquer restrição, revogar ou desistir do contrato, contanto que indemnize a outra parte do prejuízo que ela sofrer;
4. As partes podem convencionar antecipadamente (a fórmula de cálculo d)o montante dessa indemnizações;
5. O facto de serem deduzidos pedidos subsidiários não leva a que se considere a dívida que vier a ser apurada como ilíquida;
6. Se alguém tem necessidade de recorrer aos tribunais para obter tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses e lhe vê concedida razão, tem direito a ser indemnizado, também, pelos encargos que o recurso ao processo lhe ocasionou, que são, ainda, prejuízos que lhe advieram em função da conduta de terceiro violadora do direito ou interesse cuja tutela se visou com a acção, nomeadamente os honorários do seu advogado.
7. O sistema processual de condenação oficiosa em custas configura uma forma prática, simplificada e expedita de a parte vencedora obter o pagamento das despesas por si realizadas em virtude do pleito, sem acréscimo de actividade processual e sem estar sujeito à densidade de alegação própria da acção de responsabilidade civil; mas tem carácter subsidiário, não retirando o direito à parte vencedora de em acção de responsabilidade peticionar o pagamento de tudo aquilo que despendeu com o processo, tendo apenas como limite a impossibilidade de repetir o que possa ter recebido em virtude da condenação oficiosa.

VI – Decisão
Termos em que, na procedência da apelação dos AA e na improcedência da apelação do Réu, se revoga a decisão recorrida (na parte não transitada) e, e substituição, se condena o R. E…:
d) a pagar aos AA a quantia de € 974.838,14 (novecentos e setenta e quatro mil oitocentos e trinta e oito euros e catorze cêntimos);
e) a pagar, sobre a quantia referida na alínea precedente e aquela em que já vem condenado da 1ª instância, juros de mora contados desde a citação, às taxas de juro legal sucessivamente aplicáveis;
f) a pagar aos AA 95% das despesas com honorários de advogado para esta causa, abatidas da correspondente procuradoria, no montante que vier a ser liquidado.

Custas de ambas as apelações pelo E… e da 1ª instância na proporção de vencido (que, por facilidade de cálculo, se fixam em 5% para os AA e 95% para o E….



_______________________________________
1.-Cf. artº 684º, nº 3, e 690º CPC, bem como os acórdãos do STJ de 21OUT93 (CJ-STJ, 3/93, 81) e 23MAI96 (CJ-STJ, 2/96, 86).

2.-Cf. acórdãos do STJ de 15ABR93 (CJ-STJ, 2/93, 62) e da RL de 2NOV95 (CJ, 5/95, 98). Cf., ainda, Amâncio Ferreira, Manual dos recursos em Processo Civil, 5ª ed., 2004, pg. 141.

3.-Cfr artigos 713º, nº 2,, 660º, nº 2, e 664º do CPC, acórdão do STJ de 11JAN2000 (BMJ, 493, 385) e Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, III, 247.

4.-CCiv Anotado, vol I, 1987, pg. 220.

5.-cf. Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral, 2002, pgs. 253 a 258.

6.-cf. Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações (Parte Especial) Contratos, 2003, pg. 327-328.

7.-cf. acórdão do STJ de 22SET2005 (Proc. 04B4673), em www.dgsi.pt.

8.-artº 1156º do CCiv.

9.-cf. J. Batista Machado, RLJ, ano 118, pg 278 e acórdão do STJ de 22SET2005 (Proc. 04B4673), em www.dgsi.pt.

10.-artigos 1170º, nº 1, e 1229º do CCiv.

11.-artigos 1172º, al. c), e 1229º do CCiv.

12.-artigos 405º e 809º e 810º CCiv.

13.-cf a este propósito o disposto no artº 1171º CCiv.

14.-cf. acórdão do STJ de 15JUN93 (BMJ, 428, 530).

15.-cf. acórdão do STJ de 15JUN93 (BMJ, 428, 530).

16.-como se dá nota no mesmo acórdão ao referir que “este regime pode dar lugar a situações de injustiça”.

17.-face aos montantes da procuradoria e ao facto de, até há bem pouco tempo, ela se destinar a financiar diversas entidades que não a parte.

18.-cf. acórdão do STA de 9JUN99 (proc. 043994), 6JUN2002 (proc. 24779A) e 8MAR2005 (proc. 039434A).

19.-parafraseando a expressão do acórdão da Relação de Évora de 29ABR2004 (proc. 506/04-3).

20.-e não apenas para os casos excepcionais, dado que os termos da sua previsão claramente extravasam em muito os casos que são apontados como excepcionais.

21.-cf. artº 277º, nº 1, in fine da Constituição.

22.-artigos 1º, 2º e 20º da Constituição.

23.-cf. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pgs. 344 e 390.

24.-idem, pg. 339-340.

25.-a que não são alheios os próprios interesses tributários do Estado.

26.-embora possam constituir garantia do pagamento dos honorários, nos termos dos artigos 454º e 455º.

27.-sendo que a específica referência a honorários encontra explicada pelo facto de na terminologia do CPC as custas não abrangerem as despesas com honorários

28.-em que, no fundo, o réu foi compelido a vir a juízo apenas para afirmar a inexigibilidade da obrigação.

29.-a única excepcionalidade que aqui se pode encontrar é a de que a indemnização pelas despesas com honorários é oficiosamente determinada, sem necessidade de pedido, como é regra geral (incluindo no caso da litigância de má-fé).

30.-cf. acórdão do STA de 6JUN2002 (proc. 24779A).

31.-designadamente porque as despesas em que incorreu são superiores ao que viria a ser liquidado pelo sistema da condenação em custas.